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E-book101 páginas1 hora

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Sobre este e-book

Escrever sobre sentimentos é uma atividade espontânea para Anna, premiada escritora brasileira, com vários livros publicados. Aos 40 anos rompe laços pessoais e profissionais, aceita um convite de uma editora e começa uma nova etapa em Florença, cidade italiana. Pietro é um professor e pianista, apaixonado por música e por História da Arte. Suas sensibilidades se encontram num ambiente bucólico. Atravessando as estações do ano a partir da primavera de 2017, entre encontros sutis e amigáveis, Anna tenta reencontrar a alegria de desenhar as palavras. Presenças marcantes oferecem entrelinhas e vivências fortes em pura poesia mesclada a uma prosa aparentemente superficial… que se faz de forma leve e agradável.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de nov. de 2023
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    Estações - Maria Amélia Andrade

    1 - Pietro Cattaneo

    O edifício foi construído sobre um antigo casarão romano. A partir da estrutura sólida de três andares, foram adicionados dois novos. Uma arquitetura arrojada para a época em que foi reconstruído, 1922. As alterações mais recentes, em 2005, oferecem uma harmonia singular. Modernizaram todo o prédio, que passou a ter elevador e melhor distribuição dos espaços comuns, incluindo a parte externa. No térreo, a portaria centralizada, um apartamento para o zelador e uma sala com local para descanso, mesa, banheiros e guarda-objetos, para os porteiros, que, nos primeiros anos, ali trabalhavam 24 horas por dia. Quando Anna chegou ali, em agosto de 2017, e instalou-se no apartamento 502, a portaria funcionava apenas de segunda à sexta-feira, entre 7 e 19h.

    Pietro Cattaneo é pianista e professor. Morou sempre com a avó, cujos antepassados haviam construído o casarão. Estava sozinho desde que falecera a avó e, apesar dos 40 anos, parecia estar bem adaptado à vida silenciosa do apartamento 501. O menor dos três quartos foi transformado num estúdio – a sala de transgressão –, no qual Pietro se deixava envolver pelos projetos de mixagem, iluminando obscuros acordes da pureza de Mozart, Liszt, Vivaldi, Beethoven ou, simplesmente, pesquisando novos sons da música moderna e contemporânea. Mas, era na sala que passava a maioria das horas dos seus, sempre insuficientes, dias. O piano de cauda austríaco, Bosendorfer, presente da avó aos cinco anos de idade, foi colocado num espaço bem planejado, com revestimento, a fim de evitar a umidade na parede acústica.

    Anna é escritora. O silêncio e a beleza do jardim à janela se misturam aos móveis e aos sentidos. Os dois vizinhos existiam sem que se dessem por eles. A construção quadrangular centrada por uma divisão em cruz de pedra, com 25 cm de espessura, permitia aos moradores um isolamento confortável. Eram quatro andares com quatro apartamentos cada, todos com a mesma fachada, com três portas abrindo-se para uma pequena e charmosa varanda, na qual mal cabia uma mesa... uma pequena mesa de desenho incomum, em meia-elipse, permitindo que a, igualmente pequena, confortável cadeira pudesse oferecer a deliciosa experiência de tomar um café ou bebericar um vinho de frente para todo aquele verde. Os apartamentos, como o da Anna, localizados na face coincidente à porta de entrada no prédio, são privilegiados por um extenso jardim. Os demais, por jardins curtos, com vizinhos apenas a cerca de 20 metros de distância. A parede de pedra é a única testemunha dos acordes e da digitação eloquentes...

    2 - Anna D’Angelo Mendes

    Acima do térreo, há quatro andares, e conheço todos os apartamentos, do 201 ao 504, menos o 501. Não tenho ideia de como são as mãos que, muito eventualmente, consigo ouvir, dedilhando como se fosse um afago a sonata ao luar. Se é alto, ou se a barriga atrapalha a íntima proximidade ao piano... pois que parece tocar como amante. No 303, uma família instigante: o pai é médico, a mãe é... mãe. São quatro filhos, gêmeos! Dois meninos e duas meninas, um quarto amarelo e outro verde-claro. O amarelo contém luvas de taekwondo, chuteiras de futebol, bonecos e bonecas. O quarto verde contém luvas de taekwondo na estante, chuteiras, bonecas/os e patins. A suíte consegue dar alguma privacidade. Como saber tantas coisas? Ah! Impossível não se envolver com aquelas criaturas energéticas brincando no jardim e inevitável a conversa, ainda que casual e esporádica, com a mãe, sem babá.

    Meu vizinho de porta, 503, não vejo há meses... É professor de matemática e ciências na escola básica. Na última vez em que nos deparamos, pela coincidência de abrirmos as portas quase simultaneamente, o susto fez cair a pasta que carregava. E, além de ajudá-lo a recompor a pasta, foi impossível não ler na capa de um volume: mestrado em matemática aplicada. Já tinha entendido como se relacionavam os cômodos daquele apartamento pouco florido e muito enquadrado, quando o vi pela porta de entrada... faltou sal no jantar e pedi socorro ao mais próximo. Ele, às vezes, corre no parque. Parece mais magro do que efetivamente é. A musculatura muito bem delineada certamente é de origem genética e mantida pelo transporte cotidiano, pedalando, ida e volta, até o colégio, todos os dias. Não consegui olhar nos olhos, que me pareceram negros, soterrados pela vasta cabeleira que escoria pela face ao abrir a porta e, ao saber do pedido de vizinha nova, rapidamente se dirigir à cozinha e voltar com um pequeno potinho redondo de plástico com tampa azul: aqui tem um pouco e, por favor, não precisa retornar. Uma frase gentil, seguida por um sorriso curto e afável. Agradeci e rapidamente retornei. Não queria incomodar o meu salvador!

    É primavera! Em seis meses, consegui concluir todas as pendências profissionais do Brasil e passear um pouco pela Toscana. Já é hora de iniciar o projeto principal da minha vinda para Firenze, minha predileta entre as cidades italianas: um novo livro, na nova editora. Preciso pensar ainda em algo em que eu possa trabalhar. Quem sabe não consigo algo em literatura brasileira?

    Passeio pela sala, olho para a tela do computador e leio, leio, releio... Isso é o quê? Será que vou deixar escorrer poesia? Vou deixar de lado a prosa? Não sei. As lembranças parecem querer saltar todas para o papel, misturadas ao ar bucólico desse recanto escolhido entre tantos... Rodeia-me a sensação de que os dias passaram... os meses... e logo os anos serão, um a um, desfolhados pelo tempo. Como se, de alguma maneira, buscasse o primitivo, o âmago, a talha... e o brilho! Eu e as letras, as palavras e as frases... poesia? Versos, versões e a vida, como se agora a palavra fosse um meio, uma arma, uma lágrima, uma vítima... como se de algum baú quisesse desfiar as frases para encontrar as letras e desenhar as linhas da face.

    Avalio o que foi escrito pela madrugada... foi escrito porque, de algum modo,

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