Os arquitetos da política externa norte-americana: Uma (nova) introdução
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Os arquitetos da política externa norte-americana - Reginaldo Mattar Nasser
© 2023 Reginaldo Mattar Nasser. Foi feito o depósito legal.
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Reitora Nadir Gouvêa Kfouri / PUC-SP
Nasser, Reginaldo Mattar
Os arquitetos da política externa norte-americana. – São Paulo : EDUC, 2010.
1. Recurso on-line: ePub
ISBN 978-85-283-0722-1
Disponível para ler em: todas as mídias eletrônicas.
Acesso restrito: http://pucsp.br/educ
Disponível no formato impresso: Os arquitetos da política externa norte-americana. – São Paulo : EDUC, 2010. ISBN 978-85-283-0413-8.
1. Estados Unidos – Relações exteriores. 2. Relações internacionais. I. Título. II. Série.
CDD 327
327-73
EDUC – Editora da PUC-SP
Direção
Thiago Pacheco Ferreira
Produção Editorial
Sonia Montone
Revisão
Sonia Rangel
Editoração Eletrônica
Waldir Alves
William Martins
Capa
Marilá Dardot
Realização: Waldir Alves
Administração e Vendas
Ronaldo Decicino
Produção do e-book
Waldir Alves
Revisão técnica do e-book
Gabriel Moraes
Rua Monte Alegre, 984 – sala S16
CEP 05014-901 – São Paulo – SP
Tel./Fax: (11) 3670-8085 e 3670-8558
E-mail: educ@pucsp.br – Site: www.pucsp.br/educ
Sumário
Apresentação
Teoria e história das Relações Internacionais
A doutrina e A ação da Nova Potência
O hemisfério ocidental como experimento
A Esplêndida Guerrinha
República Imperial?
Os dois mundos
Ordem e civilização
O começo do fim: a crise do mundo europeu e a ascensão dos EUA
Wilsonismo
O internacionalismo liberal
Democracia e ordem
O legado de Woodrow Wilson
Um sonho norte-americano
Bibliografia
Bibliografia comentada
Questões de estudo e discussão
Teoria e história das Relações Internacionais
A doutrina e a ação da Nova Potência
O começo do fim: a crise do mundo europeu e a ascensão dos EUA
Apresentação
São os interesses (materiais e ideais), e não as ideias, que dominam de modo direto as ações humanas. Contudo, foram as imagens do mundo
, criadas por essas mesmas ideias, que frequentemente serviram como chaves de desvio, ao determinar sobre que trilhos o dinamismo dos interesses manteve as ações em movimento. (Weber)
Este trabalho não é uma obra de teoria ou de história das Relações Internacionais. Pretende situar-se na dimensão indicada por Max Weber ao compreender a ação do homem na política internacional intimamente relacionada às suas percepções.
Esperamos que este estudo da política internacional possa, portanto, explorar a maneira pela qual conceitos fundamentais como Estado, ordem, nação, justiça, segurança, soberania surgem, são definidos e redefinidos; como são incorporados nas instituições, moldando as ações humanas, mas também acabam sendo modulados por elas. Nosso objetivo é desenvolver uma melhor compreensão dos mecanismos por meio dos quais as relações entre os EUA e as nações do hemisfério ocidental foram idealizadas e como puderam se realizar na prática.
Entendemos que, quando se avalia a política internacional adotada por uma grande potência, deve-se estar atento àquilo que se refere ao sistema dominante, mas sem esquecer suas relações com o subsistema que frequentemente aparece como um anexo. Pode-se dizer que quando os presidentes dos EUA anunciam triunfalmente um novo momento para lidar com os conflitos internacionais, propondo a construção de uma nova ordem mundial, estamos, na verdade, diante não de uma única ordem, mas de uma variedade de novas ordens regionais. Embora as ordens internacionais na história sempre tenham sido claramente de alcance global, refletindo as rivalidades das grandes potências e as guerras entre elas pelos interesses globais, essas disputas tiveram implicações diferenciadas para quase todos os outros Estados e sociedades (Lake e Morgan, 1997, p. 3).
Julgamos que o período compreendido entre a Guerra com a Espanha, em 1898, e a participação dos EUA na Grande Guerra pode ser considerado um momento privilegiado na constituição de um pensamento norte-americano a respeito das Relações Internacionais. Durante esse período, foram realizados grandes debates sobre a inserção internacional dos EUA que, de certa forma, traduziram as diversas maneiras de pensar e construir a ordem mundial, bem como o lugar a ser ocupado pelo hemisfério ocidental nessa ordem. Os debates realçaram as relações entre os meios e as metas envolvendo as questões domésticas e internacionais, bem como as possíveis consequências das escolhas estratégicas, particularmente aquelas que se referem à participação americana no sistema internacional. Os temas que vinham sempre interligados eram se os EUA deveriam proceder à maneira dos europeus em sua política mundial; se os EUA deveriam ou não intervir em assuntos internos de outros países; se deveriam se isolar do sistema interestatal europeu ou criar uma nova ordem internacional; ou, por fim, se deveriam ser um império.
O que os líderes políticos e os policymakers americanos pensaram e realizaram durante esses anos (1898-1919) foram tentativas para estabelecer um novo sistema de relações internacionais quando, aos seus olhos, tornou-se imperativa a substituição do mundo europeu. Tal como os Pais Fundadores da nação (founding fathers), os líderes políticos sabiam que navegavam num oceano perigoso, enfrentando os constantes desafios da política do poder mundial e tentando se adaptar da melhor forma possível às novas condições. Não hesitaram em experimentar novos planos que às vezes as circunstâncias exigiam, mas também quando avaliavam que o único modo de proteger sua nação era evitar o que chamaram de emaranhado de alianças
, que foi evitado. Se as circunstâncias tivessem sido diferentes, provavelmente, eles teriam adaptado suas ideias e suas instituições a essas circunstâncias com a mesma inventividade e flexibilidade.
O presidente Woodrow Wilson condicionou a entrada dos EUA na Grande Guerra (1917) com a perspectiva de reformar toda a ordem internacional e, muito embora todas as suas ideias não tenham sido levadas a cabo no projeto imaginado, a participação americana reavivou o plano de se configurar uma nova ordem mundial que pudesse evitar um novo conflito de grandes proporções. Poder-se-ia então afirmar que a ideia de que os EUA deveriam assumir, obrigatoriamente, responsabilidades perante a sociedade internacional foi definitivamente incorporada à tradição de sua política externa.
Teoria e história das Relações Internacionais
Aquele que inicia seus estudos sobre as Relações Internacionais, frequentemente, depara-se com o desafio de situá-las como área de conhecimento, disciplina acadêmica ou experiência histórica. Desde a perspectiva desta última, pode-se afirmar que se trata de um conjunto de relações sociais que engloba as relações políticas, econômicas, jurídicas e sociais entre as mais diferentes comunidades organizadas, podendo adotar os pressupostos teóricos e metodológicos de diferentes disciplinas.
Pode-se dizer que as Relações Internacionais, como um ramo das ciências sociais, alimentam-se de duas tradições diferentes. A primeira é herdeira direta das ciências naturais sistematizadas nos séculos XVI e XVII, que intentavam explicar o funcionamento da natureza incluindo dentro dela os seres humanos, suas ações e suas relações. A outra é herdeira das ideias historiográficas do século XIX, cuja meta era compreender os acontecimentos buscando seu significado com base nos fatos humanos que não respondem às leis da natureza. A primeira dessas abordagens busca deduzir dos fatos uma sequência causal e, a partir dela, extrair leis naturais que podem ser realizadas em circunstâncias similares. Essa abordagem não considera relevante o que os atores pensam ou sentem, pois seu comportamento é governado por um sistema de estruturas que podemos conhecer mediante a observação, e, assim, se procedermos corretamente do ponto de vista metodológico, poderemos inclusive prever os acontecimentos futuros. Já a segunda abordagem – adotada neste livro – pretende compreender os seres humanos de forma diferente de outros elementos da natureza, já que se pode atribuir sentido às suas ações. A realidade social deve ser vista por meio dos atores porque o mundo social é apreendido dependendo da forma como é visto pelos atores, e seu funcionamento é condicionado pelo modo como são exercidas as capacidades sociais desses mesmos atores. Ou seja: (1) os seres humanos encontram significado em sua experiência e esse significado depende de uma expressão simbólica; (2) o significado linguístico é um componente essencial da vida social, assim, as palavras têm significados políticos regidos por regras, ao mesmo tempo em que os seres humanos têm intenções e motivos quando as usam; (3) as ações se produzem em contextos específicos e esses contextos não podem se separar da forma como são entendidos pelos atores; e (4) os atores possuem ideias sobre o mundo social e sobre seu funcionamento e criam expectativas sobre o comportamento de outros atores (Hollis e Smith, 1992, pp. 68-70).
Dessa maneira, julgamos que uma das principais tarefas das Relações Internacionais é compreender as ações e as relações humanas, e, para tanto, devemos interpretar o significado que para os atores tem a sua escolha, bem como a ação política dela decorrente. Julgar as ações humanas implica avaliar a validez de seus princípios éticos. Nesse sentido, é preciso estar atento às dificuldades de todas as situações políticas e aos desafios morais pelos quais opera a ação humana; os homens atuam sob diversas circunstâncias e apelam, com diversos graus de sinceridade, aos princípios morais.
As primeiras reflexões sobre as Relações Internacionais, enquanto área de conhecimento, deram-se em torno da guerra e da paz, sobre o direito de conquista, sobre os direitos dos seres humanos como parte de uma humanidade comum, como súditos ou cidadãos de um reino ou de um Estado. No que se refere ao Estado moderno, teve início por meio da reflexão dos pensadores clássicos, e muitas de suas ideias, imagens e percepções ecoam constantemente nos textos de pensadores atuais. Poder-se-ia destacar, entre eles, jus naturalistas como Francisco de Vitória e Hugo Grócio; teóricos do Estado como Jean Bodin, Thomas Hobbes e John Locke; e filósofos como J. J. Rousseau ou Kant. Já o campo acadêmico das Relações Internacionais foi desenvolvido por muitos caminhos diferentes: como uma arte (a diplomacia e a guerra), como uma filosofia (as teorias da justiça), como história (história diplomática) ou mesmo como direito internacional, ocupando-se das instituições e normas que regem os atores internacionais. Na verdade, as Relações Internacionais têm sido sempre um campo sintético combinando ideias, conceitos e metodologias com base em fontes diversas. Seus entendimentos e desentendimentos ocorrem necessariamente em relação às perspectivas teóricas e epistemológicas adotadas para se entender um determinado problema. As perspectivas mais críticas podem contribuir para a compreensão – dependendo do que queremos saber –, mas frequentemente os debates são realizados segundo o pressuposto de que apenas uma determinada teoria pode fazer uma legítima reivindicação de autoridade acadêmica.
As diversas imagens que a comunidade acadêmica desenvolve de si mesma e que é transmitida a quem inicia seus estudos são a manifestação histórica de uma série de interpretações em conflito, cuja unidade e identidade são o produto de sua vitória em tal disputa. As disciplinas acadêmicas são como certos campos de batalha entre interpretações rivais: a autonomia
e identidade
de um campo são a consequência de um jogo de poder entre esses vários elementos em