Ensaios sobre Direito Público contemporâneo: Temas sobre Direito Constitucional e Direito Administrativo
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Ensaios sobre Direito Público contemporâneo - Guilherme Christen Möller
Ensaios sobre Direito Público Contemporâneo: Temas sobre Direito Constitucional e Direito Administrativo
Coordenadores: Guilherme Christen Möller; Cláudia Fernanda Souza de Carvalho Becker Silva; Livia Solana Pfuetzenreiter de Lima Teixeira; Raul Ribas
Colaboradores: Anne Caroline Costa Lima Luciano. Bárbara Cechetto. Bruna Jordana Hasse. Jean Pierre Tambosi. Jéssica Silva Braga. Jéssica Thaís de Souza Fernandes. João Paulo Fritzen. Kael Henrique Lehnhard. Kevin Kempner. Lívia Solana Pfuetzenreiter de Lima Teixeira. Felipe Gabriel Schultze. Luiz Augusto Beduschi Pabst. Marina Peres. Nicole Lima. Pamela Dias Lima.
Prefácio: Dra. Milena Petters Melo
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1ª Edição - Copyright ©Todos os Direitos Reservados aos Coordenadores.
M726e MÖLLER, Guilherme Christen; SILVA, Cláudia Fernanda Souza de Carvalho Becker; TEIXEIRA, Livia Solana Pfuetzenreiter de Lima; RIBAS, Raul. (Coords.).
Ensaios sobre Direito Público Contemporâneo: Temas sobre Direito Constitucional e Direito Administrativo / Guilherme Christen Möller. Cláudia Fernanda Souza de Carvalho Becker Silva. Livia Solana Pfuetzenreiter de Lima Teixeira. Raul Ribas. (Coords.). Anne Caroline Costa Lima Luciano. Bárbara Cechetto. Bruna Jordana Hasse. Jean Pierre Tambosi. Jéssica Silva Braga. Jéssica Thaís de Souza Fernandes. João Paulo Fritzen. Kael Henrique Lehnhard. Kevin Kempner. Lívia Solana Pfuetzenreiter de Lima Teixeira. Felipe Gabriel Schultze. Luiz Augusto Beduschi Pabst. Marina Peres. Nicole Lima. Pamela Dias Lima. - 1.ed. - Rio de Janeiro: Blibliomundi, 2018. 409p.
1. Direito Público. 2. Direito Constitucional e Direito Administrativo. 1. Título
CDD: 340. CDU: 342.
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Coleção Ensaios sobre Direito Público Contemporâneo
Direito Constitucional e Direito Administrativo (vol. 1).
Direito Penal e Direito Processual Penal (vol. 2).
Direito Processual Civil (vol. 3).
Fechamento desta edição: 18 de agosto de 2018
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Bibliomundi
Av. das Américas, 500 - Bloco 6, Sala 201 Rio de Janeiro, RJ
+55 (21) 3646-3905
Volume dedicado ao professor Me. Antônio Carlos Marchiori.
Coleção em homenagem a professora Dra. Ivone Fernandes Morcilo Lixa, por sua heroica e brilhante trajetória que muito nos inspira.
Vivemos na lei e segundo o Direito. Ele faz de nós o que somos: cidadãos, empregados, médicos, cônjuges e proprietários. É espada, escudo e ameaça. Lutamos por nosso salário, recusamo-nos a pagar o aluguel, somos obrigados a pagar nossas multas ou mandados para a cadeia, tudo em nome do que foi estabelecido por nosso soberano abstrato e etéreo, o Direito (...) Somos súditos do império do Direito, vassalos de seus métodos e ideais, subjugados em espírito enquanto discutimos o que devemos, portanto, fazer
. DWORKIN, Ronald. O império do Direito. (Trad. Jefferson Luiz). São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. XI.
Acreditamos que a melhor maneira de apresentar está obra seja contando a sua história, afinal, haveria como desenvolver um livro exclusivo para contar os passos desta obra que você está prestes a ler.
Não seria verdadeiro de nossa parte alegar que a construção desta obra foi algo fácil, aliás, foi justamente o contrário. A dificuldade na confecção desta obra já começava quando, nos primórdios do inverno catarinense do ano de 2017, os Coordenadores desta obra começaram a articular a ideia de sua elaboração, isso sem nem imaginar o que viria pela frente.
De lá para cá, passou-se por muita coisa, diversos e-mails, mensagens, discussões das mais diversas, enfim, bem verdade é que os próprios Coordenadores não sabiam ao certo que fim teria este grande, quiçá maluco, projeto.
Reunir a colaboração de trinta e quatro pessoas, ou melhor, agora, autores(as), é algo que na teoria é fácil, entretanto, quando da prática, chega a ser demasiadamente intenso. Intenso por uma simples e única razão: nós somos seres humanos.
Com isso queremos dizer, cada ser humano é dotado de características singulares, as quais fazem evidenciar a sua distinção em relação às demais pessoas. Nessa perspectiva, cada uma das pessoas que contribuíram para a formação desta obra teve uma trajetória distinta, isso no tocante à sua criação, estudo, contexto social em que esteve/está inserido, dentre tantos outros motivos que aqui poderiam ser citados. Justamente por isso, é natural que nasçam conflitos, desavenças, discussões das mais diversas e pelos detalhes mais singelos que possam existir. Pois bem, acreditamos que não será surpresa para ninguém, mas não custa afirmar que diferente não foi aqui.
Entretanto, após um ano de discussões, obtivemos um consenso que agradasse aos envolvidos, apresentando a coleção Ensaios sobre Direito Público Contemporâneo
, composta por temas relevantes e atuais sobre cinco grandes nichos da área do Direito Público, quais sejam Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Penal, Direito Processual Penal e Direito Processual Civil, abordando temas que vão desde propedêuticas, até mesmo a pontos extremamente específicos de cada uma dessas matérias. Foi intenso! Todavia, no fim, achamos que a graça é essa, afinal, já parou para imaginar se todos as pessoas fossem iguais? Aliás, pior, já parou para pensar se todas as pessoas estudassem a mesma área e uma mesma temática? Chato, não?
Essa pluralidade nas temáticas que compõem a presente obra, na realidade, muito nos enche de orgulho, afinal, todos os autores(as) que compõe a presente obra fizeram um esforço de grau hercúleo para desenvolver uma excelente pesquisa na temática que se propôs a escrever, aliás, o orgulho aumenta à medida que destacamos que em sua maioria são autores(as) de primeira viagem, sendo aqui a sua primeira publicação, as quais são oriundas dos seus respectivos trabalhos de conclusão de curso, entretanto, temos plena certeza de que atuaram com voracidade de conhecimento e habilidade de um autor veterano
.
Ademais, cumpre destacar que, e como você está prestes a observar, a presente coleção é composta, em sua grande maioria, por temáticas que não escapam à trajetórias, que sejam singelas, no Direito Constitucional, o que vem a calhar no ano em que a nossa Constituição Federal de 1988 está completando o seu aniversário de trinta anos, ponto muito positivo, afinal, reforça cada vez mais a sua importância para o Direito, seja no ramo público, seja no ramo privado, ratificando a sua posição central no ordenamento jurídico brasileiro.
Agradecemos de forma calorosa aos autores(as) pela confiança depositada em nós para que a presente obra fosse possível.
Sem mais delongas, apresentamos o primeiro livro da coleção Ensaios sobre Direito Público Contemporâneo
, cuja temática é Direito Constitucional e Direito Administrativo. Desejamos uma excelente e proveitosa leitura!
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Vale do Itajaí e Vale do Rio
dos Sinos, Inverno de 2018
Os Coordenadores
No ano em que comemoramos os 30 anos da Constituição brasileira, os 70 anos da Declaração Universal do Direitos Humanos e os 50 anos do Curso de Direito da FURB, o lançamento da coleção Ensaios sobre Direito Público Contemporâneo
é mais um motivo para celebrarmos.
Esta coleção demostra o salto qualitativo alcançado, nos últimos anos, pelo Curso de Direito da FURB na integração das atividades de ensino, pesquisa e extensão, entre graduação e pós-graduação.
Organizada com a colaboração de alunos e professores, e tendo dentre os Coordenadores alunos, professores e professores ex-alunos, a coleção Ensaios sobre Direito Público Contemporâneo
nasce como resultado da bela história do Curso de Direito da FURB nestes 50 anos, e marca, ao mesmo tempo, a consolidação de uma nova fase desta história. Esta nova fase se caracteriza pela ênfase no Direito Público, focalizada pelo novo Projeto Pedagógico do Curso que contempla o Direito Constitucional e os Direitos Humanos como eixos transversais da formação na graduação, em compasso com a constitucionalização do Direito no Brasil e com a redefinição do espaço público que comporta.
O investimento feito nos últimos anos pelo Centro de Ciências Jurídicas, e pela Universidade, na formação dos Professores, na promoção das atividades de pesquisa, na reformulação pedagógica do Curso e no aprimoramento do acompanhamento dos Trabalhos de Conclusão de Curso (TCCs), encontram aqui, alcançado, o mérito almejado.
Neste primeiro volume da coleção, os leitores encontrarão 14 capítulos muito bem articulados sob a ótica da técnica jurídica e subsídios teóricos para a reflexão crítica sobre temas relevantes que tocam o Direito, os direitos e a sociedade, em particular o Direito Constitucional e o Direito Administrativo.
Os temas analisados, que envolvem questões centrais do debate constitucional e administrativista, relacionadas com a racionalização do poder e com a proteção dos direitos e garantias fundamentais, e temas profundamente atuais como os interrogativos sobre o banco de dados genéticos, a internação compulsória de dependente químico ou a suspensão do whatsapp, são tratados a partir de diferentes perspectivas metodológicas: da teoria à dogmática e metódica constitucional. O diálogo com a Teoria do Direito, com a Filosofia do Direito, com o Direito Penal, com o Direito de Família, com o Direito Comparado, enriquece os caminhos para a reflexão e denota a necessária interlocução interdisciplinar na análise de temas constitucionais. Os diferentes focos de análise, da aplicação das disposições constitucionais ao estudo da jurisprudência e de casos específicos, corroboram a apropriada compreensão do Direito Constitucional como uma ciência de textos e contextos.
Por todos estes aspectos a leitura desta obra é recomendada aos estudantes e profissionais do Direito e áreas afins, bem como aos cidadãos interessados em compreender melhor argumentos específicos do Direito, que encontra hoje na Constituição o seu centro.
Em efeito, a constitucionalização do Direito leva a compreender que hoje a Constituição se coloca no centro do ordenamento jurídico, de onde irradia sua força normativa, dotada de supremacia formal e material.
Contudo, para que a Constituição seja materialmente efetiva, para que realmente funcione normatizando as regras do jogo da vida em sociedade é necessário que exista confiança na Constituição, vontade de constituição
(K. Hesse), para afirmar e consolidar a força normativa da Constituição.
Nesta perspectiva, a Constituição pode ser compreendida como um processo dinâmico, uma forma plasmada, que se desenvolve vivendo
(P. Häberle), e os cidadãos, enquanto membros da sociedade aberta dos intérpretes da Constituição, são corresponsáveis pela duração e a qualidade da vida constitucional.
Em uma democracia todos nós somos responsáveis pela salvaguarda da Constituição. Por isso estudar a Constituição e as políticas constitucionais, e dedicar-lhes atenção crítica e propositiva, é tão importante.
De fato, no período recente a vitalidade da nossa Constituição, e, portanto, da nossa democracia constitucional, tem sofrido duros golpes, para além das mutações poderíamos falar de mutilações (in)constitucionais.
Os capítulos deste volume seguem na direção de realçar e enfatizar a força normativa da Constituição. Por isso parabenizo e agradeço os autores e organizadores desta obra, que alimenta a esperança em relação ao futuro. Que sirva de impulso para os próximos capítulos da nossa história constitucional, e que esta seja mais pródiga na defesa da vida nas suas multifacetadas dimensões.
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Prof. Dra. Milena Petters Melo
Professora Titular de Direito Constitucional - FURB; Coordenadora do Núcleo de Estudos em Constitucionalismo, Internacionalização e Cooperação - CONSTINTER, FURB. Coordenadora do Centro Didático Euro-Americano sobre Políticas Constitucionais - UNISALENTO, Itália/FURB, Brasil.
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Capítulo 1 (p. 13 - 41)
O DESCUMPRIMENTO DAS DELIMITAÇÕES DO SISTEMA DA TRIPARTIÇÃO DOS PODERES E A REPERCUSSÃO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO, NA ANÁLISE DO HABEAS CORPUS 124.306
Anne Caroline Costa Lima Luciano
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Capítulo 2 (p. 42 - 62)
LEI Nº 12.654 DE 2012: A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA CRIAÇÃO DE BANCO DE DADOS GENÉTICOS E EXTRAÇÃO DE MATERIAL BIOLÓGICO DE CONDENADOS POR CRIMES VIOLENTOS OU HEDIONDOS
Bárbara Cechetto
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Capítulo 3 (p. 63 - 87)
O DIREITO À VIDA E O DIREITO À LIBERDADE NO CASO DA MEDIDA DE INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DO DEPENDENTE QUÍMICO
Bruna Jordana Hasse
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Capítulo 4 (p. 88 - 123)
A (IM)POSSIBILIDADE DE CONTRATAÇÃO DIRETA DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: UMA ANÁLISE A PARTIR DO ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL CATARINENSE
Jean Pierre Tambosi
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Capítulo 5 (p. 124 - 151)
SÚMULA 527 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA: AS IMPLICAÇÕES JURÍDICAS DOS LIMITES IMPOSTOS A EXECUÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA
Jéssica Silva Braga
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Capítulo 6 (p. 152 - 179)
A NECESSÁRIA ADEQUAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL E À REFORMA PSIQUIÁTRICA
Jéssica Thaís de Souza Fernandes
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Capítulo 7 (p. 180 - 216)
NEPOTISMO: A APLICAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE Nº 13 NA NOMEAÇÃO DE CARGOS POLÍTICOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BRASILEIRA
João Paulo Fritzen
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Capítulo 8 (p. 217 - 249)
A INDISPONIBILIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS E A PERDA DA NACIONALIDADE DO BRASILEIRO NATO
Kael Henrique Lehnhard
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Capítulo 9 (p. 250 - 282).
A SUSPENSÃO DO WHATSAPP NO BRASIL EM DECORRÊNCIA DO DESCUMPRIMENTO DE DETERMINAÇÃO JUDICIAL ANALISADA À LUZ DAS NORMAS APLICÁVEIS
Kevin Kempner
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Capítulo 10 (p. 283 - 295)
ESTADO PROTETOR OU ESTADO INTERVENTOR? O PAPEL DA FAMÍLIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Lívia Solana Pfuetzenreiter de Lima Teixeira
Felipe Gabriel Schultze
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Capítulo 11 (p. 296 - 327)
A CONCEPÇÃO DA CIÊNCIA DO DIREITO DE GUSTAV RADBRUCH: UMA ANÁLISE DA TRAJETÓRIA DO SEU PENSAMENTO
Luiz Augusto Beduschi Pabst
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Capítulo 12 (p. 328 - 346)
A DISCRICIONARIEDADE DAS COMISSÕES AVALIADORAS DAS RESERVAS DE VAGAS ÉTNICOS-RACIAIS NOS CONCURSOS PÚBLICOS ESTADUAIS: UM ESTUDO À LUZ DA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ
Marina Peres
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Capítulo 13 (p. 347 - 377)
O PODER DE POLÍCIA ADMINISTRATIVA CONCEDIDO AO CORPO DE BOMBEIROS MILITAR DO ESTADO DE SANTA CATARINA PELA LEI Nº 16.157, DE 7 DE NOVEMBRO DE 2013
Nicole de Lima
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Capítulo 14 (p. 378 - 409)
DEMOCRACIA REPRESENTATIVA: A CLÁUSULA DE BARREIRA NO SISTEMA ELEITORAL BRASILEIRO (UMA ANÁLISE COMPARADA ENTRE BRASIL E ALEMANHA)
Pamela Dias Lima
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Anne Caroline Costa Lima Luciano
INTRODUÇÃO
No presente trabalho, em virtude da vastidão do tema, e a título de delimitação deste, opta-se por analisar a perpetuação da insegurança jurídica diante das violações dos limites estabelecidos no sistema da tripartição dos Poderes, especificamente, no controverso caso do Habeas Corpus 124.306.
Na esfera jurídica tem-se nas legislações os manuais de conduta pelos quais devem reger-se as instituições, bem como os indivíduos, salvaguardando lhes, em caráter pétreo, determinadas garantias, transmutadas em princípios, com o fito de evitar prováveis descomedimentos daqueles que deterão o poder. Esta é a essência originária da tripartição Estatal, não somente em caráter nacional, como internacional, sendo evidentemente adaptada quando de sua introdução em terrae brasilis. Todavia, o célebre abismo entre teoria e prática pode atingir impasses temerários quando diante da inércia fiscalizatória da população e a discricionariedade do poder na mão de homens, essencialmente, falíveis. Por conseguinte, incumbe à esfera acadêmica, o árduo labor de averiguar e filtrar toda e qualquer informação e/ou decisões, ato este, necessariamente prévio à reputá-la por absoluta e incontestável[1].
Sopesando, a teoria da separação dos poderes, sua procedência e decorrências, quando da adaptação às delimitações brasileiras, na constância da Constituição vigente, poder-se-á afirmar que a decisão proferida no Habeas Corpus 124.306, representa uma temerária ingerência do Poder Judiciário nos demais Poderes?
A soberania Estatal, e sua consequente intervenção, surgiram com a promessa de isonomia e justiça social. Todavia, o modelo encontra-se em crise, diante da errônea aplicação e ineficácia prática de determinadas teorias, adotadas sem a devida adequação às limitações brasileiras.
Exsurge, portanto, a importância desta pesquisa, à esfera jurídica, sobretudo no que tange ao inexaurível firmamento dos princípios basilares, que originariamente lhe concederam sua raison d'être. A entrada em vigor da Constituição de 1988 representou verdadeiro avanço democrático e político.
À vista disso, pertinente torna-se a compreender todos os elementos que circundaram esse progresso, suas consequências cotidianas e os componentes que impedem a perfeita aplicação da teoria no funcionamento da máquina estatal, especificamente sob a égide do sistema da tripartição dos poderes.
1. ANÁLISE DO HABEAS CORPUS 124.306
Aliud est facere, aliud est dicere[2]
. E muito embora o dever ser
englobe falas muito mais doces ao paladar do que do que o fel da realidade, faz-se necessária a análise da teoria em aplicação, ou, até mesmo, em sua deturpação na prática cotidiana. Nas palavras de Maquiavel Quem negligencia a realidade, preocupando-se com o que imagina que deveria ser feito, antes procura a própria ruína do que preservar-se [...]
[3]. Consequentemente, segue-se à análise do Habeas Corpus nº. 124.306/RJ, e dos elementos que o cingem.
O voto-vista do Ministro Luís Roberto Barroso em resposta ao Habeas Corpus nº. 124.306/RJ, com sua característica eloquência e poder de convencimento delineou seu juízo de valor da questão em debate, razoáveis a alguns, absurdo a outros. Há determinado brocardo latino que versa habilmente a temeridade de se fiar, sem a devida análise, em qualquer tipo de discurso: Habet suum venenum blanda oratio[4]. A história do mundo, certamente, o ratificou com maestria.
Cabe ressaltar, ainda, as palavras de Streck que, com propriedade, assevera: A idéia de que o processo é um instrumento teleológico cujo fim é determinado a partir de escopos políticos, sociais e jurídicos encarrega a jurisdição de - solipsisticamente - levá-los à realização
[5]. Dito em outras palavras, é estarrecedora a maneira como a interpretação do Direito, no Brasil, transmutou-se em um aglomerado de teses utilizadas ad hoc. Havendo a possibilidade de se observar um Tribunal empregar uma metodologia exegético-subsuntiva
, concomitantemente ignorando os limites semânticos do texto jurídico. Eventualmente, no mesmo julgamento, atuando como escravo da lei
em um dado momento, para logo em seguida tornar-se proprietário dos sentidos da lei
, tal qual o personagem Ângelo da peça shakespeariana Medida por Medida
.[6]
Entre as máximas de Cícero, pode-se encontrar a seguinte expressão: Grave ipsius conscientiae pondus
, que em nosso vernáculo traduz é forte o peso da própria consciência
[7]. Inevitável que os julgadores não detenham plena imparcialidade no exercício de sua função típica, contudo faz-se necessário o controle do exercício dessa função com o fito de evitar arbitrariedades que resultem em injustiças.
Em outras palavras, como exposto por Streck[8], essas atuações, ainda que advindas em suprimento às omissões dos demais poderes, revelam um crescimento 'criativo' de um conjunto de álibis teóricos
, aos quais por conveniência, denomina-se de princípios, conquanto cruciais na perquisição de soluções jurídicas, em sua maioria, possuem nítidas pretensões de metarregras, além de, em muitos casos, sofrerem de tautologia. E isso pode representar uma fragilização do direito, ao invés de o reforçar
.
Como na Alemanha de 1949, no que tange à Jurisprudência de Valores, houve um considerável empenho do Bundesverfassungsgericht[9], com o fito de legitimar uma Carta não constituída pela maioria da população alemã. A referência a valores aparece, assim, como mecanismo de 'abertura' de uma legalidade extremamente fechada
[10].
A título de contextualização, cabe ressaltar que no Brasil, os tribunais na ânsia de aplicar a ponderação acabaram por transformá-la de regra à princípio. Utilizando-a descriteriosamente, transmutaram-na em álibi teórico capaz de fundamentar os posicionamentos mais divergentes. A exempli gratia, o caso Ellwanger (HC n. 82.424, em 17/09/2003), no qual argumentos fundados na ponderação sustentaram votos discrepantes, evidenciando a irracionalidade e periculosidade de sua aplicação acrítica.[11]
A ponderação, nesse prisma, pode oportunizar uma porta aberta à discricionariedade.
[...] É preciso lembrar, com Konrad Hesse, que o texto constitucional traz uma necessária vinculação constitucional [...] Se o juiz ou qualquer Tribunal, em afastamento da concepção jurídica positivista (por óbvio, o mestre alemão refere-se ao positivismo exegético), acredita poder passar por cima do direito constitucional escrito (como querem os ministros que defendem a mutação constitucional nesse caso), podem tais resoluções ser tidas como mais apropriadas que as de uma interpretação mais fiel à lei, liberando-se o caminho para se ludibriar a Constituição, em prol de interesses discricionários controvertidos? Abandona-se, assim, a ideia da Constituição escrita pelo estado de insegurança que isso gera. Ou seja, o texto escrito tem uma clara necessidade de vinculação, que não pode ser superada, sob pena de causar fissuras na institucionalidade.[12]
O exercício do poder põe o homem a prova
[13], essa máxima atribuída a Bias, revela a complexidade do poder em mãos de seres essencialmente falíveis. Em consonância, tem-se na abordagem deste momento a análise dos elementos que permearam o voto-vista do Ministro Luís Roberto Barroso no Habeas Corpus nº. 124.306/RJ.
Em suma, a demanda que originou o Habeas Corpus, foco do presente trabalho, surgiu em razão da prisão em flagrante, ocorrida em 14 de março de 2013, dos pacientes E. dos S. e R. A. F., os quais mantinham clínica de aborto, acusados, portanto, pela prática dos crimes previstos nos artigos 288 e 126 do Código Penal de 1940, respectivamente correspondentes à formação de quadrilha e aborto, em concurso material por quatro vezes, ante a provocação de aborto em gestante, com o consentimento desta. Originariamente impetrado no Superior Tribunal de Justiça, como Habeas Corpus nº. 290.341/RJ, na 6ª (sexta) Turma, de relatoria da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, teve o conhecimento negado. Razão pela qual impetrou-se novo Habeas Corpus sob nº. 124.306/RJ, perante a 1ª (primeira) Turma do Supremo Tribunal Federal.
Da síntese da demanda, extrai-se que em 21 de março de 2013, restou concedido, pelo Juízo da 4ª (quarta) Vara Criminal da Comarca de Duque de Caxias/RJ, a liberdade provisória dos pacientes, sob argumentação de que as infrações imputadas são de médio potencial ofensivo, cujas penas brandas permitem, no caso de condenação, a conversão em penas restritivas de direitos ou, até mesmo, o cumprimento em regime aberto.
Não obstante, em 25 de fevereiro de 2014, deu-se provimento ao recurso em sentido estrito proposto pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, decretando a prisão preventiva dos pacientes, com fundamento na garantia da ordem pública e na necessidade de assegurar a devida aplicação da lei penal. Interposto, então, Habeas Corpus no Superior Tribunal de Justiça, que lhe negou conhecimento, não considerando ilegal o encarceramento dos pacientes, no presente caso, ante a seriedade das condutas imputadas.
No Habeas Corpus nº. 124.306/RJ alegaram os impetrantes a inexistência dos requisitos imprescindíveis para a concessão de prisão preventiva, disposta no art. 312 do Código de Processo Penal, sustentaram, ainda, a primariedade dos pacientes, seus bons antecedentes, sua residência fixa no distrito da culpa, bem como a inexistência de tentativa de fuga durante a prisão em flagrante e a desproporcionalidade da custódia cautelar, uma vez que há possibilidade da condenação ser cumprida em regime aberto.
Sendo assim, o relator Ministro Marco Aurélio, em 8 de dezembro de 2014, deferiu a medida cautelar requerida, em favor dos pacientes E. dos S. e R. A. F., estendendo os efeitos aos corréus, D.D.F.; J.M.S. e C.E.S.P., em 27 de junho de 2015. Cabe ressaltar que a Procuradoria-Geral da República opinou pelo não conhecimento do pleito e pela denegação da ordem, com a cassação da liminar deferida aos pacientes e estendida aos corréus.
A despeito do exposto, o Ministro Marco Aurélio votou pela admissão do Habeas Corpus e pelo deferimento do afastamento da custódia cautelar. Seguiu o processo para análise do Ministro Barroso, haja vista sua solicitação de vista antecipada dos autos.[14]
2. LEITURA CONSTITUCIONAL DO HABEAS CORPUS 124.306
No est magni animi, qui alieno liberalis est[15], dessa máxima atribuída a Sêneca[16], em outras palavras, pode-se adequar a presente questão em debate, que não é verdadeiramente magnânimo quem o faz com direitos alheios, em especial com a vida alheia. Nesse sentido, o próprio Ministro Ricardo Lewandowski, já na controversa decisão da ADPF nº. 54[17], afirmou: não é dado aos integrantes do Judiciário, que carecem da unção legitimadora do voto popular, promover inovações no ordenamento normativo como se fossem parlamentares eleitos
.[18]
A hipótese de Foucault[19]é de que o Tribunal não é a expressão natural da justiça, mas, pelo contrário, tem por função histórica reduzi-la, domina-la, sufoca-la, reinscrevendo-a no interior de instituições características do aparelho de Estado
. E sobriamente expõe:
Penso que, atrás do ódio que o povo tem da justiça, dos juízes, dos tribunais, das prisões, não se deve apenas ver a ideia de outra justiça melhor e mais justa, mas antes de tudo a percepção de um ponto singular em que o poder se exerce em detrimento do povo. A luta anti-judiciária é uma luta contra o poder e não uma luta contra as injustiças, contras as injustiças da justiça e por um melhor funcionamento da instituição judiciária. Não deixa de ser surpreendente que sempre que houve motins, revoltas e sedições o aparelho judiciário tenha sido um dos alvos, do mesmo modo que o aparelho fiscal, o exército e as outras formas de poder.[20]
Segundo o magistrado inglês Lord Reid[21]antigamente via-se como escandalosa a possibilidade de um juiz criar o direito ao invés de simplesmente declará-lo. Como chegou-se então ao ponto em que se encontra o judiciário hoje? Para Morton G. White a resposta é o fenômeno da revolta contra o formalismo
. A qual ocorreu sob diferentes prismas nos mais diversos Estados, a título de exemplo, na França surgiu como movimento contrário ao positivismo jurídico; já nos Estados Unidos tratou-se de uma revolta contra o formalismo do case method.[22]
Quando diante de inalteração textual, porém modificação prática da maioria, tem-se o rompimento constitucional de Hesse, como ocorreu com a Constituição de Weimar e o nazismo. Por isso o problema é democrático. Se admitirmos fissuras na ordem constitucional, passaremos a admiti-las no próprio Estado Democrático de Direito
[23]. Hic jacet lepus.[24] Consonantemente, Dymetman[25], utilizou o mesmo exemplo, expondo que ao se tornar uma prática, a lei democrática tenderá a perverter-se, como ocorrido no governo socialdemocrata da República de Weimar, o qual usando de exceção indiscriminadamente acabou por transmutar a exceção no seu exato oposto, a norma. Para essa autora, a exceção refere-se a um dos mecanismos mais perversos das constituições democráticas, representando uma contínua ameaça do poder totalitário, uma vez que a ideia de uma regra autorizada a suspender outra regra, e capaz de introduzir novas regras e até mesmo invalidá-las perpetua a ansiedade e ambivalência, dois mal-estares modernos.[26]
Para Claude Julien, na obra Le Suicide des Démocraties
, enaltecido por Wolkmer[27]como uma das mais concisas proposições feitas à ideologia democrática do ocidente, a democracia ocidental está enferma, haja vista seu acobertamento por invólucros ritualísticos
, aptos a mutilar os princípios democráticos ao permitir que os imperativos da produção, do lucro e da cegueira das forças econômicas sacrifiquem a própria crença democrática
. E complementa essa doença corrosiva da democracia abre caminho para regimes fortes e conservadores.
Para Raymundo Faoro, em sua célebre obra Os donos do poder
:
O poder, no Brasil, não é senão uma tarima (sic) de senzala, acobertada de baixas pompas. [...] virá, na compressão crescente, a tirania, passo derivado da oligarquia, para abrir, pelo descontentamento geral, as portas à anarquia, à sedução do povo pela anarquia, à dissolução do povo pela anarquia [...] O mundo inteiro o está sentindo. O mundo inteiro contra ele se reveste de forças morais, elevando as suas concepções da sociedade, revolucionando as suas leis, democratizando as suas constituições, entregando aos povos a solução dos seus problemas. Só o Brasil não vê. Só o Brasil diverge. Só o Brasil recua. Só o Brasil se acastela na mentira de uma rotina conservadora com que a indústria política mascara os interesses da sua estabilidade. Enquanto é tempo, antes da anarquia - ou antes que o povo a peça? -, urge constituir e organizar a democracia [...].[28]
Ao passo que Ataliba Nogueira[29], ao ponderar quanto ao perecimento do Estado, afirma: Nada de anarquia. O homem não prescinde da sociedade, a sociedade exige o direito, o direito exige a autoridade. Eis a sociedade política. Ela, sim, tem que existir sempre: a sociedade política. A forma de organizá-la, porém, varia de época [...] e de lugar [...]
.
Todavia, essa atuação ativa judiciária, nem sempre é um mal. Streck[30]esclarece, ante as inevitáveis possibilidades de o Parlamento aprovar leis ou emendas inconstitucionais de ocasião
, a jurisdição constitucional deve constituir-se na garantia daquilo que é o âmago do pacto constituinte de 1988. Contudo, isso não pode depender da visão solipsista
, ou seja, da consciência individual de juízes ou tribunais. Nem tampouco poderá substituir-se no lugar do legislador para tal. Uma democracia consolida-se quando todos os Poderes compreendem que a Constituição é a explicitação do contrato social e o estatuto jurídico do político
. Dessa forma, no que se entende por Estado Democrático de Direito, o Judiciário, por intermédio do controle de constitucionalidade, pode servir como via de resistência às abordagens excessivas dos Poderes Executivo e Legislativo, que possam redundar em retrocesso social ou ineficácia dos direitos individuais ou sociais.[31]Sob esse ângulo, o próprio Ministro Barroso, afiança:
O ativismo judicial, até aqui, tem sido parte da solução, e não do problema. Mas ele é um antibiótico poderoso, cujo uso deve ser eventual e controlado. Em dose excessiva, há risco de se morrer da cura. A expansão do Judiciário não deve desviar a atenção da real disfunção que aflige a democracia brasileira: a crise de representatividade, legitimidade e funcionalidade do Poder Legislativo. Precisamos de reforma política. E essa não pode ser feita por juízes.[32]
Não obstante, segundo José Guilherme Berman[33], em seu artigo sobre Hard Cases
, o relegar dos mecanismos políticos ao segundo plano e focar no controle de constitucionalidade recebe diversas críticas dirigidas, em especial, ao caráter antidemocrático do Judiciário, uma vez que detém a palavra final no que tange a interpretação constitucional. Este autor ressalta a existência da notwithstanding clause[34]
, prevista no art. 33 do Constitution Act canadense de 1982, a qual prevê a aplicação de determinado diploma normativo pelo Poder Legislativo, ainda que contrarie a visão do Judiciário sobre o texto constitucional. Fato que despertou interesse dos estudiosos, especialmente aqueles que tinham ressalvas quanto à prática do judicial review, e culminou em sua adoção por outros países, dentre eles, Nova Zelândia, Inglaterra e Israel. Essa forma de fiscalizar o controle de constitucionalidade, denominada de controle brando de constitucionalidade
, sustém que o Judiciário, conquanto relevante, não deve deter a última palavra, ressaltando, dessa forma, o componente democrático.
O judicial review é ponto polêmico, por seu caráter contramajoritário, ante a origem não democrática dos juízes e a alegada consequência da sua ilegitimidade para invalidar normas aprovadas pelos representantes do povo, os quais são democraticamente eleitos. Entretanto, não são quaisquer casos em que se constata essa objeção contramajoritária, uma vez que a jurisdição constitucional detém 2 (dois) componentes: um técnico jurídico, relacionado a aplicação do direito vigente em determinada ordem jurídica e outro político, decorrente do conteúdo aberto de diversas normas constitucionais
[35]. Nesse sentido, ao ponderar sobre o caráter contramajoritário, o próprio Ministro Barroso[36]afirmou que apesar da missão de resguardo do processo democrático e promoção dos valores constitucionais incumbida ao tribunal constitucional, este, em nome da legitimidade democrática [...] não pode desbordar para o exercício de preferências políticas, devendo conter-se nos limites da realização dos princípios constitucionais
.
John Hart Ely[37], escritor responsável pela principal obra crítica no século XX do judicial review, assevera que os Tribunais só devem interferir na legislação democraticamente aprovada quando a própria integridade do processo de deliberação tenha sido violada, mas jamais para realizar escolhas substantivas
. Sendo assim, na visão deste autor, a intervenção judiciária no processo político não é ilegítima sempre, mas deve ser limitada aos casos em que os caminhos da democracia encontrem-se obstruídos ou quando seja necessário proteger determinados direitos de minorias contra as maiorias ocasionais
.
Autores como Stephen M. Griffin, John Hart Ely, Carlos Santiago Nino e Jürgen Habermas, ligados a uma teoria constitucional procedimentalista, tendem a ver o judicial review com ressalvas, ante seu matiz antidemocrático. Todos estes, conquanto questionem sua legitimidade, acabam por aceitar sua existência, desde que em situações específicas, como: em razão da necessidade de se proteger direitos individuais (Griffin), os mecanismos democráticos (Ely e Nino), ou para proteger ambos, embora com moderação (Habermas)
.[38]E tendo em mente a decisão em análise, as opiniões convergem à ideia de não se tratar, em absoluto, de um hard case, como vê-se na seguinte exposição:
Ao que tudo indica, nossa práxis judicial apenas assimilou (e muito bem) que o juiz constrói
a norma, mas esqueceu de realçar a dimensão do limite da atividade interpretativa. Como resultado, o direito legislado não oferece minimamente segurança e previsibilidade e cada juiz se transforma em uma constituição viva
. [...] Não estamos diante de um hard case. A rigor, tecnicamente, o caso é de fácil solução. O que se verifica aqui é mais um exemplo de como essa teoria foi recepcionada equivocadamente no país e como tem sido empregada de forma distorcida para camuflar decisionismos judiciais. Com efeito, além da manipulação conteudística da constituição para encobrir moralismos individuais, foram abertas as portas para a identificação de um sem-número de novos princípios supostamente embutidos nos preceitos constitucionais. Sob o argumento de não se aplicar a letra fria da lei
, contendo regras jurídicas que deveriam ser aplicadas em toda sua inteireza, saca-se um princípio como razão de decidir, arrefecendo o postulado da legalidade e da constitucionalidade em decorrência de práticas decisórias inconsistentes e reveladoras de um abuso de princípios. No fundo, por não concordarem com a constituinte e a constituição, o STF [...] utilizando, equivocadamente, alguns postulados teóricos no afã no conferir legitimidade à decisão. Deveriam ter ouvido a lição do ex-ministro Sepúlveda Pertence: é fundamental fugir à tentação de inserir no direito positivo as nossas convicções sobre o que ele deveria ser
.[39]
Nessa perspectiva, com base nas exposições destes autores, pode-se constatar a ingerência perpetrada pelo Poder Judiciário nos demais Poderes, em especial no Poder Legislativo, haja vista a ausência de justificativas de excepcionalidade do caso no qual proferiu-se a decisão em comento, aptas a legitimar tal invasão. Esta constatação, conquanto aparentemente insignificante, pode representar graves fissuras no Pacto Constitucional e no Estado Democrático de Direito.
Para Cappelletti[40]a solução reside na responsabilização. A responsabilidade judicial pode significar o poder dos juízes (ao mesmo tempo um dever de exercer a função jurisdicional), bem como o seu dever de prestação de contas (accountability). Afirma ainda que o problema humano da responsabilidade judicial é tão antigo quanto a civilização jurídica
. Para John H. Merryman:
Os juízes exercitam um poder. Onde há poder deve haver responsabilidade: em uma sociedade organizada racionalmente, haverá uma relação diretamente proporcional entre poder e responsabilidade. De consequência, o problema da responsabilidade judicial torna-se mais ou menos importante, conforme maior ou menor poder dos juízes em questão.[41]
O magistrado francês Roger Fabre complementa um poder sem responsabilidade é incompatível com um sistema de governo democrático
. É necessário, portanto, que exista uma relação de proporcionalidade entre poder e responsabilidade, de modo que o aumento do poder corresponda ao aumento dos controles do exercício de tal poder. Essa interdependência é intrínseca ao que se costuma denominar de sistema de pesos e contrapesos ou checks and balances.[42]
Para Thomas Jefferson[43]o sistema checks and balances, referia-se: aquele em que os poderes estão de tal forma repartidos e equilibrados entre os diferentes órgãos, que nenhum deles pode ultrapassar os limites estabelecidos pela Constituição, sem ser eficazmente detido e contido pelos outros
.
Conforme Cappelletti[44]pode-se afirmar, indubitavelmente, que as responsabilidades (poderes) dos juízes nas sociedades modernas expandiram-se consideravelmente, de forma que é natural que o problema da responsabilidade como accountability, tenha se tornado peculiarmente agudo. TAVARES concorda: [...] a proeminência do poder Judiciário, na época atual, é sentida de maneira bastante intensa - com exceção do modelo francês - servindo de base à necessária remodelagem da clássica teoria da separação dos poderes, no que se refere às relações entre estes
[45].
Cappelletti[46]afiança a existência de dois obstáculos historicamente reais, apesar de modernamente reputados como inaceitáveis, quais sejam, a ideia de que the king can do no wrong[47]
e o princípio res judicata facit jus
. Ambos inadmissíveis hoje, uma vez que o primeiro é antagônico com a concepção liberal-democrática do Estado e o derradeiro tem suas raízes na errônea absolutização do princípio da coisa julgada
. Streck vai direto ao ponto:
Como surge e em que reside a discricionariedade positivista? A resposta é simples. Na medida em que - no mundo
do semantic sense - sempre há um déficit de previsões (afinal, é impossível que um texto abarque todas as possibilidades aplicativas), as posturas positivistas delegam
ao juiz o preenchimento desse vácuo de sentido. Essa delegação em favor do poder discricionário fragiliza a autonomia do direito e a própria democracia.[48]
Diante desse quadro fático, há quem afirme tratar-se de uma hipertrofia do judiciário[49]cujas consequências englobam desde o decréscimo na qualidade das decisões proferidas, em virtude da quantidade exacerbada de processos, cumulando em morosidade, que, por vezes, redunda em obsoletismo ante o atraso, até os descomedimentos nas interpretações das normas vigentes, pelo excesso de poderes e atribuições cumulados a ausência de real e eficiente accountability.
Não obstante, para asseverar que houve excessos nas interpretações faz-se necessária a exposição dos dispositivos legais relativizados ou mesmo afrontados com as fundamentações da decisão sob análise. Sendo assim, no que concerne à legislação vigente, tem-se, um tanto quanto exauridos, art. 5º, caput, da Constituição Federal de 1988, o qual garante a inviolabilidade do direito à vida. Ao qual pode-se cumular o art. 7º da Lei n.º 8.069/90, também denominada de Estatuto da Criança e do Adolescente, que garante direito à vida, mediante políticas sociais públicas que permitam o nascimento e desenvolvimento sadio, bem como o art. 2º do Código Civil de 2002 o qual põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
Há de ressaltar-se outros dispositivos do referido Código Civil que asseguram determinadas prerrogativas aos nascituros, dentre eles o art. 1.798 que reconhece como legítimos sucessores do falecido os concebidos à época da abertura da sucessão; o art. 1.779, que assegura o direito do nascituro a um curador, quando necessário; no art. 542, o direito do nascituro de receber doações; no art. 1.609, o direito de ter reconhecida a paternidade prévio ao nascimento.
Todos estes referidos dispositivos vigentes e aprovados em acordo com as regras estabelecidas ao Poder Legislativo, cujos parlamentares, na qualidade de representantes do povo, são eleitos direta e democraticamente, por sufrágio universal. Ora, é de se questionar que para relativização de tais consolidados dispositivos legais haja embates graves, conflitos principiológicos, dos quais inexista outra possibilidade de resolução que não a relativização de alguns destes. Somente essa imprescindibilidade e inevitabilidade justificaria e legitimaria plenamente uma decisão que ferisse tais direitos constitucionalmente garantidos e infraconstitucionalmente amparados.
3. A TRIPARTIÇÃO DOS PODERES E A DECISÃO NO HC 124.306
A Idade Média é comumente denominada a Idade das Trevas, seja por aqueles que defendem uma obscuridade atribuída ao teocentrismo da época, seja pelos impedimentos originados da Igreja no que tange aos avanços científicos e intelectuais. Um período sombrio. Todavia, a que se atribui essa escuridão dos tempos medievais? Desde o estabelecimento de sua base no século V até seu fenecimento no século XV, o clero detinha abissal influência, senão plena, até que adviesse a separação Igreja/Estado, com a laicização dos Estados. Pode-se indagar de onde se abrolhava essa influência, certamente diversos fatores contribuíam, mas por ora, importa destacar somente um aspecto.
Não é abstruso relembrar o domínio detido pelo clero nesse período, no que tange à intelecção populacional. É sabido, que um dos principais momentos da Reforma Protestante foi a tradução do texto bíblico às línguas locais, de forma a possibilitar que o próprio povo realizasse sua leitura e interpretação, não é mero acaso que os sermões ocorressem em latim, bem como todos os textos impressos mantivessem-se, nessa língua originária, e, de conhecimento de poucos, em geral, somente do próprio clero.
Eis o ponto nevrálgico, o isolamento da interpretação à determinados entes. Não divergente do panis et circenses romano, alienação populacional, obtida por intermédio de distrações e míseros benefícios, evitando o despertamento daqueles que verdadeiramente detém o poder, uma noção de origem antiga, porém não tão obsoleta em sua aplicação, apenas adaptada às evoluções
. Afinal, uma vez que se desconhece seu poder, não irá exercê-lo, por não estar cônscio dele.
Certamente, um exemplo esdrúxulo em comparação à gravidade do tema em pauta, mas a título de exemplificação e esclarecimento, imagine-se um indivíduo hipossuficiente, que em caráter emergencial, precisa adquirir, para sua família, determinado suprimento alimentício em um estabelecimento, sob pena de grave dano à saúde de um dos membros de sua família, e, suponha-se que o valor deste produto ultrapasse os ínfimos recursos pecuniários que detém em mãos e a sua disposição naquele instante. Certamente, uma circunstância precária. Não obstante, esse indivíduo havia reservado um número x de cédulas em certo compartimento de sua carteira, olvidando-se dele e não o encontrando naquele momento.
Sabe-se, portanto, que este indivíduo detém os recursos indispensáveis à solução de sua debilitante posição, entretanto, por insciência disso, jaz insolúvel, de forma que se retira do estabelecimento sem o tão crucial produto, sob o risco de prejuízos insanáveis em seu lar. Ainda mais grave, pode-se, hipoteticamente, prever um segundo desfecho, que este indivíduo recorra à meios escusos para obtenção daquilo que lhe é tão imprescindível no momento, causando, do mesmo modo, embora com consequências distintas, prejuízos irremediáveis, no caso de perpetração de infrações das leis vigentes.
Com o exposto, aplicando-se ao tema sob análise, pode-se extrair que o desconhecimento dos recursos à sua disposição, ou até mesmo do seu poder como cidadão, podem render-lhe perdas incalculáveis, de repercussões inimagináveis, em última instância, podem até mesmo, representar sua ruína. Eis a gravidade e relevância da interpretação, pois aquele que a detém, nas palavras do bispo de Bangor[50], País de Gales: whoever has an absolute Authority to interpret any written, or spoken Laws; it is He, who is truly the Law-giver, to all Intents and Purposes; and not the Person who first wrote, or spoke them
.[51]
No contexto atual, o detentor da interpretação é aquele que irá aplicá-la, o que significa, em outras palavras, que será o judiciário o responsável por tão árduo e temerário labor, e a falibilidade humana só agrava essa atribuição. Streck demonstra a seriedade das circunstâncias e a necessidade de se repensar a dogmática jurídica:
Com efeito, inserida em uma forte crise de paradigma(s), que sustenta a (des)funcionalidade do Direito, e retroalimentada por um campo jurídico conhece
, contempla
e assume
o seu lugar , a dogmática jurídica deve ser retrabalhada em uma perspectiva criativa/criadora. Esse lugar assumido
pelos operadores jurídicos engendra uma espécie de síndrome de Abdula
, que pode ser extraída de um conto de Ítalo Calvino. Pela estória, Alá ditava o Corão para Maomé, que, por sua vez, ditava para Abdula, o escrivão. Em determinado momento, Maomé deixou uma frase interrompida. Institivamente, o escrivão Abdula sugeriu-lhe a conclusão. Distraído, Maomé aceitou como palavra divina o que dissera Abdula. Este fato escandalizou o escrivão, que abandonou o profeta e perdeu a fé. Abdula não era digno de falar em nome de Alá. Não há exagero em fazer uma analogia desta estória com o que ocorre no cotidiano das praticas jurídicas. Assim como o personagem Abdula não tinha consciência de seu poder (e de seu papel), os operadores jurídicos
também não conhecem as suas possibilidades hermenêuticas de produção do sentido. Em sua imensa maioria, prisioneiros das armadilhas e dos grilhões engendrados pelo campo jurídico, sofrem dessa síndrome de Abdula
. Consideram que sua missão e seu labor é o de - apenas - reproduzir os sentidos previamente dados/adjudicados/atribuídos por aqueles que possuem o skeptron, isto é, a fala autorizada! Não se consideram dignos-de-dizer-o-verbo. Perderam a fé em si mesmos. Como órfãos científicos, esperam que o processo hermenêutico lhes aponte o caminho-da-verdade, ou seja, a correta interpretação da lei
! Enfim, esperam a fala-falada, a revelação-da-verdade.[52]
Com efeito, o próprio Streck[53]afirma que, atualmente, pode-se dizer que o Brasil vivencia um fenômeno que se encontra no extremo oposto da síndrome de Abdula
, o que ele denomina como síndrome de Maomé
, onde, ao invés de não se considerar digno, como Abdula, consideram-se excessivamente dignos, de até mesmo deturpar o sentido da lei, com a utilização do célebre panprincipiologismo, cunhado pelo próprio Streck, que serve de álibi para interpretações divergentes.
Segundo Streck[54]deve ser relativizada a ideia moderna de que o Estado Democrático de Direito depende muito mais da ação judiciária do que dos procedimentos legislativos ou administrativos, uma vez que o Judiciário não pode ser tratado como a poção mágica para solução dos fracassos e insuficiências das políticas de welfare state
. Alega ainda que essa visão pode criar na população a errônea tendência de apostar no paternalismo jurisdicista ao invés de reivindicar seus direitos na esfera política, gerando com isso, cidadãos de segunda classe
. Sabendo-se, no entanto, que o extremo oposto, como uma república de juízes
é também temerário. Deve-se conservar em mente, que ao optar por um Estado intervencionista, durante o processo constituinte, a fim de obter uma sociedade mais justa, menos desigual, etc., esperava-se dos Poderes Executivo e Legislativo o devido cumprimento dos programas constitucionais. Entretanto, na falta de políticas públicas que cumpram os ditames do Estado Democrático de Direito, o Judiciário surge como instrumento de resgate dos direitos irrealizados.[55]Não obstante, "quem não consegue