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A Coroa De Bronze: O Impressor - Segundo Episódio
A Coroa De Bronze: O Impressor - Segundo Episódio
A Coroa De Bronze: O Impressor - Segundo Episódio
E-book373 páginas5 horas

A Coroa De Bronze: O Impressor - Segundo Episódio

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Sobre este e-book

Ano 2018: do ícone do Palazzo della Signoria em Jesi desaparece a
coroa de bronze, que sempre esteve por cima do leão rampante, simbolizando a realeza da cidade. Um novo enigma a resolver para a estudiosa Lucia Balleani que, tendo finalmente encontrado o amor no jovem arqueólogo Andrea Franciolini, terá de redescobrir com ele alguns aspetos desconhecidos ligados à vida da sua antepassada Lucia Baldeschi. Assim, com os nossos dois heróis, recuamos meio milénio no tempo para descobrir como era a vida nas ruelas, praças e palácios de uma esplêndida cidade das Marche, famosa em todo o mundo, então como agora, por ser o local de nascimento do Imperador Frederico II. ”Mas nenhum deles, ao olharem por cima do portal e ao demorarem-se sobre a dedicatória do leão rampante, deixou escapar um detalhe que lhes trouxe uma exclamação à boca, quase em uníssono, como se fossem uma só pessoa: «A coroa!»”

O impressor Bernardino encontra-se em estado desesperado num quarto do hospital de Santa Lucia. O Cardinal Baldeschi morreu subitamente e deixou vago o governo da cidade. Será que a jovem Lucia Baldeschi vai finalmente tomar as rédeas do governo e impedir que Jesi caia nas mãos dos inimigos que sempre estiveram à sua porta? Claro que não se pode deixar o governo nas mãos de quatro nobres corruptos ou, pior ainda, confiá-lo ao legado pontifício enviado pelo Papa. Mas Lucia é uma mulher, e não é fácil assumir papéis de poder, tradicionalmente delegados aos homens. E Andrea, o seu amor, o que lhe acontecerá após ter escapado à forca e desaparecido no rasto do Mancino? Voltará ele à cena para ajudar a sua amada? Ou será que os acontecimentos controversos o levarão para outras paragens? E recordemos também a história paralela, a da estudiosa Lucia Balleani, nossa contemporânea, que talvez tenha finalmente encontrado o amor da sua vida, aquele que a levará pela mão para descobrir novos segredos arcanos com o leitor. Amor e morte, esoterismo e razão, bem e mal. Estes são apenas alguns dos ingredientes que dão ritmo a esta nova investigação, centrada no misterioso desaparecimento da coroa de bronze, outrora colocada por cima do leão rampante do principal palácio de Jesi, o da Signoria. Mais uma vez, o passado entrelaça-se com o presente, através das vicissitudes paralelas dos protagonistas do presente e dos seus antepassados homónimos. Dama aventureira e altiva regente da república Aesina, Lucia Baldeschi está dividida entre as obrigações da razão de Estado e o seu amor pelo cavaleiro fugitivo, o valente condotiero Andrea Franciolini. Entre a história e a lenda, a ação desenrola-se entre os edifícios austeros e as escuras passagens secretas de uma Jesi subterrânea e o campo aberto do seu Contado, povoado por pastores e monges durante o dia e animado por ritos mágicos ao luar. Depois, há as intrigas palacianas, as rixas entre senhores e as batalhas, as dos exércitos e contra os piratas, de Urbino até Senigallia, passando por algumas das mais sugestivas gargantas dos Apeninos. Ambientes e traços distintivos de uma época, o século XVI, caracterizado por luzes e sombras, dividido entre o culto da razão e a prática do esotérico, e do qual as personagens do romance são um espelho fiel. Tanto no seu comportamento, como nas suas virtudes e defeitos. Nos seus passos, entre descobertas sensacionais e intuições brilhantes, os amantes desavindos, Lucia e Andrea, da Jesi do século XXI, chegarão à verdade sob o signo de um amor intemporal.
IdiomaPortuguês
EditoraTektime
Data de lançamento30 de nov. de 2023
ISBN9788835458852
A Coroa De Bronze: O Impressor - Segundo Episódio

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    A Coroa De Bronze - Stefano Vignaroli

    A Giuseppe Luconi e Mario Pasquinelli,

    ilustres concidadãos que

    fazem parte da história de Jesi.

    tektime_round.png

    Tektime

    Stefano Vignaroli

    A COROA DE BRONZE

    O impressor - Segundo episódio

    ©2017 Amigos de Jesi

    ©2020 Tektime

    Traduzione di Alini Volpi

    Todos os direitos de reprodução, distribuição e tradução são reservados. Os trechos sobre a história de Jesi foram retirados e livremente adaptados de textos de Giuseppe Luconi. Ilustrações do Prof. Mario Pasquinelli, gentilmente cedidas pelos seus herdeiros.

    Síte Web  http://stedevigna.com

    E-mail para contacto stedevigna@gmail.com

    assedio

    Stefano Vignaroli

    A COROA DE BRONZE

    O Impressor - Segundo episódio

    ROMANCE

    Índice

    PREFÁCIO

    PREÂMBULO

    CAPÍTULO 1

    CAPÍTULO 2

    CAPÍTULO 3

    CAPÍTULO 4

    CAPÍTULO 5

    CAPÍTULO 6

    CAPÍTULO 7

    CAPÍTULO 8

    CAPÍTULO 9

    CAPÍTULO 10

    CAPÍTULO 11

    CAPÍTULO 12

    CAPÍTULO 13

    CAPÍTULO 14

    CAPÍTULO 15

    CAPÍTULO 16

    CAPÍTULO 17

    CAPÍTULO 18

    CAPÍTULO 19

    CAPÍTULO 20

    CAPÍTULO 21

    CAPÍTULO 22

    CAPÍTULO 23

    CAPÍTULO 24

    CAPÍTULO 25

    CAPÍTULO 26

    CAPÍTULO 27

    EPÍLOGO

    APÊNDICE

    NOTAS DO AUTOR

    AGRADECIMENTOS

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    PREFÁCIO

    Jesi, a terra natal do imperador Frederico II da Suábia, volta a ser o palco das aventuras da jovem académica Lucia Balleani, no segundo episódio da trilogia O Impressor. Amor e morte, esoterismo e razão, bem e mal. Estes são apenas alguns dos ingredientes que dão ritmo a esta nova investigação, centrada no misterioso desaparecimento da coroa de bronze outrora colocada sobre o leão rampante do principal palácio de Jesi, o da Signoria. Com uma alquimia hábil, Vignaroli entrelaça passado e presente, através das vicissitudes paralelas dos protagonistas atuais e dos seus antepassados homónimos. Encantadora dama e altiva regente da república Aesina, Lucia Baldeschi está dividida entre as obrigações da razão de Estado e o seu amor pelo cavaleiro fugitivo, o valente condottiere Andrea Franciolini. Entre história e lenda, a ação vai desde os edifícios austeros e as passagens secretas e sombrias de uma Jesi subterrânea, até ao campo aberto do seu Contado, povoado por pastores e monges durante o dia e animado por rituais mágicos ao luar. Depois, há as intrigas de palácio, as rixas entre senhores e as batalhas; aquelas entre exércitos e contra piratas, de Urbino a Senigallia, até a algumas das gargantas mais evocativas dos Apeninos. Ambientes e traços marcantes de uma época, o século XVI, caracterizada por luzes e sombras, dividida entre o culto da razão e a prática do esoterismo, e da qual as personagens do romance são um espelho fiel. No comportamento, assim como nas virtudes e nos defeitos. Nos seus passos, entre descobertas sensacionais e intuições brilhantes, os amantes conflituosos, Lucia e Andrea, da Jesi do século XXI, chegarão à verdade sob o signo de um amor intemporal.

    Marco Torcoletti

    PREÂMBULO

    Depois do primeiro episódio da série O Impressor, eis que apresento a sequela, o segundo conto. No final de A Sombra do Campanário, tinha deixado deliberadamente várias janelas abertas para possíveis desenvolvimentos na trama subsequente. Bernardino, o impressor, jaz em estado desesperado num quarto do hospital de Santa Lucia. O Cardinal Baldeschi morreu repentinamente e deixou vago o governo da cidade. Será que a jovem Lucia Baldeschi vai finalmente tomar as rédeas do governo e impedir que Jesi caia nas mãos de inimigos que sempre estiveram à sua porta? Claro que não se pode deixar o governo nas mãos de quatro nobres corruptos ou, pior ainda, confiá-lo ao legado papal enviado pelo Papa. Mas Lucia é uma mulher, e não é fácil assumir papéis de poder, tradicionalmente delegados aos homens. E Andrea, o seu amor, o que lhe acontecerá após ter escapado ao patíbulo e ter desaparecido no rasto do Mancino? Voltará para ajudar a sua amada? Ou será que acontecimentos controversos o levarão para outras margens? E recordemos também a história paralela, a da estudiosa Lucia Balleani, nossa contemporânea, que talvez tenha finalmente encontrado o amor da sua vida, que a levará a descobrir com o leitor novos segredos arcanos. Em suma, estão reunidos todos os elementos para enfrentar uma leitura que nos conduzirá, mais uma vez, pelas vielas, praças e palácios de uma esplêndida cidade de Marche, famosa em todo o mundo por ser o local de nascimento do imperador Frederico II: Jesi. Boa leitura!

    Stefano Vignaroli

    CAPÍTULO 1

    Bernardino reabriu os olhos após dias e dias de inconsciência. Embora o seu quarto estivesse na penumbra, ficou deslumbrado com a luz e o branco do ambiente onde estava. Um quarto pequeno e vazio, com paredes brancas, sem quadros, sem frescos no teto, nem sequer a companhia de uma estante com livros. Pensou que já tinha chegado ao paraíso, mas as dores lancinantes que sentia por todo o corpo, fizeram-lhe perceber que ainda estava vivo. Ao ouvi-lo gemer, uma freira aproximou-se dele e levou-lhe aos lábios a taça de caldo de galinha que, até então, tinha sido obrigado a engolir, apesar do seu estado de inconsciência. Embora frio, Bernardino engoliu-o com avidez, até que sufocou e começou a tossir.

    Mas voltou a agarrar-se ao braço da freira, que lhe afastava o precioso líquido, enquanto sentia a garganta tão seca que acreditava ter saído daquele inferno de chamas poucos minutos antes. Em vez disso, havia passado quase um mês desde o dia do incêndio na sua oficina.

    «Continua muito fraco, meu amigo. Pouco a pouco, ou terá problemas. O médico recomendou: poucos golos e com frequência. E o Dr. Serafim é um bom médico, senão não estaria agora entre nós!», diz-lhe a freira, com bondade, mas com uma voz firme.

    «O Cardinal, foi o Cardinal…», tentou dizer Bernardino, com a voz sufocada por novas crises de tosse.

    «Sim, sim, foi o Cardinal Baldeschi que quis curar-lhe neste mesmo lugar, graças à intercessão da sua querida sobrinha. Infelizmente, o Cardinal não está mais entre nós. Uma desgraça, uma desgraça horrível. O Cardinal foi assassinado, pelo que sei, por uma das suas servas, uma certa Mira. Ela atirou-o da varanda do seu escritório, após o ter apunhalado com uma faca afiada. Diz-se que o Cardinal surpreendeu a jovem enquanto esta roubava no seu escritório. Começou uma discussão entre os dois e o velho levou a pior. Mas a serva foi presa, e pagará pelos seus pecados. Ah, se ela pagará!»

    Apesar das suas dores, Bernardino agarrou a mão da freira e fez um esforço sobre-humano para falar com ela.

    «Está a dizer-me que o Cardinal Artemio Baldeschi morreu? É verdade? Mas… há quanto tempo perdi a consciência? Pelo modo como falas, não me parece que tenha sido ontem ou anteontem. E o que aconteceu à Lucia Baldeschi? Pelo que me diz, ela deve ter sido deixada sozinha!»

    «Tenha calma. Já lhe disse, não precisa de fazer nenhum esforço! Passou um mês nesta cama, dominado pela febre, pelo delírio e por sonhos que agarravam a sua alma e o seu coração. As minhas irmãs e eu desesperámos para que conseguisse sobreviver. Mas o bom Deus ainda não lhe quis acolher na sua casa, e continua entre nós. Vou enviar uma mensagem a Lúcia Baldeschi, avisando-a de que recuperou a consciência. Ela ficará muito feliz e certamente virá visitá-lo nos próximos dias».

    «Irmã, mande-a chamar imediatamente. O Palazzo Baldeschi é aqui em frente, nesta mesma praça, até o posso ver da janela!»

    A freira sorriu e retirou a mão, ainda agarrada à de Bernardino.

    «Para sua própria segurança, a Senhora retirou-se para a residência de campo da família, perto de Monsano, com as suas filhas e os seus precetores. O Papa já nomeou um novo Cardinal, que está a caminho de Roma. Como não se conhecem as suas ideias, a Condessa Lucia prefere ficar longe da cidade, por enquanto. Considere que Jesi está em completa desordem! Não temos autoridade civil nem religiosa e podemos ser presa fácil de inimigos, tanto internos como externos. Por isso, considero sensata a decisão da nobre mulher, para proteger a si e às suas filhas. Não devemos esquecer que o seu noivo, Andrea, continua em circulação e poderia vir a qualquer momento, para reivindicar o seu assento como Capitão do Povo, bem como a mão da nobre Baldeschi.»

    «Afinal de contas, ele teria todo o direito a isso. O título de Capitão do Povo pertence-lhe, e nas veias da pequena Laura corre o seu sangue», disse Bernardino, com a voz quase a começar a ficar clara.

    «Ainda agora se recuperou e já não consegue manter essa boca fechada? Tenha cautela ao propagar heresias. Não bastou ter escapado uma vez às chamas? Quer ir parar lá outra vez?», respondeu à freira com ironia, indo fechar as portadas da janela para escurecer o quarto. «Descanse, agora, que está a precisar!»

    «Só uma coisa, irmã. Tenho vontade de urinar. Como posso fazer isso? Não vou conseguir levantar-me daqui!»

    «Como pensa que fez estes dias? Acalme-se. Colocámos-lhe uma mangueira, que encaminha diretamente os seus humores para um vaso que está debaixo da cama.»

    Bernardino largou a urina, maravilhando-se de como havia de facto um cheiro estranho no quarto, devido aos medicamentos e emplastros que lhe haviam aplicado nas queimaduras, mas não havia cheiro de excrementos. E devia ter feito bastante no mês em que esteve deitado na cama! Embora não se lembrasse de nada dos delírios e sonhos dos dias anteriores, a partir desse momento, o repouso de Bernardino foi constantemente agitado por pesadelos, sonhos e visões, que ele mesmo, no seu sono, quase não conseguia distinguir da realidade. Ora se via rodeado de chamas, ora se sentia protegido nos braços suaves de Lucia. Só agora se apercebeu que havia sido ela, a socorrê-lo, a salvar-lhe a vida. Ele tinha-a visto nitidamente por cima dele, antes de perder a consciência. E teria esperado vê-la novamente ao seu lado assim que abrisse os olhos. Mas cada vez que acordava, encontrava-se no mesmo quarto, meio escuro, indefeso, incapaz de nem sequer se levantar. As únicas presenças humanas eram as freiras, ora uma, ora outra, que se revezavam à sua cabeceira, espalhando-o com pomadas e emplastros e tentando fazê-lo engolir o caldo de sempre. Parecia que naquele hospital não havia outra comida além daquilo. Só uma vez sentiu a presença do médico ao seu lado, um homem rude, de cabelo branco espesso e barbicha da mesma cor. Aproximou o ouvido do peito e sentenciou: «Daqui a três dias, vamos tentar levantá-lo. Apesar da sua idade, este homem é uma rocha. Tem um coração mais tenaz do que o meu. Amanhã podemos permitir-lhe a visita da nobre Baldeschi. Só uns minutos, irmã! Não o podemos cansar. Demasiada emoção ainda lhe pode ser fatal.» O impressor voltou a dormir, também devido aos medicamentos que lhe haviam sido administrados para aliviar as dores.

    E desta vez sonhou que estava de novo a trabalhar na sua tipografia, completamente reconstruída e renovada, mais bonita do que antes. Sonhou que dava bons conselhos à sua nobre amiga. Que a via na cadeira de Capitão do Povo, na Sala dos Melhores no Palazzo del Governo. Também sonhou com as meninas Anna e Laura, que brincavam e corriam umas atrás das outras no parque de uma sumptuosa residência de campo, enquanto ele as observava como um avô carinhoso.

    Quando, ao regressar à realidade após um dos seus inúmeros sonhos perturbados, reparou que ao lado da sua cama estava a nobre Lucia, teve a impressão de que todas as suas dores tinham repentinamente desaparecido e que recuperava as suas forças. Tanto que conseguiu levantar-se um pouco, enquanto Lucia, com um gesto mais carinhoso do que caridoso, colocava uma almofada atrás das suas costas para que ele ficasse mais confortável, permitindo-lhe, ao mesmo tempo, manter essa posição.

    «Dizei-me que não sois um sonho, minha Senhora!» Disse Bernardino, com a voz entrecortada por tosse.

    Sentiu as mãos de Lucia agarrarem uma das suas, dando-lhe uma inesperada sensação de calor, que lhe infundiu novas forças. Ergueu-se ainda mais com as costas, no meio dos protestos da freira que ameaçava parar imediatamente a visita. O aceno que Lucia dirigiu à freira não foi percebido por Bernardino, mas o resultado foi evidente, pois ela se calou, então se retirou da sala, deixando os dois amigos livres para conversarem entre si.

    «Fico contente por estar a recuperar, Bernardino. Não sabe o quanto preciso de você e dos seus conselhos agora. O Cardinal morreu e a situação na cidade é muito difícil. Parece que o Papa ia enviar um novo bispo e a escolha recaiu sobre o idoso Cardinal Ghislieri, que era de Jesi. Era suposto ele tomar as rédeas tanto da Igreja como do governo da cidade, mas… Mas ele nunca chegou a Jesi.»

    «Por que, vossa graça?», perguntou Bernardino com curiosidade.

    «Infelizmente, Leão X morreu subitamente nos últimos dias.»

    «Mas ele só tinha quarenta e seis anos!» «De facto, muitos acreditam que foi envenenado. Giovanni De' Medici era demasiado próximo da sua família, dos senhores de Florença, para que a oligarquia eclesiástica o aceitasse. E agora, enquanto se aguarda a eleição de um novo Papa, os Cardeais reunidos em conclave em Roma estão a dividir os territórios entre si. Parece que, como legado da Santa Sede para a nossa cidade, sem prejuízo dos direitos e privilégios do Município, foi nomeado o Cardinal Jacobacci.»

    «Mas Jacobacci está ligado à pior fação fundamentalista dos Guelfi.»

    «É verdade, mas até mesmo deste Jacobacci não vimos a sombra aqui em Jesi. Entretanto, a miséria, depois do saque de 1517, grassa nos campos e na cidade. E parece que a peste chegou em Ancona, e acho que não vai demorar muito para chegar aqui também.»

    «Dê-me ouvidos, Lucia! Tomai as rédeas do governo da cidade. Tendes todo o direito de o fazer. Não tenha medo por ser mulher. Convoque os nobres de Jesi, eles estarão bem-dispostos a ajudá-la. E fazei colocar uma coroa sobre o leão rampante representado na fachada do Palazzo del Governo. Isso lembrará a todos que Jesi é uma cidade Real e que se governará independentemente da Igreja. Se o Cardinal se atrasar a chegar, azar dele. Quando chegar, vai pensar nos assuntos religiosos, enquanto o governo civil será do povo, como deve ser.»

    «Estás-me a incitar a fomentar uma rebelião?»

    «Não, estou apenas a dizer que deve assumir as suas responsabilidades. E ocupar o lugar que é vosso por direito. Não há outra solução!»

    CAPÍTULO 2

    Estive enfermo, e vocês não me visitaram

    (Mateus 25,43)

    Ao ver mais uma fumaça negra, o Camerlengo não pôde deixar de bufar. Depois da morte de Leão X, nascido Giovanni De' Medici, fazia mais de um mês que os Cardeais se reuniam em conclave, fechados em salas onde só ele podia ter a liberdade de ir e vir como quisesse. O facto é que, precisamente devido ao seu privilégio, ele havia compreendido bem que os altos prelados não tinham intenção de eleger o novo Papa se não tivessem resolvido primeiro entre eles as questões relativas à divisão das terras e dos feudos. O então bispo de Florença, o cardinal Giulio De' Medici, não estava nada convencido de que a morte do seu parente se devesse a causas naturais, e lançou-se em longas e palavrosas discussões sobre as suas suspeitas de um hipotético envenenamento do Papa falecido e sobre os prováveis autores da conspiração. Tudo para tentar convencer a maioria dos seus colegas a votar nele como novo pontífice. E assim, entre uma votação e outra, entre uma fumaça negra e outra, não se passavam algumas horas, mas às vezes mais de um dia inteiro. Quando conferia a fumaça, o Camerlengo providenciava que os Cardeais fossem bem alimentados. Mandava alguns criados preparar uma mesa num grande salão vazio e, quando tudo estava pronto, os mandava embora e abria a porta que dava para as salas onde se realizava o Conclave.

    De facto, ninguém, a não ser ele, podia falar com os Cardeais, para que não se deixassem influenciar de forma alguma nas suas escolhas. Innocenzio Cybo havia sido imediatamente nomeado Camerlengo após a morte de Leão X, pois era o seu braço direito, aquele que lhe havia sido mais próximo e que melhor sabia como administrar o Estado da Igreja naquele período de ausência da autoridade máxima. Havia visto chegar os rostos conhecidos de sempre, cardeais dos quais conhecia vida, morte e milagres, vícios, virtudes e ambições. Percebeu imediatamente a ausência de uma figura importante, o Cardinal Artemio Baldeschi de Jesi. Alguém dissera-lhe então que o Cardinal Baldeschi havia morrido em circunstâncias trágicas, talvez após uma briga com uma empregada do seu palácio.

    Uma coisa inédita para se ouvir atualmente, pensou Innocenzio para si próprio. Outrora, as criadas ofereciam os seus jovens corpos ao seu senhor e calavam-se. Hoje, até têm o descaramento de se revoltarem! Claro que, se Baldeschi já não está mais aqui, Jesi e os seus terrenos são uma terra de conquista atrativa para muitos dos que aqui estão.

    E, de facto, a questão da atribuição da Cúria Episcopal de Jesi foi uma das primeiras que o Camerlengo teve de enfrentar como substituto do Papa. Decidiu que o melhor a fazer era nomear um Cardinal que não participaria do conclave, de modo que pudesse partir imediatamente para aquelas terras perturbadas por anos de lutas, guerras, traições e desgoverno, que haviam levado a população, especialmente no campo, a um estado de grande miséria e onde, ultimamente, parecia estar a alastrar também aquela terrível doença conhecida como peste. A escolha recaiu sobre o Cardinal Jacobacci, que partiu imediatamente de Roma, mas que ao chegar às imediações de Orvieto, a sua terra natal, parou para gozar um período de repouso nos seus lugares de origem, que talvez se estivesse a tornar demasiado longo. Mas houve quem dissesse que o Cardinal havia perdido a cabeça por uma jovem local, e que não teria saído dali por nada deste mundo. Gualtiero Jacobacci não havia perdido a cabeça por nenhuma donzela, nem jovem, nem velha. Ele tinha-se demorado a admirar a esplêndida fachada do Duomo inacabado, e tinha sentido nostalgia dos lugares onde havia vivido a sua infância. Na sua vida, nunca havia visto a catedral sem andaimes. Ele sabia que a construção tinha começado há mais de duzentos anos, mas agora os andaimes só tinham sido deixados na fachada para permitir que os artistas completassem as belas decorações que a embelezariam e a tornariam famosa durante séculos. Aproveitou o facto da Cúria Episcopal estar livre, já que o Cardinal Alessandro Cesarini, Bispo de Anagni e Orvieto, se encontrava em retiro obrigatório em Roma para participar ao conclave, e fez-se convidado da comunidade eclesiástica local, inclusive começando a celebrar a Santa Missa no interior da catedral inacabada. Em suma, tinha tudo em mente, exceto chegar a Jesi, a sede que lhe foi atribuída pelo Camerlengo. O passeio não iria durar muito tempo, porque, mais cedo ou mais tarde, o novo Papa seria eleito e o Cardinal Cesarini regressaria ao cargo. Mas Gualtiero não queria pensar nisso. Carpe diem, disse para si próprio, apropriando-se da citação de Horácio. Aproveitemos a ocasião e desfrutemos deste bom período. Quando for o momento, veremos o que fazer! Talvez, quando chegar a altura, eu possa propor uma troca a Alessandro Cesarini: eu aqui e ele em Jesi. Jesi, como toda a Marca de Ancona, é um lugar cobiçado para um alto prelado. O campo é conhecido pelas suas riquezas e a Igreja quer a todo o custo colocar esses territórios sob a sua alçada de uma forma definitiva, pondo fim aos velhos legados de Municípios, Senhorias e Nobreza local. Um homem ambicioso como Cesarini não poderá certamente recusar a minha oferta. E eu poderei gozar a minha velhice na minha terra natal.

    Finalmente, após mais de um mês de fumaça negra, no dia 9 de janeiro de 1522, saiu a fumaça branca da chaminé. O Camerlengo suspirou de alívio e correu para o interior da ala onde se realizava o conclave para cumprir os seus deveres rituais. Parecia-lhe que havia passado uma eternidade desde o dia em que Leão X havia morrido. Ele havia encontrado-o caído sobre a mesa onde comia. Chamou os guardas e mandou recolher o corpo na cama, depois bateu no crânio do Santo Padre com um martelo para o corpo deixar de responder a qualquer reflexo, voluntário ou involuntário. Quando os membros, pernas e braços, ficaram rígidos, começou a chamar o Papa três vezes pelo seu nome próprio: «Giovanni… Giovanni… Giovanni!». Não tendo recebido qualquer resposta, declarou oficialmente o Santo Padre como morto. Mandou preparar a câmara funerária e organizou o rito fúnebre, no final do qual o Papa Leão X se juntaria aos seus antecessores nos subterrâneos da basílica erguida sobre o túmulo de San Pedro. Depois disso, convocou o Conclave, mas apercebeu-se de que a sua posição era considerada muito incómoda por uma certa fação dos participantes na assembleia, os mais próximos da família De' Medici. Ele havia sido sempre o Cardinal mais próximo do Papa, mas era famoso por ser da mesma família de Giovan Battista Cybo, que havia ocupado o trono papal até 1492 sob o nome de Innocenzio VIII. As más línguas, pelo facto de ser ele o responsável pela segurança do Papa e de todos os alimentos que chegavam à mesa do Santo Padre terem de ser aprovados por ele, haviam ventilado que ele próprio poderia ser responsável pela morte inesperada e prematura de Leão X. De facto, poderia muito bem ter envenenado a comida, com a intenção de aspirar ao papado e de reconduzir um membro da família genovesa ao mais alto cargo. Innocenzio sabia muito bem que estava inocente e que não havia cometido nenhuma conspiração contra o seu amado Papa. Giovanni De' Medici sofria de um problema cardíaco desde criança, razão pela qual nunca havia pegado em armas. Por isso, ninguém o havia envenenado, ele havia sucumbido e morrido de morte natural, embora súbita. O facto de se autonomear Camerlengo afastou em parte as suspeitas sobre ele, já que não seria elegível para ser Papa, mas não totalmente. Giulio De' Medici e três ou quatro outros cardeais não paravam de olhá-lo com raiva, mas ele respondia a essas provocações com a melhor defesa: o silêncio. É certo que aquelas semanas não haviam sido fáceis, mas ele havia conseguido não colocar os seus inimigos do seu lado. Nunca lhe saiu da boca uma palavra que acusasse o Medici de inveja ou de oportunismo. Continuou a cumprir o seu dever como se nada tivesse acontecido. Mas agora, ao subir as escadas com a respiração presa na garganta, o medo de que o novo eleito fosse de facto Medici apoderou-se dele. Estava convencido de que este último quereria, de alguma forma, vingar a morte prematura do seu familiar. E já Innocenzio se imaginava com a cabeça apoiada num tronco, à espera do machado que a afastaria do resto do corpo com um golpe rápido. Quando abriu o envelope onde estava escrito o nome do novo pontífice, deu o segundo suspiro de alívio em poucos minutos. O Camerlengo saiu para o terraço com vista para a praça e gritou, com o máximo de fôlego que tinha, para os fiéis que se aglomeravam em curiosa expetativa.

    «Nuntio vobis gaudium magnum! Habemus Papam, eminentissimum et reverendissimum dominum Adrianus Florentz, qui sibi imposuit nomen Adrianus sextus.»

    Vozes e aclamações elevavam-se da praça abaixo, à espera que o novo Papa aparecesse e falasse à multidão de fiéis. Enquanto Innocenzio auxiliava o novo Papa a vestir as vestes sagradas rituais, os pensamentos corriam-lhe pela mente. Este Adriano VI não durará muito tempo até que alguém da família De' Medici ponha as mãos nele. Mas se durar um mês, um ano ou um século, ninguém poderá acusar-me. A partir de amanhã, Innocenzio Cybo regressa a Génova.

    Como todos os outros, o Cardinal Alessandro Cesarini fez as malas para regressar à sua sede em Orvieto. Ao chegar no dia 4 de março do ano do nosso Senhor de 1522, ficou inicialmente um pouco desconcertado com o facto de o seu bispado ter sido arbitrariamente ocupado pelo seu colega, mas ao ouvir a proposta deste último, mal podia acreditar no que ouvia. Ele, que teria feito tudo para ter a Cúria Episcopal de Jesi, deixada vaga pelo Cardinal Baldeschi, viu-a ser-lhe oferecida numa bandeja de prata pelo homem que tinha sido escolhido como o seu titular, só porque tinha laços com os lugares onde havia passado a sua infância. Incrível, mas verdadeiro! Uma oportunidade a não perder! Após ter fechado o acordo com Jacobacci, Alessandro Cesarini, que, no entanto, desejava descansar durante alguns dias, enviou um mensageiro a Jesi para anunciar a sua chegada e assentamento às autoridades da cidade. O mensageiro só chegou em Jesi no dia 12 de março, e o Conselho Geral da Cidade, reunido para a ocasião na Sala Maggiore do Palazzo del Governo e presidido pelo nobre Fiorano Santoni, tomou nota da nomeação — embora o Cardinal Jacobacci teria sido mais bem-vindo — e também resolveu conceder a Cesarini uma renda vitalícia de 25 florins por mês. Tudo isto quando o Cardinal já estava às portas da cidade, não tendo havido sequer tempo para preparar um acolhimento digno para o novo bispo, que se viu a entrar numa cidade completamente indiferente à sua chegada. Cesarini não ficou apenas desiludido com o acolhimento, mas também e sobretudo com o facto de ter encontrado a cidade e o campo num estado muito diferente do que esperava. Após o saque sofrido pela cidade em 1517, seguiram-se vários anos de desgoverno do Cardinal Baldeschi, que reduziram a região a condições de miséria nunca vistas. Além dos danos e da opressão trazidos pelos exércitos invasores, a peste havia regressado como um pesadelo para aterrorizar a população. Assim, Cesarini, que ainda tinha muitos interesses na zona de Anagni e Orvieto, cedo começou a passar a maioria do seu tempo longe de Jesi, usando como desculpa os seus incómodos compromissos eclesiásticos na Sede Papal, e deixando no seu lugar vice-governadores severos, que só sabiam ser cruéis e tirânicos para com a população.

    Lucia havia estado ocupada, e não pouco, levando conforto aos doentes da peste. A praga havia chegado a Jesi num caixote de cânhamo dos mercados do Oriente, comprado a preço de saldo no porto de Ancona por uma família de cordoeiros Jesini. Algumas famílias que viviam na aldeia de Sant'Alò eram conhecidas desde tempos imemoriais pela habilidade e cuidado com que fabricavam cordas. Possuíam um sistema próprio de obtenção de cordas e cordéis de todos os comprimentos e calibres a partir do cânhamo bruto, que eram vendidos no mercado a preços competitivos em relação aos praticados noutras partes de Itália. Assim que Berardo Prosperi, o chefe de família, abriu o caixote para verificar a qualidade do cânhamo comprado por seu filho e neto, foi atacado por pulgas, que finalmente se libertaram e procuraram a sua refeição de sangue, as custas de muitos membros da comunidade dos marginalizados. As casas dos cordoeiros eram construções baixas, que formavam uma fila única, uma colada à outra, no limite de uma grande praça, chamada prado, onde estes artesãos trabalhavam, essencialmente ao ar livre. Necessitavam de espaços amplos onde pudessem esticar as fibras de cânhamo e tecê-las em cordas, com a ajuda de estranhas máquinas semelhantes a rodas. No início, ninguém reparou nas picadas dos insetos, pois estavam habituados, mas decorridos alguns dias, Berardo e alguns outros homens e mulheres da aldeia adoeceram, com febre alta, com bolhas em várias partes do corpo, uns nas costas, alguns na nuca, outros na barriga. A doença não tardou a espalhar-se de uma casa para outra, todas elas ligadas entre si, e depois propagou-se ao campo. Mas em breve passou a afetar também as famílias que viviam na cidade, nos muros da cidade. Lucia havia aprendido no seu tempo com a avó a tentar curar as vítimas da peste. Ouviu dizer que em Ancona, onde a doença se havia espalhado exponencialmente, aqueles que podiam pagar eram internados e tratados no Lazzaretto. Mas, na sua opinião, não era uma ideia muito sensata concentrar os doentes num único local. Era preferível manter o doente isolado na sua casa, para evitar que contagiasse as pessoas sãs; só tomando as devidas precauções é que se podia aproximar dele. Quando tinha de entrar no quarto de um doente, Lucia cobria-se bem com roupas pesadas, mas só após ter espalhado por todo o corpo um unguento feito

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