Sociedade E Política
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Sociedade E Política - Eliezer Pacheco / Luísa Abbott
I. O MATERIALISMO HISTÓRICO
1. Conceito
Esta teoria da sociedade foi elaborada, basicamente, por Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1903). Recebeu contribuições fundamentais de Lenin (1870-1924), líder da Revolução Russa, Rosa Luxemburgo (1871-1919), Antônio Gramsci (1891-1937), Georg Lukács (1885-1971), Nicos Poulantzas (1936-1979) e Louis Althusser (1918-1990), entre tantos outros.
A mais clara síntese do materialismo histórico foi feita por Marx no prefácio na Contribuição à Crítica da Economia Política:
A minha investigação desembocava no resultado de que tanto as relações jurídicas como as formas de Estado não podem ser compreendidas por si mesmas, nem pela chamada evolução geral do espírito humano, mas se baseiam, pelo contrário, nas condições materiais de vida cujo conjunto Hegel resume, seguindo o precedente dos ingleses e franceses do século XVIII, sob o nome de ‘Sociedade Civil’ e que a anatomia da sociedade civil precisa ser procurada na economia política. O resultado geral a que cheguei e que, uma vez obtida, serviu de fio condutor aos meus estudos, pode resumir-se assim: na produção social de sua vida, os homens contraem determinadas relações necessárias e independentes da sua vontade, relações de produção que corresponde a uma determinada fase de desenvolvimento das suas forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção forma a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se levanta a superestrutura jurídica e política e à qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual em geral. Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas, pelo contrário, o seu ser social é que determina a sua consciência. Ao chegar a uma determinada fase de desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade se chocam com as relações de produção existentes, ou, o que não é senão a sua expressão jurídica, com as relações de propriedade dentro das quais se desenvolveram até ali. De forma de desenvolvimento das forças produtivas, estas relações se convertem em obstáculos a elas. E se abre, assim, uma época de revolução social. Ao mudar a base econômica, revoluciona-se, mais ou menos rapidamente, toda a imensa superestrutura erigida sobre ela. (MARX; ENGELS, 1973, p. 301)
Para o marxismo, os homens, em sua luta pela sobrevivência, necessitam transformar e dominar a natureza. Isto não é feito isoladamente, mas de forma coletiva, estabelecendo, assim, relações que independem de sua vontade.
Ao se desenvolverem, as forças produtivas entram em conflito com as relações de produção existentes que passam a ser um obstáculo ao seu crescimento. Com isso, abre-se uma época de revolução social na medida em que essa contradição divide a sociedade e os homens adquirem consciência deste conflito e lutam para resolvê-lo, colocando-se de um ou de outro lado dessa luta.
O conflito irá se resolver em favor das forças produtivas; surgindo, assim, novas relações de produção superiores cujas condições materiais haviam amadurecido no seio da sociedade antiga. O desenvolvimento das forças produtivas explica, em última instância, o curso geral da história humana.
A partir destes pressupostos teóricos, se estabelece a grande tensão na obra de Marx entre determinismo e luta de classes. Estas instâncias de determinação ontológica aparecem em diferentes momentos da obra de Marx, simultaneamente abrindo espaço para que, dentro da perspectiva do materialismo histórico, se desenvolvam tanto uma visão da história, enquanto um processo necessário, quanto uma outra que privilegia a luta de classes: o papel dos indivíduos na história.
Esta tensão entre determinismo e luta de classes, positivismo e hegelianismo, está presente no conjunto da obra de Marx. Embora seja necessário reconhecer que predomina na mesma uma concepção que não privilegia a criação de uma teoria da individualidade, isso não significa que, a partir dos pressupostos teóricos marxistas, não seja possível desenvolvê-la.
Dois temas epistemológicos destacam-se em Marx:
ênfase na objetividade – a realidade independente das formas materiais e a realidade relativamente independente das formas sociais em relação ao conhecimento;
ênfase no papel do trabalho no processo cognitivo e, portanto, no caráter social e histórico do conhecimento.
O primeiro tema articula-se com a modificação prática da natureza e a constituição da vida social e o segundo tema com a mediação da ação humana, ou seja, a práxis.
Marx foi, especialmente em seus primeiros trabalhos, um crítico severo do idealismo. Entretanto não se encontra em sua obra, a não ser de uma forma prática não teorizada, uma crítica semelhante ao empirismo.
Como consequência de um não desenvolvimento teórico maior relativo ao empirismo, sua obra vai oscilar muitas vezes entre um subjetivismo sofisticado e um materialismo mecanicista.
Ao romper com as concepções de Feuerbach, de que as ideias são como produto das mentes humanas, Marx critica o individualismo, o humanismo e o entendimento de uma natureza humana não histórica.
Feuerbach dissolve a essência religiosa na essência humana. Mas a essência humana não é uma abstração inerente ao indivíduo singular. Em sua realidade, é o conjunto das relações sociais. (MARX, 1986, p. 127).
Por outro lado, Marx enfatiza o papel desempenhado pela práxis humana, vendo a História como uma atividade humana em busca de seus objetivos, porém esta práxis estaria condicionada às condições estabelecidas pelo processo social. Em outras palavras, esta atividade dos homens não se dá sem limitações, mas, sim, dentro de circunstâncias encontradas, dadas e transmitidas pelo passado.
A postura marxista sobre a epistemologia assenta-se sobre dois temas inter-relacionados: a cientificidade e a historicidade do processo cognitivo. De um lado, Marx procura construir uma Ciência, procurando estabelecer certas proposições epistemológicas; de outra parte, concebe as Ciências como produto das circunstâncias históricas, constituindo-se, portanto, a cientificidade e a historicidade como aspectos do processo cognitivo. A eliminação ou subestimação de um destes aspectos leva a desvios no processo cognitivo que poderiam ser classificados como cientificismo e historicismo, respectivamente, embora este fato esteja presente na obra do próprio Marx. Em alguns momentos de sua obra, a filosofia parece ser substituída completamente pela ciência ou, ao menos, como dependente desta. Este viés cientificista seria reforçado por Engels e, uma vez adotado pela Segunda Internacional, exerceria larga influência sobre o pensamento marxista.
O materialismo histórico, diferentemente da teoria funcionalista, questiona radicalmente a ordem social vigente (a sociedade capitalista). Define-se como uma teoria claramente articulada aos interesses do proletariado, negando, portanto, qualquer possibilidade de se produzirem conhecimentos neutros ou imparciais. A objetividade científica não está vinculada a análises elaboradas acima das classes, mas à busca da verdade que é sempre verdade para uma classe. Somente as análises que não se contentam em descrever as aparências – aspectos visíveis da realidade – podem ser consideradas científicas. Isto significa afirmar que a busca da essência – razão de ser da ciência – só é possível a partir do ponto de vista do proletariado, a classe que vende a sua força de trabalho para garantir a sua sobrevivência.
A essência da realidade torna-se visível somente se a realidade for construída conceitualmente como totalidade pelo pensamento humano. O pensamento é a elaboração de uma imagem subjetiva do mundo objetivo; não é uma cópia do objeto porque resulta da atividade humana que reflete e elabora o objeto sob a forma de conceitos. É importante destacar que a forma de existência do objeto no pensamento depende do sujeito e da sua posição na sociedade.
2. A Dialética
A dialética materialista parte do princípio de que a matéria é anterior ao pensamento (ou consciência). O aparecimento do pensamento, próprio do homem, é o produto de um prolongado desenvolvimento da matéria viva até a formação do seu sistema nervoso.
Obviamente matéria e pensamento formam uma unidade inseparável e contraditória. Isto significa dizer que o pensamento não existe separado da sua realidade