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Arisé: as Mãos do Criador
Arisé: as Mãos do Criador
Arisé: as Mãos do Criador
E-book524 páginas7 horas

Arisé: as Mãos do Criador

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Sobre este e-book

Você se atreveria a desvendar o segredo mais bem guardado do mundo?

Mist De'Hearet é o único filho do regente da próspera cidade-estado de Abridased, e tem tudo o que um garoto de 18 anos pode desejar. Mesmo assim, algo dentro dele pede mais. Quando seu pai se torna vítima de uma tentativa de possessão, ele não tem escolha senão viajar até a cidade costeira de Merald para buscar ajuda, acompanhado de Beltrant, uma guarda-costas que tem o dom da pirocinese.
Para eles, este é o início de uma viagem que os levará muito além do que imaginavam. Seus caminhos se entrelaçarão com os de Millo, um ex-ladrão que esconde um intelecto ímpar, e Pith, um cavaleiro que monta um corcel alado, em uma busca urgente por artefatos antigos de poder incompreensível. As Mãos do Criador, como são conhecidos os objetos, são cobiçadas por um homem que se congelou no tempo para o obtê-las, e pode causar uma catástrofe se alcançar seu objetivo.
Aventure-se com Mist e seus companheiros em uma jornada por uma terra dominada por metrópoles que unem ciência e magia no primeiro livro da série Arisé, e desvende os mistérios milenares e arrebatadores que este mundo esconde.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento5 de nov. de 2015
ISBN9781311036919
Arisé: as Mãos do Criador

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    Arisé - Diego Dinardi

    As terras de Helena

    Em campos verdes abraçados pelo vento

    Através dos veios fluentes que a luz faz azul

    No topo das montanhas de gelo branco

    Pelo deserto, em fogo vermelho

    Eles andarão a passos firmes

    Correrão com o ar sob os céus

    Viajarão por todas as terras

    E verão tudo que existe além

    E o escuro virá do fim do mundo

    Engolir as almas que exuberam vida

    O Titã vive, para clamar tudo que é

    Quebrar as linhas para tecê-las novamente

    Com olhos despertos, eles ascenderão

    Como mensageiros da vontade Dele

    Com olhos despertos, ascenderão

    Para projetar a luz, suprema e dourada

    Com as forças transformadas em vapor

    Os espíritos queimando na noite mais escura

    Mesmo que rastejando, com a esperança esmagada e enterrada

    Um restará, para carregar o fardo ao fim

    Pétalas suaves, os dois primeiros virão

    Para selar o poder profanado pelo escuro

    Traçar o caminho que os outros hão de seguir

    Como seu destino gravado no andar do tempo

    Príncipe, amazona, cavaleiro e gatuno

    Quatro para segurar as mãos Dele em uníssono

    Para travar a batalha, sofrer em seus espinhos

    Herdar o legado dos Cinco

    Entre as estrelas, eles voarão

    Para a cidade além do Sol

    Entre as estrelas, voarão

    Para ocupar tronos além do Sol

    -Hino aos deuses de Mimante

    Prólogo

    A tempestade dominava o céu negro, e nem a lua e as estrelas tinham força para penetrar o véu grosso de nuvens, costurado com linhas fugazes de relâmpagos. A chuva cortava a superfície do oceano como lâminas de diamante e despertava sua fúria implacável, mas um cavaleiro se atrevia a desafiar o caos. Os panos negros que envolviam todo o seu corpo se confundiam com os pelos de sua montaria, um cavalo alado de oito patas e olhos vermelhos, dois faróis na noite.

    A tormenta gritava cada vez mais alto, mas o cavaleiro a atravessava com tranquilidade, como se fosse íntimo dela e conhecesse seus segredos. Ele voou pela escuridão até que um pequeno pedaço de terra surgiu, acuado, em meio ao mar raivoso. Fez um sinal para o cavalo, que diminuiu o ritmo do bater de asas e começou a descer em direção à ilhota. Quando os cascos fortes tocaram a grama molhada, os pés do cavaleiro logo fizeram o mesmo, e os panos que o cobriam sumiram como vapor negro na chuva, revelando uma armadura cujas peças se encaixavam intrincadamente para ajustarem-se ao corpo do homem.

    No meio da ilha, uma casa alta de pedra parecia ter sido erguida e abandonada havia muito tempo, os braços verdes da terra já no alto dos pilares que guardavam a porta de entrada.

    Então, no fim, será aqui o lugar onde descansarei.

    Um sorriso discreto foi desenhado pelos lábios do cavaleiro enquanto ele atravessava a casa, seguido por seu corcel alado. Havia restos de mobília por todos os lados, e alguns quadros rasgados ainda decoravam as paredes frias com imagens deterioradas, impossíveis de identificar. A porta dos fundos caiu ao ser aberta, e se partiu em pedaços de madeira podre quando o cavalo passou por cima dela.

    Chegaram a um jardim morto, com bancos em ruínas e troncos moribundos, maltratados pela tempestade. O homem caminhou com o cavalo e parou entre duas árvores baixas, com copas grandes e cheias de folhas. Eram as únicas coisas realmente vivas no jardim, e abaixo delas a chuva era mais branda.

    Que a fúria do oceano me guarde. Aqui permanecerei até o Despertar, quando os Solares se revelarão. E eu conquistarei o que é nosso por direito, grande Adão.

    Essas palavras ecoavam infinitamente na mente do cavaleiro enquanto de sua boca saiam sons ininteligíveis, que lentamente distorciam sua voz até transformá-la em gritos guturais. E então mil trovões sem relâmpagos rugiram no céu, a chuva parou, e o fogo pálido e baixo queimou símbolos estranhos na terra em volta.

    Tudo ficou em silêncio absoluto, e até o vento ficou inerte. Na ilha só sobraram as estátuas de um cavaleiro de armadura e um cavalo alado de oito patas.

    Capítulo I

    A guarda-costas perdida

    Mist acordou com os raios mornos de sol aquecendo o rosto. Levantou-se e abriu as cortinas que cobriam a larga janela de seu quarto. Estava acostumado a sair da cama cedo, mas naquele dia um sonho agradável o segurou no travesseiro por mais tempo. Como sempre, conferiu a aparência no espelho antes de sair do quarto. O reflexo mostrava um menino atlético, de estatura mediana. O cabelo era liso, comprido e completamente branco; uma característica única de sua linhagem. Alguns fios rebeldes caiam sobre os olhos azuis muito claros, passavam pelo respeitável nariz e chegavam até os lábios finos. Colocou-os no lugar e saiu para o corredor ainda de pijama, que eram, diga-se de passagem, suas roupas preferidas. Não tinha o melhor dos humores logo de manhã, mas sentia-se curiosamente inclinado a sorrir para as pessoas que encontrava pelo caminho até a cozinha. Geralmente, tomava o café da manhã com o pai, na sala de jantar, mas seria uma pena desperdiçar uma manhã como aquela dentro de casa. Bem, no caso dele, dentro do Palácio dos Anjos.

    Mist era o único filho de Shine De’Hearet, regente da cidade-estado de Abridased, o que fazia dele uma celebridade nas nações do continente de Helena. Ignorando o fato de que a cidade não era uma monarquia, a imprensa o chamava de príncipe de Abridased. No começo, isso o incomodou muito, mas teve que se acostumar com a nova alcunha à força, já que as revistas e tabloides não apenas a perpetuaram, como disseminarem por toda Arisé. Mesmo assim, preferia manter distância dos repórteres que o abordavam com frequência. Lembrava-se bem demais de como fotógrafos e jornalistas inconvenientes acabaram com a reunião intimista que planejara em seu café favorito para comemorar seu décimo oitavo aniversário, no primeiro dia do inverno daquele ano.

    — Bom dia, amigos — cumprimentou, ao chegar na cozinha.

    — Bom dia, senhor — os funcionários disseram em coro.

    — Pessoal, se não for muito incômodo, poderiam servir meu café da manhã em uma das mesas do terraço?

    — Como desejar, senhor — respondeu uma funcionária jovem e risonha.

    O terraço a que ele se referia era o maior do Palácio dos Anjos, onde se tinha uma vista de cento e oitenta graus de todo o esplendor de Abridased, proporcionada pela colina sobre a qual o Palácio havia sido erguido. Era chamado de última visão, pois dizia-se que, depois de verem a cidade dali, os olhos nunca mais achariam nada tão belo. O dia estava limpo e ensolarado. Sentado em uma das mesinhas com guarda-sóis brancos, o príncipe nem percebeu o tempo passar enquanto admirava os prédios de Abridased refletindo a luz solar. Antes que percebesse, já havia uma criada servindo uma grande bandeja com algumas torradas, pães e uma fatia de torta de morango que serviria duas pessoas com fartura.

    — Obrigado, Maerin — agradeceu, de olho na comida.

    — Me chame se quiser mais— disse a funcionária, antes de se retirar.

    A cada dia, Mist se surpreendia mais com a habilidade dos cozinheiros do Palácio. Não era segredo para ninguém de seu convívio que ele adorava comer. As pessoas próximas se perguntavam não somente como Mist não engordava, mas também como conseguia comer tanto e tão rápido sem ter problemas digestivos. Quando era mais novo, ensinara a todos que ninguém nunca conseguiria vencê-lo em uma competição de quem come mais, e carregava com orgulho essa reputação desde então.

    — Vai acabar se engasgando — alertou uma voz grave atrás de Mist. Um homem esguio vinha em sua direção, o cabelo comprido e branco preso com um lenço na altura da nuca, voando com a brisa matinal.

    — Pa...! — tentou dizer, com a boca cheia, olhando com uma pontinha de embaraço para o pai

    — Acordou tarde hoje — comentou o regente Shine, sentando-se na mesa junto ao filho.

    — Fiquei treinando até depois da meia noite ontem.

    — Então está levando a arte da esgrima a sério, pelo que vejo? Acho ótimo, é muito mais seguro do que ficar mexendo com livros de magia.

    — Você e o seu medo da magia. É até engraçado, levando em conta de onde você veio e o modo pelo qual esse palácio e grande parte da cidade foram construídos...— alfinetou Mist.

    — Isso não vem ao caso, senhor sabe-tudo. O que quero dizer é que precisa de muito treinamento para dominar esse negócio de energias e elementos. Já contei que quando sua mãe tinha a sua idade ela tentou...

    — Usar pirocinese para cozinhar e quase queimou a casa inteira. Sim, acho que você já me contou, pai, umas quarenta e seis vezes se eu bem me lembro.

    — É isso aí. E como além do estômago sem fundo você também herdou a distração de Athena, tem que tomar muito cuidado.

    — Primeiro, eu não sou muito distraído — Mist fez uma pausa ao ver a expressão irônica de "não, nem um pouquinho’’ estampada no rosto do pai —, segundo, pirocinese não é magia, e terceiro, você está atrasado.

    — Atrasado para quê?

    — O regente de Merald vem almoçar aqui hoje, lembra?

    Shine pulou da cadeira.

    — Pelos Anjos! Obrigado por me lembrar. Tenho que falar uma coisa para os cozinheiros já! Vejo você no almoço — disse, e saiu correndo aos tropeços.

    Deve ter sido só da minha mãe mesmo que herdei toda essa distração, pensou Mist. Shine foi embora antes que pudesse perguntar sobre algo que provocava sua curiosidade havia dias. Em um fim de tarde, estava andando até a biblioteca do Palácio, onde passava muitas de suas horas. O corredor que levava até ela era repleto de quadros, alguns deles retratos de parentes próximos e distantes de seus pais. Um quadro em especial atraiu sua atenção: uma mulher muito bonita, de cabelo loiro bem claro e olhos azuis densos. Mist nunca tinha reparado naquele pequeno quadro antes, e imediatamente quis saber de quem se tratava a pessoa imortalizada nele. Abaixo do retrato, como em todos os outros, havia uma plaqueta com um nome – Esperance – e apenas isso. Sem sobrenome, data de nascimento e falecimento, nada. Mist passou horas revirando antigos documentos de genealogia em busca de informações sobre a mulher, e a maior descoberta que conseguiu fazer foi que tinha uma tia-avó materna cujo segundo nome era Esperance. Encontrou uma fotografia antiga da parente em um álbum de família: não era loira, muito menos bela.

    Após terminar seu café da manhã, o príncipe seguiu novamente para a biblioteca, determinado a resolver definitivamente o mistério do retrato. Era um salão circular enorme, com dois pavimentos. Embaixo ficavam milhares de livros sobre todos os assuntos pelos quais alguém poderia vir a se interessar. Ficção de todos os gêneros, ensaios filosóficos, histórias religiosas, receitas culinárias, revistas sensacionalistas sobre assuntos obscuros; havia muito para todos os gostos. No mezanino, ficavam pontos de acesso da G.E.A, uma grande enciclopédia em constante atualização. Seu banco de dados podia ser acessado em todo o continente de Helena por computadores chamados de navi, e a sede de sua memória ficava em Liberaá, a capital do Reino Austral de Prisma, com informações sobre tudo o que é explicável (e até algumas coisas inexplicáveis). Aparentemente, aquela Esperance era um ser que não estava em nenhuma dessas categorias, pois Mist já tinha recorrido à enciclopédia sem sucesso. Decidiu então voltar aos bons e velhos papeis. Outra característica que o príncipe herdara da mãe era a capacidade de esquecer do mundo ao começar a ler alguma coisa, e a situação se agravava muito quando estava desesperado atrás de alguma informação. Mas parecia que nenhum documento no Palácio tinha Esperance em suas páginas. E assim o ponteiro comprido do relógio da biblioteca completou uma volta, e não demorou muito para completar duas...

    — Inacreditável. Como uma pessoa pode ser tão...— Mist parou ao ver o relógio. Faltam cinco minutos para o almoço com o regente de Merald, e eu ainda estou de pijama!

    Largou a papelada no chão e saiu como um raio em direção ao seu quarto. Não podia chegar atrasado para o almoço de modo algum. Não porque seria rude com o visitante, e nem porque sua comida iria esfriar (bom, talvez um pouco), mas porque, se isso acontecesse, ele teria de aguentar Shine fazendo comentários sobre sua distração por todo o sempre. Encontrou o traje social que deveria usar já estendido sobre sua cama. Obrigado, Maerin, pensou. Em segundos, já estava vestindo a blusa de linha branca e gola alta sob um paletó azul-marinho, com o símbolo de Abridased bordado na altura do peito, e calças da mesma cor. Mist não dava muita importância para aparências, mas achou-se muito elegante ao se olhar no espelho antes de deixar seu quarto e descer para o primeiro andar.

    — Em cima da hora — disse o príncipe ao ver as horas no relógio do foyer.

    A sala de jantar do Palácio dos Anjos era ampla e muito bem iluminada por duas grandes janelas na parede leste. Uma mesa de madeira branca, finamente talhada com arabescos, se estendia quase de ponta a ponta do cômodo, e acima dela pendia um elaborado lustre cristalino, com mais lâmpadas apagadas do que se podia contar em uma olhada casual. O regente Shine estava sentado em uma das extremidades da mesa, acompanhado à esquerda por um homem corpulento de cabelos curtos e negros, muito baixo, em um berrante terno azul-marinho com flores negras bordadas.

    — Olha quem chegou — disse Shine ao ver o filho.

    — Quase perdi a hora — comentou Mist, sentando-se na cadeira à direta do pai.

    — Esse aqui é Brilho Demond — apresentou Shine.

    — Prazer em conhecê-lo, senhor Demond — disse Mist, apertando a mão do regente de Merald.

    — Por Tân! Como você cresceu, menino! — Brilho fitou Mist com seus apertados olhos negros.— Da última vez que estive aqui, você era só uma coisinha nos braços do seu pai.

    — Então já nos conhecíamos?

    — Foi no seu primeiro aniversário, o que é uma pena, de verdade. Devo várias visitas ao seu pai.

    — Sempre quis conhecer sua cidade, é um lugar muito bonito.

    — Agora que terminou os estudos, Mist e eu estamos planejando uma grande viagem — contou Shine, os olhos crescendo de empolgação. — Queremos voar por todo o continente, e quem sabe até cruzar o Mar das Flores para que ele conheça minha cidade natal.

    — Berco — disse Brilho. — Um lugar agradável, bom para relaxar. As terras de Mimante guardam muitas maravilhas. Se puder, com certeza deve atravessar o mar com Mist. O mundo tem tanta beleza, acho triste muitos passarem a vida sem admirar tudo isso.

    — Seguiremos sua sugestão, então — Shine piscou para Mist. — Mal posso esperar!

    — Invejo você, amigo — Brilho disse, com o semblante preocupado. — Os últimos tempos têm sido atribulados em Merald.

    A expressão no rosto de Shine mudou imediatamente.

    — Li sobre a serpente marinha que atacou operários no porto –— falou o regente, sem saber direito o que dizer.

    — Estaria mentindo se dissesse que tudo já foi resolvido. Foi o terceiro incidente em dois meses, e o mais grave até agora. Os Arcanjos estão conseguindo conter os danos, mas nada substitui vidas perdidas.

    — Eu não sabia que a situação era grave assim. É uma pena que Abridased não possa fazer algo para ajudar. A coisa mais próxima que nós temos de uma força de combate de elite como os Arcanjos de Merald são os guardas do Palácio.

    — Diria que é uma benção vocês não precisarem de nada do tipo. — Brilho deu um sorriso pesado.

    O almoço durou mais uma hora, e muito se disse sobre os problemas em Merald. A cidade costeira sempre tivera que lidar com ocorrências perigosas envolvendo criaturas marinhas selvagens, mas o número de casos vinha aumentando consistentemente, alguns com desfechos desastrosos para os habitantes. Shine e Mist fizeram o que puderam para tentar distrair o visitante, e conseguiram, pois, na hora da sobremesa, Brilho já estava dando gargalhadas vigorosas junto ao príncipe e seu pai, relembrando histórias engraçadas. Finalmente, o regente de Merald se levantou.

    — Uma das melhores experiências gastronômicas que eu já tive! — elogiou Brilho, com as mãos sobre a barriga.

    — Fico feliz que tenha gostado, e que houve comida o bastante também — disse Shine, olhando para Mist, que saboreava sua quarta sobremesa.

    — Bom, acho que nossos trabalhos nos chamam, não é?

    — E como. Deixe-me acompanhá-lo até a porta, sim? Vem com a gente, Mist— chamou Shine, fazendo Mist engolir um último pedaço de torta de morango um pouco mais rápido do que o usual.

    Em frente à porta de entrada do Palácio dos Anjos estava parado o veículo de Brilho: uma carruagem, tão pouco discreta quanto o dono. A cabine era dourada e cheia de detalhes decorativos conflitantes. Guiando-a estavam dois cavalos alados brancos e apenas eles; Mist não fazia ideia que ainda eram usados para conduzir veículos.

    — Que meio peculiar de se locomover — Shine comentou, tentando entender a proposta estética da cabine.

    — Coisa da Hera... — Brilho justificou, um pouco constrangido. — Muito obrigado pelo banquete, Shine — agradeceu, despedindo-se do regente e do príncipe com um beijo no rosto de cada um.

    — Volte sempre — disse Shine, acenando para o amigo que entrava na carruagem. Imediatamente, os cavalos que a conduziam levantaram voo e o veículo mergulhou no azul lá em cima. — Bom, agora para os preparativos de amanhã.

    — Já estava esquecendo que amanhã é o grande dia! — exclamou Mist.

    — Mais um Dia do Despertar. Chegou rápido esse ano. Preparado para a festa?

    — Com certeza.

    Shine parou por um instante, olhando para o filho com uma expressão que Mist não conseguiu definir.

    — Algum problema, pai? — perguntou o menino.

    — Não, nenhum— respondeu o regente. — É só que...hum...não, nada.

    — Pai?

    — Não se preocupe. Agora tenho que ir, vejo você depois. — O regente se despediu e correu para dentro do Palácio.

    Mist caminhou um pouco pelo jardim frontal antes de voltar para dentro. Fazia um dia esplêndido de primavera. O sol brilhava forte àquela hora do dia, e mesmo assim a temperatura estava amena e agradável; uma das virtudes da estação das flores. Os raios dourados faziam as cinco torres cúbicas do Palácio refulgirem contra o firmamento. De acordo com Shine, tinham sido construídas para homenagear os cinco Anjos de Arisé, protetores de toda a vida, muito reverenciados nas terras de Helena.

    — Mas o que temos aqui?

    Alguma coisa pairava sobre o ombro direito de Mist: uma pequena borboleta, de asas azuis e brilhantes. O garoto levou um dos dedos delicadamente ao ombro, mas o minúsculo ser se assustou e escapou. Seguiu-a para dentro do Palácio, subindo as escadas para o segundo andar, fazendo curvas pelos corredores. Estava quase conseguindo tocar na pequenina, só mais alguns centímetros...

    — AIIIIII!

    O príncipe trombou com tudo em alguém pelo caminho. Quando se recuperou do choque, a coisinha azul e brilhante havia sumido, e à sua frente estava uma pessoa coberta em uma longa capa cor de fogo, o rosto escondido por um capuz. Em uma das mãos carregava uma grande lança com duas lâminas, uma alguns centímetros menor que a outra.

    — M-me desculpe, senhor... excelentíssimo, ilustríssimo, príncipe de Abridased! — gaguejou uma voz feminina por baixo da capa.

    — Eu é que peço desculpas! Estava distraído perseguindo um bichinho. E pode me chamar de Mist— disse o príncipe, tentando ver o rosto da estranha por baixo do capuz.

    — Já que você, pelo menos, teve a decência de admitir que foi tudo culpa sua, aceito suas desculpas.— A moça cruzou os braços.

    Mist começou a rir. Por alguns instantes, alguém o tratara como igual. Surpreendente.

    — Posso saber quem é você? — perguntou, curioso. — Não vai roubar nada aqui, vai?

    — Pra sua informação, não sou ladra — respondeu a estranha, em tom ofendido. — Mas, se eu quisesse tirar alguma coisa desse Palácio, teria feito isso sem ninguém me ver.

    — Ok, senhorita não-ladra, vou tentar de novo. Sou Mist De’Hearet, muito prazer. — O príncipe estendeu a mão. Ela a olhou e deu uma fungadela.

    — Sei quem você é — disse, e tirou a capa vermelha que a ocultava.

    Mist ficou plantado onde estava, com o braço estendido. A jovem mulher diante de si era extremamente bela. Os olhos eram de um verde forte, como se tivessem acabado de ser pintados, e o cabelo era todo feito de finos fios de ouro branco, presos em uma trança. A princípio, achou que fosse alguém da guarda do Palácio, pois já vira sentinelas com capas parecidas com a dela no inverno, mas as roupas que usava excluíam essa possibilidade. A jovem vestia uma blusa muito curta cheia de amarras e detalhes, e calças azul-marinho ajustadas, que destacavam suas formas longilíneas e bem esculpidas, muito diferente dos trajes comportados das poucas mulheres da guarda. O príncipe achou o rosto dela estranhamente familiar.

    — Meu nome é Beltrant Mellinie Topaz, de Merald, membro dos Arcanjos de Merald, ordem de Tân. — ela se apresentou, cheia de si, e apertou a mão de Mist.

    — Ah, você é dos Arcanjos de Merald? Então deve ter vindo junto com o senhor Demond, certo?

    — Certo, e estou atrasada. A carruagem já deve ter chegado — disse Beltrant, andando em direção à escada para o primeiro andar. — Acabei me perdendo nesse Palácio enorme.

    — A carruagem já chegou sim, e já foi também — avisou Mist.

    A moça se virou e olhou para o príncipe, incrédula.

    — O que você disse? Brilho... me esqueceu aqui?

    — Acho que é uma possibilidade.

    — Como? Aquele... — Beltrant gritou tão alto todos os insultos que conhecia que até os jardineiros do Palácio se assustaram. — O que vou fazer agora?

    — Primeiro, você deve se acalmar um pouco — sugeriu Mist serenamente.

    — Eu não quero me acalmar! — berrou Beltrant. — Vou levar dias pra voltar pra Merald sozinha, e amanhã tinha combinado de sair com as meninas!

    — Tenho certeza de que isso não será necessário. Brilho vai voltar para cá amanhã, para as festas. Fique hospedada aqui enquanto isso — o príncipe sugeriu.

    Beltrant olhou para Mist como se ele tivesse dito algo impronunciável.

    — Como é? — perguntou, como se não acreditasse no que acabara de ouvir.

    — Fique no Palácio, assim você não gasta nada com hospedagem.

    Beltrant não respondeu imediatamente. Ficou encarando Mist, com uma sobrancelha arqueada.

    — Seus pais não ensinaram que não se deve confiar em estranhos? Eu poderia ser uma assassina, psicopata ou sei lá, e você me oferece um quarto no seu Palácio assim, sem me conhecer?

    — Você é membro dos Arcanjos e veio com o senhor Demond, não tenho motivos para desconfiar do que me contou— disse Mist.— E o fato de estar conversando comigo neste momento sem cerimônia já me faz ter simpatia por você.

    Beltrant corou. Não estava acostumada a ouvir celebridades mundiais falando que gostavam dela.

    — Mas... — começou, tentando encontrar algum meio de recusar o convite do príncipe — você... quer dizer, eu....

    — Qual é o problema, agora? — perguntou Mist, não entendo a reação dela. — Você não gostou do Palácio, é isso? Ou o problema sou eu? Olha, aquela história de que eu tentei agredir um fotógrafo no meu aniversário é mentira...

    — É claro que não! — interrompeu Beltrant, respondendo às duas perguntas do príncipe. — Mas é que não tem cabimento uma pessoa como eu ficar hospedada no Palácio do regente de Abridased!

    — E porque não? — perguntou Mist, já imaginando a resposta que ouviria.— Então está querendo dizer que se a situação fosse inversa, você não deixaria eu ficar na sua casa?

    — Bom, se fizessem menos de cinco minutos que eu te conhecesse, sinceramente, não.

    — Mas você provavelmente saberia que eu sou o príncipe de Abridased, e mesmo assim você não me ofereceria um lugar para ficar? — perguntou Mist, tentando entrar na lógica da garota.

    — É claro que ofereceria!

    — Então, a situação é a mesma aqui. Você é dos Arcanjos de Merald, e eu gostei de você, por isso, mesmo a conhecendo a menos de cinco de minutos, posso convidá-la para passar a noite na minha casa — concluiu Mist, quebrando qualquer contra-argumento que Beltrant pensou em usar.

    Beltrant ficou pensando por alguns segundos, como se estivesse pesando razões para aceitar ou recusar o convite.

    — Se é assim... tudo bem, aceito ficar aqui.— disse, por fim, um pouco relutante.

    — Ótimo — disse Mist, feliz. — Vou providenciar acomodações para você imediatamente.

    Mist escolheu um dos melhores quartos do Palácio para hospedar sua nova conhecida. Não sabia exatamente o porquê, mas viu imediatamente naquela bela garota dos Arcanjos de Merald uma pessoa com quem poderia se dar muito bem. Beltrant ficou maravilhada com suas acomodações. O quarto era bem arejado e suavemente iluminado pela luz natural, que entrava pela porta de vidro do terraço. Havia dois armários e três cômodas de madeira clara, e a cama de dossel era grande, coberta por lençóis brancos de cetim.

    — Fique à vontade — disse Mist, percorrendo o aposento com os olhos para certificar-se de que estava tudo certo.

    — É perfeito. — Beltrant sentou-se na cama, as mãos sentindo a maciez dos lençóis.

    —No guarda-roupa da direita tem toalhas de banho, e o banheiro é atrás daquela porta.

    —Acho que vou ter que agradecer Brilho por ter me esquecido aqui.— Ela sorriu para Mist.

    — Fico feliz que esteja mais calma. Você trabalha para o senhor Demond?

    — Quando não tô exterminando serpentes marinhas e krakens com os Arcanjos, sou guarda-costas dele.

    Beltrant tirou um aparelhinho redondo do bolso e pressionou duas vezes o único botão que havia nele. Colocou-o sobre a lança que carregava: ela desapareceu no ar em um instante. Os redutores de moléculas tinham chegado ao mercado havia apenas cinco anos, e já era raro ver pessoas com bolsas e mochilas nas ruas das grandes cidades — pelo menos nas que ficavam daquele lado do Mar das Flores. Os mais populares podiam reduzir objetos a um tamanho vinte vezes menor, mas já existiam modelos de ponta que confeririam a qualquer coisa medidas praticamente microscópicas.

    — Você deve viajar bastante, então — disse Mist, sentindo uma ponta de inveja.

    — Verdade, mas é minha primeira vez em Abridased. Não deu pra ver muita coisa, mas achei a vista daqui incrível.

    — Sério? — o príncipe perguntou, surpreso. — Quer dar uma volta pela cidade?

    — Um tour por Abridased, com Mist De’Hearet?

    — Não tenho nada para fazer mesmo. — O príncipe deu de ombros.

    — O pessoal em Merald vai pirar quando eu contar isso — Beltrant disse, rindo.

    E desceram os dois para o primeiro andar, com a guarda-costas de Brilho fazendo comentários deslumbrados a cada passo que davam. Na outra ponta da pequena alameda que levava à porta de entrada do Palácio ficava uma pequena estação de sirena, veículos movidos a água que se moviam pelos dois tubos de metal translúcido instalados ao redor da colina sobre a qual a residência do regente de Abridased fora construída. Do lado de fora, os sirenas eram grandes esferas de metal prateado, reluzindo à luz do sol. Em frente a um deles estava um homenzinho de barriga saliente e olhões escuros como ônix. Era um dos condutores do Palácio, de quem Mist gostava muito.

    — Boa tarde, Klopras — Mist saudou. O homem tinha quase metade de sua altura.

    — Olá, senhor. Quem é sua amiga? — perguntou Klopras, sorrindo para a garota.

    — Ela se chama Beltrant, e é guarda-costas de Brilho Demond. Vai ficar hospedada no Palácio.

    — Seja muito bem vida, senhorita! Primeira vez na cidade?

    — É, sim — respondeu Beltrant.

    — Vou dar um passeio rápido com ela — disse o príncipe — Vamos descer?

    Klopras abriu a porta lateral do sirena. O veículo era muito maior por dentro do que parecia. Havia três poltronas para passageiros em frente a uma grande janela redonda, que ficava do lado oposto à cadeira do condutor.

    — Por favor, acomodem-se— disse Klopras, fechando a porta do veículo e assumindo seu lugar.

    Mist e Beltrant sentaram nas poltronas, e o condutor apertou alguns botões holográficos em um painel. O sirena levantou poucos centímetros no ar e atravessou o limiar redondo do tubo transparente. Uma comporta se fechou atrás do veículo e uma voz feminina sintética falou. Começando inundação do aquatunel. Imediatamente, vários jatos líquidos começaram a jorrar de buracos circulares em volta da comporta. Em pouco tempo, o tubo encheu-se de água. Inundação completa. Iniciar estabilização aquática. A distorção causada na vista da janela foi corrigida, e a cidade de Abridased apareceu para os tripulantes da esfera prateada, que começou uma descida lenta e confortável.

    — Por Tân! — disse Beltrant, com os olhos vidrados na janela. — Tô começando a entender de onde vem toda a admiração das pessoas por Abridased! É incrível como um lugar que apareceu do nada tenha crescido tanto. Seu pai é muito bom no que faz.

    — Bom, ele teve muita ajuda. Mas eu também admiro muito ele por ter saído da terra-natal para começar uma vida nova tão longe de casa. Os motivos dele são um dos mistérios de Abridased até para mim— disse Mist, com um sorriso irônico.

    — É mesmo! — disse a jovem, como se tivesse se dado conta de algo muito importante. — Agora você pode me explicar essas coisas estranhas!

    Mist achava aquilo tudo muito engraçado. Muitas pessoas eram obcecadas pelo que chamavam dramaticamente de mistérios de Abridased, tanto que algumas publicações de credibilidade duvidosa dedicavam páginas e páginas a discussões e especulações muito imaginativas sobre o assunto. Entendia um pouco o fascínio que a cidade exercia, afinal, não era sempre que um homem vinha de outro continente para fundar um vilarejo em terras antes ignoradas pelas nações de Helena. Até para o príncipe a história de Abridased era um pouco nebulosa. Sabia que Shine herdara do pai um lote enorme nos Jardins do Demando, uma região sem grandes atrativos geológicos que ficava entre o rio Demando, ao sul, e os Alpes de Frei, ao norte. O regente, então apenas um garoto de vinte e dois anos, atravessou o Mar das Flores acompanhado por onze famílias e se instalou na terra de seu pai. Em duas décadas, o que começou como um pequeno vilarejo se tornou uma imponente cidade-estado, com relações diplomáticas e comerciais firmes e imaculadas com todos os seus vizinhos. Quando perguntado sobre a razão que o motivara a fazer o que fez, Shine sempre dava uma resposta superficial, atribuindo tudo ao acaso e uma conjunção improvável de fatores, o que dava mais margem para histórias estapafúrdias sobre as bases do desenvolvimento da cidade. Dependendo de quem se ouvia, Shine era um alien de outra galáxia ou um ser superior, enviado pelo Criador para criar a cidade onde os bons e justos seriam poupados no fim do mundo (cuja data era mudada a esmo).

    — Pode ter certeza de que a maioria dos mistérios tem uma explicação bem lógica — disse Mist. — E os que não têm, bom, esses nem eu posso te explicar.

    — É verdade o que dizem sobre as torres dos cinco Anjos? Sobre a passagem entre planos? — perguntou Beltrant, muito curiosa.

    — Sinto em informar que não. As torres são apenas torres, e faz séculos que nem eu, nem ninguém sobe em nenhuma delas. Só o que existe no topo de cada uma é uma escultura de cada um dos Anjos. Não existe nenhum tesouro secreto ou porta para o além.

    — Serio? — Beltrant parecia desapontada. — Essa era uma das histórias que mais me intrigava sobre a sua cidade. Tem uma revista em Merald que tratou do assunto por meses.

    — A Hyper Fait Divers, certo? Acompanho todas as edições que falam sobre Abridased. É muito divertido ver como a imaginação dos editores é fértil.

    — Chegamos, senhor— avisou Klopras, enquanto a voz eletrônica dizia começar evaporação.

    Rapidamente, toda a água do aquatunel desapareceu em nuvens no ar. Uma comporta se abriu à frente e o sirena deixou o tubo de metal, parando ao lado de uma plataforma larga.

    — Voltaremos logo, Klopras, até mais — despediu-se o príncipe.

    A estação de sirena ficava na área residencial de Abridased, próxima à entrada sul da cidade, em uma de cem alamedas que tinham exatamente o mesmo comprimento. Pelo pavimento delas estava espalhado outro dos grandes mistérios: pequenos cristais, transparentes ou azul-claros, que surgiam de maneira inexplicável apenas das dependências de Abridased. Nunca haviam sido observados antes de a cidade surgir nos Jardins do Demando, e por isso tornaram-se pedras preciosas importantíssimas para a economia abridasédina. Nos últimos dez anos, empresários de mineração de toda Arisé tinham imigrado para a cidade de cristal, e alguns dos mais renomados designers de jóias do mundo deviam seu sucesso às pedrinhas brilhantes.

    Caminhando pelas ruas ladrilhadas de cristais, Mist e Beltrant passavam por belas casas, muitas enfeitadas por jardins floridos pela primavera. Eram protegidas pela sombra verde das árvores que brotavam nas calçadas. Alguns dos moradores estavam sentados despreocupadamente nas varandas, lendo ou simplesmente observando o movimento.

    O parque no centro da área residencial era o marco zero de todas as alamedas, onde ficavam as árvores mais altas e frondosas. Formavam uma cúpula orgânica sob a qual os habitantes da cidade caminhavam ao som do canto dos pássaros. Em volta dele ficavam as grandes mansões de Abridased, com seus elaborados portões exibindo o brasão das famílias que nelas residiam. Ao fundo, a colina do Palácio dos Anjos crescia sobre as casas, os tubos transparentes espiralando ao redor como serpentes gêmeas.

    Beltrant parecia estar se deliciando com os próprios sentidos.

    — É como dizem — concluiu ela. — É impossível visitar Abridased e não se sentir diferente. Tudo aqui causa essa sensação.

    — Ouvi dizer que Merald não é nada mal, também. — disse Mist. — A gema tropical, ou o porto dos sonhos, como dizem os cartões postais que meu pai traz.

    — Adoro minha cidade, mas nenhum lugar que já visitei me fez sentir assim.

    — Conhece tantos lugares assim? — perguntou Mist, curioso.

    — Já viajei bastante por causa do trabalho — contou Beltrant. — Rodei muito por Prisma e Angrace, no último outono fui pela terceira vez para Mimante e uma vez me mandaram para Herea.

    Mist arregalou os olhos.

    — Basicamente, conhece o mundo todo — disse, com admiração.

    — Você deve viajar bastante também — supôs a guarda-costas.

    — Não mesmo — respondeu o príncipe, com um pouco de vergonha. — O lugar mais longe de Abridased que já fui foi a foz do Demando. Mas tenho uma grande viagem planejada — acrescentou, desejando muito que o pai levasse seus planos adiante.

    — Quem precisa de viagens quando se é filho do regente de Abridased — disse a garota rapidamente, sentindo-se mal por ter falado de todos os lugares aos quais já tinha ido para alguém que conhecia tão pouco do mundo.

    — Quer trocar? — propôs Mist. — Eu serei o guarda-costas, membro dos Arcanjos, e você será a princesa de Abridased.

    — A qualquer hora — respondeu ela, entusiasmada. — Beltrant Mellinie Topaz, princesa. Seria tudo de bom!

    Mist riu. Achou irônica a situação. Não que estivesse falando sério, afinal, apesar de até sonhar com os lugares que queria conhecer, Abridased provavelmente sempre seria seu lugar preferido no mundo. Mas havia alguma coisa dentro dele que acordava, até fervia, quando Beltrant falava sobre suas viagens. Mist imaginou a vida cheia de ação que ela devia levar. Talvez fosse algo vindo de Shine, pois no passado o regente havia conquistado fama durante os anos que trabalhou como caçador de criaturas perigosas em sua cidade natal, um verdadeiro guardião de seu povo. Bem diferente da vida de regente — ou filho de um — que tanto deslumbrava Beltrant.

    À medida que se afastavam da praça central, as residências tornavam-se cada vez mais escassas, dando lugar a pequenas lojas e restaurantes. A rua em que estavam também se alargava conforme avançavam. Quando viraram a última esquina da área residencial, Beltrant levou um susto: ela e o príncipe estavam na beira de um planalto, e diante deles erguiam-se centenas dos arranha-céus mais altos que ela já vira, as janelas espelhadas bebendo o sol. Muitos viadutos se entrelaçavam entre os prédios, e milhares de veículos fluíam como cardumes sobre eles. Lá embaixo, via-se uma multidão de pessoas andando para todos os lados.

    — Esse é o distrito comercial da cidade — apresentou Mist, divertindo-se com a expressão atônita no rosto de Beltrant.

    — Melhor que nas fotos. — Foi só o que ela conseguiu dizer.

    — Vem comigo, vamos pegar o elevador.

    Mist conduziu a amiga até uma larga plataforma a poucos metros de onde estavam. As pessoas olhavam admiradas quando percebiam a presença do príncipe. Um leve solavanco foi sentido, e a plataforma começou a descer diagonalmente em direção às ruas, enquanto os prédios cresciam sobre eles.

    — Nunca andei com uma celebridade antes — comentou Beltrant, percebendo os olhares que se dirigiam a ela também. — Devem tá pensando que eu sou alguém famosa, ou sua nova conquista.

    — Olha aquela torre— disse Mist, apontando para um dos prédios mais altos que agora sumia entre as nuvens. Não queria entrar no assunto em que Beltrant tinha tocado. — Se chama Lumina Loriné; é onde toda a energia da cidade é produzida e transmitida.

    — Já vi algo sobre ela em um documentário — contou Beltrant, entusiasmada, para o alívio do príncipe. — Abridased usa a energia pura do planeta como se fosse eletricidade, né? Tipo magia.

    — Exato. A torre canaliza a energia do subsolo e do ar e a transmite para toda a cidade.

    — Tá explicado porque tudo aqui tem um ar diferente — disse Beltrant, com um ar pensativo. — Um negócio fora desse mundo.

    — É só ciência. Vem, vou mostrar mais alguns lugares — chamou

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