Ana, Simplesmente Ana: a história da menina órfã que driblou os percalços da vida e superou as adversidades
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Sobre este e-book
Narra a história de uma menina órfã do interior que perdeu a mãe aos dois anos, a partir daí não recebeu amor nem a devida atenção que uma criança necessita, criada em bando com seus oito irmãos, logo depois assistida por uma madrasta desamorosa, ainda criança foi doada a uma família para que recebesse cuidados e letramento.
Na adolescência, foi trabalhar em casa de família para garantir seu sustento e sobrevivência. Embora simplesmente Ana, só que na sua vida nada é simples... nesse convívio familiar arranjado, perde sua amiga Amélia por suicídio, muita dor e novamente outra perda.
Sai mais uma vez em busca de novas esperanças e se junta à sua irmã mais velha. Será que a Ana consegue dar rumo à sua vida? Ela se arrisca em nova empreitada pela fé nas suas orações, sempre acreditando que melhores dias viriam, e sempre pedindo aos céus que lhe enviassem uma pessoa boa para dar sentido à sua vida.
Os céus a ouviram, e esse foi o passo mais acertado, diante dessa atitude ela encontra seu príncipe encantado – como ela chama. O dia do encontro foi também decisivo para sua vida mudar completamente de rumo e encontrar novos caminhos.
Seguiram juntos... sem olhar para trás, consideraram seus infortúnios como elos perdidos, não tentaram resgatá-los, muito pelo contrário, criaram novos elos e se reconstruíram fortalecidos nas suas dores e nas suas perdas até então vividas.
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Ana, Simplesmente Ana - Ileuda Carvalho
1 Seca de 1932
Capítulo 1 Cenário da situação do Ceará na década de 30 ...
Na década de 30, especificamente em 1932, o Ceará sofreu uma das grandes secas. Com a estiagem, a sobrevivência era penosa. A grande maioria das famílias no interior viviam da agricultura, tentando fazê-la em plena seca. Era a época de água escassa e do chão rachado, a seca assolando a terra, o gado morrendo, as pessoas sem ter o que comer, sem recursos do governo. Praticamente impossível se manter no campo. Então, os agricultores em desespero juntavam o pouco que tinham, pegavam suas famílias e migravam para Fortaleza, utilizavam o trem que na época era o meio de transporte disponível e mais barato.
João Coelho assistiu e presenciou a fuga dos agricultores e suas famílias, inclusive pessoas do seu convívio diário, indo para Fortaleza na esperança de emprego e melhores condições de vida. Embarcavam na estação de trem, mas pela experiência de João Coelho, vivida na seca de 1915, os fatos estavam se repetindo em 1932. Embora sendo agricultor, resistiu e ficou no campo com sua família. Tinha outros ofícios, podia garantir o sustento dos seus, mesmo que de forma precária, pois com o êxodo rural, a demanda pelos seus serviços também escasseara-se.
Ainda assim, preferiu se arriscar permanecendo no campo. Além de tudo, sua mulher estava grávida esperando o nono filho, mais uma razão para permanecer em suas terras. Foi a decisão mais acertada de João Coelho, considerando o que aconteceu com os agricultores que rumaram em busca de dias melhores. Aqueles que antes tinham um ofício, quando começaram a chegar em Fortaleza se espalharam pelo centro da cidade como pedintes e receberam o nome de retirantes da seca.
Naquela época, o Centro da cidade era o bairro nobre da capital; os retirantes passaram a incomodar a elite Fortalezense. Sem teto, dormiam e comiam nas ruas, sujos e maltrapilhos misturados com a sociedade abastada; um verdadeiro contrassenso social.
O Centro da cidade na década de 30, era o ponto de encontro para o lazer das famílias elitizadas.
Fotos de Nirez²
As praças arquitetadas e bem desenhadas, como a Praça do Ferreira, Passeio Público, Praça dos Leões, eram logradouros públicos elegantes e requintados, com belos jardins e coretos, que nas tardes de domingo eram animadas pelas bandas da corporação militar com suas retretas. Outro marco nesse período foi o Cine Moderno, localizado na Praça do Ferreira, que apresentava filmes importados da Europa e dos Estados Unidos, exercendo grande influência no comportamento da moçada, inclusive ditando moda.
Diante desse cenário de desigualdade social entre o belo e o feio, o rico e o pobre, a classe dominante pressionava o Interventor Federal - Roberto Carneiro de Mendonça (como era chamado na época o Governo do Estado) para escondê-los da sociedade.
Então, o Interventor resolveu construir hospedarias para confiná-los, os chamados "campos de concentração’’, próximas às linhas férreas, instaladas estrategicamente nos municípios da rota do trem, por onde os retirantes tentavam chegar à Fortaleza.
Nas estações de trem, eles eram recebidos e encaminhados para os "campos de concentração construídos nos municípios de Carius (São Mateus), Buriti (distrito do Crato), Ipu, Patu (Senador Pompeu), Quixeramobim e mais dois em Fortaleza no bairro do Pirambu - chamado também de
campo do urubu", outro no bairro Farias Brito, hoje conhecido como Otávio Bonfim, para abrigar os que já se encontravam em Fortaleza.
Segundo registro do jornal O Povo
da época, aproximadamente 100 mil flagelados foram confinados nesses campos. Possuíam uma estrutura básica, como posto médico, barbearia - para que os homens tivessem o cabelo raspado, banheiros, cozinha, capela, casebres e ainda uma espécie de cadeia para os desordeiros. As condições eram desumanas. Além de isolados e confinados, os retirantes eram explorados como mão de obra escrava em obras públicas.
Findada a seca de 32, o balanço de mortos entre homens, mulheres e crianças, segundo registros oficiais da época, contabilizavam mais de 60 mil cearenses mortos nesses campos. Diziam os estudiosos que: "morriam mais pessoas nos campos de concentração do Ceará do que a seca poderia matar se esses tivessem permanecidos em suas terras".
Muitos dos conhecidos de João Coelho não voltaram, alguns morreram, outros ficaram para trás em busca de trabalho, algumas famílias perderam seus filhos. O retorno foi trágico para a maioria dos agricultores, voltaram mais pobres que antes, frustrados e definhados. Ainda assim, tiveram que recomeçar suas vidas no campo sem ajuda do governo, contando somente com a piedade alheia.
2 Miguel Ângelo de Azevedo, mais conhecido como Nirez, é um jornalista, historiador e desenhista técnico, além de um dos mais respeitados pesquisadores da música popular do Brasil e dono de um dos mais completos arquivos sobre a cidade de Fortaleza - Ceará.
Capítulo 2 A Ana e família em plena seca de 1932
Diante de todas as adversidades, João Coelho - pai da Ana - permaneceu na terra com a família, sofrendo todo tipo de privação. Como não bastasse esse cenário, em junho de 1932, sua esposa entra em trabalho de parto para dar à luz seu nono filho. Seu parto foi assistido pela parteira da comunidade, no entanto, diante das complicações surgidas na hora, os saberes e as práticas da parteira não foram suficientes. Forçosamente a criança foi retirada, mas o esforço de D. Luiza foi tão grande que ela não resistiu, morrendo aos 35 anos de idade, a parteira só conseguiu salvar a criança. A dor e a tristeza tomaram conta daquela família.
Assim, ficaram órfãs nove crianças, Ana perde a mãe com apenas 2 anos de idade. O recém- nascido, depois batizado com o nome de Raimundo, que por sabedoria popular ou ironia do destino, São Raimundo Nonato é o padroeiro das parteiras, das grávidas, das crianças e dos obstetras. Por coincidência ou não, o nome Nonato é originário da palavra "non natus", que quer dizer não nascido
, por ter saído do útero da sua mãe forçosamente, caso idêntico ao de D. Luiza Coelho. Esse menino (Raimundo) foi doado à Tia Rita, irmã da sua mãe, viúva que já tinha uma filha. Embora contando com todas as dificuldades impostas pela seca naquele ano, tomou como seu filho aquela criança que já nascia sem mãe. Amor não lhe faltou e sobreviveu aos despautérios da vida.
Os órfãos: Mundim (filho mais velho), Carmélia, Maria, Joaquim, Luiz, José, Raimunda (Dodó), Ana e o recém-nascido (Raimundo), incluindo o viúvo, que ficou órfão dos cuidados de sua mulher, do seu companheirismo e da sua habilidade em cuidar dos filhos. Embora fosse ele o provedor, a sua mulher era o eixo que equilibrava a família e de repente, sem nenhuma enfermidade e sem nenhum problema de saúde aparente, ela morreu... deixando-o sem tempo de planejar como seria a vida dele e dos filhos sem ela para cuidar.
Como viver sozinho para dar conta de uma família de nove filhos?
Por um bom tempo, João Coelho mergulhou na tristeza, mas não pôde viver seu luto, os filhos precisavam da sua força, do seu amor e de seus cuidados. Todos estavam sofrendo com a falta daquela mãe, que prematuramente se foi ... Sem despedida, nem aviso prévio.
Depois da morte de D. Luiza o que aconteceu com essa família?
A duras penas, João Coelho passou a cuidar dos filhos, da casa e do sustento de todos, contando com a ajuda dos familiares e dos filhos mais velhos, que de certa forma também eram crianças. Uns cuidavam dos afazeres domésticos, outros cuidavam dos irmãos menores.
Passado o período da seca, os filhos mais velhos passaram a trabalhar nas casas de farinha para ajudar no sustento da casa. Até que, passado algum tempo, João Coelho conheceu D. Alzira, também viúva e mãe de uma filha chamada Lindalva. Ambos precisavam de apoio e amparo, João Coelho e os filhos careciam de cuidados de uma mulher e D. Alzira precisava do apoio moral e financeiro de um companheiro. Não pensaram muito para se casarem. A etapa do namoro foi desconsiderada, eram maduros o suficiente