Cidades do Futuro. Ano 2500: A Incrível História de Nebulosa Marylin, A Mulher do Século XXV
De Jamila Mafra
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Cidades do Futuro. Ano 2500 - Jamila Mafra
Nebulosa Marylin nasceu no planeta Terra no ano de 2481 d.C., na megalópole São Paulo. Era uma jovem solitária e órfã de pai, justamente no momento em que os homens eram escassos no mundo. Naquele século, pouco mais de oitenta por cento da população mundial era composta por mulheres.
A maior parte dos meninos concebidos era de natimortos. Até mesmo aqueles gerados artificialmente, nas incubadoras chamadas de vitros de gestação, não sobreviviam. A princípio, não havia uma causa biológica nem científica conhecida que explicasse este fato, mas a ciência procurava incansavelmente uma resposta para tal fenômeno, que intrigava toda a humanidade.
Olhar para o passado e perceber como a Terra um dia havia sido bela representava mais que uma tristeza para Nebulosa, era como não querer estar no presente e nem presenciar o que a realidade havia se tornado. No coração dela, as lembranças boas machucavam mais do que as ruins.
A convivência cotidiana entre seres humanos e robôs humanoides com alto nível de consciência confundia os sentimentos. Os androides eram seres tão reais! Como poderiam ser apenas máquinas?
Nem mesmo a avançadíssima tecnologia podia suprir a falta dos recursos naturais que deixava as megalópoles tão cinzas. Todas as ruas e casas sem árvores, sem plantas, sem animais domésticos; a radioatividade advinda dos vazamentos de usinas nucleares e das bombas atômicas dos séculos anteriores destruíram os ecossistemas, a fauna e a flora, de modo que somente os moradores muito ricos das cidades ecológicos tinham acesso, embora restrito, aos bens biológicos, como plantas, animais e alimentos naturais, tudo reproduzido em pouca quantidade em laboratórios caríssimos.
O velho mundo era mesmo admirável. Suas lembranças faziam Nebulosa Marylin desejar ter nascido no passado, onde a natureza não era apenas hologramas, onde seres vivos não eram apenas máquinas. Nos séculos anteriores os animais haviam sido mortos em larga escala para serem consumidos; no século XXV já não havia mais animais, nem mesmo em quantidade mínima, para servirem de alimento aos humanos. Vegetais sintetizados eram tudo o que havia restado.
Os sensores detectaram a presença de um ser à porta. Nebulosa levantou-se da poltrona.
— Abrir – ela autorizou o sistema.
A porta abriu-se.
— Boa noite. – Ela sorriu.
— Boa noite, senhorita Nebulosa Marylin. Eu sou o robô Google Store número 9678. Estou aqui para fazer a entrega da cota mensal de suprimentos alimentares sintéticos à sua mãe, a você e às suas irmãs Águia Caronte e Pandora.
— Obrigada, robô Google. Você é novo por aqui, não é mesmo?
— Sim. Iniciei hoje meus trabalhos de entregas neste conjunto de edifícios.
— Seja bem-vindo.
— Aviso importante: seu padrasto já deixou adiantado o pagamento referente aos cinco próximos meses de suprimentos. Aqui está a caixa.
— Mais uma vez, obrigada, robô Google. Eu mesma recebo o pacote. Gerar código de recibo no sistema. – Ela agradeceu e sorriu com simpatia.
— Código de recibo gerado e gravado. Até logo, senhorita.
— Até o próximo mês. – Nebulosa já estava segurando a pequena caixa de acrílico dentro da qual havia os envelopes de alimentos sintéticos.
Persis entrou na sala.
— Nebulosa, quem chamou à porta? – ela perguntou.
— Mãe, já está em casa? Era apenas um robô da Google Store fazendo a entrega mensal da nossa cota de alimentos sintéticos.
— Chegou mais cedo nesse mês. Ainda temos comida da cota anterior. Sobraram envelopes de vegetais secos e pílulas vitamínicas.
— Estamos comendo pouco. Ah! Seu marido deixou adiantado o pagamento dos próximos cinco meses de suprimentos.
— Verdade? Pelo menos isso! E eu que já estava achando ele um tanto avarento... Ultimamente ele só tem dado atenção para as esposas das cidades espaciais.
— Não deveria reclamar, mãe. Você tem sorte de ter conseguido se casar de novo depois da morte do papai.
— Sim, talvez eu tenha mesmo. Mas, mudando o assunto, vi agora a notícia. A SpaceX Revolution acabou de enviar mais uma nave espacial tripulada com robôs androides para o planeta Marte.
— Jura? Incrível! É uma viagem arriscada e cansativa para humanos, que acabam ficando por lá mesmo. Semana passada eu estava revendo em uma cabine (cápsula) do tempo, de uma amiga minha rica, o momento em que o clone do doutor Musk pisou em Marte pela primeira vez, no ano de 2200 d.C. Senti como se fosse eu mesma chegando lá.
— Também não canso de ver esse momento na cápsula holográfica do tempo que, inclusive, está cada dia mais atualizada, com cenas inéditas de acontecimentos fantásticos do passado. Pena que é tão cara a hora de uso. Mas às vezes vale a pena pagar por quinze minutos de curiosidades sobre o passado. Se o doutor Musk pudesse ver o momento em que o clone dele chegou a Marte, 129 anos depois de sua morte, com certeza ele se emocionaria. – Persis sentou-se na poltrona e ativou a tela holográfica de imagens e notícias.
— É uma pena que ele tenha falecido antes de ver seu sonho de chegar ao planeta vermelho realizado. Foram tantas tentativas frustradas e vidas perdidas no caminho.
— Sim, é uma pena mesmo! Mas o que importa é que aquele foi o inesquecível ano de 2200 d.C, a data em que pela primeira vez uma nave tripulada conseguiu chegar ao planeta vermelho, e o clone do doutor Musk foi o primeiro homem a pisar lá. De certa forma, o sonho dele se realizou com a presença dele.
— Sempre choro de emoção quando vejo as imagens. – Nebulosa já estava com os olhos lacrimejando.
— Ah, e antes que eu me esqueça, suas irmãs ainda não voltaram do trabalho. Por favor, separe as porções mensais de suprimento alimentar de cada uma e as disponha em ordem no cômodo de armazenamento alimentar para que não haja confusão no momento de consumi-las.
— Farei isso, mãe. Conheço as irmãs que eu tenho e sei bem que Águia Caronte e Pandora sempre brigam acusando uma a outra de terem recebido mais suprimento. Eu só continuo triste porque eu ainda não consegui um emprego.
— Não se preocupe com isso, Nebulosa. Com seu curso novo, logo conseguirá um trabalho em uma cidade ecológica e poderá viver melhor do que aqui na megalópole.
No ano de 2500 d.C. Nebulosa Marylin era uma moça de classe média sem muitos sonhos. Ao menos ainda pôde ter um lar, um apartamento com refrigeração padrão. Ela não frequentou a escola, pois esse era um privilégio apenas das crianças ricas e de alto QI das cidades ecológicas. Nasceu em 2481 d. C, e depois de quase duas décadas quase nada havia mudado no mundo.
Ela aprendeu a ler e escrever como qualquer outro indivíduo da classe média ou pobre: através dos microdispositivos holográficos de alfabetização que transmitiam as informações e conhecimentos armazenados por séculos. Esse dispositivo era distribuído gratuitamente pelos governos. Não existiam analfabetos no fim do século 26. Até o mais miserável sabia fazer cálculos, ler e escrever, inclusive em outros idiomas.
A desilusão de Nebulosa com o mundo e com a vida era imensa, porque não via nenhuma expectativa nova para sua monótona existência. Aquela cidade era o retrato da devastação, da pobreza e da miséria, que, na verdade, havia começado desde o século XIX.
Cem por cento das máquinas, robôs, naves, carros, aparelhos, luminárias e tudo o mais era movido à base da energia que mais castigava o mundo: a energia solar. A atividade solar e emissão de raios solares tornaram-se cada vez mais intensas, abundantes, de forma que era possível consumi-la de maneira esbanjadora e inesgotável. Todo aquele calor que havia destruído as lavouras e o solo do planeta era o mesmo que mantinha funcionando os refrigeradores, as fábricas, as estufas e, assim, garantia a sobrevivência da população.
A ciência ainda não havia encontrado uma explicação exata, mas antes daquele século iniciou-se um processo anormal de nascimentos de mulheres na Terra e pouquíssimos homens. Quase 90% dos meninos gerados, tanto in vitros de gestação quanto naturalmente, nasciam mortos.
Havia em média 80 a 100 mulheres para cada homem, sendo que os mais saudáveis dos homens e a maioria que nascia viva eram gerados em vitros gestacionais nos grandes e caros centros de clonagem e reprodução humana. Esses centros estavam localizados longe da confusão das megalópoles; ficavam nas cidades ecológicas, locais perfeitos para os ricos viverem cercados de natureza, tecnologia e saúde.
Eram cidades cápsulas que os protegiam de tempestades torrenciais e dos dias de calor extremo causados pelas tempestades solares. Em certos dias a temperatura alcançava 65 graus Celsius em plena América do Sul. Nessas ocasiões, os tetos das cidades ecológicas permaneciam fechados, formando uma imensa cápsula protetora.
O dia foi trocado pela noite. Nas doze horas em que o sol aparecia todos dormiam, e durante as doze horas da noite as pessoas trabalhavam, mendigavam, ficavam acordadas exercendo suas atividades diárias.
A radioatividade despejada dentro dos oceanos nos séculos 21 e 22, através de vazamentos de usinas nucleares e detonação das bombas atômicas, contaminou as águas e o solo em todo o planeta Terra, causando o maior desequilíbrio ecológico da história da humanidade, jamais imaginado até mesmo no período da grande guerra nuclear.
Todo o continente americano tornou-se um único país chamado Nação Unificada da América do Brasil. Sua capital era a Cidade Ecológica Nova Florianópolis, localizada no interior do antigo estado de Santa Catarina, região sul do antigo Brasil, um dos últimos lugares da Terra onde havia restado solo fértil para plantio sem contaminação radioativa.
O desequilíbrio ecológico resultante dos desastres nucleares causou o grande degelo da Antártida, fazendo quase todo o litoral do continente americano ser submerso pelo oceano. Cidades flutuantes foram erguidas sobre as águas. As casas eram caríssimas, mas muito resistentes a furacões e tempestades torrenciais litorâneas constantes.
Cada cidade possuía seu próprio administrador governante e leis independentes, não sendo permitido somente que suas legislações contradissessem a Constituição Universal que regia todo o planeta. O idioma era a combinação gramatical do português, inglês e espanhol, com a presença de vários dialetos originados a partir de outros idiomas.
Nos prédios das megalópoles não havia janelas, para que o ambiente interno não sofresse nenhuma interferência da temperatura externa. A luz e a radiação solar eram insuportáveis, a atmosfera terrestre já não mais protegia o planeta como antes. O calor vindo de fora era extremo, bem como