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Alicia Kinger e a vida invertida
Alicia Kinger e a vida invertida
Alicia Kinger e a vida invertida
E-book561 páginas7 horas

Alicia Kinger e a vida invertida

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Sobre este e-book

Tudo na vida busca equilíbrio. Desde as características mais inusitadas da natureza até um simples diálogo entre duas pessoas, o objetivo é alcançar harmonia. O universo, os planetas, as estrelas, todos estão em constante movimento, buscando… equilíbrio.
As histórias contadas sempre apresentam, pelo menos, duas versões. São relatos que, mesmo divergentes, parecem exigir equilíbrio para capturar a complexidade da realidade vivida. E quando, porém, a balança pende mais para um lado?
Alicia Kinger vai testemunhar o desequilíbrio para compreender o verdadeiro significado do equilíbrio. Sua jornada se inicia no momento em que sua vida parece desmoronar. À medida que se vê cada vez mais desorientada pelo mundo ao seu redor, sua compreensão melhora. Suas ações se tornam mais certeiras diante do desconhecido que a envolve em sua nova moradia. Ela busca o equilíbrio em sua vida, mesmo sem saber por onde começar, encontrando pistas em lugares aparentemente aleatórios, como um espelho ou até mesmo uma luva solitária.
— Que Haris e Harmis mostrem o caminho!
IdiomaPortuguês
EditoraViseu
Data de lançamento8 de mar. de 2024
ISBN9786525470801
Alicia Kinger e a vida invertida

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    Pré-visualização do livro

    Alicia Kinger e a vida invertida - Rodney Veiga

    Prólogo

    Espelho. Um objeto comum, útil

    ,

    que pode se apresentar de diversas formas e tipos. No entanto, independentemente do formato, todos cumprem com o simples, fiel e único objetivo de refletir o que está à sua frente.

    Único?

    As imagens que aparecem no espelho são idênticas às dos objetos à sua frente, exceto quanto à direção. Se for uma pessoa, ao levantar o braço esquerdo, a imagem do espelho levanta o braço direito. Então, ela é invertida.

    Caso a pessoa se aproxime deste objeto, perceberá que sua imagem ficará maior, a ponto de o contrário também acontecer: se afastar, o seu Eu do espelho ficará menor.

    Mesmo sendo perfeita e invertida, a imagem da pessoa refletida em um espelho não passa de uma cópia sem vida. Ao tocá-la, não se sente o mesmo calor da mão, não se tem a sensação real de viver.

    Independentemente do que aconteça, o espelho sempre estará imóvel, refletindo tudo o que está à sua frente, à espreita de objetos reais, como se buscasse viver de verdade, mas estando submetido a sua natureza de imagem invertida.

    O pior pesadelo de um espelho seria a sua quebra, pois destruiria sua função de Vida Invertida, causando sua morte. Mas, quando uma possibilidade termina, outras surgem, podendo ser melhores ou piores, reveladoras ou não, diferentes ou iguais… verdadeiras ou verdadeiras.

    Capítulo I

    O ponteiro do carro marca 143 km/h. À minha frente, ainda consigo ver uma mancha preta brilhante que reflete as estrelas da linda noite que se formou, assim como a bela Lua Cheia bem ao centro do céu. A velocidade do veículo em frente a mim é superior, porém insisto em seguir, apostando na sorte de conseguir alcançá-lo.

    A estrada é ligeiramente tortuosa, de via única, com bonito asfalto do estilo tapete vermelho, como dizem, própria para turismo, uma vez que foi construída numa montanha que proporciona uma bela vista de toda a região. O acesso a esse belo passeio de dezessete quilômetros ao ponto mais alto da cidade substitui a via principal com dois quilômetros apenas, cujo destino é o mesmo, no entanto a beleza do cenário supri o tempo teoricamente perdido.

    Ao se deparar com a visão de toda a cidade, e suas luzes acesas, é como se pudesse perceber a respiração, o pulsar de cada ser humano ali presente. Ao fechar os olhos, é possível sentir-se circundado aos sons e ruídos que se ouvem, a ponto de ter a impressão de ouvir todos ao mesmo tempo como numa bela canção instrumental de uma orquestra. Experiência inesquecível vivida há pouco e que muito representa a loucura de dirigir em alta velocidade neste momento.

    Apesar da beleza da região, há muitas placas de avisos que informam a velocidade máxima permitida e que, com certeza, está sendo desobedecida agora. Porém há uma boa explicação para isso: é necessário alcançar o veículo da cor preta à minha frente.

    Curva acentuada à esquerda. Em meio aos meus pensamentos, quase perdi o controle do carro. Senti como se a roda traseira direita tivesse dado uma derrapada e chegou a tocar o ar para fora da estrada. Imaginei o tamanho dos riscos na lateral do meu carro em que as frágeis cercas brancas de madeira causaram.

    A mancha preta brilhante continua a se distanciar cada vez mais. Pude perceber pela última curva que os vidros desse carro estavam abertos. Os belos cabelos loiros e semicompridos parecem dançar em meio à sinfonia proclamada pelos ventos. Com seu poder natural, joga os lisos fios de um lado para o outro numa coreografia organizadamente desnorteante e completamente magnífica.

    Os belos cabelos loiros que se destacaram em meio à multidão de pessoas presentes em minha vida, e que, num evento beneficente à cultura, chamaram minha atenção. Estádio de futebol lotado, palco ao centro, músicos postos, concerto da banda de maior sucesso na mídia, e o meu discurso de boas-vindas travado pela imensa beleza que vivenciei poucos instantes antes de entrar em cena para dar início ao evento. Uma conversa de sete minutos que transfigurou tudo aquilo em que eu acreditava sobre relacionamento diante da vista única que me banhou — uma repórter com caminhar flutuante e potente, credibilidade na fala, intelectualismo, atenção e foco, maquiagem rasa e marcante com alto detalhe do uso do rímel, e um belo cabelo loiro semicomprido de estilo único.

    Sinto o coração palpitar cada vez mais rápido dirigindo à velocidade de 160 km/h. A esta altura, é loucura continuar, mas incrivelmente os carros, não sendo tão esportivos assim, parecem se adaptar bem às características radicais do cenário. Em poucos quilômetros, há um túnel de cinquenta metros de extensão com uma pequena entrada, porém, antes desta, existe uma curva bem acentuada. Logo, é uma boa chance de alcançar o carro preto. Então, é melhor acelerar ao máximo agora e reduzir antes da referida entrada.

    O carro à minha frente sumiu. Continuo acelerando e o ponteiro toca os 170 km/h quando vejo, a quinhentos metros, a curva de entrada para o túnel. Começo a reduzir gradativamente para realizar a curva. O motor parece aliviar-se num suspiro longo da pressão que estava sofrendo. Os freios finalmente trabalham e o atrito é de tal forma que é possível sentir o cheiro de borracha queimada. Abro o vidro do carro e vou me aproximando lentamente. Mas percebo que há muito desse cheiro de queimado para pouco tempo de frenagem. Vou me aproximando da curva e meu nariz começa a reagir com a essência de borracha queimada pairando no ar. Olho para o asfalto e vejo fortes marcas de pneus derrapados — indescritivelmente, os quatro pneus derrapando para realizar a curva após uma forte frenagem realizada. A curva começou correta, no entanto acredito que, pela alta velocidade, a derrapagem foi certa e, então, o deslize foi sucumbindo o contato entre as rodas e a estrada, assim, a inércia tomou por conta própria as rédeas da situação.

    Quando finalmente terminei a curva e me deparei com a entrada do túnel, tive um vislumbre do prisma mortal do ser humano ao vento, de toda a sua capacidade mental intensificada se tornando pó graças às escolhas certas ou erradas. De quão frágil é a vida e de como tudo pode mudar em frações de segundos, em que o inevitável toma lugar a qualquer momento em nossa existência.

    Meu carro parou instantaneamente no meio da rodovia. Eu não conseguia mover um músculo sequer. Meus olhos não piscavam. Meu coração estonteado parecia o vácuo do espaço. Todo o meu ser paralisou. Ali fiquei por alguns minutos. Sem reação. Nenhuma. Sem qualquer interação com o ambiente. Congelado para o mundo.

    O foco do meu olhar era os belos cabelos loiros que estavam iluminados pela noite no centro da rua, na outra extremidade do túnel, jogados ao chão do asfalto frio e maléfico, tingindo-os na cor vermelho-escura da metade as pontas. A cabeça estava levemente virada. Não se via o pescoço. O tronco encontrava-se inclinado, dando aos braços a sensação de pousar após um movimento brusco e nunca executado antes. As pernas estavam dobradas de forma humanamente impossível, apresentando manchas escuras.

    O carro preto reluzente foi reduzido a um metal torcido com vidros estilhaçados ao seu redor, encontrando-se de ponta cabeça ao canto do túnel. Por pouco não foi obtido sucesso na realização da acentuada curva. As manchas de derrapagem iam de encontro à lateral da entrada do túnel, e ali pude perceber que a traseira do veículo bateu, dando a combinação de velocidade e impacto, um giro completo e diagonal, arremessando a motorista por metros de distância.

    Como num estalido, recuperei a consciência quando um movimento surgiu saltado dos pulmões da amada ao chão. Nada fiz a não ser sair correndo em sua direção e me aproximar o máximo suficiente para socorrer e ver aqueles lindos olhos verdes.

    Sentindo a adrenalina aumentar enquanto corria, um clarão repentinamente surgiu, me forçando a parar e proteger os olhos. Após alguns instantes, pude olhar novamente e, para o meu desespero, fiquei perplexo. Alicia havia sumido. Não estava mais no chão.

    Capítulo II

    Uma grande dor em minha cabeça, zunido nos ouvidos, sensação de corpo anestesiado, desequilíbrio, dificuldade em abrir os olhos.

    — O que está acontecendo? — balbuciei.

    Após alguns instantes, consegui começar a abrir os olhos e vislumbrar as coisas à minha volta. Estava deitada no chão. Ao sentar com certa dificuldade, senti uma atmosfera diferente, estranha, nunca presenciada antes. Olhei para minhas roupas, rasgadas e manchadas de sangue, e então lembrei que estava no meio de uma rua antes de apagar por completo.

    — Mas… O que está…? O túnel? Tales?

    Ficando em pé, tentando recobrar a memória, pude reviver os acontecimentos, e...

    — A minha batida de carro… Esta rua… Meu carro… Onde está o meu carro?

    Ao procurar meu carro, comecei a me deparar mais detalhadamente ao lugar à minha volta.

    — Este não é o mesmo lugar em que eu estava. — Observei os lados. — Onde está o túnel?

    Então, olhei para o céu e fiquei sem palavras para o que vi.

    — O quê? Duas Luas? Isto não é possível!

    Havia duas grandes Luas Cheias de mesmo tamanho, porém com detalhes diferentes em seu interior. Elas estavam próximas uma à outra, e não encostadas.

    — Duas Luas, próximas assim? Onde estou? Tudo parece tão normal.

    Foi quando senti uma forte dor nas costas, como se fosse choque elétrico, e então desmaiei.

    ***

    Acredito ter ficado inconsciente por algum tempo, pois, quando acordei, eu estava em uma sala branca, limpa, deitada como se fosse num leito de hospital. Ao meu redor, nas mesas brancas próximas da minha maca, havia instrumentos, acredito que do tipo cirúrgico, e alguns outros equipamentos diferentes dos que eu já havia visto na vida. As paredes eram seladas, sem qualquer janela e porta, e naquela que estava na minha frente tinha um relógio eletrônico, com informações na cor branca sobre um largo retângulo cinza claro, que mostrava:

    17:87:24.216*298+6/7-6L.

    De repente, ouvi passos e, então, fingi que estava desacorda. Após alguns instantes, senti a presença de duas pessoas, uma em cada lado onde eu estava deitada. Apesar dos olhos fechados, suas presenças eram tamanhas, que parecia que eu os podia ver.

    — Quem você acha que ela é?

    — Eu não faço ideia! Ela é como nós, mas diferente…

    — Diferente?

    — Sim. Basta olhar para o estado em que a encontramos.

    — Essa diferença que você supõe… — Ele hesitou. — É algo bom?

    — É difícil dizer, pois não tivemos oportunidade de conversar com ela. Conhecê-la.

    — Esta é uma situação muito delicada. Você tem conhecimento dos eventos vindouros. Não podemos nos dar ao luxo de simplesmente conhecer alguém mais detalhadamente. Além de que tudo está se encaixando como já foi dito uma vez.

    — A Profecia.

    — Exatamente!

    — E o que o senhor sugere que façamos então?

    — Eu não sei, você é o especialista. Temos que… — Hesitou novamente. — Ajudá-la.

    — Sim, senhor!

    — Quero um relatório detalhado diariamente quanto ao estado da nossa… — Ele hesitou mais uma vez. — Visitante.

    — Sim, senhor!

    Esta conversa me pareceu muito estranha e sem sentido. Então ouvi novamente barulhos de passos até ficar em completo silêncio. A sensação de presença, que há pouco senti, havia sumido e, por alguma razão, aquilo me disse que eu estava sozinha.

    Abri os olhos e os dois homens realmente já tinham saído.

    — Se eles entraram e saíram, deve haver uma porta nesta sala.

    Até então não havia notado a presença do meu corpo, e senti dificuldades em retirar a espécie de coberta branca que me cobria — era como se fosse um plástico brilhante e muito quente. Ao sentar na maca, olhei para mim e vi que minhas roupas também eram brancas. Além de que havia um tipo de luva plástica, no estilo cirúrgico — também branca, vestida em minha mão esquerda e que se estendia até o início do meu punho. Tentei tirá-la, mas sem sucesso. Estava tão apertada que parecia uma segunda pele, no entanto não causava qualquer desconforto. Pelo contrário, a sensação de usá-la era ótima.

    Fiquei em pé, estava descalça, e comecei a andar pela sala branca. Não era tão grande, mas comportava muitos aparelhos sob algumas mesas nos cantos. Eu efetivamente não fazia ideia de como aqueles instrumentos funcionavam, não eram nada familiares. Continuei investigando e percebi que cada mesa tinha três tipos diferentes de equipamentos, e que cada um apresentava um visor, como se fosse de medição da bateria, no entanto estava apagado. Quando peguei um desses aparelhos, a tela piscou e apareceu, na cor branca, sobre uma luz azul-clara de fundo, um símbolo em formato de retângulo.

    — Isto é totalmente estranho.

    Correndo o olhar pela sala, vislumbrei novamente o relógio eletrônico.

    17:89:83.216*298+6/7-6L.

    — Parece que se passaram dois minutos e alguns segundos. Mas oitenta e nove minutos?

    Novamente passos ecoavam perto da sala em que eu estava e, então, larguei o aparelho; o seu visor apagou, e me agachei ao lado da mesa a que estava próxima.

    Após alguns instantes, a parede do lado do leito simplesmente brilhou em formato de porta de nave espacial e abriu de baixo para cima. Um homem de jaleco branco entrou pela sala e se assustou ao ver que a maca estava vazia. Foi até a cabeceira, ao lado direito da cama, e tocou a parede em um símbolo qualquer que estava desenhado nela. Um visor retangular, com as mesmas características de quando toquei no aparelho na mesa, surgiu ao lado de sua mão na parede e revelou alguns números e símbolos. Não consegui reconhecer nada naquelas informações. Sob o visor, surgiu um teclado brilhante de computador, e transparente, pois era possível ver a parede no fundo. Neste, o homem começou a teclar rapidamente, até que um telão foi projetado na parede à esquerda da maca, à direita dele. Ele se encaminhou até ela e começou a tocá-la como se estivesse procurando alguma coisa.

    Percebi que esse homem usava uma luva na mão esquerda muito parecida com a minha, e dela surgiu um brilho Verde que saiu e se encaminhou em direção ao telão. Quando essa o tocou, várias telas de projeções na Cor Verde-Clara, e transparentes também, começaram a aparecer em volta do homem e, em cada uma delas, revelavam-se várias salas diferentes, como se fossem mostradas sob o olhar de câmeras de segurança. Ele olhou concentrado para uma delas, e de repente olhou diretamente para mim.

    — Ei… — disse ele.

    Saí correndo em direção à porta, que ainda estava aberta.

    — Espere! Volte aqui!

    O chão era frio, mas eu não sentia incômodo, pois a adrenalina estava tomando conta do meu corpo. Eu não tinha muitas opções de escolha para onde ir, pois eu corria por um corredor branco sem portas e janelas. Olhei para trás e o mesmo homem que me viu estava correndo em minha direção. De repente, surgiu um brilho, alguns metros à frente em uma das paredes laterais, e o mesmo tipo de porta se abriu, saindo dela dois homens com jalecos brancos.

    — Este lugar é algum tipo de hospital será? — pensei em voz alta.

    Esbarrei nos doutores e continuei correndo.

    — Peguem, peguem-na! — ordenou o homem que estava em minha sala.

    Já cansada de tanto correr vislumbrei, ao final do corredor, uma abertura que dava para uma grande sala, como se fosse um hall. Assim que a atravessei, me deparei com uma enorme sala com muitas pessoas andando de lá para cá, com pranchetas brilhantes, fazendo anotações com os dedos; algumas com telas de projeções transparentes, e brilhantes também, em seu campo de visão, que lhes acompanhavam na caminhada; outras estavam inseridas em uma espécie de bolha de energia circulando pelo ar, assim como alguns homens de jalecos brancos projetando campos de energias com suas luvas brancas nas mãos esquerdas exibindo brilhos na Cor Violeta; também pude perceber, ao olhar para cima, um grande lustre de cristal que refletia a luz das duas Luas que estavam no céu.

    — Meus Deus, o que é tudo isso? — perguntei, perplexa.

    — Peguem-na! — gritou um dos doutores que estava atrás de mim.

    Neste momento, caí em si e vi uma enorme janela do outro lado desse hall. Uma janela de muitos metros de comprimento, que provavelmente era um lugar para observação da área externa ao lugar em que eu estava. Comecei a correr em sua direção, desviando das pessoas que estavam no caminho. Umas caindo, outras se esquivando e algumas tentando me pegar. Percebi que mais pessoas começaram a vir atrás de mim.

    Ao chegar nessa grande janela, me deparei com um mundo de impossível compreensão para a minha mente. A visão era de uma grande metrópole. Olhando para baixo, vi ruas sendo ocupadas por pessoas e por veículos grandes e pequenos das mais diversas formas possíveis de se imaginar, todas com brilhos que pareciam substituir as paredes da máquina, similar aos que eu já havia visto desde que acordei aqui, porém com cores diferentes. Estes veículos não ocupavam somente as ruas, mas acima delas também, tanto que alguns circulavam próximos de onde eu estava observando.

    — Estão voando?

    Havia muitos prédios, altos e médios, em que pude perceber certa semelhança entre eles — pontiagudos de várias formas, prateados, dourados, foscos, pretos, todos refletindo a luz das Luas — e, em alguns deles, suas paredes abriam e fechavam quase constantemente em diversos locais, permitindo entradas e saídas de pessoas que simplesmente pareciam voar em seus supostos veículos.

    Em muitos metros à frente, sobressaía-se um prédio específico. Ele era mais alto e maior que os da sua volta e sua estrutura no terraço apresentava um terreno plano largo sendo destacado por três torres médias e pontiagudas dispostas aparentemente de forma aleatória. Nessas pontas, havia brilhos na Cor Vermelha, que se intensificavam de vez em quando. Parecia ter alguma ligação com as Luas, pois era possível ver finos rastros de luz saindo e chegando às torres pelo céu. Olhei para cima e era uma linda noite clara, com muitas estrelas e as duas Luas ao centro. De repente, comecei a me sentir estranha e as luzes começaram a se apagar ao meu redor. Nada mais vi.

    Capítulo III

    Eu sentia o forte vento em meus cabelos que vinha das janelas abertas do meu carro. O retrovisor revelava o carro de Tales tentando se aproximar.

    — Ele não é digno da minha presença! Não posso acreditar que ele foi capaz de… — Hesitei. — Não quero mais vê-lo!

    Despistar é a melhor forma de remediar neste caso.

    — Essa não! — gritei.

    Após um estrondoso ruído que se passou ao meu redor, sinto-me estranhamente confortável. O barulho, apesar de desconhecido, pareceu fazer parte dessa escuridão repentina. Não sinto nada. Tento abrir os olhos, mas acho que já estão abertos. Até parece que a única coisa que funciona são os meus pensamentos, porém não sei onde posso estar.

    — Onde estou?

    Ao finalizar minha pergunta, meu corpo começa a tremer fortemente, como se respondesse a todo esse ambiente obscuro em que estou. Sinto uma estranha onda de energia surgir dentro de mim querendo brotar para fora. Quase de forma incontrolável, levo um choque de euforia que me revela a realidade do momento, ao mesmo tempo que sinto gosto de sangue na garganta, que jorra pela minha boca como se eu tivesse levado um soco no estômago.

    Há muita dor em meu peito enquanto busco o ar para viver, e ele entra nos meus pulmões perfurados parecendo navalhas cortando a carne. O corpo não responde a nenhum movimento sequer que ordeno, no entanto a única parte viva parece ser os meus olhos. Finalmente abertos, ainda confusos, pois estão perdidos, não conseguindo focar em qualquer ponto. Mais sangue jorrou pela minha boca, e as dores se intensificaram.

    Uma grande quantidade de ar saiu sem qualquer controle, e isso me ajudou a fixar os olhos no que estava bem à minha frente, quase colocado delicadamente no chão — um pedaço de espelho quebrado que refletia praticamente meu rosto inteiro. Pude ver um pedaço da minha boca manchada de sangue, minha bochecha arranhada sendo esmagada pelo asfalto, e meus olhos verdes úmidos com as lágrimas que corriam.

    — Acho que é o fim.

    Ao me deparar com esta realidade, aceitei meu destino e fechei os olhos. Neste momento, senti um calor intenso, como se estivesse deitada na cama com muitas cobertas ao meu redor num verão escaldante. Abri os olhos e vi os mesmos olhos que havia visto há pouco, exceto que, ao piscar novamente, um grande clarão surgiu do nada e me cegou.

    ***

    — Vamos, acorde!

    Uma voz ecoava em minha cabeça.

    — Alicia, acorde!

    — Onde estou? — Foi a única coisa que consegui balbuciar.

    — Acho que essa não é a pergunta mais apropriada para este momento.

    Finalmente com os olhos abertos, percebi que estava deitada.

    — Acho que estou na mesma sala — comentei, ainda com dificuldade, enquanto observava os arredores. — Quem é você?

    — Eu sou Cadner. Doutor Sam Cadner, especialista em Intero-adaptação Energética.

    — Como você sabe quem sou eu? — Ainda sentindo náuseas e uma leve dor de cabeça.

    — Esta é outra pergunta desnecessária. Apesar de que, no seu caso, podemos aceitar.

    — O que estou fazendo aqui? — O lugar e a sensação eram as mesmas de quando acordei da vez anterior, ou seja, estou perdida num lugar em que há branco para tudo quanto é lado, desde as paredes até as roupas. — Não aguento mais ver branco!

    — Isso é triste, pois, aqui, a cor branca irá prevalecer na sua visão.

    — O que está acontecendo?

    Nesse instante entra outra pessoa na sala.

    — Alicia, este é o nosso Diretor Geral, Doutor Jim Ferdin — disse Cadner, referenciando-se ao doutor.

    — É um prazer conhecê-la, Alicia!

    Jim Ferdin aparentava ter uns sessenta anos. Mesmo com a meia estatura, sua voz detinha um peso inconfundível. Apesar da possível idade e dos cabelos cinza bem cortados, Ferdin apresentava um corpo com traços bem definidos revelando sua determinação e força. Os ombros largos, que caíam muito bem com o jaleco branco, ressaltavam ainda mais sua postura de chefe. A cor branca pelo menos lhe caía bem com os olhos azuis.

    Sam Cadner, por outro lado, era mais jovem e alto, o famoso estereótipo de pesquisadores: magro, fino, cabelos lisos repartidos em um dos cantos, nariz avantajado sem ser extravagante, pasta sob um dos braços e jaleco com várias canetas no bolso do peito. Pelo menos pareciam canetas.

    — Acredito que você está se sentindo perdida por aqui — disse Ferdin.

    — Você nem imagina o quanto. Isto tudo está muito estranho e acho que preciso de algumas respostas, pois…

    — Não se preocupe! — Ferdin interrompeu. — Todas as suas perguntas serão respondidas. Primeiramente, desculpe-nos pela forma como estamos te recepcionando. Não é de costume surgir pessoas com certa quantidade de vida para este Lado. Esta realidade ainda é nova para nós. Estamos nos adaptando.

    — Certa quantidade de vida? Este Lado? — Quanto mais eu perguntava, pior ficava e eu nada entendia.

    — Exatamente. Quanto mais perguntas, pior fica — afirmou Ferdin.

    Senti que fiz uma careta.

    — Como você…

    — Descobri o que você estava pensando?

    Alguns segundos de silêncio pairaram no ar enquanto nós três nos olhávamos, até que ouvi uma voz em minha cabeça, dizendo: Acho que você sabe a resposta para esta pergunta.

    — Essa voz é sua, Doutor Ferdin!

    — Muito bem! Você acertou.

    — Como você fez isso? Como entrou em minha mente?

    Doutor Cadner levantou sua mão esquerda à altura de seu peito e, de repente, se materializou uma luva branca, igual a minha, e então ela começou a brilhar na Cor Verde, projetando um pequeno monitor brilhante, logo à frente da mão, que revelou uma série de dados e gráficos na cor branca sobre um fundo verde transparente. Cadner complementou, dizendo:

    — Senhor Ferdin, veja esses níveis. Estão bem acima do esperado.

    — Era de se esperar um Maxsen nesta situação — disse Ferdin já sem grande entusiasmo.

    — Sim, doutor, mas o gráfico revela um possível potencial que representa…

    — Eu sei o que pode representar, Doutor Cadner.

    — Com licença, mas será que posso saber do que vocês estão falando?

    O monitor brilhante sumiu.

    — Estamos falando de você, Alicia — replicou Ferdin. — Você será uma grande colaboradora.

    Ou esses caras são birutas, ou eu estou ficando maluca! Só posso estar em um sonho!

    — Doutor Cadner, auxilie a nossa convidada no que ela precisar e a prepare para os treinamentos. E a senhorita… — Ferdin apontou para mim. — Trate de não tentar fugir novamente, pois já usamos duas vezes o Sonflix em você, e saiba que este procedimento não é muito saudável.

    Jim Ferdin se encaminhou até uma parede, tocou-a e então ela brilhou e revelou uma porta em que se abriu e ele saiu.

    — Todas as portas são assim ao estilo nave espacial?

    — Depende de quem vai projetá-la.

    — Projetá-la? Doutor, o que está acontecendo? O que é Sonflix?

    — É um equipamento de tiro que, ao acertar o alvo, causa paralisia do fluxo energético no corpo. Nos seus termos, a pessoa desmaia.

    — Ah, entendi.

    — Venha, vou te levar para comer algo e te explicar algumas coisas.

    ***

    Doutor Cadner e eu saímos daquela sala e entramos no mesmo corredor em que há pouco eu havia corrido procurando uma saída. Caminhamos por alguns instantes. Ele observou meu olhar de curiosidade misturado com aflição.

    — Não tem o que temer aqui dentro.

    — Onde estamos indo, doutor?

    — Aqui existem alguns detalhes que você precisa entender.

    — Detalhes?

    — Sim. Todas as suas perguntas serão respondidas. E ninguém precisará…

    — Eu irei encontrar por conta própria.

    — Respondê-las para você — Cadner finalizou, levemente surpreso. — Muito bem. Você é esperta como é de se esperar.

    — Doutor, não estou entendendo nada do que está acontecendo.

    Alguns metros à frente, na parede a direita, formou-se uma porta e dela saíram duas pessoas que começaram a caminhar em nossa frente. Um homem e uma mulher.

    — Como que portas são projetadas do nada em paredes? Por que tudo branco? Que tecnologia toda é essa? Algum tipo de holograma? E por que todo mundo usa luva na mão esquerda? Ou melhor, algumas estão sem, como o senhor neste exato momento.

    — Alicia, nós estamos no Centro de Desenvolvimento e Criaptação Vinergética (DCAV). O que você poderia chamar no seu Lado de hospital.

    — Meu Lado? Hospital?

    — Sim. Aqui é um centro de desenvolvimento, criação e adaptação de vida energética.

    À nossa frente surgiu o hall central. Mais uma vez fiquei perplexa com o grande ambiente que se apresentava diante de mim. Parei para observar o amplo espaço aberto sendo ocupado por muitas pessoas. Parecia uma grande galeria que servia de passagem para pessoas que se locomoviam de um local para outro, como em estações de paradas de trem. Cadner percebeu o ar de surpresa e inferioridade em meus olhos.

    — É muito bonito, não é?

    — Nunca vi nada parecido — comentei, sem parar de observar o hall.

    Ao olhar a esquerda, visualizei a enorme janela que dava vista a área externa desse hospital. Tive tentação de ir até lá e olhar novamente este mundo em que eu estava pisando.

    — Venha, precisamos ir! — Cadner irrompeu.

    Atravessamos o hall e entramos em outro corredor, muito parecido com o anterior. Em um determinado momento, paramos. Cadner levantou sua mão esquerda, materializou novamente sua luva branca, tocou a parede e, à direta de sua mão, surgiu uma porta, que se abriu e revelou um local parecido com um refeitório.

    Nesta sala havia mesas metálicas em quatro fileiras — duas no centro e uma em cada lado direito e esquerdo nas paredes, formando assim três corredores para passagem. Era um local relativamente grande, porém menor que o hall principal. Ao fundo, viam-se algumas mesas e pessoas atrás delas servindo quem passava à frente. Caminhavam-se em fila, de um lado para outro, como numa linha de produção. Enquanto íamos por uma das passagens, percebi que algumas pessoas se alimentavam sentadas as mesas metálicas sem qualquer preocupação. Parecia que elas consideravam aquele dia como mais um qualquer.

    — Que inveja.

    — O que disse?

    — Nada, doutor.

    Apesar dos tons prateados presentes nesta sala, as paredes brancas ainda se sobressaíam.

    — Qual é o problema de vocês com a cor branca?

    — Isso é como um hospital, no seu Lado, o que esperava?

    — Um azul pelo menos. Nem que fosse um claro.

    — Vamos nos servir? — perguntou Cadner, ignorando minha crítica.

    Neste mundo completamente diferente do meu, a comida pelo menos era familiar. Muitas opções de grãos, carnes, saladas e sobremesas. No entanto a alegria cessou quando a moça que estava nos servindo me entregou um copo com uma gosma transparente dizendo que era um suco. Aquilo estava mais para meleca de lesma. Após, fomos até uma das mesas mais próximas e sentamos um de frente para o outro.

    — Doutor, o que exatamente seria isso? — Apontei para o copo com o suco gosmento.

    — Isto é Vitsen!

    — Traduzindo, seria o quê?

    — Vou lhe mostrar.

    Enquanto Cadner explicava, estendeu sua mão com a luva até o seu copo. Uma luz Verde surgiu instantaneamente e a gosma começou a se alterar em várias cores até se definir em uma, no caso amarela, e quando definida, tornou-se um líquido, enchendo o copo. Senti meus olhos arregalarem neste momento.

    — Você sabia que o nosso corpo é puramente água?

    — Sim — respondi como se fosse uma pergunta irrelevante.

    — Cerca de 70% do corpo humano é constituído por água. Então este elemento é um dos mais importantes para o metabolismo.

    — Ok, doutor, isso eu já sei. Aonde você quer chegar? — Ainda estava olhando para o copo, perplexa.

    — A sua impaciência é um grande atraso no seu Lado. Posso comer enquanto explico?

    — Claro, mas do que você está falando? — Voltei meus olhos a ele.

    — Enfim — continuou Cadner —, tudo funciona a base de água. Ela irriga o organismo, lubrifica os ossos, faz com que os alimentos fiquem úmidos para a digestão, auxilia no transporte dos resíduos, permite os impulsos nervosos e elétricos pelo corpo.

    — Alguns desses itens eu já sabia, outros nem pensei que fossem possíveis.

    — Cada coisa no seu tempo. É melhor você começar a comer, ou vai esfriar sua comida.

    — Sim, é verdade.

    — Posso continuar?

    — Por favor.

    — O mais importante de todas essas, e outras funções que a água tem em nosso organismo que eu não mencionei, está totalmente ligada ao cérebro.

    — Sim — repliquei sem entender muito bem aonde Cadner queria chegar.

    — O ato de pensar muitas vezes diferenciou a raça humana das demais. O raciocínio, seja ele em qualquer situação, a exemplo de lógico ou analítico, é carregado daquilo que se chama Intenção. A Intenção é algo simples, como o ato de querer algo, às vezes, muito, outras pouco, porém a vontade permanece. E você já deve ter ouvido pessoas dizendo que, quando alguém quer alguma coisa, corre atrás.

    — Com certeza.

    — Se parar e pensar, isso é intenção pura.

    — Ok, mas eu continuo não entendendo.

    — Quando se aplica a Intenção, está se aplicando Energia. A intenção anda com a vontade, e esta é embasada pela energia. Tudo é Energia.

    — Ok, pode traduzir novamente?

    — Quando você tocou aquele aparelho, na sala em que estava quando acordou a primeira vez, no visor apareceu um retângulo, certo?

    — Sim, como você sabe disso?

    — Enquanto você estava desacordada há pouco, vimos tudo o que você fez. Foi tudo filmado.

    — Viram com aquelas telas projetadas com a sua luva, não é?

    — Sim, mas continuando, você tinha a intenção de saber o que estava acontecendo, certo?

    — Sim.

    — E quando você tocou o aparelho com as mãos, o que sentiu nelas?

    — Elas formigaram e esquentaram um pouco, e eu senti como se estivesse saindo algo delas e indo para o aparelho. Como água escorrendo dos meus ombros até as mãos.

    — Como se fosse água escorrendo pelos seus braços?

    — Mais ou menos isso, doutor.

    — A sua vontade gerou energia para a realização da sua intenção e teve a água em seu corpo como um meio de locomover essa energia.

    — Você quer dizer que eu joguei energia para fora do meu corpo?

    — Se você pensar dessa forma e isso te ajudar a compreender, pode ser.

    — Agora é oficial: eu estou sonhando!

    — Se você está sonhando Alicia, me diga por que você não consegue tirar essa luva branca da sua mão esquerda, enquanto a minha aparece e some quando eu quero?

    — Ela está muito apertada.

    — Na verdade, é sua segunda pele. Ela não vai sair daí, a não ser que você consiga compreender algumas coisas sobre energia.

    — Ainda bem, porque, se elas fossem fixas, as pessoas não poderiam cortar as unhas.

    Parei por um segundo, constatando algo relevante.

    — Doutor, e se eu demorar em conseguir tirar minha luva? Minhas unhas crescerão e vai acontecer o quê?

    Cadner soltou um pequeno riso.

    — Por que está rindo?

    — Não se preocupe. Sua luva suprirá qualquer necessidade da sua mão, desde hidratação, troca de células mortas até o crescimento das unhas.

    Senti que fiz uma cara de incerteza com nojo.

    — Sua luva manterá um ambiente favorável à saúde de sua mão. Ela vai suar e a luva vai transpirar. Sua pele vai trocar e a luva vai jogar para o externo o que não é importante. Suas unhas se manterão em perfeito estado sem crescer, pois não haverá necessidade para tal.

    Soltei um suspiro de alívio.

    — Assim espero. Espero rever a minha mão em bom estado. Ficaria maluca se o dia em que eu a ver novamente ela estivesse toda enrugada e fedida.

    — Que bom que você mantém o humor.

    — Que humor? Doutor, o senhor está me deixando maluca.

    — Vou resumir, está bem? Posso continuar?

    — Por favor, senão eu vou subir nesta mesa e gritar para que arranquem esta luva de mim, nem que seja preciso me matar para isso, e que me sirvam um suco decente nessa pocilga enorme e tecnologicamente branca num mundo holográfico que tem duas Luas e as pessoas são completamente birutas brincando de emitir luzinhas por aí.

    Cadner parou por um instante, respirando para conter a vontade de rir. Por fim, falou:

    — O cérebro é a fonte. Ele gera o pensamento, a vontade, a intenção, ou seja, ele gera energia. A água é o mecanismo que dá movimento para a energia se locomover. A luva permite o acesso da energia do corpo para fora do corpo, assim, há a emissão. É como se a luva traduzisse a energia gerada pelo seu cérebro. Simples assim.

    Após alguns segundos em silêncio, e totalmente perplexa com a tranquilidade em que Cadner explicava algo sem nexo qualquer enquanto comia, consegui perguntar:

    — Posso rir agora?

    — Antes de rir, coloque sua mão esquerda sobre o copo e pense que seu corpo está com sede.

    — O senhor só pode estar de brincadeira comigo.

    — Faça isso e então te explicarei mais coisas.

    Tudo isso soa loucura para mim, mas após todas as coisas que eu vi, e tentando compreender, existe certa lógica na explicação do doutor. Fiquei um tanto com receio em fazer o que Cadner disse, pois observei ele realizar o mesmo movimento e a gosma reagiu.

    — Ok.

    Disse sem acreditar no que eu estava fazendo. Estendi a mão com a luva sobre o copo e pensei. Abri os olhos e nada.

    — Concentre-se, Alicia, senão não irá conseguir.

    Fechei os olhos, pensei novamente e, após alguns instantes, olhei para o copo. Nada.

    — Pense. Você precisa de intenção. Imagine que o seu corpo está com sede. Ele precisa de água. Ele quer água. Falta água em algum lugar do seu corpo. Tente sentir onde.

    Dessa vez, tentei silenciar tudo a minha volta. Fechei os olhos, respirei fundo e tentei imaginar a sensação de sede. Comecei a sentir um leve formigamento no braço, passando pela mão. Abri os olhos e minha luva começava a brilhar em tom Amarelo-Claro, iluminando o copo e fazendo a gosma reagir. O formigamento aumentou. Muitas cores surgiram até permanecer a Violeta.

    — Muito bem, Alicia.

    — Eu não acredito! É real!

    O copo se encheu com um líquido na cor violeta.

    — É claro que é real. O seu corpo necessita desse suco específico. Desse líquido nessa cor. Tome. Com certeza terá um gosto agradável, já que foi você mesma que fez.

    Experimentei com um pouco de receio esta bebida projetada pelo meu corpo. Isso soava estranhamente ridículo. Porém meus olhos não me enganavam.

    — Tem razão, tem um gosto agradável de uva. Adoro uva. Existe alguma ligação com a cor?

    — Em alguns casos, sim. As cores… — Cadner parou por um instante de almoçar e começou a vagar em seus pensamentos como se buscasse alguma lembrança para concluir. — Bem, para explicá-las, é necessário um pouco mais de detalhes e alguns exemplos. Vamos terminar de comer e então eu te levarei para uma sala e seu treinamento começará.

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