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Zicky Wayne e o Elmo de Hades
Zicky Wayne e o Elmo de Hades
Zicky Wayne e o Elmo de Hades
E-book383 páginas5 horas

Zicky Wayne e o Elmo de Hades

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Sobre este e-book

Ano de 2100, o planeta Terra foi completamente destruído pelas alterações climáticas. Os últimos humanos vivem presos dentro de bolhas de vidro no Polo Sul. Quando Zicky Wayne, o último técnico de reparação de robôs, regressa à bolha, acompanhado pelas suas melhores amigas, irá descobrir que todos os habitantes desapareceram enquanto uma estranh

IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de out. de 2023
ISBN9789893533611
Zicky Wayne e o Elmo de Hades
Autor

David Pereira

David Pereira nasceu em 1991 em Lisboa. Estou engenharia eletrotécnica, mas sempre teve uma paixão pelos mundos de fantasia e de ficção científica. Desde cedo o mundo de Tolkien o inspirou, tornando-se um grande fã. Gosta de se perder em mundos fantásticos em vez de viver no mundo real.

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    Pré-visualização do livro

    Zicky Wayne e o Elmo de Hades - David Pereira

    Introdução

    Chegamos a 2030, os sinais foram-se tornando cada vez mais evidentes e mais frequentes, mas ninguém com grande influência olhava para eles com preocupação. Os países ricos, que tinham um grande poder de influência, eram aqueles onde se consumia mais recursos e também onde se poluía mais. Todos sabiam o que era preciso fazer para salvar o planeta, mas sempre houve uma espécie de arrogância dos países mais ricos, que pensavam que as coisas más só aconteciam aos outros porque até aqui nunca tinham sofrido na pele as consequências. Assim, nunca lhes deram a devida importância e puseram esse assunto numa gaveta fechada a sete chaves. Foi neste ano que foi ultrapassado o ponto de não retorno e todos começaram a desejar que não tivessem sido tão cegos.

    A partir daqui o clima mudou radicalmente, a temperatura subiu, deixou de chover na maioria das regiões terrestres, começou a haver escassez de alimentos e muitas espécies extinguiram-se. Surgiram novas doenças em locais onde antes não apareciam, sendo cada vez mais resistentes e letais, tudo isto devido às alterações climáticas que haviam de mudar para sempre a maneira como a humanidade vivia.

    O verão de 2070 foi um dos mais trágicos para a humanidade, com um aumento brutal de temperatura. O valor mais baixo registado em todo o planeta foi de 60ºC, milhares de pessoas morreram nesse dia. Foi aí que todos abriram os olhos e finalmente perceberam o que tinha sido feito. Agora estavam dispostos para abdicar do seu conforto, mas era tarde demais. Fizéssemos o que fizéssemos, mudássemos o que mudássemos, o tempo de agir tinha passado e não havia forma de voltar atrás, começava o princípio do fim da humanidade.

    Estava em marcha a sexta grande extinção. Imediatamente no dia seguinte, os países nas Nações Unidas criaram um plano de salvamento para os últimos seres humanos do mundo, que passava por transferir todas as pessoas dos seus países para o Polo Sul do planeta.

    Assim, as pessoas foram divididas em dois grupos, as que tinham muito dinheiro conseguiram comprar viagens para outro planeta e todas as outras foram levadas para a Antártida.

    Ninguém sabe o que aconteceu a essas pessoas que saíram do planeta, se conseguiram sobreviver, se chegaram ao seu destino, se estão de regresso para resgatar quem ficou para trás.

    No ano de 2075, a situação continuava a piorar e percebeu-se que a solução de fugir para o Polo Sul não era suficiente, era preciso mais; foi então que se decidiu que era necessário criar ambientes controlados para a sobrevivência da espécie humana. Assim começaram a ser construídas centenas de bolhas, em vidro, que seriam responsáveis por salvar a humanidade.

    Em 2080, ficaram concluídas e os restantes seres humanos foram para lá viver. A maioria dos casais foram separados nessa altura e nunca mais conseguiram voltar a ter contacto com o seu companheiro. Apenas quem tinha dinheiro conseguiu manter algumas comodidades como uma casa com as melhores condições, mas as pessoas mais pobres foram impedidas de ter filhos. Foram criadas leis de controlo da natalidade, apenas podiam nascer crianças que já se encontravam em gestação, e o número de crianças só podia nascer em função dos falecidos. Para prevenir o nascimento de crianças sem controlo, os homens e mulheres foram separados. Esta lei ainda se encontra em vigor nos dias que correm.

    Às mulheres que estavam grávidas quando foram viver para a bolha foi permitido dar à luz às suas crianças, com todos os recursos disponíveis. Esta geração de bebés foi designada geração da luz: carregavam em si a esperança de salvar a espécie humana.

    Depois de nascerem, as crianças do sexo masculino viviam com as suas mães até perfazerem seis anos e no dia que completavam essa idade, as autoridades recolhiam as crianças para outras bolhas, onde apenas havia homens. Os pequenos rapazes eram alojados nas bolhas onde havia menos população. Este processo era extremamente doloroso, era muito difícil para uma mãe ser obrigada a separar-se do seu filho, era uma situação pela qual nenhuma mulher queria passar, este dia era provavelmente o pior dia das suas vidas. As crianças do sexo feminino tinham outra sorte, podiam continuar com as suas mães até à idade adulta e posteriormente, se assim o entendessem.

    Hoje estamos em 2100 e as pessoas vivem agora em grandes bolhas, como se fossem peixes em aquários. A população mundial, que chegou a atingir os 10 mil milhões de pessoas, reduziu-se para cerca de mil milhões de pessoas e com tendência para diminuir devido à escassez de recursos, consumidos em excesso no passado.

    A água para consumo vem de aquíferos enormes que se formaram com o degelo da Antártida. Vão conseguindo satisfazer as necessidades humanas, mas de ano para ano é um recurso cada vez mais escasso. Já os alimentos, que antes vinham de animais ou da terra, são hoje produzidos em laboratório, também eles têm de ser racionados por serem escassos.

    Os preços da alimentação e de outros bens essenciais são de tal maneira elevados, que as pessoas têm de fazer escolhas, racionando os alimentos sólidos e os líquidos. Devido a isto a desnutrição começou a estar presente na maioria das pessoas.

    Zicky Wayne é uma dessas pessoas, com um futuro sem grandes perspetivas e com grandes ameaças, e já não acredita que as coisas algum dia irão mudar.

    Capítulo 1

    Apenas mais um dia

    Zicky tinha acabado de chegar à oficina e um sinal de alerta aparecia num dos monitores.

    «Mais um robô que se avariou devido às altas temperaturas que se fizeram sentir ontem. Os termómetros ultrapassaram os 130ºC mais uma vez. Onde é que isto vai parar?», falou com os seus botões.

    Sentou-se na cadeira e acedeu aos registos de temperatura do dia anterior. De imediato começou a ouvir uns passos robóticos a aproximarem-se de si.

    — Já viste CIT, as temperaturas não param de subir desde 2030 — disse com um tom de preocupação.

    — Zicky, porque esperas que algo mude, quando não há nenhuma mudança? — respondeu CIT com um tom monocórdico e cheio de assertividade já muito próximo dele.

    — Não gosto que estejas assim tão perto de mim. Tu tens 2 metros e 35 de altura, e se de pé tens mais 50 centímetros que eu, comigo sentado preciso de binóculos para te ver — resmungou Zicky e CIT afastou-se uns passos. — Sabes, sempre ouvi dizer que um dia o planeta se ia autorregenerar para manter a vida no seu ponto ideal.

    — Os seres humanos continuam cegos como sempre. Devido à falta de preocupação com o clima, os teus antepassados usaram e abusaram de recursos naturais bastante poluentes, que causaram um aquecimento do planeta. Devido a isso, derreteram a neve dos polos, que servia como um espelho refletor e enviava de volta para o espaço os raios solares. Também servia para arrefecer o ar quente do globo, criando uma circulação de ar por todos os continentes.

    — Achas que há alguma coisa que possamos fazer? É que a este ritmo, nem dentro das bolhas de vidro qualquer dia vamos conseguir viver.

    — Não te preocupes que as bolhas aguentam, foi das melhores obras que os humanos fizeram. Aqui conseguiram criar um ecossistema em que a vida ainda consegue sobreviver, devido ao controlo da temperatura e da qualidade do ar — respondeu enquanto abanava a cabeça afirmativamente. — Não há muito a fazer, apenas esperar que, como disseste, o planeta se regenere. Vocês, humanos, trataram de extinguir algumas dessas ferramentas, como as árvores, e agora o que queres fazer? Vai demorar milhares de anos para a vida se adaptar ao novo clima e atmosfera.

    — Tem de haver uma solução! Porque raio tenho eu e a minha geração de pagar pelos crimes cometidos no passado? — questionou Zicky com bastante tristeza. — Por pessoas que só olhavam para aquilo que não importa, como a ganância.

    Zicky levantou-se e cambaleou um pouco, devido à velocidade do movimento, mas também por causa da falta de força provocada pela escassez de alimento. CIT aproximou-se de imediato e ajudou-o a manter-se de pé.

    — Obrigado, mas já estou bem — disse enquanto agarrava a cabeça com uma mão e CIT com a outra.

    — Os teus olhos castanhos não indicam isso e a tua cara está mais pálida do que costume — disse CIT.

    — Eu estou bem — assegurou enquanto passava as duas mãos pelo seu cabelo negro e curto. — Achas que as pessoas das outras bolhas estão a ter os mesmos problemas?

    — É impossível saber. Não tenho autorização para aceder à informação das outras bolhas. Não sei onde ficam nem se ainda existem. Analisando os dados que estamos a experienciar, eu diria que sim. Desde o começo da sexta grande extinção, em 2070, que toda a vida está a passar dificuldades. A água dos oceanos evaporou-se toda há 15 anos — informou CIT. — Para teres uma ideia do que mudou, há 100 anos, neste preciso local, estaríamos cobertos por uma grande quantidade de neve e uma temperatura de -50ºC.

    — Árvores, neve, água dos oceanos, o que fomos nós fazer... É tão triste pensar que o Polo Sul, lugar que durante séculos foi inóspito à sobrevivência de qualquer espécie, é agora a salvação da vida na Terra. Nos meus 20 anos de vida, nunca senti que valesse a pena viver. — A sua dor sentiu-se em cada letra daquela frase.

    Zicky faz parte da geração da luz, apelidada por terem sido os últimos seres humanos a nascer, mas como todos os outros vive na escuridão. Em 2080, com a criação das bolhas, as pessoas do sexo masculino foram separadas das do sexo feminino. Os rapazes, como Zicky, foram retirados das suas mães no dia que completaram seis anos.

    — CIT, prepara tudo que temos de ir reparar ou resgatar aquele robô, enquanto eu vou aqui escrever toda a informação da nossa missão para termos autorização para sair da bolha. — CIT começou de imediato os preparativos para a missão, enquanto Zicky começou a escrever no computador. — «Bolha 56. Dia 24 de Janeiro de 2100. Tipo de missão: Busca, reparação e/ou resgate de um robô. Motivo: Avaria devido ao excesso de temperatura e da tempestade sentida no dia de ontem.», escreveu no sistema.

    Passavam poucos minutos da meia-noite, o sol atingira o seu ponto mais baixo do dia, sem tocar a linha do horizonte. A porta exterior de veículos e robôs da bolha 56 abriu-se e a luz começou lentamente a iluminar a sua visão. Com alguma dor, provocada pela quantidade de luz, começaram a materializar-se as cores, as formas e uma estrada que seguia em direção a sul, na realidade não ia para lado nenhum porque não havia nenhum sítio para ir. O nevoeiro avermelhado tomava conta da paisagem, mostrando ainda os restos da tempestade do dia anterior que se mantinha no ar e se recusava a desaparecer. À sua esquerda, estava o posto de controlo, onde os guardas verificavam quem queria entrar e quem queria sair.

    — Até logo! — disse Zicky para se despedir dos guardas, levantando a mão, apesar de saber que não o conseguiam ouvir e muito menos queriam saber dele; tinha sempre este ritual.

    Com a fraca visibilidade, sabia que tinha de ter mais cuidado na estrada, mas acelerou ao máximo porque tinha de ir e voltar o mais rápido possível. Sabia que ia estar novamente um dia extremamente quente, depois de no dia anterior os termómetros terem ultrapassado os 100ºC.

    Antes de perder a nitidez nos seus olhos, Zicky olhou para o espelho retrovisor do camião e ainda conseguiu ver a porta a fechar e o guardas a regressar para dentro da bolha. Imaginava-os a levantar as mãos, não com o sentido de despedida, mas numa tentativa de o incentivar, porque ele ainda era o único com os conhecimentos para reparar aquelas monstruosas máquinas responsáveis pela sobrevivência da humanidade. Um buraco na estrada fez o camião saltar e o espelho retrovisor saiu da posição. Zicky deixou de ver a bolha e passou a ver os seus olhos castanhos e o cabelo negro que lhe chegava às sobrancelhas. Rapidamente colocou o espelho para ver o que realmente importava.

    Apesar de tudo, Zicky, assim como a maior parte dos humanos, não tinha vontade de fazer o trabalho, não pelo perigo, mas porque não entendia o objetivo, não havia qualquer ânimo, e sabia que mais ano menos ano a espécie humana acabaria por se extinguir. Tinham-se tentado todas as soluções, mas nenhuma resultara. Ao longo dos anos, a esperança foi-se desvanecendo no coração das pessoas, que hoje apenas sobreviviam à espera do dia da sua morte por não terem a coragem de se suicidarem.

    Apesar de se sentir horrível na maioria dos dias, também não gostava da ideia de desistir. «Se desistir quem irá reparar os robôs?», pensava frequentemente. Nunca escolhera ou pedira para ser como Atlas e ter de carregar às suas costas todas aquelas vidas, todo aquele peso morto que não se mexia, nem ajudava, muito menos valorizava todo o trabalho que ele realizava. Para não se sentir responsável por condenar as pessoas à morte, todos os dias, com o pouco que tinha, vagueava pelas ruas da bolha e oferecia algo para alegrar o dia, nunca esperando nada em troca, dando assim um pouco mais de humanidade a quem não a tinha.

    Com o passar dos anos e com estas missões, foi percebendo que viver todo o tempo dentro da bolha era como se estivesse preso por um crime cometido pelas gerações do passado. Sentia uma grande injustiça. «Porque é que tenho de pagar por um crime cometido por quem não soube quando parar? Como um drogado que sabe que a droga o destrói, mas que não para porque estranhamente o faz sentir bem», questionava-se muitas vezes sobre o passado.

    Os robôs avariavam com alguma frequência devido às temperaturas extremamente elevadas ou devido a tempestades de areia. No dia anterior tinha-se verificado a conjugação dos dois fatores e, como seria de esperar, um robô avariara.

    Sempre que saía da bolha para fazer algum trabalho de reparação, ia na companhia do seu colega de trabalho e que por sinal, também era um robô, RR14, que Zicky batizou de CIT, as iniciais de Casmurro Intolerante Teimoso.

    CIT tinha mais de dois metros de altura, com a aparência parecida a de um humano, alto e robusto. A sua grande diferença estava nas suas mãos, com apenas três dedos, cada uma como uma capacidade especifica, para realizar todo o tipo de reparações necessárias, como corte e soldadura. Tinha uma personalidade fria, mas muito assertiva e demasiado focada para a resolução de problemas. Era uma grande ajuda e companhia fora da bolha, neste mundo que se tornara um deserto de vida.

    — Zicky, acedi ao sistema de localização do robô M146, que se encontra a 10 km a oeste da nossa posição.

    — O. K., vamos virar à direita no cruzamento e seguir pela estrada do Oeste. Só espero conseguir voltar antes das 6 da manhã. Com isto tudo, não devo conseguir ir para casa e vou ter de ficar a descansar na oficina.

    Todos os robôs tinham um sistema de localização, que avariava com bastante frequência, e a missão tornava-se praticamente impossível. Também se podiam dar por contentes, pelos velhos satélites lançados antes dos anos 50 deste século ainda estarem a funcionar, sem qualquer reparação há cinco décadas. Os robôs eram os grandes responsáveis por recolher todo o tipo de bens e materiais que podiam ser encontrados nos arredores das bolhas e por fazer trocas entre elas.

    — Não deve ser nada de especial, segundo os diagnósticos preliminares, que consegui fazer à distância, deverá ser só substituir alguns condensadores, que devem ter sobreaquecido.

    — Lembras-te do que aconteceu nas últimas vezes, também era fácil, íamos demorar apenas uma hora e depois tivemos de trazer o robô para a oficina, para o desmontar. Deu cá uma trabalheira conseguirmos achar qual era a anomalia.

    — Correto e afirmativo.

    — Calor e poeiras em sistemas eletrónicos são a fórmula para a desgraça. Vamos assumir o pior, assim se depois as coisas correrem melhor não fico desiludido. Como sempre.

    Estavam a passar numa zona que já fora residencial, construída uns anos antes de as bolhas terem sido feitas, e abandonada por ter sido excluída da bolha. Devido à pressa de fugir muitas coisas tinham sido deixadas para trás pela população, como eletrodomésticos e todo o tipo de itens que são úteis para a humanidade. Alguns dos telhados estavam caídos e os vidros partidos.

    — Eu sei que não sentes o que eu sinto, mas provoca-me uma tristeza imensa ao passar por estes locais. Recorda-me do passado e que não temos qualquer escolha em relação às nossas vidas. A natureza irá seguir o caminho que escolher. Primeiro, achou-se que bastava fugir para os locais mais frios do planeta, para depois perceber-se o quão errados nós estávamos. Estas ruínas são os monumentos da nossa cegueira, são o expoente máximo da ruína da nossa espécie. — disse Zicky a CIT suspirando.

    — Qualquer forma de pensar e sentir o passado é uma perda de tempo. Só interessa concretizar um objetivo. O nosso objetivo é encontrar e reparar o robô M146. Tudo o resto é perda de tempo — retorquiu o robô com a mesma resposta de sempre.

    Apesar de o ter conhecido muito novo e este o ter ensinado tudo o que sabe sobre reparação de robôs, Zicky ainda mantinha a esperança de que um dia CIT o surpreendesse com palavras de amor, saudade, tristeza.

    — Sabes, se eu pudesse formatar a tua unidade de armazenamento, colocava aí dentro sentimentos. A tua sorte é que tenho pena, porque se o fizer corro o risco de perder toda a informação que tens dentro da tua unidade de armazenamento, que contém anos e anos de trabalho, acerca de como reparar robôs.

    — Para quê ter sentimentos, Zicky? Para me sentir triste como as pessoas da bolha? Ou como tu, que passas a vida deprimido? Para ter mais vontade de morrer do que viver? — As perguntas retóricas matavam logo o assunto. — A perfeição dos robôs faz que sejam melhores que quaisquer sentimentos que os humanos consigam sentir.

    — Não! — Em todas as viagens esta discussão vinha à baila e Zicky irritava-se. Franziu os olhos e mordeu o lábio com muita força. Olhou para o horizonte, mas os seus olhos começaram a ficar molhados, assim como o seu nariz que começou a escorrer. — Sim, tens razão, a vida é só tristeza e desgraça, não há nada de bom neste mundo. Para que serve a conexão, a compreensão, a amizade e tantas outras coisas se temos a perfeição? Felizes dos que são assim. — Olhou para CIT, com as lágrimas a escorrerem-lhe pelo rosto abaixo, mas este não esboçou qualquer movimento.

    — A minha vida pode resumir-se a uma carga da minha bateria. Hoje saí da oficina com a bateria a 100% e tenho como objetivo reparar aquele robô, é só para isso que a minha energia serve. Não para desperdiçar em sentimentalismos que não levam a lado nenhum.

    — Irra! Que casmurro! — Aquelas palavras deixaram-no ainda mais irritado, pela total ausência de qualquer sentimento. — Lembra-te de que, quando estiveres nos 0%, longe de um local para carregares, se não for aqui o ser mau e horrível com sentimentos a levar-te e ligar-te à tomada para te alimentares de energia, quero ver como voltas à vida… — Riu-se como se com esta afirmação tivesse ganhado a discussão.

    —Exatamente, eu não estou vivo. Sou uma máquina. Que sirvo um propósito, ajudar-te a reparar robôs e nada mais. Tudo tem um princípio, um meio e um fim. Provavelmente estamos no fim da era da tua espécie. Tens de aceitar.

    — Uf! Não vale mesmo a pena! — Aquele suspiro de dor deixou bem claro que a troca de argumentos fizera Zicky sentir-se esgotado e derrotado. «No fundo só gostava que fosses meu amigo… como outros robôs que têm um excelente programa de inteligência artificial, aprenderam com os humanos a sentir. Assim percebem quando estamos tristes e o porquê. Muitas das vezes conseguem com uma palavra animar-nos. Isso é extremamente importante quando estamos sem motivação ou vontade para fazer alguma coisa», pensou com os seus botões.

    Depois daquela discussão, o silêncio imperou durante o resto da viagem. Zicky passou o resto da viagem a divagar com os seus pensamentos. «Ando tão farto desta tristeza profunda que assola a minha alma e toma conta do meu corpo, provocando um cansaço enorme dentro de mim. Esta ansiedade que tenho, para que as coisas mudem, faz-me ficar doente e revoltado. Se ao menos dependesse apenas de mim para as coisas melhorarem. Quem me dera ter a força necessária para conseguir mudar o mundo.»

    Ao longo dos anos, com a maioria das pessoas a passarem por depressões profundas, Zicky afastara-se de todos, era demasiado doloroso para ele, perder as pessoas com quem tinha uma ligação. A verdade é que nunca ninguém gostara dele, ao crescer era gozado e maltratado, sempre sentira que ninguém lhe dava uma oportunidade para o conhecer verdadeiramente. No passado, as pessoas em quem ele confiava não hesitaram em abandoná-lo quando mais precisara. Acabou por sentir que não fazia parte deste mundo e que não era suficiente para ninguém. Ter crescido no final do período que ficou conhecido pela sexta grande extinção não ajudara em nada.

    Finalmente, passada uma hora, encontraram o robô M146. Ao chegar ao pé do robô, Zicky ficou parado a admirar aquela estrutura imponente que era um oásis no meio do deserto, uma luz ao fundo do túnel. «Pode não vir a ter grande significado no futuro quando o último humano desaparecer, mas até isso acontecer vai fazer o seu trabalho», pensou. Uma espécie de camião com braços e uma cara. Na parte da frente, um robô sem pernas e com braços que se estendiam, com cerca de três metros de altura, montado em cima de um veículo com quatro rodas. As pernas estavam escondidas para se deslocar em terrenos mais acidentados. Na parte de trás do veículo, um grande compartimento servia para armazenar todos os materiais e objetos que ele recolhia.

    Depois de admirar o robô, começou a olhar para ele de forma mais técnica. Foi possível ver logo que alguns danos não estavam no relatório que CIT fizera à distância. Parecia que tinha sido atingido por pedras, tinha muitas amolgadelas, certamente que alguma delas provocara danos.

    — Vais ter de me ajudar a subir, sabes que sou dois palmos mais pequeno que tu, e não consigo subir para cima dele. —Zicky pediu ajuda a CIT.

    — O. K. — CIT aproximou-se do robô gigante e colocou-se em posição para o ajudar a subir.

    — Acho que deve ter sido o vento que o tombou, ontem estava muito forte. Como vês, não vai ser uma reparação muito rápida. Faz uma análise mais detalhada, mas parece-me que vamos ter de o colocar em cima do camião.

    — O. K. — CIT iniciou rapidamente a análise aos dados do robô mineiro.

    Sem querer agoirar, Zicky já se tinha preparado mentalmente na viagem, a experiência dizia-lhe que as coisas nunca corriam como planeado, mesmo que os relatórios indicassem que era apenas uma tarefa simples, como CIT tinha calculado, por isso, começou a preparar a grua do camião para colocar o robô em cima deste. Com alguma prudência desceu de cima do robô e dirigiu-se para o camião.

    — Análise completa. O M146 sofreu danos graves no sistema de tração, o sistema de visualização também deixou de funcionar por completo, duas das rodas sofreram danos, precisam de ser substituídas, assim como uma das quatro pernas, está completamente derretida do calor.

    Aquela frase apenas veio confirmar o que temia e também o que pensou mal viu o robô. Iniciou todos os preparativos para colocar o monte de sucata na parte de trás do camião. Entrou dentro do veículo e recuou o mais próximo possível. Carregou no botão para o camião mudar do modo de circulação para o modo de grua. Saíram quatro braços de dentro do camião que serviam para lhe dar mais estabilidade, para conseguir levantar grandes volumes. Sem desligar o motor, saiu do volante, deslocou-se até aos comandos da grua e desceu os quatro ganchos.

    — Típico. Está sempre tudo pior que os teus relatórios. — Algum ressentimento da discussão ainda se sentia na voz — CIT, prende o gancho ao robô que eu vou içá-lo.

    Nos quatro cantos de todos os robôs de carga, havia uma argola para, quando estas situações aconteciam, ser muito rápido o seu carregamento. CIT saltou para cima dele e tratou de prender imediatamente os ganchos, puxando com toda a sua força para se certificar que estava tudo bem preso.

    — Missão concluída. Podes içar — disse CIT.

    — Obrigado, vou começar. Quando ele estiver no ar, agarra-o na parte de trás, para ele não baloiçar.

    — Não te preocupes que eu seguro — garantiu CIT com confiança por já ter feito aquela tarefa centenas, senão milhares de vezes.

    Felizmente tinham a grua que conseguia levantar 10 000 kg mas mesmo assim não ia ser uma tarefa fácil. O robô sem qualquer tipo de materiais pesava 2000 kg e, como vinha no regresso para a bolha, tinha armazenado cerca de 3000 kg de objetos diversos.

    Demorou 30 minutos a colocar o robô em cima do camião. Quando este assentou na parte de trás do veículo, todo o ar que residia nas rodas parecia ter ficado cansado, como se estas tivessem um furo, por dar a ideia de estar vazias, tal era o peso.

    — Ufa. — Limpou o suor da testa com a mão. — Custou, mas foi, CIT, estou a suar deste calor imenso. Vamos voltar rapidamente para a bolha antes que aqueça ainda mais.

    Durante o tempo que estiveram a colocar o robô em cima do camião, Zicky nem notou que o nevoeiro que sequestrara aquela zona desde o dia anterior se tinha dissipado e estava agora a deslocar-se para sul. Ao sentar-se no lugar do condutor, olhou em todas as direções.

    — Nunca me canso de ver esta paisagem, é tudo tão bonito. Não sofreu grandes alterações da humanidade. Tenho pena é que seja um forno e não possamos estar parados mais de dois minutos a apreciar a beleza deste lugar. — Zicky adorava o que via, apesar de saber que não era o que já fora, continuava a ser uma obra-prima da natureza.

    — Zicky, são 2 da manhã, vamos regressar, com este robô, o camião vai avançar muito lentamente. Hora prevista de chegada, 4 da manhã. — CIT tratou de estragar os planos dele.

    — O. K., O.K. … Que chato! — Abanou a cabeça não concordando com a decisão, mas sabia que o seu colega tinha razão. — Tive uma excelente ideia, podíamos ficar aqui mais uma hora a admirar tudo isto, mas depois vais lá para trás empurrar. Já que não sentes nada. — E desmanchou-se a rir.

    — Não ia adiantar muito, fui feito para reparar, não para empurrar veículos — declarou com a sua voz robótica e com o seu tom monocórdico.

    — Exatamente, foste feito para reparar, e por isso, ias reparar o atraso! — Elevou tanto a sua voz para e começou-se a rir que mal conseguiu acabar a frase. O sentido de humor Zicky estava sempre aprimorado para a falta de água.

    — Como posso reparar o atraso temporal? — perguntou CIT confuso.

    — Empurrando… — fez um pequeno compasso de espera, olhando para ele com um olhar fulminante. — Totó! — Expressou aquelas palavras quase como um sussurro que o vento levou e nem mesmo os recetores de CIT foram capazes de captar. — Ou então através de uma máquina do tempo. Tu escolhes. — Um pequeno sorriso de gozo apareceu-lhe no canto direito da boca.

    — Mas eu não sirvo para empurrar… E também não existem máquinas para o passado, apenas para o futuro.

    — CIT, tu és a alma de qualquer festa. — Zicky abanou a cabeça porque aquela máquina casmurra não conseguia compreender o que queria dizer. Ele gostava de poder brincar com o seu colega de trabalho, mas este nunca o compreenderia.

    No caminho, a olhar o horizonte, disse a CIT:

    — Um dia gostava de seguir um robô, para saber onde se encontra outra bolha.

    Era um pensamento que tinha há muito tempo, mas sabia que não o podia fazer porque quem ousasse entrar numa bolha que não a sua era imediatamente morto. Havia histórias de

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