Era O Autismo No Telefone: O Autismo Me Avisava Que Estava Vindo Para Ficar
De Erica Nunes
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Sobre este e-book
Na realidade do dia a dia, a escritora mergulha nas experiências que acompanham a maternidade atípica, expondo as emoções e medos que permeiam a vida de uma mãe enfrentando desafios únicos. Com relatos autênticos e cativantes, o leitor será levado a sorrir, chorar e se emocionar ao acompanhar as situações enfrentadas por essa família extraordinária. Este livro é uma jornada que você não vai querer perder!
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Era O Autismo No Telefone - Erica Nunes
E tudo se fez novo
A porta do carro bateu, se fechou, e lá ia ele pegando distância. Tudo estava tão bem, tão certinho, que por segundos eu questionei o autismo. Enquanto o observava dar a mão para a auxiliar que o aguardava no portão, eu segurava um terço que fica pendurado no meu retrovisor do carro e repetia passivamente meu mantra: Vai dar tudo certo, vai dar tudo certo, vai dar tudo certo
.
O Luiz Otávio está com dez anos completos e começa a frequentar o sexto ano do ensino fundamental. Ele não acompanhava a turma da sala educacionalmente falando, mas, em virtude de regras do Ensino Educacional, não se pode repetir um aluno, uma vez que levam em conta a turma/idade, dentre outros inúmeros fatores. Analisando todo um contexto, eu me tranquilizo em saber que a turma é de crianças que estão com ele desde o 1º ano, então todos já conhecem suas limitações. Apesar de eu estar bem tensa pela escola ter mudado e pela nova auxiliar, estou confiante; vai ser muita coisa nova, tanto para eles, responsáveis
, como para mim, então a turma toda ter vindo para a mesma escola é um ponto positivo nessa fase de adaptação.
Mas vamos voltar um pouco no tempo e saber como eu intervi para que é o Luiz Otávio pudesse entrar nessa escola seguindo socialmente algumas regras, como mudança de mochila escolar e de personagens para o clássico (até porque ele ia começar a transição para a adolescência, e eu, como mãe precisava ajudá-lo a ficar mais mocinho
e um pouco menos infantil). Lancheiras, ele sempre teve, assim como as restrições alimentares! Nada desses lanchinhos normais
; eu nunca deixei de oferecer e, na verdade, até queria enchê-lo de guloseimas, mas ele não aceita nada.
A transição de materiais escolares começou nas férias escolares. Meu esposo comprou uma bolsa preta para levar no serviço que seria o reforço visual
que precisávamos. Mantivemos a rodinha da bolsa, mas focamos, primeiro, no neutro, sem bichinhos ou personagens. Tirar a rodinha da bolsa seria uma segunda mudança.
Eu elogiava a bolsa preta do pai todo dia e dizia: Uau, que lindo, papai! Sua mochila é igual de adolescente!
, até o Luiz Otávio começar a encher o pai de elogios também. Pedimos a alguns amigos próximos que fizessem o elogio sempre que o Luiz Otávio estivesse no mesmo ambiente e, quando finalmente compramos a bolsa para ele, pedimos que a antiga auxiliar entregasse. Como ela é uma referência muito, muito, muito positiva, ele teria um carinho mais do que especial. Quando soubemos que ia se fazer necessário a mudança de escola, todos nos preocupamos em apresentar o local para o Luiz Otávio nos últimos dias de aula, então essa auxiliar acompanhou o Lu até a escola para fazer esse reconhecimento, dizendo: Veja, Luiz, você vai para uma escola nova! Todos os seus amigos vão estar com você!
.
Outro reforço positivo foi levar o Luiz Otávio na papelaria para deixá-lo escolher o material, mas com uma condição: nas opções dadas a ele, nunca haveria personagens extremamente infantis
. Focamos em algo adolescente e, uma vez escolhido, fazíamos a festa, incentivando-o, parabenizando-o pelas boas escolhas e reforçando que nós também amamos as opções que ele escolheu.
A disfunção sensorial dele não o permitia usar alguns tipos de tecidos, como roupas de frio e camisetas com mangas. O tênis ainda o acompanhava nessa jornada.
No primeiro dia de aula, ele estava exatamente de bermuda preta, chinelo preto, camiseta do uniforme sem manga (que ele me fazia tirar), mochila preta de rodinhas e lancheira igual à bolsa. Vocês conseguem fechar os olhos e visualizá-lo?
Acreditem, não tenho absolutamente nenhum problema com o Luiz Otávio. De imediato, esperei 15 dias para comemorar a auxiliar de sala do Luiz. Concidentemente, era uma amiga minha de infância que o destino havia preparado pelos caminhos da vida de estar ali; isso me deu segurança para conversar abertamente com ela sobre meus medos, limitações e tudo o que ela precisava saber. O nome dessa nova auxiliar é Giovana, mas, mais do que isso, ela era uma pessoa de coração bom que Deus colocava na vida do meu pequeno.
A medicação dele continuava, mas os exames que o endocrinologista sugeriu não haviam apontado nenhuma alteração. Por indicação da médica, também levei o Luiz Otávio no oculista, que orientou que ele usasse óculos para perto, o que também não foi difícil fazer.
A professora de Educação Especial que acompanhou o Luiz desde o 1º ano, a querida Juliana, iria acompanhá-lo também nessa nova etapa por ser uma educadora de toda a rede do município.
A restrição alimentar do Luiz continuava sendo trabalhada. Nós mantínhamos as refeições sempre à mesa, em família, e ele comia apenas arroz, feijão, polenta e macarrão. Lógico que oferecer todo tipo de alimento era de lei e, em meados dos dez anos, ele parou de retirar o que não comia do prato e nós comemorávamos por ele aceitar deixar no canto do prato o que não queria. Eu me perguntava quando eu o veria comendo igual a uma criança que julgam ser normal
, com doces, guloseimas, cachorro-quente, carne, pizza...
Um dia desses, assamos uma carne; isso já era rotina entre a família e, quando eu montava meu prato, colocava exatamente tudo igual ao meu no prato do Luiz. Além de sempre oferecer, focávamos no estímulo sensorial ao dizermos: Hum, que delícia!
. De fato, tentávamos estimulá-lo a todo momento, de todos os jeitos possíveis: visual, sensorial, olfativo... A cada obstáculo encontrado, eu fazia uma vasta pesquisa na internet e em outros blogs de mães atípicas. Nunca, nunca me limitei a buscar por respostas apenas em consultórios de terapeutas e era uma opção minha estudar cada situação e criar atalhos, meios de desenvolver o meu filho.
Nesse momento em família, como se fosse a coisa mais normal do mundo, vimos o Luiz morder um espetinho de Kafta. Não gritamos, não vibramos; nos contemos para que ele não recuasse, então continuamos conversando e olhando. Quando ele acabou de comer, comemoramos: Uhuuulll, você gostou, Luiz Otávio? Eu também amo Kaftas! Você quer mais? Viu como as coisas são gostosas? A mamãe nunca come coisas ruins... Você precisa experimentar sempre, filho!
. Nesse dia, viramos a página da restrição por carne vermelha, e o mais estranho é que ele comeu como se nunca houvesse tido restrição. Valeu a pena oferecer todas as vezes, colocar no prato dele (mesmo que ele empurrasse do prato para a mesa), não deixarmos de fazer por ele não gostar, as milhares de vezes que eu pedia para ele colocar a mão na carne para ajudar misturar o tempero e trabalhar a textura do alimento... Superamos a carne.
Em algum momento, foi ligado um botão de provar tudo
. Confesso que o dia que ele aceitou provar pizza, chorei de soluçar. Eu pensava: Agora podemos ir a uma pizzaria, ter vida social sem precisar carregar comida com apenas meu tempero nas marmitas! É uma confusão de sentimentos, de questionamentos pessoais... O que o fez, de repente, comer de tudo? Nunca saberemos! A questão é que tudo o que fizemos deu resultado; foi um conjunto de todos os estímulos possíveis, que não foram poucos, não mesmo!
Vocês conseguem imaginar a mãe que me tornei? Aquela que passou a correr atrás do tempo perdido em lancheira com lanches. Da lancheira adequada para a idade dele, olhando o gosto de um pré-adolescente que acabou de descobrir seu paladar e as milhares de possibilidades de sabores. A minha tia Cássia, que é uma pessoa da minha rede de apoio, mimou o Luiz Otávio com lancheira personalizada com nome, tudo para estimulá-lo a comer os lanches enviados para a escola, porque, na vida de uma criança atípica, tudo se resume aos estímulos contínuos, absolutamente tudo! E sim, dávamos a ele salgadinhos de mercado, bolachas doces, bolinhos etc. Eu passei a perguntar: Filho, o que você quer levar de lanche amanhã?
e entrei na fase de curtir esse momento. O que estou falando parece besteira, mas são conquistas.
Na escola, tudo corria bem. Apesar de eu ter sido batizada em igreja evangélica, meu esposo se mantinha firme na religião católica, mesmo sem frequentar. Nos prédios da escola onde ele estudava, havia se dado o início da catequese e, como amigos da sala dele faziam, eu resolvi colocar o Luiz também. Os catequistas eram pessoas conhecidas e incríveis, e, durante um tempo, ele conseguiu aprender as orações como Ave Maria e Pai Nosso, além de participar das aulas e atividades do grupo.
Quando me falaram da 1ª comunhão, eu pensei: E agora? Então fui conversar com o padre, falei dos meus medos, sobre a igreja se manter atenta se o Luiz Otávio fizesse qualquer barulho incomum... Meu receio era gigantesco, sem contar aquela coisa de se confessar
ou a hora de tomar a eucaristia. E se ele cuspisse? Dissesse eca
? Não aceitasse? Entrei em pânico.
Ele é autista, está tudo bem ter comportamentos diferentes. Talvez eu seja julgada pela forma de pensar, mas não é porque é uma pessoa com deficiência que ela pode fazer tudo! Ter uma condição não me dá o direito de exigir que as pessoas entendam a situação, até porque eu não sabia nada de autismo até viver dentro da minha casa a situação. Ter empatia pelo próximo, sim, é preciso, mas obrigar as pessoas a entenderem, não. Por esse motivo, sempre peço para as pessoas perguntarem sobre o autismo para receberem orientações, informações e conscientização. Tudo isso se faz necessário, mas exigir,