Caminhos para a implantação do Sistema Dual no ensino de administração
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Caminhos para a implantação do Sistema Dual no ensino de administração - Aislane Rodrigues de Sousa
CAPÍTULO 1
EDUCAÇÃO E TRABALHO
Encontrar novas formas de desenvolver habilidades para o trabalho tornou-se uma tarefa cada vez mais urgente para as sociedades que enfrentam os desafios de rápida mudança tecnológica e globalização. Em todos os lugares, os formuladores de políticas estão buscando maneiras de fortalecer as ligações entre empregadores, trabalhadores e instituições educacionais (Remington, 2017).
No que se refere à educação para o trabalho, existem modelos diferentes de como a experiência de trabalho é incorporada na educação que variam desde o mínimo de colaboração entre instituições de ensino e locais de trabalho até um modelo conectivo, no qual a aprendizagem educacional e a que acontece no local de trabalho estão altamente conectadas (Guile; Griffiths, 2001). Essa ideia de formação híbrida, articulando teoria e prática, não é nova. Marx e Engels (s.d.), na publicação clássica A ideologia alemã, defendem que homens e mulheres só conhecem aquilo que é objeto de sua atividade, e conhecem porque atuam de forma prática e material; por isso, a produção ou apreensão do conhecimento produzido não pode se resolver teoricamente por meio do confronto dos diversos pensamentos, ou seja, pelo trabalho intelectual, e sim através do confronto entre teoria e prática, do qual emergem novas sínteses com potencial transformador da realidade. De maneira análoga, Kuenzer (2007) admite que a integração entre as trajetórias de escolaridade e laboral será o elo entre teoria e prática, resgatando-se a unidade rompida pela clássica forma de divisão técnica do trabalho.
Além da relação teoria e prática, a incompatibilidade entre a demanda por habilidade e o fornecimento de habilidades é um problema que aumenta na medida em que nem as instituições de mercado, nem os mecanismos organizacionais alinham a demanda por qualificação e os interesses dos participantes do mercado de trabalho (Remington, 2017). O que se vê é uma crescente estratificação entre as habilidades possuídas por recursos de trabalho e as necessidades relatadas pela economia. Intensifica-se a ideia de que o sistema de educação profissional não prepara pessoal qualificado adequado para necessidades do mercado de trabalho. Kozlova e Kozlova (2016) dizem que o problema de todos os níveis de educação profissional é o isolamento das instituições educacionais dos requisitos reais da economia de mercado e do conhecimento de tecnologias de produção intensiva, ou seja, a falta de conformidade com necessidades do mercado de trabalho.
Se por um lado as organizações exigem mais competências, por outro consideram que o custo para treinar colaboradores é alto, sendo, portanto, mais viável contratar trabalhadores com experiência. As empresas, ao valorizarem o capital humano específico (experiência) no início da carreira, podem deixar jovens pessoas com menos experiência fora da ocupação. Esse é um dos fatores que faz com que o percentual de jovens desocupados entre 18 e 24 anos seja o segundo maior entre as faixas etárias de população em idade de trabalhar, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD – IBGE, 2020), sendo 27,1% no primeiro trimestre de 2020.
Visto de uma perspectiva macro, o principal problema do desemprego é a criação de empregos, porém, sob um aspecto micro, destaca-se a necessidade de melhorar as competências da força de trabalho, bem como reduzir a incompatibilidade de habilidades entre os candidatos e o mercado. Sabe-se que o desenvolvimento da mão de obra desempenha um papel fundamental na geração de emprego dos mercados emergentes (Chai; Kim; Kim, 2018). Isso porque ter trabalhadores qualificados no atual cenário econômico pode diminuir a estratificação estrutural no mercado de trabalho, minimizar o desalinhamento entre as qualificações e as necessidades das empresas, frear o aumento do desemprego, além de contribuir para crescimento e o sucesso de uma empresa (Marszowski, 2019). Além disso, com a crescente necessidade de incorporação de novas tecnologias em produtos, serviços, processos e modelos de negócio, trabalhadores com conhecimento avançado desempenham um papel estratégico para organizações ampliarem sua capacidade de inovação.
SER ESTUDANTE E SER TRABALHADOR
A pressão econômica é um dos fatores que leva o indivíduo a aceitar opções de carreira que não estejam associadas às suas preferências e características pessoais (Magalhães; Teixeira, 2013). Esse fenômeno ocorre também com egressos da universidade que passam por dificuldades na transição da vida estudantil para o mercado de trabalho. Lent, Hackett e Brown (1999) apud Oliveira, Detomini e Melo-Silva (2013) enfatizam que essa fase não é um evento que se inicia e finaliza imediatamente após a conclusão da educação, ela deve ser considerada como um processo que se desenvolve gradualmente durante os anos acadêmicos, estendendo-se pelo período de ajustamento ao trabalho e aos demais papéis sociais. Isto é, ainda na universidade, o estudante já começa a experimentar esse processo de inserção no mercado. E, portanto, quanto mais os modelos habilitarem a construção de portfólio e experiência, maior poderá ser o seu grau de sucesso nessa inserção.
A alternativa adotada pelas universidades para contribuir com a construção das experiências é o estágio curricular, além de ser a atividade extrassala que contribui para a integração entre teoria e prática, servindo como uma aproximação à realidade do mundo do trabalho e contribuindo para o desenvolvimento de competências transversais e para uma adequação mais realista das expectativas dos estudantes perante o trabalho (Silva; Teixeira, 2013). O fato é que a noção de aprender e trabalhar como momentos distintos tem se tornado cada dia mais difusa. O mesmo tem ocorrido entre as instituições, percebendo que a teoria deixou de ser da responsabilidade apenas da escola, e a prática, apenas do local de trabalho. Cada vez mais se faz necessário que ambas as instituições combinem aprendizagem e trabalho com a teoria e a prática (Fürstenau; Pilz; Gonon, 2014).
CAPÍTULO 2
O SISTEMA DUAL DE EDUCAÇÃO E O FORTALECIMENTO DO ENSINO DE ADMINISTRAÇÃO NO BRASIL
Segundo o último censo da educação superior em pesquisa por amostra de domicílio (PNAD, 2018), em 2018, 1.606 instituições ofereciam o curso de graduação em Administração de Empresas, são 2.263 cursos, 654.843 alunos matriculados e 103.342 concluintes ao ano. Para Bolzan, Fernandes e Antunes (2019), as mudanças políticas contribuíram significativamente para a criação de uma diversidade de cursos superiores de Administração nos últimos 20 anos. O curso se relaciona diretamente com o futuro das organizações em termos de estratégia, produtividade e inovação. Tendo em vista que a finalidade do curso de Administração é formar profissionais com competências e habilidades para exercer seu papel em mercados muito competitivos e de constante mudança, as instituições de ensino buscam desenvolver técnicas e práticas vivenciadas (Lisboa, 2015). Conforme o art. 4º da Resolução nº 4 do Conselho Nacional de Educação (CNE), de 2005, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) do curso:
O Curso de Graduação em Administração deve possibilitar a formação profissional que revele, pelo menos, as seguintes competências e habilidades: I - reconhecer e definir problemas, equacionar soluções, pensar estrategicamente, introduzir modificações no processo produtivo, atuar preventivamente, transferir e generalizar conhecimentos e exercer, em diferentes graus de complexidade, o processo da tomada de decisão.
Em julho de 2020, novas diretrizes curriculares para o curso de Administração foram discutidas para aprimorar a CNE/CES nº 4/2005 (Brasil, 2005). Entre elas, destaca-se a formação voltada para a competência e a prática profissional obrigatória, visando alinhar a teoria à realidade do administrador. Percebe-se que as novas diretrizes curriculares do curso apresentam orientações que fomentam o argumento da adoção de uma aprendizagem mais voltada para a prática. O relatório do parecer CNE/CES nº 438/2020 faz reflexões sobre o desafio enfrentado tanto por executivos quanto por profissionais de educação que terão que reciclar seus processos diante dos impactos da transformação digital, visto que novas competências são exigidas e consequentemente impactam na forma de aprender, ensinar e executar uma profissão, modificando a relação entre professor, aluno, sociedade e instituição de ensino. No projeto de resolução das novas DCNs, fundamentado pelo parecer CNE/CES nº 438/2020, orienta-se:
§ 2º - As competências descritas no caput, assim como as competências específicas, devem ser compreendidas como tendo seu desenvolvimento ao longo do curso, não pela simples exposição a uma disciplina ou componente curricular, requerendo que o estudante pratique a capacidade em ambientes similares ao da futura realidade de atuação e receba feedback construtivo em relação ao seu desempenho.
O modelo de aprendizagem adotado deve estar diretamente ligado ao perfil do egresso. Fazendo uma análise comparativa entre as DCNs de 2005 e 2020 do curso de Administração, percebe-se que algumas competências foram mantidas e outras alteradas, visando atender às novas exigências do mundo do trabalho. Conforme o artigo 3º do parecer CNE/CES nº 438/2020, permanece a aprendizagem dos conhecimentos básicos, isto é, capacidade de resolução de problemas de forma estratégica, sistêmica e sustentável, capacidade de uso da informação para resolução de problemas com abordagem analítica e quantitativa, capacidade de comunicação baseada em dados para colaboração, capacidade de gestão para resultados, capacidade de aprendizagem e adaptação, capacidade de socializar o conhecimento, capacidade de diagnóstico e proposição de soluções. Além dessas, algumas capacidades muito importantes foram acrescentadas, tais como: capacidade de integração de conhecimentos para Inovação e Sustentabilidade (inciso I), capacidade de diagnóstico e resolução de problemas organizacionais com rigor científico e orientada a necessidades (inciso III), capacidade de lidar com novas tecnologias para resolução de problemas (inciso V), e capacidade de criação de relacionamentos e networking (inciso VII).
Quadro 1 – Perfil do egresso do bacharelado em Administração: um comparativo das DCNs entre 2005 e 2020