A Political Question Doctrine no Direito Brasileiro
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A Political Question Doctrine no Direito Brasileiro - Matheus Bittar Barra
1. INTRODUÇÃO
If men were angels, no government would be necessary. If angels were to govern men, neither external nor internal controls on government would be necessary. In framing a government which is to be administered by men over men, the great difficulty lies in this: you must first enable the government to control the governed; and in the next place oblige it to control itself. (JAMES MADISON, 1788).
O judicial review, desde sua concepção no famoso caso Marbury v. Madison (1803), é causa de diversos questionamentos por parte de juristas de todo o mundo. Um dos grandes focos de controvérsia é a compatibilização entre o judicial review, o constitucionalismo e a separação dos poderes.
A ideia da separação dos poderes como teoria de governo desafeta ao despotismo preconiza a existência de três poderes estatais básicos e separados uns dos outros: legislar, executar e julgar (MONTESQUIEU, 2005 [1748]).
Mas tal separação, evidentemente, não é completamente estanque e rígida quanto às funções tradicionais
de cada poder de modo a se inadmitirem intersecções (KELSEN, 2016 [1945])²_³. Igualmente, a separação dos poderes, vista de forma pura
, é incapaz de, isoladamente, responder a todos os problemas contemporâneos de governança estatal, de modo que, ao longo da história, foi e tem sido combinada com outras ideias, teorias e conceitos para formar teorias constitucionais complexas que baseiam as sociedades ocidentais modernas (VILE, 1998).
Contudo, independentemente da possibilidade ou vantagem de uma pretensa pureza
da separação dos poderes, uma ideia fundamental já trazida por Montesquieu (2005 [1748]) é a de que, para uma efetiva separação de poderes do Estado, é necessária a existência de mecanismos de controle recíproco entre os poderes.
É a partir desse raciocínio que Hamilton (1788), n’O Federalista nº 78, traz o judicial review: como forma de controle, de freio exercido pelo Judiciário sobre as atividades do Poder Legislativo. Importante pontuar que não se trata de um freio decorrente de atividade política exercida pelas Cortes, mas, citando Jorge Miranda apud Gilmar Mendes (2015), de um juízo de relação normativa e valorativa entre a atividade legislativa e a Constituição.
Montesquieu (2005 [1748], p. 173/174) colocava que [s]e o poder executivo não tiver o direito de limitar as iniciativas do corpo legislativo, este será despótico; pois, como ele poderá outorgar-se todo o poder que puder imaginar, anulará os outros poderes
. De modo diverso, Hamilton (1788) enfrenta o problema dando o poder de limitar o Legislativo não ao Executivo, mas ao Judiciário, por ver este como o poder menos perigoso (the least dangerous branch).
A partir dessa ideia, levantada por Hamilton n’O Federalista nº 78, é que, no caso Marbury v. Madison, desenvolveu-se o judicial review, o qual, com o tempo e a história, desembocou no modelo atual de interação do Judiciário com Legislativo e Executivo e na sedimentação do judicial review em diversas democracias constitucionais ocidentais.
A questão, entretanto, não se quedou imune a críticas: em 2006, por exemplo, Jeremy Waldron escreveu seu famoso artigo The Core of the Case Against Judicial Review, no qual defende, afinal, a extinção do judicial review. Waldron argumenta que não há razões para crer que o Judiciário é melhor que os demais poderes na defesa de direitos, bem como alega que o judicial review é ilegítimo sob a perspectiva da democracia.
Sobre o argumento da legitimidade, Jeremy Waldron (2006) afirma, sinteticamente, que, havendo, no seio da sociedade, discordância sobre direitos, o Poder legítimo para resolver a controvérsia é o Legislativo, e não o Judiciário. Voltando a Hobbes, Waldron sustenta a necessidade de um procedimento que encerre a controvérsia, e não que a reacenda. Destaca, porém, a inexistência de procedimento decisório perfeito não só em democracias, mas na política em si. Numa democracia, entretanto, o autor neozelandês conclui que, não havendo procedimento perfeito para a solução de controvérsias sobre direitos, o melhor procedimento é aquele mais legítimo/justo, que, por sua vez, é o procedimento posto como mais democrático. Naturalmente, o procedimento mais democrático é o legislativo, de modo que o judicial review deve ser abandonado para que fiquem nas mãos do legislativo as decisões sobre direitos.
Este trabalho, todavia, não vai tão longe quanto Waldron, mas bebe de sua fonte, porque, de um lado, pressupõe a existência do judicial review como instrumento importante de checks and balances, mas, de outro, parte do entendimento do autor sobre a legitimidade do judicial review, não para analisá-lo sob a ótica democrática, mas sob a ótica constitucional da separação dos poderes.
Nesse sentido, entende-se que a preocupação levantada por Montesquieu e Hamilton é válida e demanda contenção pela via do judicial review. Contudo, também se entende que o Judiciário, sob a perspectiva da legitimidade democrática, é deficiente em relação aos demais poderes e deve trilhar a linha tênue que divide sua tarefa de guarda dos direitos definidos na Constituição e a garantia da legitimidade democrática de decisões sobre direitos.
Veja-se que, em trabalho mais recente, Waldron (2013) revisita o princípio da separação dos poderes, distinguindo-o da ideia de checks and balances. Esta cuida da existência de instrumentos de controle recíprocos entre os poderes, independentemente da forma como se dividem, enquanto aquele trata especificamente da divisão entre as atividades de administrar, legislar e judiciar como uma teoria articulada de governança estatal.
Expandido a noção procedimental da separação dos poderes⁴ apontada por Waldron (2013), cabe trazer a teoria dos diálogos institucionais
como continuidade. Conrado Hübner Mendes (2008, p. 180/181), ao analisar a qual instituição cabe a última palavra sobre direitos, afirma que [a] separação de poderes admite, porém, que a cada momento decida uma agência diferente
. O autor coloca a decisão sobre direitos como algo transitório no tempo, sempre parte de um processo de construção e evolução decorrente de diálogos e interações entre as diversas instituições políticas. Como afirma Mendes, "[a] última palavra […] é apenas parte da história, não toda