Bipolar
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Psicologia para você
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Bipolar - Raphael Monteiro Gomes
Bipolar: entre o amor e o ódio
Raphael Monteiro
O ano era 2018 e tudo que passava pela minha cabeça era surfar, dar aula no cursinho de inglês que eu lecionava e fumar um nas minhas horas vagas. Eu não fazia ideia do turbilhão de emoções que viriam a seguir.
O Brasil passava por um momento delicado, estavam chegando as eleições e tudo indicava que haveria uma polarização entre o partido de esquerda de um lado e o partido de direita do outro.
Pra dar uma rápida explicação sobre qual lado eu estava, eu tenho que admitir que sou neto de comunista mas nunca me envolvi muito afundo nas questões políticas até então. Eu me lembro que uma vez eu estava surfando e dentro d´água um grupo de caras mais velhos exaltavam o político de direita que viria a ser candidato pelo partido de direita.
Eu não me importei muito mas com o passar do tempo, aquilo foi tomando diferentes proporções. De repente a única coisa que se falava no país era sobre o embate entre os dois partidos e foi aí que eu comecei a me envolver e a coisa foi tomando uma proporção diferente.
A começar pelo meu núcleo familiar, que não era composto por aquele meu avô comunista que eu mencionei previamente. Essa parte da família que estou falando é a parte da minha mãe, que tem grupos de WhatsApp e tudo mais. De repente a discussão política tomou conta dos grupos de Whatsapp da família.
Só pra ilustrar um pouco a história, alguns anos antes eu comentava muito no meu facebook sobre política e duas tias minhas por parte da minha mãe me mandaram parar de fazer aquilo porque parecia que eu queria me envolver em política. O engraçado é que quando chegou perto das eleições pra presidente em 2018 as duas se tornaram ativistas fervorosas do partido de direita,uma puta contradição na minha opinião.
Não demorou muito e a discussão se alastrou por todos os lados, grupos de Whatsapp, conversa de amigos, redes sociais, sala de aula e outras coisas.
Hoje eu vejo como um erro e talvez eu não faria se pudesse voltar no tempo é não me envolver naquilo tudo, mas como eu tinha a ideia fixa de defender um lado por achar que o outro lado era no mínimo esdruxulo. Mas enfim, eu comecei a me envolver em todas as discussões e sempre defendendo o lado que eu achava certo. O problema é que minha família por parte de mãe não concordava e aí começaram os embates. As minhas duas tias que falaram pra eu não me envolver em política alguns anos antes agora eram defensoras ferrenhas do partido de direita, meus primos, todo mundo envolvido e eu parecia sozinho lutando contra todos. Na minha rede social não era diferente e eu fazia textos e debatia com qualquer um que tivesse uma opinião diferente.
As coisas estavam começando a se complicar e eu nem tava percebendo, apenas estava engajado em defender o meu ponto de vista. As discussões começaram a tomar diferentes proporções e eu discutia com qualquer um que aparecesse, fosse em um grupo de Whatsapp, fosse em uma rede social, fosse em uma sala de aula.
A questão é que eu nunca imaginaria que o primeiro turno iria ser do jeito que foi, o partido de direita ganhou de lavada e eu fiquei mais maluco ainda, a essa altura eu já não dormia direito, não me alimentava direito, nem maconha eu queria mais saber de fumar direito, tudo que importava era a política e eu queria que houvesse uma reviravolta nas eleições.
O que eu não pude prever foi que com a minha falta de sono e falta de alimentação o meu cérebro não começaria a funcionar tão bem, eu quase não dormia, quase não me alimentava e isso começou a preocupar demais a minha mãe. Sem eu saber ela já estava articulando uma ida minha ao psiquiatra pra ver o que acontecia comigo. Vale lembrar que quando minha mãe era casada com meu pai ela era uma defensora dos princípios de esquerda, assim como o meu pai. O problema era que meu pai havia abandonado a gente alguns anos antes e eu nem falava com ele mas ele também era de esquerda.
Os dias foram passando e as coisas foram tomando proporções diferentes, todos começaram a me tratar como alguém que estava com problemas, enquanto eu achava que todos ao meu redor eram os verdadeiros loucos, fascistas. A coisa só foi de ladeira a baixo, eu me lembro que eu comecei a me sentir sozinho no meio daquilo tudo e eu falava com a minha mãe e ela não ficava do meu lado, a essa altura ela não era mais defensora da esquerda como já havia sido um dia, eu comentava com ela e com a minha irmã sobre o posicionamento das minhas tias e as duas me olhavam como se eu fosse um louco.
O primeiro turno já havia sido uma lavada para o partido de direita que possuía ideias malucas na minha opinião. Mas para as pessoas que estavam a minha volta não parecia ser. Eu passei a ficar maluco com aquilo, já não queria saber de surfar, não queria saber de dar aulas e ficava cada vez mais fechado, e minha mãe cada vez mais preocupada que eu estivesse ficando maluco.
Nessa época o meu avô materno estava muito doente, o que ajudou a me deixar mais maluco. Mas eu não fazia ideia no que estava por vir. Minha mãe preocupada comigo me levou num psiquiatra, a essa altura eu já estava muito revoltado e decidi que eu ia fazer um show no psiquiatra.
Por algum motivo que eu não sei, quando a minha mãe decidiu me levar ao psiquiatra foi um monte de gente junto, minha irmã, uma tia(daquelas que militavam para a direita), até minha avó estava junto, mesmo que meu avô estivesse muito mal no hospital.
Chegando no consultório do psiquiatra não deu outra, eu me rebelei, já fui logo tirando a roupa, agi como um maluco, escalei o prédio de três andares onde ficava o consultório, enfim enlouqueci.
O resultado é que ele decidiu que a melhor opção seria me internar, e foi o que aconteceu, na primeira noite eu fui contido e tomei doses de remédio na veia para dormir e quando acordei já estava amarrado. Dessa vez cercado pela minha outra tia militante de direita e o marido dela, amarrado eu não conseguia nem mijar, com muito sacrifício eu estourei as amarras que me seguravam e consegui ir até o banheiro.
Depois dali, tomei outra injeção para dormir e quando acordei já estava numa ambulância com destino a uma clínica psiquiátrica em Santa Teresa com um tio militante de direita. Quando eu dei por mim eu já estava na clínica.
De começo eu não entendi direito, conversei com alguns internos e todos me contavam as suas histórias e na minha cabeça aquele ali não era o meu lugar, eu achava que ia embora na mesma hora mas conversando com alguns internos, percebi que não era assim que funcionava.
Quando você chega numa clínica psiquiátrica você fica restrito, o que quer dizer que você não pode frequentar todas as áreas ainda, você tem que se alimentar no próprio andar e ficar por ali mesmo. O tempo foi passando e eu fui entendendo o que estava acontecendo comigo.
Eu não achava que devia estar ali, conversava com os outros internos e havia gente de tudo quanto é jeito, viciados, pessoas que tentaram suicídio e eu o cara que estava tão louco com a política que fui parar ali dentro.
Dentro desse contexto eu comecei a ficar com muita raiva da minha família, pois eu entendia que eles eram os culpados por eu estar ali. Lá dentro eu passei por diversas experiências mas a pior de todas foi o fato de estar trancado, enjaulado num lugar, até então na minha vida eu nunca havia passado por nada parecido com aquilo.
Foi quando eu comecei a tomar remédios, conversar com psicólogos e psiquiatras e várias coisas foram surgindo, o meu médico psiquiatra até sugeriu que eu voltasse a falar com meu pai, que havia nos abandonado há alguns anos.
Dentro da clínica a vida era diferente e acredito que isso me mudou até os dias de hoje. Antes eu era um cara super zen, só pensava em surfar, ter um bom preparo físico e fumar baseado. Na clínica eu fui encaixado no grupo de comorbidade, eu não sabia o que era isso e perguntei pra psicóloga do meu grupo de terapia o que significava isso, ela disse que era a combinação de duas doenças. Então lá estava eu classificado como comorbidade no andar onde era cheio de viciado. Eu comecei a frequentar os grupos de dependentes e percebi que ninguém estava lá por causa de maconha, era sempre cocaína ou coisa pior.
Fiquei curioso para saber qual era minha comorbidade e meu médico me disse que suspeitava que eu fosse bipolar. Eu não fazia ideia do que era bipolar e eu não podia pesquisar porque lá dentro você fica sem acesso à internet, a única mídia permitida é televisão.
Foram 30 dias dentro da clínica seguindo a rotina de acordar cedo, tomar café, voltar pro andar que eu ficava, sessões de terapia, narcóticos anônimos, alcoólicos anônimos, almoço ao meio dia, lanche da tarde, janta, outras terapias como teatro, música, yoga.
Com o passar do tempo eu fui criando amizade com os internos e comecei a escrever muito lá dentro. Fiquei conhecido como o escritor, eu escrevia e lia pro pessoal, eles gostavam das poesias que falavam do dia a dia lá dentro.
O problema é que eu não sabia que aqueles dias me mudariam pra sempre, eu nunca mais seria o mesmo. De vez em quando tinha visita familiar e pra mim eram sempre os piores momentos, era a hora que eu sentia mais raiva, ou quando recebia um telefonema de alguém. A questão é que eu sabia que eu estava lá dentro por causa da política e minha mãe continuava a insistir que a questão era a maconha. Só pra deixar bem claro, eu fumo desde os 15 anos de idade e somente aos trinta eu vou internado. O que me deixou estarrecido foi ver quantas pessoas concordavam com aquele que viria a ser o presidente.
Rio de Janeiro, 27/10/2018
De repente me pego com vontade de escrever sobre o que estou passando nesse momento, momento confuso, já não sei mais o que é real ou ficção ou até fixação. Encontro-me em uma clínica psiquiátrica para passar por um tratamento que nem eu eu mesmo sei sobre o que se trata.
Meu mundo virou de cabeça pra baixo em questão de pouco tempo, o mar que eu tanto amo eu já não vejo mais, ao invés disso vejo grades. Dentro das grades estou eu e um bando de loucos, cada um com a sua própria loucura, o motivo de eu estar aqui? Minha família, para eles eu sou um louco e necessito passar por essa internação para melhorar
mas a grande questão é: eu vou melhorar? Isso realmente vai funcionar? Não sei. Recebi uma ligação da minha mãe e não senti nada, estranho, será? Eu deveria estar feliz por estar em cárcere? Ela quer me visitar mas eu não quero ver ninguém, será que sou um pecador por isso ou atingi um nível de insanidade em que não ligo pra mais nada?
Quando paro