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A ascensão do feiticeiro
A ascensão do feiticeiro
A ascensão do feiticeiro
E-book448 páginas6 horas

A ascensão do feiticeiro

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Sobre este e-book

Por mais de duzentos anos, o Império Rye proibiu o uso de magia. Agora, o império caiu e um novo e sinistro poder está surgindo.


Ambicioso e corrupto, o Rei da Montanha fará de tudo para alcançar seus objetivos. Escravizando uma feiticeira para cumprir suas ordens, ele começa sua busca por talismãs perdidos que podem ajudá-lo a trazer os feiticeiros de volta e controlar seus poderes.


Para salvar o antigo império dessa crescente e sinistra magia, Mykal, um fazendeiro de dezessete anos, e seus amigos iniciam uma jornada desesperada: eles devem coletar os talismãs antes do Rei da Montanha. No caminho, Mykal terá que enfrentar medos e aceitar verdades que nunca soube que existiam.


Uma guerra está chegando e seu tempo está se esgotando. E se eles falharem, uma terrível escuridão roubará a luz do Reino das Terras Cinzentas... para sempre.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento6 de set. de 2023
A ascensão do feiticeiro

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    A ascensão do feiticeiro - Phillip Tomasso

    Capítulo

    Um

    Aluz lampejava acima e atrás de espessas nuvens como se uma guerra silenciosa fosse travada nos céus. Que nem os canhões disparados pelos Viajantes, cada surto elétrico iluminava o mar violento revelando ondas crescentes. O vento soprava de todas as direções. Fortes rajadas marítimas rodopiavam, disparavam para cima e caíam de volta contra a água negra e furiosa.

    O Mar Istmo era um limite natural que dividia os dois principais reinos remanescentes do antigo império. A oeste, estava o Reino das Terras Cinzentas, e a leste, o Reino Cordillera. No centro do mar, ao sul das Montanhas Zênite e das Cataratas Carmesim, estavam as ilhas que os Viajantes chamavam de lar.

    O Capitão Sebastian deu ordens. Helix, o contramestre, as repetiu. Cearl, o tenente do capitão, trabalhou com o resto da tripulação, levantando velas pretas e amarrando-as. Alguns trabalharam silenciosamente, mas furiosamente, fazendo o que precisava ser feito antes que a tempestade esmagasse ou tombasse o navio. Outros gritaram do outro lado do convés sobre o som de ondas batendo.

    Cearl navegou durante toda a sua vida. Esta tempestade era diferente de qualquer outra que ele já tinha visto. Quando a chuva começou, suas gotas salgadas caíram como picadas de abelha contra a carne exposta.

    Um raio escapou das nuvens e se estilhaçou pelo céu, clareando a escuridão. A imensidão repleta de nuvens brilhava como se fossem cacos de vidro iluminados pela luz do sol. Um rugir caiu dos céus e ecoou pelo mar antes de saltar de volta para as nuvens. Quando aquele barulho estrondoso desapareceu, outra rajada de relâmpago permaneceu no céu por um momento, espalhando-se como dedos ósseos da mão de um esqueleto.

    O mar dançava como se monstros gigantes subissem das profundezas. Cada onda ameaçava esmagar seu navio. Cearl temia que não sobrevivessem. Ele não conseguia se lembrar de um mar tão bravo quanto aquele. Os gritos do convés haviam cessado. Todos se concentravam silenciosamente em seu trabalho e talvez pensassem nos entes queridos em casa.

    O silêncio não durou. Um marinheiro, ou alcatrão, gritou. O som veio de cima, do braço da verga.

    — Homem ao mar! — berrou alguém.

    O capitão Sebastian estava no leme com duas alças do timão do navio em um aperto mortal. Seu corpo se curvou para a esquerda, usando sua força e peso em um esforço para mantê-lo reto e firme. — Cearl!

    Mesmo as pernas mais experientes do mar não conseguiriam se equilibrar quando o tenente cruzou de bombordo a estibordo, procurando em mares negros pelo homem perdido. Ele segurou firme enquanto o navio subia em uma onda, e ainda mais forte quando ela quebrou. O mar batia de cima. Segurando a respiração e com os olhos fechados, ele agarrou desesperadamente o corrimão.

    Cearl não viu ninguém na água. Era uma noite muito escura, e o mar estava negro como a morte.

    A tempestade irrompeu do nada; não houve mudança gradual no clima. Nuvens apareceram em um piscar de olhos e correram pelo céu. Elas escureceram e ficaram mais grossas, mais pesadas, enquanto atravessavam as Montanhas dos Ossos sobre o Istmo. O sol nunca teve chance; o cobertor de nuvens trouxe escuridão. Se perguntado, Cearl teria dito: A tempestade apareceu do nada, como se por magia. E naquele momento, no convés, o capitão, a tripulação e Cearl lutavam para salvar o navio e a si mesmos.

    Madeira se partiu próximo à proa. Parecia uma árvore gigante quebrando e caindo. Se o casco estivesse comprometido, eles afundariam.

    Nas margens orientais do Mar Istmo, no Reino de Osíris, um castelo maciço estava encravado no penhasco e subia acima do cume das Montanhas dos Ossos. Dentro da torre central, a mais alta — da qual tremulava a bandeira Cordillera —, Ida estava sobre as chamas que dançavam em uma tigela de ferro colocada em um tripé com pernas de aço polido. Apenas o fogo e os relâmpagos do lado de fora iluminavam a pequena sala. As mangas de sua longa capa preta pendiam, soltas de seus pulsos, e balançavam enquanto ela movia as mãos para frente e para trás acima das chamas azul, laranja e amarela.

    Com o capuz puxado sobre sua cabeça, o fogo criou sombras escuras, fazendo seu rosto parecer mais vivo, animado. Os fios de cabelos brancos soltos emolduraram o rosto de pele cinza flácida, um longo nariz torto e olhos completamente pretos. O Rei Hermon Cordillera viu o que a luz do fogo revelou e se afastou dela.

    O Rei Hermon manteve distância da bruxa. Ela assustava a maioria das pessoas, até ele, mas não foi por isso que ele andou para trás. Ele simplesmente não queria ficar no caminho dela enquanto ela focava sua magia. Familiarizado com seu poder e forma de agir, ele sabia que deveria evitar os movimentos imprevisíveis dela.

    Assistindo intensamente e com interesse, o Rei Hermon esperou em silêncio, mas impaciente. Ele cruzou os braços e a encarou, absorvendo tudo o que ela fazia. Ele rangeu os dentes para não resmungar quando tanto tempo se passou. Ele precisava ter certeza de que tudo estava indo como planejado. A tempestade sobre o mar havia durado uma hora, e tudo o que Ida lhe dissera era ela quem estava manipulando o tempo. Ele já sabia disso.

    Secretamente, ele era fascinado por feitiços, pelos instrumentos de magia reunidos ao redor da sala e pelas poções armazenadas em garrafas escondidas em prateleiras de madeira, que revestiam as paredes de pedra. A feitiçaria o cativava desde que ele era novo.

    Ele olhou para os conteúdos indecifráveis dentro de pequenos frascos de vidro, os cortes únicos e a qualidade de pedras preciosas, e os líquidos coloridos que pareciam seres vivos rodopiando dentro de frascos. Ida mantinha suas coisas em desordem, preenchendo cada centímetro das centenas de suportes de madeira. Poeira e teias de aranha cobriam tudo, um sinal de falta de uso ou talvez desinteresse. Era assim que ela trabalhava e fazia as coisas. Não o incomodava; os resultados eram tudo o que importava.

    Ida se afastou do fogo e abaixou a cabeça. Seus braços caíram para os lados, mangas compridas escondendo as mãos. O fogo tremeu. Como um sibilo, as chamas aumentaram e depois se apagaram. Apenas brasas quentes permaneceram queimando e crepitando no fundo da tigela de ferro.

    O rei não podia mais ver o rosto da bruxa. Por esse benefício, ele não se importava de ficar na escuridão.

    Ele abriu os braços e deu um passo hesitante em direção a ela.

    — Ida? Você tem algo pra mim? Você viu algo nas chamas? Você viu, não viu?

    Ela ficou em silêncio.

    Ele xingou.

    — Não posso ser paciente. Não mais. O que quer que seja, o que quer que tenha visto, eu preciso saber. Você precisa me dizer, agora!

    As mãos de Ida foram para o seu capuz e lentamente o puxaram para longe de seu rosto, pousando-o sobre os ombros abaixados. Ela ficou perto da única janela. Em um dia claro; ela podia ver até o mar, mas não tinha como atravessá-lo até o Reino das Terras Cinzentas.

    — Ela ouviu o que precisava ser ouvido. Ela está de saída. Assim que ela usar sua magia, vamos encontrá-la.

    O Rei Hermon sentiu seu olho esquerdo se contrair. Ele sabia que não devia duvidar da feiticeira. Ela havia feito previsões, compartilhado visões proféticas. Ele precisava que os eventos se alinhassem perfeitamente. Este havia sido o começo. Ele não queria simplesmente travar uma guerra, ele queria garantias de que venceria. Era o que Ida tinha prometido.

    — Ela está fora, então?

    — Está.

    O Rei Hermon — o Rei da Montanha, como era frequentemente chamado — lutou contra o desejo de sorrir. Era muito cedo para comemorar, e até muito cedo para sorrir.

    — A tempestade?

    — É como eu disse. Ela sentirá a magia por trás da tempestade. Ela entrará em contato comigo e com minha força. — Seu tom de voz era plano, monótono, irritado por ter que se repetir. — Ela saberá que estou aqui.

    — E para onde ela foi? — O Rei Hermon odiava se precipitar, mas não podia negar a antecipação e a excitação que cresciam dentro dele. Todo o tempo gasto se preparando valeria a pena. O império seria dele. Ele podia sentir o sabor cítrico da vitória em sua língua.

    — Quanto a isso, não sei. Ainda. Até que ela use magia, estou no escuro. Mas é só uma questão de tempo. Eu te garanto.

    Ele odiava a voz dela. Era tão profunda e irritante, soando como cascalho sendo moído; parecia ecoar na pequena sala. Nenhuma voz deveria ecoar sem motivo, mas a dela era especialmente desconcertante.

    — Ela saberá meu plano?

    — Como você ordenou. Uma vez conectada à minha magia, ela foi capaz de ler meus pensamentos, porque eu permiti. — Ida não escondeu muito bem seu orgulho; ela o usava como um selo. — Ela sabe o que você pretende, cada detalhe que você queria compartilhar. Ela está ciente.

    Ver seu sorriso era doloroso. O Rei Hermon não desviou o olhar, no entanto. Não foi por respeito, mas porque isso demonstrava seu destemor. Ela não o assustava. Ninguém o assustava.

    — Mas você será capaz de encontrá-la?

    Ida suspirou, como se responder às perguntas a aborrecesse.

    — Quando ela usar sua magia, ela brilhará como um farol para eu ver. Ela vai rastrear os outros feiticeiros para nós. Ela sentirá a necessidade de protegê-los, alertá-los, talvez de reuni-los com a esperança de derrotá-lo.

    O Rei Hermon balançou a cabeça, encantado. Ele ia conseguir a guerra que queria.

    — E o navio sob a tempestade? O que será dele?

    — Pode ser uma perda infeliz, dadas as circunstâncias. Os braços de Ida se levantaram e apontaram as mãos para a janela. Seus dedos se contraíram e se inclinaram para trás em um ângulo que não era natural, enquanto os nós dos dedos estalavam em protesto. Ela apontou sua magia para fora da janela.

    — Seu destino ainda não é conhecido. Eles podem afundar... ou não.

    O Rei Hermon observou os movimentos silenciosamente. Havia uma carga elétrica no quarto. Os pelos de seu braço se levantaram. Ele considerou o que ela disse. Os Viajantes poderiam ser um aliado poderoso. Seus navios e tripulações qualificadas eram inestimáveis...

    Não importava. Eles se ajoelhariam voluntariamente diante dele, ou ele quebraria as pernas forçando-os a se dobrarem. Com o tempo, os navios e suas tripulações reconheceriam seu comando.

    Eles não podiam saber que a tempestade era obra dele, mas, uma vez que soubessem de seu exército de feiticeiros, não seria difícil ligar os pontos. Não valia a pena se preocupar com isso naquele momento.

    — Se você pode salvá-los, salve-os. Se não, tudo bem.

    Já havia se passado muito tempo desde que os reinos vizinhos foram unificados sob um único imperador. A tolice dos governantes do passado tinha praticamente aniquilado o uso de magia, matando magos e feiticeiros com pouco respeito à sua utilidade. O Rei Hermon mudaria tudo isso. Tinha começado com aquele único feiticeiro.

    Ele teria sua guerra, e governaria os reinos sem batalhas longas e prolongadas. Com magia por trás dele, ele governaria mais do que apenas o velho império. Seu poder seria ilimitado. As terras que conquistaria seriam incontáveis.

    A ideia de ser imparável e invencível havia ocupado seus pensamentos e sonhos muito antes de sua cabeça ser adornada pela coroa real.

    — Terei meus homens prontos para ir para onde forem instruídos. Quando tiver alguma indicação do paradeiro do feiticeiro, quero que diga ao guarda da sua porta. Imediatamente!

    Capítulo

    Dois

    Mykal não gostava da ideia de deixar o avô sozinho. Embora ele tivesse tido tempo de ordenhar as vacas, alimentar o gado e limpar algumas barracas no celeiro, sempre havia mais o que fazer.

    Sua parcela de terra era delineada por uma cerca de madeira frágil que sempre implorou por reparação. Os animais pastavam separadamente em áreas seccionadas. Grama verde exuberante crescia fora do perímetro cercado. Sujeira com manchas de lâminas finas de grama, mas principalmente ervas daninhas, cobria a terra de Mykal na parte de dentro. O gado, ovelhas e cavalos comiam dente-de-leão e qualquer coisa verde. Ocasionalmente, ele os deixava pastar além das cercas. Era perigoso, porque aquela terra pertencia ao rei, mas às vezes era necessário.

    Embora Mykal quisesse ficar em casa e terminar as tarefas, o avô insistiu que ele fosse. Limpando a mesa do café da manhã, Mykal decidiu protestar uma última vez.

    — Acho que devo ficar. Há muito trabalho a fazer. Se pularmos toda vez que o rei disser pule...

    — Se você não pular toda vez que o rei disser pule, você pode muito bem se encontrar na próxima fila para ser enforcado.

    O avô tinha 72 anos e, exceto por sobrancelhas brancas espessas sobre olhos castanhos de veado, ele não tinha cabelo. Pesado na cintura, a perda de músculos abdominais não foi culpa do avô. Parte de sua perna esquerda estava faltando, abaixo do joelho.

    Ele havia sido gravemente ferido quando tinha levantado um forcado lutando ao lado do exército do Rei Nabal. A batalha foi contra um inimigo que invadira o noroeste, tentando aumentar o tamanho de seu reino. O Rei Nabal reivindicou uma vitória fácil, com o mínimo possível de vidas das Terras Cinzentas perdidas.

    Vovô não recebera nada em troca de seu patriotismo, de seu voluntariado para se juntar à luta, e nada pela perda de um membro. O único agradecimento veio na forma de impostos mais altos para pagar mais cavaleiros no exército do rei.

    — Além disso, quero saber os nomes dos homens que estão sendo enforcados esta manhã. — O avô sempre queria os nomes dos condenados à morte.

    — Eu não sei por que o Rei Nabal exige que os aldeões participem de enforcamentos.

    Mykal colocou os pratos de madeira e as colheres dentro de um balde de água no balcão sob a janela da cozinha. Ele olhou para fora da única janela de vidro. À direita estava o celeiro e a propriedade cercada. As vacas mastigavam os pequenos trechos restantes da longa grama verde. Acima, um céu azul e sem nuvens não mostrava nenhum sinal da tempestade da noite passada.

    — Os enforcamentos servem a vários propósitos, Mykal.

    O avô se afastou da mesa. Mykal havia substituído as pernas de uma cadeira de grandes dimensões por quatro rodas: duas grandes rodas no centro dos braços e duas menores pelos pés, para equilíbrio. Vovô mantinha um cobertor no colo e sobre as pernas, independentemente da temperatura. Era como se o toco não existisse se ele não pudesse vê-lo.

    Mykal se virou e se encostou no balcão, com os braços cruzados. Eles eram musculosos por longos dias passados trabalhando na fazenda e reparando continuamente seções de cerca. Seu cabelo era cor de cobre, como a moeda do rei, e muito longo para o clima de verão. Quando não estava puxado para trás e amarrado em uma cauda, pendia logo após seus ombros. Seu avô ameaçou cortá-lo com uma faca enquanto Mykal dormia se os fios não fossem aparados logo.

    — Isso mostra ao povo que eles têm um rei justo, um governante que não tolera o crime?

    Vovô assentiu.

    — Isso mesmo. Você não acha isso importante?

    — Sim, acho. É importante. Quando ele enforca esses homens por seus crimes, a notícia se espalha, sem dúvidas. Eu só não vejo a necessidade de exigir que todos nós compareçamos. Não preciso ver homens pendurados para obedecer às leis. — Mykal suspirou e voltou para o balde. Ele rapidamente esfregou um prato com uma escova. — Se eu ficasse em casa, ninguém saberia.

    — Se você ficasse em casa e alguém, por algum motivo, dissesse a outra pessoa, você correria o risco de passar um tempo na paliçada. Se isso acontecesse, eu estaria propenso a descer até a fortaleza e atravessar os portões apenas pelo prazer de jogar repolho podre na sua cabeça — disse ele, bufando.

    Mykal colocou a tigela limpa de lado e riu.

    — Você não faria isso! Além disso, não cultivamos repolho.

    — Ah, eu não faria isso? Você não quer descobrir, confie em mim. E eu compraria repolho velho só para jogar em você. Agora vá se trocar — disse o avô.

    — Trocar? Acabei de colocar essas roupas.

    Mykal puxou a cintura de sua túnica. Sujeira e impressões de mãos encardidas manchavam o tecido branco.

    — Você cheira a porco.

    — Eu trabalho com porcos, vovô. — Mykal farejou o ar ao seu redor enquanto acenava com a mão, mandando o cheiro em direção às suas narinas. — E eu acredito que é mais um aroma de bife de vaca do que de porco.

    Vovô apontou para o quarto.

    — Não me faça perguntar de novo.

    Mykal sabia que seu avô falava sério, mas também se divertia.

    — Vô? — Mykal tirou a camisa. — Quais são as outras razões do rei para forçar seu povo a testemunhar enforcamentos?

    — Há apenas uma.

    — Medo?

    O avô assentiu, com os lábios franzidos. — Medo. Um rei quer ser respeitado e temido pelo seu povo. Essas coisas combinadas, tendem a manter as revoltas a um mínimo.

    Mykal enfiou os braços e a cabeça em uma túnica fresca, mas saiu com a mesma calça. Era a única limpa que restava. Ele lavaria a roupa quando voltasse dos enforcamentos.

    — Estou indo, vô. Dependendo de quanto tempo eu ficar fora, preparo uma refeição assim que eu voltar. Ou você gostaria que eu misturasse algo rápido?

    — Acho que se eu ficar com fome enquanto você estiver fora, posso fazer algo para comer — disse o avô, sem o sorriso. — Ficarei bem, Mykal. Mas os nomes... não se esqueça dos nomes — disse ele.

    O vovô tinha sido dispensado de comparecer aos enforcamentos. A perna perdida era o motivo. Independentemente disso, Mykal não achava que seu avô queria testemunhar as execuções.

    — Eu não vou me esquecer.

    O velho assentiu.

    — Obrigado, Mykal. Obrigado.

    Feixes brancos, quase transparentes, rasgaram o céu azul. As tiras de nuvens estavam suspensas e aparentemente imóveis. Para o final do outono, foram algumas semanas incrivelmente quentes. Aquele dia não foi diferente. O calor do dia já era aparente; causou uma miragem, que se assemelhava a manchas de óleo cintilante no chão mais abaixo no caminho. O sol mal estava sobre o horizonte oriental, e o ar já parecia sufocante e quase quente demais para respirar.

    Mykal parou em sua árvore favorita a caminho do castelo. Não era a mais alta, de forma alguma, e nem a mais forte. Havia musgos na casca e nos galhos, sugerindo que a árvore poderia estar doente e morrendo. Seu avô havia plantado a árvore quando ele se casou com a avó de Mykal e eles se estabeleceram na terra que lhes foi dada pelo rei.

    Ele frequentemente pensava em subir ao topo, imaginando que a vista seria espetacular. Mykal apostou que lá de cima que seria capaz de ver o Mar Istmo a leste e o castelo de Nabal a oeste. Contudo, ficar alguns metros acima do chão o deixava paralisado. Seu corpo começava a suar. Ele olhava para baixo e o chão se desfocava imediatamente, forçando-o a descer. Alturas incomodavam Mykal.

    A árvore era sua favorita porque buracos naturais e dobras na casca permitiam que ele escondesse sua espada, sua adaga, o arco e as flechas. Ele tirou a lâmina menor do cinto e a colocou com segurança dentro da árvore com suas outras coisas. Ele olhou em volta, certificando-se de que ninguém visse. Ele não estava perto da Floresta Cicade, então ele não estava preocupado com os moradores de árvore roubando suas coisas. Aqueles Arqueiros não eram de confiança.

    O caminho de terra que ele seguiu alimentava a estrada principal que levava ao centro das Terras Cinzentas, onde o castelo do Rei Nabal estava localizado. Seus pés chutaram pequenas plumas. A nuvem marrom e as pedras se acomodaram no topo de suas botas. Poucos viajantes estavam no caminho. Ele fez o possível para se misturar, caminhando atrás de um grupo adornado com capas verdes e vermelhas, composto por homens que usavam grandes bengalas e carregavam cestas de vime vazias. Eles o lembraram de seu amigo, Blodwyn.

    Atrás de Mykal, vinha uma carroça puxada por dois cavalos manchados de branco e marrom. Ele e aqueles na frente dele se afastaram para deixar a carroça passar. A tempestade da noite anterior não devia ter chegado tão longe. A poeira girou sobre eles no rescaldo. Mykal cobriu a boca e o nariz e tossiu, abanando o ar na frente de seu rosto com alguns movimentos de seu braço. Ele pulou para trás quando a sujeira assentou.

    Uma grande aranha tentou se misturar com o chão e fez um bom trabalho, até mover as pernas dianteiras e as mandíbulas, como se também estivesse irritada com a poeira. O corpo do aracnídeo era metade do tamanho da palma da mão de Mykal, porém a extensão de suas oito pernas o tornava maior do que sua mão.

    Mykal prendeu a respiração. Ele não conseguia pensar em nada que temesse mais do que aranhas. Preferia escalar uma árvore do que encarar uma aranha. Ele nem teve coragem de pisar nela. Deu espaço para a coisa de vários olhos e correu para alcançar o grupo à frente, querendo se afastar da aranha o mais rápido possível.

    Um falcão subiu acima de sua cabeça. A presença dele se tornou conhecida por um grito e grasnido enquanto ele circulava antes de seguir em direção ao mar, em busca de roedores ou qualquer peixe que pudesse arrancar da água.

    Talvez depois do almoço Mykal escapasse para um mergulho rápido no Istmo, que oferecia o único alívio verdadeiro do calor. As axilas úmidas já umedeciam sua túnica fresca.

    Rumores de monstros que viviam no mar não o assustavam. No entanto, ele nunca nadou muito longe nem foi muito fundo. Ele também pescava no mar, outro tabu. Ele já tinha pego robalo ou lúcio — que cozinhava em fogo aberto e comia com prazer —, mas ainda não havia fisgado nenhum monstro.

    A parede de pedra da fortaleza ficava logo à frente. A Floresta Cicade já havia se estendido até aqule extremo sul há muitos, muitos anos; muito antes mesmo de Mykal pensar em nascer, sem dúvida. Centenas de tocos de árvores ainda permaneciam. Vovô disse que ninguém tinha removido os tocos porque eles serviram como uma forma menor de proteção. Aqueles que tentavam um cerco tinham que lidar com eles como um primeiro obstáculo.

    Não havia um caminho claro para correr nas muralhas do castelo. A única localização melhor e mais defensável poderia ter sido ao longo de um rosto de montanha — onde impenetrável era um eufemismo, assim como o lendário castelo do Reino de Osíris.

    Dois guardas armados estavam de cada lado do bárbaro, cerca de trinta metros em frente à ponte levadiça abaixada e ao portão de ferro forjado levantado, enquanto vários marchavam para frente e para trás na passarela de madeira entre as ameias dentro do complexo.

    Apenas dois dos oito bastiões eram visíveis da estrada principal. Longe, a leste, um terço podia ser visto. Havia múltiplas brechas no tijolo e na rocha voltadas para três direções: sul, oeste e leste. Os outros bastiões também tinham brechas, viradas para três direções. Demorou mais de uma hora, mas ele andou pela parede muitas vezes e viu todos eles. A estrutura rochosa parecia se estender sem um fim. Ao ficar do lado de fora da fortaleza, as paredes se erguiam acima dele.

    O fosso impedia que os inimigos subissem escadas pelas paredes do castelo, e corriam rumores desenfreados sobre uma besta que vivia no fundo da água, nadando em círculos ao redor do castelo. O monstro supostamente fora capturado do Istmo e jogado ali. Mykal nunca viu sinal de nada sob a superfície, nem o mais pequeno peixe, nada.

    Quando o grupo se aproximou da ponte abaixada, Mykal acelerou seus passos para se aproximar dos homens de capa. Os guardas do rei o deixaram apreensivo. Se ele já não estivesse suando com o calor da manhã, a visão deles com espadas de aço ao lado, vestidos com capacetes e cota de malha e segurando grandes escudos em forma de crachá com o brasão das Terras Cinzentas, teria o feito transpirar.

    Seus passos ecoaram na ponte de madeira e ele torceu o nariz ao sentir o fedor que flutuava até ele da água parada. Lixo e cardos roxos espalhavam-se pela superfície plácida. As aranhas aquáticas deslizavam pelo topo, esquivando-se das libélulas colocadas nas refeições matinais. Enxames de mosquitos se amontoavam em áreas atrás das ervas daninhas floridas, criando um zumbido alto. Se um monstro vivesse abaixo da superfície sem ondulações, qualquer movimento da água reveleria o paradeiro de tal criatura. Não havia nem sinal disso.

    Felizmente, entrar sob as pontas da porta levadiça levantada foi tranquilo e, uma vez lá dentro, Mykal distanciou-se dos homens de capa e seguiu em direção à praça do mercado. O mercado estava ativo, cheio de comerciantes, vendedores ambulantes e camponeses implorando esmolas. Os corredores que formavam um círculo no meio da fortaleza e ao redor da torre eram revestidos com carrinhos cobertos de guarda-chuva, nos quais produtos frescos e carnes abatidas eram vendidos. Os outros fazendeiros, como Mykal e seu avô, trabalhavam em pequenas parcelas de terra em todo o Reino das Terras Cinzentas. Mykal e seu avô raramente tinham excedentes à venda. Sem mencionar que as principais seleções de carne, laticínios e produtos eram pagas como imposto ao rei.

    Mykal abriu caminho em direção ao centro da fortaleza externa. Uma multidão já estava se reunindo em torno da madeira manchada da forca, que parecia deslocada, pois todo o resto foi cortado em pedra. Havia escadas que levavam a uma plataforma elevada e um retângulo feito de vigas em pé em cada extremidade, com uma no topo dos dois pilares. Naquela viga superior, estavam pendurados quatro laços.

    Naquele dia, quatro homens seriam enforcados por seus crimes.

    Mykal cometeu o erro de caminhar para o lado de trás da forca. Os homens esperando para morrer estavam algemados, um na frente do outro, pé com pé e mão com mão. Suas roupas estavam esfarrapadas, rasgadas, e seus rostos pareciam marcados por cortes irregulares e contusões.

    Não havia como confundir quem eles eram. Não eram homens das Terras Cinzentas. Suas túnicas verdes e calças marrons eram uma camuflagem natural para viver entre as copas das árvores. Aqueles criminosos eram bandidos da Floresta Cicade.

    Capítulo

    Três

    Sete músicos estavam alinhados em degraus de pedra ao longo da parede sudoeste do castelo. Uma fileira de cavalos negros galopou para a praça. As ferraduras estalaram nos paralelepípedos, e o som reverberou pelas paredes altas. Os músicos levantaram suas trombetas e chifres barulhentos sinalizaram o início da execução.

    Mykal estremeceu, querendo desviar o olhar. Em vez disso, ele se viu esticando o pescoço para avistar o rei. Nabal não era um governante terrível. Ele parecia se importar com as pessoas. Isso lembrou Mykal da conversa anterior com seu avô; Nabal queria respeito e medo de seus súditos. Seus métodos pareciam duros às vezes, mas não excessivamente. Os rumores sobre ladrões perigosos que viviam em copas de árvores em toda a Floresta Cicade tornaram-se histórias comuns, histórias contadas para assustar as crianças na hora de dormir, alertando-as para se comportarem.

    Vestido com uma túnica branca e um colete marrom-terra sob sua capa real carmesim, o rei montava um poderoso garanhão branco. Lacaios correram para ajudá-lo a sair da sela. A coroa que ele usava tinha sido trabalhada por um ourives que havia vivido há muito tempo e originalmente fez a coroa para o Rei Grandeer, avô de Nabal. Ela foi, então, passada para o Rei Stilson e finalmente para Nabal. O corpo continha quatro diamantes brancos e, embutido dentro da placa de ouro triangular na testa, estava um grande quadrado de diamante preto cortado — uma joia rara extraída das profundezas das Cavernas do Desfiladeiro, sob as Montanhas Zênite ao norte.

    O Rei Nabal, escoltado pelos cavaleiros de sua guarda pessoal, subiu orgulhosamente os degraus até o topo da plataforma da forca. Ele acenou para o povo, e o povo gritou em resposta. Suas botas batiam distintamente na madeira enquanto ele caminhava pelo palco improvisado com polegares presos atrás de um cinto de couro largo e trabalhado em um marrom profundo Sua capa ondulava levemente para trás a cada passo dado até que ele parou na borda frontal da plataforma e levantou um braço para uma saudação final.

    A multidão aplaudiu.

    Mykal viu uma jovem vestida de veludo azul profundo com um xale roxo escuro enrolado em seus ombros e preso à garganta por um grande broche de opala. Sob uma faixa grossa na cabeça, seu cabelo loiro foi puxado para trás e trançado.

    Seus olhares se encontraram. Mykal desviou o olhar. O rei não tinha filha, mas a impressionante jovem possuía o ar da realeza. Ela era bem portada e digna. Bonita também, é claro. Ele não tinha nada que manter o olhar nela, mas deu outra olhada.

    Ela olhava para ele ainda, com os olhos arregalados.

    Mykal balançou a cabeça, baixou-a e permitiu a seus olhos apenas a sujeira ao redor de seus pés. Ele tinha a ofendido. A última coisa que queria ou precisava era de problemas. Ele debateu deixar o tribunal; sempre poderia mentir para o avô, alegando que o rei não deu os nomes dos enforcados...

    Não, isso não daria certo. Seu avô saberia que algo estava errado.

    O rei falou, quebrando a linha de pensamento de Mykal.

    — Meu povo, estamos aqui reunidos esta manhã para ver a justiça sendo feita.

    Nabal ficou de pé com os punhos nos quadris. Sua voz se projetou pelo tribunal como se ele fosse um leão rugindo. A multidão ficou em silêncio, olhando para o líder real e esperando por suas próximas palavras.

    — Os cavaleiros selecionados do meu exército, meus Guardas, prenderam ladrões tentando escalar nossas muralhas do castelo na escuridão de uma noite sem lua. — Ele se moveu pelo palco; seu discurso era somente uma parte de todo o show. — Para as criaturas terem chegado à nossa fortaleza, primeiro atravessaram as fronteiras das Terras Cinzentas, passando pelas patrulhas de guarda e postos de vigia. Quantos de vocês dormiram sem saber que os animais estavam em suas terras? Quantos de vocês dormiram sob o pretexto de segurança, sem saber o quão perto da morte vocês podem ter estado?

    Mykal sabia que as pessoas da floresta eram mais do que pessoas do bosque. Seu avô havia aludido ao fato de que muitos já foram cavaleiros ou serviram ao rei de alguma forma. No entanto, o rei tinha um argumento válido. Ele não gostou da ideia desses renegados invadindo o reino. Foi um pensamento enervante.

    O Rei Nabal ergueu um punho no ar.

    — Inúmeras vezes eu avisei às pessoas da Floresta Cicade para não se aventurarem fora da segurança de suas florestas assombradas. Não os culpo por virem às Terras Cinzentas. Isso, por si só, não é crime. A injustiça de suas ações aparece com o tempo de sua chegada. Por que esperar até o manto da noite para se aproximar de nossas paredes? Por que tentar escalar a rocha, quando o portão da frente seria abaixado pela manhã?

    Ele fez uma pausa e olhou para o seu povo como se esperasse uma resposta. Ninguém falou. O rei deu um aceno desdenhoso com sua mão.

    Mykal ouviu um farfalhar entre aqueles reunidos, sussurros, uma mudança na multidão e, em seguida, pés nos degraus de madeira. Ele observou enquanto os quatro criminosos eram levados para a plataforma. Ele olhou para a lenta oscilação dos nós vazios na brisa leve. Mykal levantou a mão para o pescoço, o polegar acariciou levemente a pele.

    Pelo canto do olho, ele viu a mulher loira olhando para ele. Ela ficou alguns metros atrás do rei. Parecia que ela não iria, ou não poderia,

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