Brasileiros que retornam: o impacto de recomeçar em São Paulo
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Brasileiros que retornam - Suzane Caroline Gil Frutuoso
Suzane Caroline Gil Frutuoso
Brasileiros que retornam:
o impacto de recomeçar em São Paulo
depois de anos no exterior
São Paulo
e-Manuscrito
²⁰²³
Ficha1Ficha2Prefácio
A cidade contemporânea nos interroga continuamente sobre suas potencialidades e seus desafios. As epistemologias sobre o vasto campo dos estudos urbanos enfrentam o debate interdisciplinar, carecem da articulação dos diferentes saberes que permitam captar a multiplicidade da vida social, sua organização econômica, política e cultural, as subjetividades individuais, as possibilidades de fazer arte, a fruição e o controle das atividades. A cidade capitalista, contudo, expressa-se cada vez mais em cenários de desigualdade, segregação e tensões em evidentes repercussões espaciais. Não há dúvida de que o mundo se urbaniza vertiginosamente, concentrando as populações em grandes aglomerados, trazendo, de um lado, a potência e a descoberta de liberdades, de outro lado, a privação, relegação de contingentes excluídos das melhores condições de habitabilidade e ambiente urbano equipado. É conhecido o contraste contraditório entre acumulação e riqueza na configuração dupla de uma cidade legal e de uma cidade informal, no polo da pobreza e miséria, um conjunto de pessoas em complexos modos de sociabilidade e relações de alteridade.
A cidade de São Paulo, ao ilustrar sobejamente a complexidade de um sistema que aprisiona e liberta, alternadamente desnuda e mascara sua profunda desigualdade, embora seja sede metropolitana de grandes possibilidades e que, por isso, continua atraindo pessoas, entre as quais os imigrantes. O tema dos deslocamentos populacionais tem merecido diversos estudos e aprofundamentos, incrementados pelas transformações contemporâneas. Tais manifestações têm acentuado nas cidades os espetáculos de desigualdade e diferença, pois que, além dos citados efeitos perversos trazidos pela competição econômica no acesso ao solo urbano, revelam formas diversas de elitização, degradação de áreas, fragmentação, e, sobretudo, discriminação, preconceito, dificuldades de reconhecimento dos direitos perante políticas sociais.
A aventura das migrações internacionais sempre foi coberta de riscos e perigos. Além da partida, da viagem e dos impactos da chegada, há a questão do contato entre culturas diferentes, conflitos por vezes duradouros, um campo de tensões com a sociedade receptora. Os processos migratórios caracterizam, portanto, uma situação relacional entre pessoas, países e regiões, as emissoras
e as receptoras
. Como outros
, ou minorias, o estrangeiro é visto como não nós, em franca produção de alteridade.
Um novo campo analítico consiste na análise transnacional que interpreta o fenômeno da migração como formado de múltiplas relações entre os imigrantes com seus locais de origem e de destino. Esse espaço transnacional de relações sociais conecta grupos e indivíduos de pontos de vista econômicos, religiosos, familiares, sociais, organizacionais, políticos e faz que se intensifiquem processos locais e globais, ultrapassando fronteiras geográficas, culturais e políticas. É época de transição, em que inúmeras possibilidades se descortinam, se possível em busca de uma cidadania global, transformando circulação em liberdade. Contemporaneamente, a par de certa homogeneização trazida pela globalização, paradoxalmente acompanharam-na um espetáculo de diferenças
e a afirmação das etnicidades
.
É sabido que este país tem se alimentado, entre suas múltiplas faces, de intensos fluxos migratórios, de diversas origens, com variados dramas e trajetórias pessoais e familiares das mais diferentes modalidades, cores e condições. Assim, durante largo tempo de sua história, o Brasil foi caracterizado como um país receptor de contingentes imigrados, sendo de conhecimento comum análises que cobraram justificadamente a ausência de políticas de acolhida e direitos humanos abrangentes em relação aos estrangeiros, como igualmente é necessária atenção aos segmentos nacionais desfavorecidos, órfãos de proteção social em tempos de neoliberalismo. Por outro lado, a partir de determinada época, após os anos 1980, sobretudo, a saída de brasileiros para o exterior como emigrantes chamou a atenção de especialistas, caracterizando a fuga de situações precárias e adversas especialmente após crises econômicas. Um tema emergente naquela altura, portanto, requisitando análises e aprofundamentos.
Nesse contexto, tema instigante é aquele que se refere ao retorno de brasileiros que haviam emigrado para o chamado mundo desenvolvido, em busca de melhores condições de vida. Está aqui a grande originalidade do trabalho de Suzane Caroline Gil Frutuoso, que aborda, portanto, o movimento inverso da saída do país: o retorno de brasileiros à sua terra natal. Pesquisa, de certa forma, pioneira em 2014, enquanto a autora preparava seu mestrado no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUC-SP, e quando a acompanhei como sua orientadora. É o livro que ora se dá a conhecer para um público mais amplo do que aquele dos círculos acadêmicos que já o aprovaram pelos méritos científicos apresentados.
Todos os processos aqui enumerados em relação ao imigrante internacional ocorrem também com aqueles que retornam à cidade de origem, após a vida no exterior, impondo novas feições à pesquisa sobre imigração/emigração, enfocando a questão do retorno. A frieza da análise estatística não pode vir sozinha em um estudo desse tipo. É preciso olhar atento e sensível para perceber o que ocorre na sociedade em que se vive, reconhecendo o fato novo
, que às vezes passa despercebido pelos usuais espectadores do "mainstream" acadêmico.
O que acontece com a subjetividade desses brasileiros retornados? Como avaliam seu regresso? Que país, e que tipo de cidade, encontram ao voltar? Que comparações se estabelecem? Que dificuldades a contornar? Quais emoções demonstram? Várias dessas questões emergem e são hipóteses iniciais, perseguidas com critério e sensibilidade por nossa autora.
Foi preciso acompanhar o cenário internacional e as crises econômicas que se sucederam para situar o fenômeno do retorno de brasileiros e verificar como era visto, por sua vez, o panorama brasileiro nos anos de 2008. E o esforço analítico alternou o enfoque das questões estruturais econômicas, políticas e culturais para dar conta de entender o sentimento de surpresa, alegria, desânimo ou decepção dos retornados diante quer de uma eventual situação urbana de precariedade em São Paulo, quer de uma exigência burocrática federal que se lhes assemelhava descabida, de outra parte. A autora transitou cuidadosamente entre uma tarefa e outra com desenvoltura e extrema atenção, combinando o talento literário que possui com a fidedignidade aos dados observados que é cobrada do cientista social.
Os objetivos de analisar o impacto de voltar a viver em São Paulo depois de anos morando no exterior trazem um novo olhar, mais rico, aos deslocamentos em sua multicausalidade e abrangem sintomas e percepções de identidades e suas reconstruções. Dessa forma, viabilizou-se uma visão crítica e humanista sobre processos que atingem os migrantes no mundo todo – como os brasileiros sentem seu retorno, um misto de esperança e desilusão que costuma acompanhar esse tipo de deslocamento, assim como a sensação de vivenciar constantemente a experiência da comparação.
Deixemos que os entrevistados falem pela análise de Suzane, sensível ao sofrimento deles e atenta ao que demonstram sobre ser nós
/ser outro
e ao fato de gostarem ou não desse espelho do cotidiano, da vida e da alma nacionais. Com muita alegria, e um certo orgulho pela oportunidade da parceria como orientadora no mestrado, convido a todos, a todas e todes para esta importante leitura!
São Paulo, 5 de junho de 2023.
Maura Pardini Bicudo Véras
Agradecimentos
Antes de iniciar esta conversa, gostaria de registrar meu respeito e admiração a todas e todos as/os imigrantes que, por diferentes motivos, deixaram para trás suas origens - um futuro melhor, oportunidades, dias de paz. Foi essa coragem de enfrentar o desconhecido e desbravar o mundo que me inspirou a compreender quais consequências, riquezas e histórias eram carregadas junto com tal experiência. Meu fascínio por essas pessoas vem de longe. E é baseado em afeto. É também metade de mim. Filha e neta de imigrantes, conheço de perto lutas, dores, conquistas e alegrias de quem ousa recomeçar. Talvez por isso recomeçar nunca me amedronte o suficiente para desistir. É DNA.
Agradeço à Profa. Dra. Maura Pardini Bicudo Véras por acolher o tema que escolhi e me mostrar como aperfeiçoá-lo durante o mestrado, defendido em 2014. A dissertação final da ocasião é o conteúdo principal deste livro. Também a Maura sou profundamente grata pela orientação, o estímulo, a compreensão e o apoio no decorrer de todo o processo para a realização deste trabalho, mesmo em um momento delicado para ela e, depois, em dias de um drama particular meu. Mais que isso: por hoje se tornar uma das pessoas mais importantes da minha vida e da minha formação.
Às professoras que compuseram minha banca, Profa. Dra. Sylvia Dantas, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), e Profa. Dra. Marisa Borin, da PUC-SP, que contribuíram com observações e conhecimento para que este trabalho se tornasse abrangente, preciso e detalhado.
Aos professores da PUC-SP, com quem aprendi tanto nos anos de mestrado, sigo aprendendo, desde 2021, agora no doutorado, e cujo conhecimento foi e é fundamental para minha preparação e embasamento teórico. Aos funcionários da instituição, que me auxiliaram tantas vezes, nos mais diversos assuntos.
Meu agradecimento para a CAPES, que me concedeu uma bolsa de estudos durante os dois últimos semestres do mestrado, permitindo que eu levasse minha pesquisa adiante com tranquilidade. Meu agradecimento ao CNPq, que me concedeu uma bolsa de estudos para o doutorado, o que me dá fôlego para investir tempo e recursos nesta publicação.
Especialmente, meu muito obrigada sempre aos meus pais, que me ensinaram o valor do estudo e do trabalho. À minha mãe, Suzel, também ela tão antes de mim uma pesquisadora da imigração, por me ensinar a importância da História e o poder das histórias. Ao meu pai Roberto, por me lembrar ao longo dos anos, em ocasiões especiais, quanto eu seria capaz. Minhas conquistas são conquistas de vocês.
Ao meu irmão Alexander, minha cunhada Janaina e meu sobrinho e afilhado João Otávio, pelo apoio, carinho e boas risadas. À minha prima Lívia Bianchi, por ser uma irmã quando mais precisei e sempre. À minha melhor amiga Kelly Laenia, por acreditar em mim mais do que eu mesma.
Aos que foram fundamentais no período do mestrado (por ordem alfabética): Alexandre Mansur, Ana Paula Matheus, Andrea Leal, Elio Himori (em memória), Leandro Laurenti, Leandro Ortunes, Marcela Buscato, Marcelo Yasuda, Nara Zarino, Renata Leal, Suzana Giordani, Tatiane Santos Sena e Thiago Sasaki. De maneiras distintas, cada um me ajudou a seguir em frente com esta pesquisa, defendida em ²⁰¹⁴.
Aos que vêm sendo fundamentais no período do doutorado (por ordem alfabética): Adriana Pimenta, Ana Paula Garrido, Alexandre Laurindo Fernandes, Arthur Spada, Clara Filgueiras, Esther Cosso, Jefferson Sousa, José Carlos Frota, Marcelo Depieri, Savio Ramos, Rachel Niza e Renata Zampronio. Kelly Laenia e Leandro Laurenti, sempre eles, também seguem de perto mais esta etapa acadêmica.
A um grupo imbatível de amigas que me ajuda a pensar e olhar o mundo de diferentes perspectivas: Ana Tereza Littieri, Carmen Sanches, Jaqueline Castro, Lua Barbosa, Luciana Valladão, Marcia Ribeiro, Mayara Barbosa, Mônica Viera, Raissa Ribeiro, Rose Lima, Sigrid Class e Silvia Evangelista.
Por fim, a cada brasileira e brasileiro retornado que me contou suas respectivas trajetórias e passaram a ser não só entrevistados de um trabalho acadêmico. Mas, sim, fontes de um enorme aprendizado particular e referências para compreensão de um comportamento global com impacto local. Por permitirem, ao revelarem suas vivências pessoais, um entendimento maior da atual sociedade contemporânea.
Enfim, a todas e todos que torceram e torcem por mim, meu