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Vade Mecum
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E-book734 páginas4 horas

Vade Mecum

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Sobre este e-book

A arte de cada Ordem consiste em como retiram da realidade partículas primordiais do espírito. A matéria é estruturada por quantidade incalculável de pequenas “pecinhas” que, encaixando-se, cada uma à sua devida morada, formam a vida vista agora: plantas, peixes, esse manto que tu vestes e a mim... Cabe ao iniciado entendê-las, reunindo-as e, por vezes, desmontando-as, se preciso, devido à vontade da Providência Divina. — Sendo a fonte a mesma, por que Ordens diferentes? — Bem, como você pode imaginar, a realidade não é simples, tampouco escassa. Levariam centenas de gerações a fio até que esgotassem suas máximas. Assim, os primeiros decidiram estudar aspectos específicos do Único, Ul-Alqamitar, selando pacto na criação da Aliança Eterna das Ordens, no concílio de Tir-Alqamitar.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento19 de out. de 2023
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    Vade Mecum - Don M. Vargas

    Vade Mecum

    Don M. Vargas

    Vade Mecum

    Curitiba, 2023

    Não há forma mais eficaz de en-

    " sinar-te algo do que lhe mostrando as possíveis consequências de seguires meu conselho.

    D "

    on

    M. Vargas

    CAPÍTULO I

    8

    A EPOPEIA DE MENELIK A SEU DISCÍPULO

    CAPÍTULO II

    20

    A SENHORA DA LUA MINGUANTE

    SUMARIO

    CAPÍTULO III

    34 A DIVINA SÚPLICA DE KABHIR

    CAPÍTULO IV

    42 O FLORESCER DA QUIMERA

    CAPÍTULO V

    50 A DAMA DO BOSQUE

    CAPÍTULO VI

    58 O BERÇO NULO

    CAPÍTULO VII

    70 O CORVO MANCHADO

    CAPÍTULO VIII

    76 O GRANDE MERCADO DE JOIAS

    CAPÍTULO IX

    90 A ESTRELA DE CHELIABINSK

    isão

    CAPÍTULO X

    102

    revas

    O PREÇO DO MILAGRE

    en

    pA

    6

    7

    7

    CAPÍTULO XI

    CAPÍTULO XXI

    114

    216

    UM ESTRANHO SENHORIO

    AABAD SARIE, O MENSAGEIRO DOS REIS

    CAPÍTULO XII

    CAPÍTULO XXI

    118

    230

    A REDENÇÃO DO RATO

    ULAN BATOR

    CAPÍTULO XIII

    CAPÍTULO XXIII

    130

    242

    A EXPEDIÇÃO

    MALDITA RAPOSA

    CAPÍTULO XIV

    CAPÍTULO XXIV

    144

    248

    A SOMBRA DO DEMÔNIO BLEMITA

    A PRÁTICA DO SHAKRIAVRAT

    CAPÍTULO XV

    CAPÍTULO XXV

    162

    270

    O COVIL DA BESTA

    DOLGHUL-KHAN

    CAPÍTULO XVI

    CAPÍTULO XVI

    168

    284

    REENCONTRANDO A SERPENTE

    FINALMENTE, O CAJADO

    CAPÍTULO XVII

    CAPÍTULO XXVII

    176

    292

    CONSEQUÊNCIAS DE UM NEÓFITO

    A ÚLTIMA HISTÓRIA

    CAPÍTULO XVIII

    CAPÍTULO XXVIII

    186

    298

    O JANTAR

    A TORRE DO CEIFEIRO

    CAPÍTULO XIX

    CAPÍTULO XXIX

    198

    308

    A HISTÓRIA SEM FINAL FELIZ

    A BATALHA DE WUHAI

    CAPÍTULO XX

    CAPÍTULO XXX

    202

    320

    A MURALHA DE FOGO E ÓDIO

    A QUEDA DO INVENCÍVEL

    8

    8

    9

    VADE MECUM

    M

    ECUM

    CAPÍTULO XXXI

    328 SOB AS SOMBRAS DA LITEIRA

    isão

    CAPÍTULO XXXII

    revasenp

    340 A CIDADE DE LHIMORRA

    A

    CAPÍTULO XXXIII

    348 O RETORNO DO REI

    CAPÍTULO XXXIV

    354 O DIÁLOGO DO ELÍSIOS

    10

    10

    11

    11

    CAPÍTULO

    I

    — No princípio da quar- consumirão! — Semeia dú-ta era, os sacerdotes das cin- vida às almas de reis, dando co luzes reuniram-se a revelar início à atual era de dor.

    tudo o quanto havia de oculto

    Alundra, Grão-Mestre

    A EPOPEIA DE MENELIK A

    sobre a Terra, pelo Yaratilis-

    Lunar, dono de colossal sabe-

    -Ayini, o rito da criação, e eis doria, não tardou em investi-SEU DISCÍPULO

    que surge O Desconhecido — gar e acusar a si próprio. Es-diz Menelik.

    quadrinhou as profundezas

    Árvore de negras raízes da mente pelo rastro de ta-alojadas no seio das trevas manho ultraje que pudera ter com um único fruto pulsante cometido, perdeu-se de seu a balançar, feito o coração, corpo... Hoje existe somente revolve-se entreolhando os ali no Mundo dos Sonhos.

    presentes. E maculando o sa-

    Dalva, O Silencioso, se-

    grado local, diz:

    nhor e sacerdote das estrelas,

    — Eis que um de vós me cujo corpo e face tem cober-deu vida e, portanto, todos se tos em imenso véu branco, 12

    12

    13

    13

    Don M. Vargas

    VaDe MecuM

    matrimonial, e de quem nunca se ouviu palavra alguma. Vira, Menelik continua:

    apartando-se da terra, tão calado quanto indiferente, para nun-

    – A arte de cada Ordem consiste em como retiram da rea-ca mais ser visto, e jazem oitocentos anos, também nem outro lidade partículas primordiais do espírito. A matéria é estrutu-sacerdote das estrelas.

    rada por quantidade incalculável de pequenas pecinhas que, Posto a julgamento, Yo, A Estrela Pesada, Mestre da encaixando-se, cada uma à sua devida morada, formam a vida Luz dos Homens e imaculado pelas bênçãos mortais, a quem vista agora: plantas, peixes, esse manto que tu vestes e a mim...

    não seria título algum dado se houvesse nele transgressão.

    Cabe ao iniciado entendê-las, reunindo-as e, por vezes, desmon-Isento de culpa por natureza, constituiu-se julgador e redator tando-as, se preciso, devido à vontade da Providência Divina.

    da lei sobre os doze estados Tártaros, tendo como os primei-

    — Sendo a fonte a mesma, por que Ordens diferentes?

    ros interrogados: Ramsés III, senhor do Sol, e os Gêmeos

    — Bem, como você pode imaginar, a realidade não é sim-Siameses, Booleanos, Grãos-Mestres conjuntos na Ordem do ples, tampouco escassa. Levariam centenas de gerações a fio Fogo, a qual eu, Menelik, faço parte e transmito a vós, Kabhir, até que esgotassem suas máximas. Assim, os primeiros decidi-o caminho da iniciação.

    ram estudar aspectos específicos do Único, Ul-Alqamitar, selan-Ramsés, indignado pelo vislumbre da suspeita entre as do pacto na criação da Aliança Eterna das Ordens, no concílio fraternidades, limitou seu poder com a criação do Estatuto So-de Tir-Alqamitar. — O mago pausa por um momento e retoma: lar, reduzindo em um terço a luz do Sol em seu brilho até que

    — O que já é outra história, certamente não para dia tão frio.

    o culpado fosse entregue a julgamento.

    — Ainda existe?

    Como Fryir e Lagash, os gêmeos, retiravam da morte a

    — O quê? A Aliança ou o documento? O documento, sim!

    energia de criação primordial a seu poder, levaram sobre si Se não me engano, existe uma cópia, justamente no mosteiro maior culpa, fomentada pela proximidade às trevas, e desde para o qual estou te levando, mas a Aliança, não sei... Sincera-então, nós, sacerdotes do fogo, somos caçados, proibidos de mente, não sei.

    exercer em público, mesmo que em legítima defesa, a nossa

    — Deve ser um extenso documento — supõe Kabhir.

    arte. Assim é e assim deve ser.

    — São dez páginas de assinaturas, leis e comentários.

    — Mestre, apaguemos depressa a fogueira! Vamos, ou Constam, por exemplo, que a vida manifesta-se em duas faces, podemos ser pegos assando batatas! — fala Kabhir.

    dia e noite, por isso, deve ser compreendida distintamente, Menelik gargalha e diz:

    dando início à Ordem da lua e do sol.

    — Não, nobre Kabhir, a arte do fogo não é literal pro-

    — E quanto a nós? O fogo...

    dução de chamas. Caso fosse, como fariam os ferreiros? Ou

    — As chamas não existem por si mesmas, porém, mol-quem assa os pães?

    dam o que tocam, tornam-se vivas, feito animal selvagem. São

    — Então, o que é? — indaga Kabhir.

    como a vida no sangue! Antes de nasceres, eras um breu, um 14

    15

    Don M. Vargas

    VaDe MecuM

    vácuo, nada além de um desejo alojado em seus pais, mas hoje Tal mestre vindo da Abissínia, ou para vós, Etiópia, 1,87

    respiras aqui, junto a mim. Vês? Por isso, nos foi incumbido o de altura, pele parda, de fisionomia comum árabe/turca, barba estudo da Vida e da Morte... Já ao seu ínterim, deu-se o nome longa, negra, pouco grisalha, cabelos igualmente mesclados, co-de História.

    bertos em um grande turbante branco. Quase sempre visto em

    — Os pensamentos são constituídos pelo Éter? E quanto seu manto verde sobre a túnica de linho e cachimbo a tiracolo.

    ao vácuo?

    Acompanha o menino desde sua decisão ao ingressar, há Pressionado e com um sorriso de canto, Menelik diz: quase dois anos, em uma caminhada ao mosteiro, localizado

    — Aquieta-te em teu entusiasmo! Hoje obteve informa-nas montanhas de Altai, Sibéria, do outro lado do mundo, com ção em demasia, e se erro, repita tudo o que lhe disse. – Aguar-o intuito de encontrar a múmia-monge do santo Yuang-Baal.

    da um instante a reação do menino e continua: -Terminemos, Kabhir, passando pelo teste, sentirá o éter da realidade como pois, de comer e descansar. Às colinas à frente, todo fôlego a pele sente o vento, caso não, será incinerado instantaneamente.

    será bem-vindo.

    Perto ali, o trepidar de rodas maciças em madeira, es-Fartos e em repouso, Menelik e Kabhir, ao sopé da ser-magando pedras sobre a estrada, ao lado de ambos, chama ra, beira chão a estrada principal, onde mercadores e prínci-atenção. Avistam uma pequena carruagem puxada por um par pes põem em marcha caravanas, a fim de conseguir bênçãos de búfalos, enxuta e em velhos panos, seguindo em direção ao dos santos residentes sobre os picos; preparam-se em trajes e mosteiro sobre a montanha.

    louça para prosseguir rumo a Altai, especificamente no mos-Como cocheiro, um senhor de barba grisalho-loira, ves-teiro da Lua Minguante.

    tido com couro de urso pardo e em tamanha desgrenhês que Kabhir, menino nascido em Lhimorra, cidade mercantil lo-seus cabelos confundem-se com os pelos do animal, baforan-calizada na divisa norte do Império Persa (onde atualmente fica o do nuvens de calor ofegante na manhã fria adentro.

    Paquistão) com a Índia, próximo a Caxemira, filho de duas mães

    – Olá, bênçãos de Yuang a vós, viajantes! Que vosso dia mercadoras de ventre, prática comum a seus conterrâneos.

    seja excelente — diz o homem na carruagem.

    Vendido a Menelik por trinta moedas de prata em um Menelik mantém silêncio. Kabhir toma a frente: domingo e liberto por seu senhor, e agora mestre, já na segun-

    — Bênçãos ao senhor também! Tenha um excelente dia.

    da-feira. De corpo franzino, 1,60 de altura, fisionomia típica da

    – E antes que prossiga, é interrompido por forte gemido vindo região: cabelos negros, compridos, até as costas, cobertos por da cabine, semelhante ao de uma mulher com dor. Pouco se peça de cetim grená, servindo-lhe de manto.

    afastam e Menelik indaga:

    Decidido a trilhar o perigoso caminho da magia, propor-

    — Parece-me que o senhor necessita de auxílio. Pode-cionado pela Ordem do Fogo, acompanha Menelik, seu alfor-mos lhe fazer algo?

    riador e amigo mestre.

    Para e responde o velho:

    16

    17

    Don M. Vargas

    VaDe MecuM

    — Ora, não devem se incomodar. Minha esposa está em Alguns minutos se passam e com a subida da serra, gravidez complicadíssima e já se vão quase nove meses de do-Kabhir, hipnotizado pela beleza das altitudes, vislumbra a paires intensas e diárias. Talvez consigamos alívio com o toque sagem do fim de inverno pela janela, perdendo-se em pensa-de Yuang. Somente ele nos ajudará.

    mentos.

    — De maneira alguma é incômodo – diz Menelik. - Meu se-

    – Mumur? Mumur? – Sem sucesso, Menelik o chama, nhor, também estamos indo em direção ao mosteiro. Na realida-até que decide tocar em seu ombro e ganha sua atenção. – O

    de, gostaria de lhe pagar uma porcentagem simbólica pela carona.

    que o aflige, meu nobre?

    Encabulado fica, então, o cocheiro. Faltam-lhe as pala-

    – Reflito sobre como chegou a este estado de dor o mun-vras para negar tal oferta, portanto, aceita, muito relutante: do, sendo o mesmo tão lindo...

    — Bem está, porém, quais são vossos nomes?

    – Algum palpite?

    Antes que Kabhir pense em falar algo, Menelik o inter-

    – Bem, todos fazem o melhor que podem e sofrem em rompe, dizendo:

    medidas diferentes. Assim como sorriem, reflito sobre o moti-

    – Eu sou Jenneffi de Damasco, e esse é o filho bastardo vo, não achando solução — responde Kabhir.

    de meu irmão Lamed, Mumur. Estamos indo ao monastério a

    – Crês tu existir harmonia na paisagem que vês?

    fim de encontrar cura para a doença grave que assola seu pai.

    – Sim, nesta, sim! De outra forma, não seria tão bela.

    Então, o homem responde:

    – Pois, neste exato momento, centenas de animais são

    – Certo, certo. Jenneffi de Damasco e Mumur. Meu nome mortos por outros e milhares de plantas morrem à chegada do é Rudolf. Sou Tártaro, e minha esposa Yannora está na cabi-inverno. Podes desvendar tal misterioso propósito?

    ne. Por favor, não a importunem!

    – Não há semelhança, mestre! Sei bem que o que dizes Ambos concordam, dão quatro moedas de bronze a Ru-acontece, mas entre nós, cientes, sinto algo mais.

    dolf e prontamente juntam suas coisas, instalando-se na cabi-

    – Não erras, de fato existe, porém, não impute na dor ne da carruagem.

    e no sofrimento o mal da Terra, pois em corretas efas, mes-O interior da cabine é de forro simples, azul desbotado, mo estes, comungam da Providência. Nasce um dia e tame nele está encostada uma mulher branca como a neve, de bém o outro, mas a semente sofre ao brotar e descansa em cabelos negros compridos e rosto abatido, gemendo baixo e sua morte.

    suando frio. Sobre algumas cobertas e ao lado, odres de água Kabhir, maravilhado, pergunta:

    reserva e trouxas de roupas.

    – Do que, então, se trata?

    Cumprimentam-na e instalam-se no outro canto, próxi-

    – Seres caminham neste mundo Kabhir, e não deveriam mo à janela, até que a carruagem novamente entra em movi-existir. Nascem da dor e reproduzem-na. Como quimeras, mento.

    mas atenta-te, são induzidas a tal mal por seus feitores.

    18

    19

    Don M. Vargas

    VaDe MecuM

    – Com o que se parecem?

    Ainda entre gemidos, retira seu rosto da frente em si-Menelik responde, de imediato:

    nal de negação, sinal este que o menino ingenuamente ignora,

    – A todas formas: cada uma, a seu nível, cumpre profano mantendo a importunação. Menelik diz: papel em prol das trevas.

    – Mumur, respeite o pedido que Rudolf nos fez e volte já

    – Ora, mas se nascem, são segundo o que deveriam ser, para cá! Estamos a quilômetros de distância do mosteiro. Não não?

    nos faça perder esta ajuda por sua inconveniência!

    – São engendrados, meu nobre! Vou lhe contar uma his-

    – Ouça o que ele diz, garoto, não me perturbes! – entre tória. – Arruma-se no assento, acendendo o cachimbo.

    mais tosses, a mulher exclama.

    Conta-lhe que certa vez, uma quimera atacou um peque-Com o abrir de sua boca, um hálito terrível atinge as no vilarejo de pescadores ao sul de Kandahar, próximo ao gol-narinas do jovem, que logo leva um pedaço da borda de seu fo pérsico. O povo afugentou-se para as muralhas da cidade, manto sobre a face, afastando-se, enojado.

    mas os militares negaram asilo à maioria.

    Sombreando os olhos da mulher, terríveis olheiras e Presos entre as rochas e o monstro, foram assolados.

    veias vermelhas como sangue fresco saltam de sua face, como A criatura que emergiu da praia possuía enorme cabeça de se esta estivesse sendo acometida de intensa pressão arterial.

    bebê, sob coroa de ossos; da cintura para baixo, era como Menelik e Kabhir não tardam a desviar olhares, guiando-caranguejo, sua traseira, como cauda de peixe, e possuía

    -os a qualquer canto da cabine, desde que não em sua direção.

    mãos de gorila. Seu grito estourou os tímpanos ao seu al-Recostados à janela direita, como de origem, o sacerdo-cance, e quem assim não morreu, foi esfolado em plena te alerta seu discípulo, sussurrando: praia.

    – Não durmas nem por um segundo até chegarmos ao Kabhir pergunta, curioso:

    mosteiro...

    — Mas como sabes que não nasceram assim? Criaturas míticas ou algo do tipo?

    – Seu grito era uma súplica pela sua própria morte, mas há mais de uma quimera nessa história que lhe contei. – Menelik é interrompido por forte tosse e pigarro, que assola a mulher no canto oposto da cabine.

    Kabhir levanta-se a fim de ajudá-la. O abissínio tenta impedi-lo, porém não a tempo.

    — Minha senhora, tome um pouco de água! – Kabhir, assim, entrega-lhe seu cantil particular.

    20

    21

    CAPÍTULO

    II

    O odor de carniça im-

    Em sonho, o jovem ca-

    pregna as narinas do meni- minha deserto adentro, tendo no, introduzindo-o aflição

    na mão direita uma corda,

    terrível. Em seu desespero,

    com a qual puxa um bode

    fixa o olhar na parede, repe- preto para a expiação dos pe-A SENHORA DA LUA

    tindo o conselho de Menelik cados, e alguém, que não se feito um mantra enquanto

    pode ver a face, sendo puxa-

    MINGUANTE

    o acalanto da mata assalta

    do igualmente pela esquerda.

    seus olhos, mas o dia é lon-Ergue os olhos ao céu

    go e o ninar da carruagem — e ouve tremendo estrondo somado à fatiga — coloca-o a de vidro partindo-se, seguido cambalear. Confere se todos pelo próprio rachar do fir-haviam dormido e sente-se mamento que cruza a Terra confortável. Com o direito como um raio, de leste a oes-a seu descanso, cambaleia te. Até que uma luz surge so-novamente, de um lado para bre as frechas e ouve a voz de outro, sucumbindo.

    Menelik:

    22

    22

    23

    23

    Don M. Vargas

    VaDe MecuM

    – Mumur! Mumur!

    sono, são implacáveis. Assassinos não se aproximam a cem Então, abre os olhos, percebe a carruagem já parada so-milhas daqui, pois ao dormirem, são detectados e mortos.

    bre pequena clareira, e vê os primeiros raios de sol mingua-

    — E quanto ao que ela sofria?

    dos, devido ao Estatuto Solar, cavalgando o horizonte.

    — Direi a Miranda, ela está sob o comando aqui há déca-Ambos descem, despedem-se de Rudolf e entram pela das e vai saber me explicar. Seja o que for, é melhor estarmos trilha de rochas à frente, que leva à parte mais alta. Avistam atentos.

    também o mosteiro da Lua Minguante e sua frondosa nature-Mosteiro adentro, em meio a vielas gramadas e paredes za quase mista entre as construções; brancas e grandiosas, de curvas pedras brancas, entre janelas redondas e espelha-com um vilarejo aos seus pés.

    das em prata polida, chegam ao pátio do Templo.

    Os acetas vivem em paz, com economia pacífica de grãos Aromas como o de páprica fresca, manjericão, alecrim, e temperos das montanhas. Após a última torre do desfiladeiro, endro, sálvia e tantos outros cintilam pelo ar, dando gosto à um mirante dá-lhes visão sobre a cordilheira e estradas conexas.

    respiração. Uma grande sacada arqueada o contorna, susten-Menelik ali já estivera, então prosseguem até um devido tada por colunas de pedra, em suas dezenas, beirais entalha-pátio principal do mosteiro do qual tanto falou durante a viados com iconografias de lendas locais, corrimãos de madeira gem. Kabhir diz:

    sob tinta amarela. Debaixo dela, organizam-se barracas dos

    — Seu hálito é putrefato, sua presença perturbou meu mais variados produtos.

    espírito. - Cheirando-se, o abissínio diz: O mercado costumeiro matinal e as oferendas aconte-

    — Não é para tanto, Kabhir, estou apenas alguns dias cem ali, também naquela manhã.

    sem higiene! – Mas, gargalhando, o menino explica: A multidão próxima não permite, devido ao seu volume,

    — A mulher, mestre, não o senhor! — Já em tom sério, o que localizassem a entrada, mas Menelik pede a Kabhir que mago diz:

    suba em um barril para avistá-la:

    — Estou ciente. Não dormem também há dias, são prati-

    — Vai identificá-la por uma porta de madeira redonda, cantes de feitiços, sem dúvida.

    amarelada, nessa direção.

    — O que está havendo? — Kabhir questiona.

    — Vejo-a! Uma grande porta debaixo de uma sacada ex-

    — Por que, justamente próximos ao templo da Lua Min-tensa com três janelas, mas está fechada e também há enorme guante, viajantes escolheriam abdicar do sono? — apenas in-fila à sua frente.

    daga Menelik, em resposta ao outro.

    — Aguardam sua abertura?

    — Para se esconderem? – supõe Kabhir.

    — Não, já são atendidas. Pessoas sentadas em esteiras

    – Exatamente, meu nobre! – confirma o mago. — Sacer-de palha, vestidas com brancos véus, fazem este papel. Três dotes da lua possuem dócil aparência, mas uma vez em nosso cestas grandes os separam do restante do povo: uma de frutas, 24

    25

    Don M. Vargas

    VaDe MecuM

    outra com um incensário e outra repleta de recipientes com Quando finalmente chega sua vez, deixam a oferenda ao líquidos — Kabhir descreve com detalhes.

    centro recomendado entre os sacerdotes, retrocedem alguns

    Oferendas?, pensou Menelik ao ouvir a descrição.

    passos e, ajoelhados, agradecem pela oportunidade.

    – Vamos até lá! – exclama Menelik, continuando pela Ali, sentados, agora com mais nitidez, Kabhir observa rua que se estende entre o mercado.

    assustado as vestimentas de caráter indistinguidor de seus Ao final da fila, abordam uma senhora coberta até o ros-usuários; homens e mulheres cobertos pelo mesmo véu, ade-to em pano grosso de lã, aparentemente vinda da Mongólia.

    reços de prata nos pulsos e tornozelos alvos, já em alguns, Sobre os ombros, veste animais estranhos. Também ali aguar-fitas de linho que esvoaçam com o vento.

    da sua vez com notória aflição.

    Um sacerdote à direita diz:

    – Bênçãos de Yuang, minha senhora. Por quais motivos

    – Cuidamos de seu sono até aqui, Menelik, porém, dis-as oferendas

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