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Um Drinque Para Baskara: Uma Tragédia Cyberpunk
Um Drinque Para Baskara: Uma Tragédia Cyberpunk
Um Drinque Para Baskara: Uma Tragédia Cyberpunk
E-book525 páginas7 horas

Um Drinque Para Baskara: Uma Tragédia Cyberpunk

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Sobre este e-book

Agressores criam agressores.

 

Quando a mercenária Lana Chroni retorna à decadente Vila Capital para roubar um implante valioso a pedido de um velho amigo, ela se depara com o clube noturno de Netuno Belchior, um dos homens mais influentes da cidade. Ignorando todos os sinais ruins ao perceber que seu alvo é a famosa protegida de Netuno, Cipta, Lana desencadeia uma sequência de eventos que vai além do esperado: ela testemunha Cipta se transformar em um robô assassino. Diante do curto-circuito de Cipta, Netuno busca a ajuda de seu pai, Narciso, o responsável pela construção de Cipta e a única pessoa no mundo capaz de aterrorizá-lo.

 

Enquanto isso, a cada noite de quinta-feira, pessoas mascaradas rondam as ruas de Vila Capital com o direito de matar qualquer um. A única exceção é: a família Voline está fora de limites, e ninguém saberia explicar a razão para alguém negar aquele privilégio como Netuno Belchior - um dia Netuno Voline. Outrora seu legado, este nome tornou-se um lembrete constante de um passado que ele abandonou, mas que nunca o abandonou de volta.

 

_

 

Com uma profunda imersão nas complexidades da condição humana, "Um Drinque Para Baskara" representa não apenas um exercício de expressão artística, mas também uma reflexão sobre a humanidade, o luto, e a impunidade.

IdiomaPortuguês
EditoraSam Reis
Data de lançamento1 de abr. de 2024
ISBN9798224273379
Um Drinque Para Baskara: Uma Tragédia Cyberpunk

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    Um Drinque Para Baskara - Sam Reis

    1: VILA CAPITAL

    — V OCÊ TEM FAMÍLIA DO LADO DE FORA?

    Lana Chroni fumava seu cigarro e não ligava para estar dentro de um lugar fechado. O barman pouco se importava. Limpava copos de vidro com panos molhados e dedos enrugados — cansados de tanta água e tantas substâncias químicas.

    — Não, mas isso não me importa — ela dizia enquanto bebia uísque. O barman oscilava a atenção entre ela e seus copos brilhantes. Reparava em cada movimento pequeno dela.

    Ele atendia por Ivan Calarram em seu tempo dentro daquele bar, em que administrava com orgulho cerca de vinte horas por dia. Molotov Cocktail não começou como um grande negócio, começou de verdade como uma brincadeira. Quando se deu conta, sua vida foi engolida por aquele maldito bar.

    E estava há vinte anos atrás daquele maldito mesmo balcão.

    — É — Calarram pausou por alguns segundos. Aquela merda toda com os Esquadrões tinha estragado muitas coisas. — Não te culpo. Por que você voltou? Se eu tivesse a chance de sair dessa cidade, nunca seria louco de voltar atrás.

    — Senti falta dos prédios destruídos e dos homicídios gratuitos — ela lhe deu um sorriso estranho e soprou fumaça em sua direção. Calarram sabia ler sua ironia ridícula. Lana recuou e encostou no banco para parar de brincar e falar a verdade. — O Citrus me ligou.

    — O Citrus? Faz anos que não escuto esse nome.

    — Pois é, também fazia anos pra mim. Ele aparentemente levantou do túmulo, aquele filho da puta.

    — Por quê?

    — Foi do nada. Eu acordei no mês passado e tinha uma mensagem dele. Parecia que tava delirando, pra falar a verdade. Eu continuo uma amiga boa pra caralho. Boa até demais, porque eu voltei quando devia só ter ignorado ele.

    — Isso foi legal e inconsequente da sua parte.

    — É, sim. Eu tô sabendo. Ele disse que o S-Aton voltou.

    S-Aton matou cinco pessoas no mês passado, depois de parar assassinatos por cinco anos. A cidade estava o dobro de caos que costumava estar.

    — E você mesmo assim veio — Calarram disse. — Não tá aqui por alguma outra razão?

    — Não mesmo. Vai me ver mais vezes aqui, então vai ter outras chances de me perguntar se eu encontrei outra razão — ela virou seu copo, apagou seu cigarro e se levantou. — Lana Chroni está de volta à Capi-merda-tal.

    Calarram recolheu o copo vazio e a observou se apresentar aos ventos e entredentes. A cidade de Vila Capital estava realmente sendo soterrada em lixo.

    Antes de ela chegar à porta, Calarram disse:

    — Essa cidade tá passando por tempos sombrios agora. Os Esquadrões e o serial killer não são as únicas coisas pra se preocupar.

    Lana não parou de andar.

    — A merda já tá no ventilador, Cal. Não tem como piorar.

    — Só tome cuidado por aí, por favor.

    — Eu sei me cuidar.

    A VIDA NA VILA CAPITAL NÃO TINHA UMA QUALIDADE BOA. NUNCA REALMENTE TEVE.   Parecia piorar gradativamente a cada ano. As ruas cheiravam a queimado e lixo, boa parte dos prédios estava abandonada, e aquele bairro não era limpo há alguns anos. As luzes neon amplificavam o alcance do marketing, deixando-o cada vez mais visível com suas letras em grandes holofotes e painéis de LED, e muito embora fosse uma cidade colorida, não se via muito movimento.

    Lana andava no meio de todo o caos anunciando sua chegada, batendo seus saltos no asfalto e carregando um isqueiro na mão. Ela não sentiu falta daquele lugar e aquele lugar não sentiu falta dela. Não existia ninguém além de Calarram a lhe dar boas-vindas de volta, a lhe dizer que era bom vê-la de novo.

    Ela olhou as bandeiras do Segundo Esquadrão espalhadas pelas paredes e se sentiu compelida a dar meia volta e sair da cidade. As placas holográficas eram claras:

    !! PARA SUA SEGURANÇA, NÃO DEIXE SUA CASA DURANTE MADRUGADAS DE QUINTAS-FEIRAS !!

    NÃO SE ESQUEÇA DE APOIAR O TRABALHO DE SEUS ESQUADRÕES TODAS AS QUINTAS DEIXANDO FLORES BRANCAS NAS JANELAS

    ❤ juntos construiremos uma cidade melhor ❤

    Lana definitivamente não sentiu falta daquele lugar.

    Ela via as horas em sua frente — um implante pequeno nos olhos — e isso a impedia de não ser pontual. Exatamente cinco horas da tarde, ela se sentou num banco da praça central e esperou Citrus aparecer. Não tinha ninguém. Estava tudo ainda mais quieto do que se lembrava, então ele veio, atrasado e com olheiras horríveis.

    Lana pensava ter sido ela a piorar muito nos últimos anos, mas Citrus conseguiu ir um passo além. Quando Lana saiu da cidade, ele estava revigorado com energia de sobra.

    Citrus abriu os braços. Não pareceu empolgado de verdade para um abraço. Ele disse: — Não pensei que viria mesmo, Lana.

    — Eu não viria não. Tô aqui pelo dinheiro.

    Ela não o abraçou. Citrus sabia que aquela não era a mesma Lana que conheceu.

    — Que que houve com você? Tá uma merda — ela disse.

    — E você tá cheirando a cigarro.

    — Mas não parece que morri antes de vir pra cá.

    — Muita coisa aconteceu quando você foi embora. Essa porra de cidade tá um lixo.

    — Fiquei sabendo. Pra ser sincera, eu tava esperando te encontrar num ringue com uns braços mecânicos enormes fodões.

    — Era um objetivo idiota — ele esquivou. Lana não achava idiota, mas também não se pronunciou para acalmar seu espírito. Cada um com a sua própria merda...

    — Se você diz.

    Os dois não se viam há anos e ainda assim não pareciam ter o que conversar. Ficaram em silêncio até Citrus quebrar aquilo:

    — Lana, eu ouvi sobre o seu trabalho.

    — De quem?

    — Só boatos, mas foi porque eu perguntei se alguém sabia como você tava. Fiquei feliz por estar se virando longe daqui, mas eu preciso que faça uma coisa. É importante.

    — Eu imaginei, com tanta grana envolvida. Não aceitaria voltar aqui se fosse um centavo a menos.

    — Então, é sobre esse seu implante amarelo. Como você conseguiu?

    Um implante amarelo custava mais bitcoins do que poderia imaginar, mais do que veria na vida em seus registros bancários. Lana pausou e deu de ombros porque não queria responder.

    — Meu trabalho dá dinheiro — foi sua justificativa.

    Os implantes eram roubados.

    Citrus não se convenceu e também não insistiu. Os olhos de Lana não eram amarelos naturais — eram um verde musgo sem graça, e agora chamavam um pouco de atenção indesejada. Aquele implante era caro e não disponibilizado para a maioria da população, porque era possível enxergar uma série de coisas com ele uma vez instalado na retina. O perfil de cada indivíduo possuía informações valiosas, e o trabalho do implante era analisar o rosto de todos no campo de visão e procurar por um perfil disponível. Pessoas de cargos grandes hierárquicos bloqueavam seus perfis digitais. Os demais não.

    Aquele implante revelava nomes, tempo de vida desde o nascimento, dados médicos e tudo atrelado à sua existência. Os pirateados não eram muito confiáveis, e atualizações de sistema só eram enviadas depois de uma reconfirmação biométrica de segurança.

    Isso quer dizer que os implantes de Lana estavam ultrapassados. Mas funcionavam, e era suficiente.

    — Quem você quer que eu olhe? — ela perguntou. — Posso ter os implantes, mas não tenho bola de cristal, então escolhe direito.

    — É uma garota do clube O Belchior.

    — Se apaixonou por uma garota de programa?

    — Não, não é isso. Eu me meti em umas coisas. Preciso de ajuda.

    — Tá bom. Você quer que eu olhe ela e o que mais?

    — Ela tem um implante igual o seu. Acho que é roubado. Você consegue pegar de volta?

    — Ela roubou isso de quem?

    — Não tenho certeza.

    — Não tô entendendo seu ponto.

    Citrus bateu os pés e pareceu ansioso. Lana franzia o cenho cada vez mais, porque as mensagens de Citrus diziam sobre ele querer apenas informações. Seus trabalhos mais comuns eram venda de informações e tortura, mas Citrus enrolava tanto para dizer o que queria de verdade que Lana não sentia ser bom. Citrus transferiu metade do pagamento para Lana por apenas estar na Vila Capital, e ela podia simplesmente dar meia volta e sair daquela porra.

    Ou poderia ficar e lucrar o dobro.

    — Lana, ninguém compraria uma casa na Vila Capital nessa época que estamos, mesmo. E esses implantes valem dinheiro pra caralho. Eu vi um anúncio de um cara muito rico oferecendo muito dinheiro por isso, meu último investimento que resta é o que eu tô confiando a você, porque essa grana é minha única chance de sair daqui.

    Desde que os Esquadrões tomaram conta da cidade, a taxa para se deixar Vila Capital aumentou. Lana saiu daquele lugar com suporte familiar (ou alguma coisa assim), mas a família de Citrus estava morta, e ele nunca teve tanta sorte.

    — Por que acha que eu não vou pegar os implantes e vender eu mesma?

    — Porque eu te conheço. Porra, Lana, a gente se conhece há mais de dez anos. Eu sei que posso confiar em você, por isso só podia ser você. Eu não confio em mais ninguém.

    Ela gostaria de perguntar: tem certeza que é uma boa escolha? E definitivamente pegaria aqueles malditos implantes e venderia se seu cliente fosse outra pessoa, mas era diferente. Lana não costumava atender conhecidos porque sabia que coisas assim aconteceriam. Ainda não havia entrado em produção nenhum dispositivo capaz de controlar ativamente emoções, e ela odiava ter sensos morais.

    Apertou o tecido do calção entre os dedos. Citrus fez uma escolha boa e pesarosa.

    — Tá bom — ela disse. Não o olhou nos olhos. — Vou arrumar esses implantes pra você. O Belchior continua no centro?

    Os olhos de Citrus ganharam brilho. Pequeno, nada como Lana se lembrava. Ele sorriu crente de que Lana conseguiria, dizendo:

    — Obrigado. Você continua incrível. O Belchior nunca mudou de lugar e acho que nunca vai mudar, o centro é o único canto movimentado da cidade fora do Chateau.

    Lana assentiu. Poderia usar os próprios implantes para identificar qual foi o método de aplicação dos amarelos que Citrus procurava. Apesar de mal explicado, Lana não se importou o suficiente para perguntar o que fazia seu amigo pensar serem implantes roubados.

    — Me descreve essa menina — Lana pediu.

    — Ah, não deve ser difícil de achar. Ela tem cabelo rosa e uma maquiagem pesada. Checa os olhos e a tatuagem do O Belchior, não tem outra igual a ela.

    — Tá.

    Lana se levantou e enfiou as mãos nos bolsos. Não deveria ser um trabalho tão difícil assim. O clube era movimentado — imaginava que continuasse nesse nível —, e a garota soava um tanto excêntrica; então ela girou suas botas e fez seu caminho.

    — Quando você vai? — escutou Citrus atrás de si, mas ele parou quando respondeu.

    — Agora.

    O BELCHIOR PODERIA SER RESUMIDO EM POUCAS PALAVRAS: ALTO, AGRESSIVO e ousado. Só eram vistas cores fortes e sensuais; roxo em predominância, e poderia lembrá-la do bar aconchegante de Calarram se não fosse um ambiente tão invasivo. Dançarinas seminuas desfilavam entre postes e entre clientes, procurando programas, trazendo bebidas; e a segurança era reforçada. Realmente deram um trato nesse lugar. Lana se perguntava qual era o lucro mensal dos caras.

    A escadaria à direita levava aos quartos VIP — os programas. Lana era bombardeada por uma enxurrada de informações a todos os lados que olhava; números, fichas médicas, nomes, datas. Sentou-se ao balcão, mas não era para pedir uísque. Olhou a barista.

    NOME REGISTRADO  FONTENELLE, Atalanta

    ID  3759984758304

    GÊNERO  Feminino

    REGISTRO  25.09.2033

    25 anos,

    219432 horas,

    131659...

    — Com licença.

    O som quase abafou sua voz. Atalanta estava com peças pequenas e apertadas, no entanto não parecia oferecer nada além de coquetéis.

    — Eu estou procurando uma garota.

    — Todos estão — ela acenou à clientela transferindo dinheiro e dinheiro para quem mais achavam atraentes. Lana não era muito fã daquele catálogo humano. Ainda assim, O Belchior não a incomodava. Existia uma estranha familiaridade com aquele lugar, e ela eternamente apontaria para Calarram, o principal culpado por seu vício a bares neon.

    — É, eu tô atrás de uma em específico. Recomendação de um amigo.

    — Esse seu amigo te disse o nome dela?

    — É aquela do cabelo rosa, olho amarelo...

    — Ah, está falando da Cipta. Ela é um anjo.

    Cipta. Sorriu e fingiu já saber.

    — Isso mesmo!

    — Fofa, ela é bem requisitada, acabou de subir. Mas espere por aí, e ela vai voltar com toda a energia pra atender seus desejos. Posso lhe servir um drinque enquanto isso.

    — Não, obrigada. Prefiro estar sóbria pra aproveitar mais.

    — Bem lembrado.

    Atalanta piscou para Lana e se voltou aos outros clientes. O sorriso da mercenária desapareceu numa questão de segundos, em que olhava em volta procurando por qualquer garota de descrição parecida àquela — como medida de segundo caso. Não via ninguém de olhos amarelos. Via pessoas estranhas e traços esquisitos, nada do que já não esperava de Belchior.

    Das escadas, desceram um, dois, três. Lana batucou os dedos e esperou. Escutou alguns clientes flertarem com Atalanta, jogando cantadas baratas, e ela ria e negava a todos. De repente parou. Desceu dos quartos VIPs um homem bonito, vestindo preto. Tinha cara de quem estava puto com tudo — sinceramente, todos estavam —, e tinha um painel instalado na nuca. Protegia-o do sol com uma touca, e continuava a usá-la mesmo em lugares fechados, mesmo à noite, mesmo em qualquer canto da cidade.

    Ele andou até o único homem a continuar os flertes, e Atalanta fez uma cara de quem já sabia o que aconteceria. Lana olhou o homem.

    E o que viu foi estranho.

    NOME  ARQUIVO NÃO ENCONTRADO

    SEM REGISTRO

    Não era perfil bloqueado, era sem registro. Implante de merda. Deveria ser culpa de estar pirateado, ou a culpa era do cara, que enfiou um hack de bosta nas informações.

    — Vaza daqui — ele ordenou. O outro homem pareceu se assustar com ele.

    — É melhor obedecer, queridinho — Atalanta aconselhou, e ele seguiu a ordem.

    Balbuciou desculpas e saiu.

    Lana observou em silêncio o cara sem nome se sentar ao seu lado, enquanto Atalanta servia-lhe vodca sem que ele sequer pedisse. Lana tinha os olhos no prêmio e não se arriscou. Achou melhor ficar quieta, porque ele parecia problema. Ao mesmo tempo, escutou a conversa dos dois e entendeu que ele estava num dia ruim — coisa que poderia notar sozinha.

    — Net, a Cipta tá sendo requisitada aqui — de repente Atalanta disse. Lana olhou de um ao outro e sorriu forçado. Net? — Ela já tá vindo?

    — Sei lá, porra — ele disse. — Deve estar. Subiu faz uma hora, duvido o cara durar mais.

    — Uhum. Não queria deixar a cliente impaciente.

    Net olhou-a de canto. Pareceu tentar analisá-la por debaixo de todo o mau humor. Disse: — Tem outras garotas aqui.

    — Ela disse que cores exóticas são excitantes — Atalanta respondeu por si, com uma expressão beirando inconsequência. Lana forçou outro sorriso:

    — São os olhos dela.

    — Parecem com os seus — Net disse.

    Lana fez uma expressão estranha. Um incômodo atravessou seu sorriso, se esforçando para manter-se imóvel, ainda que estivessem reparando demais em sua aparência. Atalanta se inclinou sobre o balcão. Disse baixo para ele: — São da mesma cor.

    — Hmm.

    — É a cor do sol — Atalanta continuou. — A cor de acordar e ver que o dia tá bonito lá fora, com seu clima preferido. É também a cor daquelas cartinhas de não desista.

    E ele prestava atenção como quem descobria o mundo.

    Lana ignorou de onde vinham todas aquelas definições; deixou de lado a perda de tempo no instante em que viu saltos altos cor-de-rosa surgirem nos degraus da escada. A dita Cipta, finalmente, salvando-a de um mar filosófico sobre o que é o amarelo.

    Cipta tinha um arco de orelhas felinas na cabeça; vestia um decote grande, uma saia pequena e cores peroladas. Ela arrumava os cabelos pintados e desfilava sua classe até o balcão, dedilhando as costas de Net. Atalanta levantou as celhas e pareceu animada por oferecê-la à uma nova cliente, porque disse depois de mandá-las subir e sussurrar algo para Cipta: — Nunca te vi por aqui antes. Espero vê-la mais vezes.

    CIPTA ERA CARA E TINHA ALGUNS DADOS BLOQUEADOS. LANA COMEÇAVA A  achar que seus próprios implantes estavam se tornando inúteis, porque não conseguia ver ID ou gênero registrado. Fingiu coçar os olhos, inventou ter caído um cílio nas pupilas, tentou reencaixar o implante na retina. Ele não estava fora do lugar.

    Transferiu em antecedência parte do pagamento do programa e subiu. Cipta tinha jeito solto e teatral, como se desfilasse em passarela, e Lana entendia seu charme. O quarto VIP fixo de Cipta estava atrás da última porta do corredor, destrancada por assinatura digital da dona. Lana hesitou, internalizou um plano de ação e levantou o que deveria fazer se quisesse remover aquele implante.

    — Os seus implantes são removíveis?

    — Não, não se preocupe — Cipta piscou. O que deveria a tranquilizar dentro daquele teatro dificultou um pouco as coisas. — Me fala o que você gosta.

    Lana andava com um compartimento modificado nas roupas, como chance de desligar os sensores de outra pessoa temporariamente. Era como um calmante instantâneo, e estava desejando muito não precisar usar aquilo — o implante não era removível, e ela definitivamente não queria arrancar o olho de alguém acordado.

    Lana sorriu e se sentou na cama, sentindo os lençóis que pareciam custar mais que seu pagamento para o serviço (e talvez realmente custassem).

    Cipta andou até ela com um sorriso entre céu e inferno. Lana poderia inventar algum assunto e tardar o roubo, mas tinha pressa para sair de Vila Capital.

    — Bom, é complicado — ela respondeu. Como se estivesse abrindo um cinto, retirou o fio metálico que apagaria Cipta do cós. — Me desculpa, tá?

    Cipta não entendeu.

    — Pelo quê?

    Lana iria dizer por isso, que estou prestes a fazer. Ela enfiaria aquele fio nos terminais nervosos dela antes que pudesse ter uma reação resposta. Parou. Franziu o cenho, olhou-a esquisito e reparou em pequenas faíscas saindo do canto de seus lábios.

    Soltou o fio. Realmente parecia um cinto.

    — Dona, você... — Lana fez um sinal com a destra, porque mesmo ciente das falhas que melhorias tecnológicas em humanos poderiam ter, não achava ser possível um curto-circuito.

    Ainda mais em um lugar tão delicado quanto o rosto.

    Cipta encostou nos lábios e ficou branca como fantasma. Tentou tapar as faíscas e se afastou, deixando Lana mais confusa. Lana se levantou e se aproximou — de repente a história de arrancar um olho de Cipta desapareceu na mente.

    — Dona? Quer que eu chame alguém? — ela perguntou.

    Cipta não se virou para olhá-la de volta em momento algum. Abriu as gavetas da escrivaninha e revirou os próprios papéis, enquanto dizia:

    — Não! Me desculpe, mas você precisa sair agora. Por favor, vá embora.

    A voz de Cipta falhou em algumas sílabas, como se ela repentinamente não soubesse mais a sonoridade correta das palavras. Era realmente um curto-circuito; uma grande falha em seus sistemas.

    — Quê? — Lana tentou se aproximar. — Tá precisando de ajuda? Que que houve?

    A respiração de Cipta pesou. Ela sussurrou: não está aqui, e continuou revirando a gaveta, de novo e de novo.

    — Saia, por favor — ela pediu outra vez. — Vamos reembol

    sá-la

    A voz de Cipta baixou alguns tons, tornou-se robótica e tornou-se grave. Como um efeito de distorção. Lana pensou que ela poderia ter um add-on nas cordas vocais para ser capaz de imitar vozes alheias, e ainda assim nada explicava as faíscas; nada realmente explicava nada de verdade. Lana limpou a garganta. Tentou outra vez.

    — Dona, se for algum implante dando efeito, eu posso ajudar — e quem sabe não facilitaria seu roubo. — ‘Cê já implantou alguma coisa hackeada?

    — VOCÊ NÃO ENTENDEU?

    A voz dela não era realmente dela. De repente, o timbre agudo de Cipta foi substituído por ruídos de distorção, por erros em forma de sons e por alguma coisa três oitavas abaixo de sua voz original. Uma corrente percorreu o corpo dela e as mãos que antes bagunçavam a escrivaninha contorceram-se em garras metálicas feitas de zircônio.

    Partimentos de metal escamaram sua pele e abriram-se por baixo de suas unhas, tomando lâminas descontroladas nos dedos. Ela tremia como enferma. A descarga de adrenalina trouxe Lana para o chão, encarando aquele corpo a se desestruturar em sua frente. Cipta se virou pouco a pouco, e era como assistir um filme de terror, quando compartimentos iguais às garras dos dedos dela passaram a sobressair seus dentes e rasgar sua gengiva. Lana via um bicho em sua frente, um monstro a sair da pele de uma mulher tão bonita. Era uma atrocidade de metal, faíscas ambulantes deixando suas garras, e tons de vermelho tomando seus olhos. Aquela não era Cipta. Não tinha como ser a bonita que conversava cinco minutos atrás.

    Os ruídos do androide eram rosnados sofridos, uma luta por controle em que escutava restos de Cipta dizendo desculpa, vá embora. Vá embora. Vá embora. Vá embora.

    Lana derrubou algumas coisas, apoiou-se nos móveis e quase tropeçou nos próprios passos. A música alta de O Belchior invadiu seus ouvidos quando abriu a porta do quarto, perturbou todos os cantos de sua cabeça e fez-a desejar o máximo que conseguia estar bem longe daquele lugar.

    Estar em um lugar silencioso. Um lugar aconchegante, talvez; um lugar que sentisse familiaridade. Algo para lhe livrar da combustão em sua cabeça, da visão repugnante se repetindo várias e várias vezes na mente. Ela correu escada abaixo. Sentiu que aquela coisa tinha garras tão afiadas que poderiam atravessar seu crânio.

    Correu junto ao balcão que conheceu Atalanta, não olhou para ninguém e empurrou qualquer um que a afastasse da saída. Vocês são loucos, ela queria gritar, mas não tinha ar suficiente para isso.

    Atalanta estava no balcão com Net, e ele dizia: — Parece uma cor muito positiva.

    Continuavam falando sobre amarelo, e Atalanta concordava: — Sim, as pessoas relacionam amarelo com felicidade, é isso mesmo.

    O brilho amarelo de Cipta fez Lana desgostar da tonalidade diária que via no espelho.

    2: O BELCHIOR

    NAQUELE DIA, CALARRAM RECEBEU A PRESENÇA DO CAFETÃO EM SEU BAR. Todos seus demais clientes desapareceram no ar quando Netuno entrou, porque ninguém queria ficar perto dele, depois de tantos burburinhos se espalharem pela cidade. Todos tinham uma história para contar envolvendo Netuno, e nenhuma delas era boa.

    Netuno não queria espantar a clientela, mas achou melhor assim. Foi até o balcão e se sentou. Calarram o olhava por cima dos óculos redondos, atento com uma amabilidade familiar.

    — Deixe-me lembrar — Calarram iniciou a conversa. — É vodca pura, o que você gosta?

    Nunca se esqueceu de verdade.

    Netuno tocou o pulso e transferiu uma quantia maior do que o necessário. Calarram entendeu como um sim, e talvez um pedido por informações. Tinha uma ideia do que se tratava, porque Lana saiu de seu bar contando uma história que ele de alguma forma já conhecia.

    — Ela tá instável — Netuno disse.

    — Quem?

    — Você sabe quem.

    Calarram deixou uma dose de vodca pura frente a ele e depois voltou a limpar suas prateleiras de bebida. Disse: — Já te disse pra não vir em horário comercial. Você espantou meus clientes.

    — Não me escutou, porra?

    Calarram sequer mudou sua postura diante da agressividade de Netuno. Deixou-o continuar:

    — Nesse exato momento ela tá trancada num quarto soltando faísca pela boca. Se ela virar aquele monstro outra vez, não acho que só uma porta vá segurar.

    — Hm. E o que aconteceu com o botão de controle que te dei da última vez?

    — Desapareceu. Mas isso eu resolvo depois.

    Calarram suspirou fundo. Guardou seus panos e se aproximou de Netuno, apoiou-se no balcão e olhou-o nos olhos.

    — Você perdeu o único controle que tinha dela. Eu não vou produzir outro pra você.

    — Não tava mais funcionando direito, ela se descontrolava e só às vezes desligava com o botão. Não tenho tempo pra explicar agora, porra, é urgente. Tem gente pra caralho perto.

    — Então evacue — Calarram soltou o balcão, retornando à sua limpeza minuciosa e ignorando a incredulidade nos olhos de Netuno. — Ela vai perder energia rápido e voltar ao normal. Só que se não evacuar, muita gente vai morrer.

    — Você quem projetou ela, seu merda.

    — E me arrependo muito, — disse, porém sua voz continuava monótona — mas aquilo não tem nenhum impulso humano, Net. A única alternativa que poderia te dar era aquele botão, e se não tá mais funcionando, então eu não sei o que fazer.

    — Não faz isso agora, porra. Você era o melhor, Cal, continua sendo; como você não sabe dessa bosta?

    Calarram um dia já esteve confinado num laboratório, cercado por computadores e ferramentas estranhas. Hoje preferia aquela companhia — algumas bebidas e pessoas —, ainda tendo contatos antigos como ele; como Netuno.

    — Você escolheu assumir a responsabilidade por ela, Netuno, e eu te avisei sobre tudo isso. Eu, o Narciso, Baskara; nós cansamos de te dizer a mesma coisa sem parar. Você adotou um erro artificial. Não pode esperar outra coisa.

    — Ainda é a Cipta. Porra, eu caguei pra essa merda de erro, se ela vai ficar virando um bicho uma vez por mês, por ano; tanto faz. Não resume ela a isso, você sabe que ela não é isso. Baskara e o Narciso podem ir pro inferno com esse discurso, os dois são lixos de merda, mas você não é. Você não é.

    Netuno não gostava sequer de pronunciar aqueles nomes. O único envolvido em toda aquela merda guardando o mínimo sequer de consideração era Calarram.

    O barman terminou a limpeza das prateleiras, suspirou e jogou o pano no balcão. Inclinou-se ao cafetão, impaciente.

    — Ela foi projetada pra contra-atacar. É um sensor de perigo e um mecanismo de defesa. Você tem uma máquina de guerra embaixo do seu teto, a única diferença entre ela e um computador antigo é sua afeição por ela. O máximo que ela tem é uma ilusão programada pra parecer ter relações sentimentais com outros seres. Não é de verdade. Ainda dá tempo de desmontar aquela coisa se quiser.

    — Eu não acredito que tá me falando isso. Aquela coisa? É disso que vai chamar?

    — São só códigos. Você sempre romantizou tudo, Netuno... algumas coisas não são tão humanas quanto você enxerga. Isso é uma virtude. Não transforma em maldição. O 001 — modelo do robô — é só uma inteligência artificial. Eu sei que você sofreria se o perdesse e essa foi a única razão pra eu não desmontá-lo antes, porque não queria e ainda não quero que você sofra. Precisa entender que você também corre perigo com as instabilidades dele.

    — Eu sei, só que não vou abandonar ela agora. Nem fodendo.

    — Netuno, eu nunca me perdoaria se 001 ferisse você. Já tivemos consequências demais pela existência dele.

    — Por isso tô falando contigo. Você tem que saber como resolver isso.

    Calarram nunca realmente participou da produção de códigos de 001 — seu trabalho era especificamente externo. Ele montava, ainda que soubesse como codificar. Naquele caso, não.

    — Se quer resolver, foi o Narciso quem a programou, eu só juntei as peças. Ele é a pessoa certa pra você conversar.

    Netuno riu em nervosismo.

    — Não fode.

    Calarram deu-lhe o olhar de quem não podia fazer nada. Sabia o desgosto de Netuno por Narciso, e também sabia que Net não poderia fingir que ele não existia mais pra sempre.

    Ainda tinha esperança de Calarram se colocar na linha de fogo por ele: ah, Netuno, eu falo com ele por você, enquanto isso tome aqui essa fórmula pra estabilizar a Cipta.

    Ao invés disso, teve silêncio.

    — Ele não atende quando ligo — Netuno adicionou. Batia os pés no chão como um mantra, batucando a mesa com todos os músculos inquietos. —  E eu não tenho tempo pra isso. Preciso resolver agora.

    — Já disse; tranque o robô e esvazie o clube. É o que você pode fazer. Mas toma cuidado — Calarram finalizou. — Você sabe como aquela coisa é. Ela vai te matar se puder.

    O BELCHIOR ESTAVA COMO ONTEM E ANTEONTEM; NADA IMPORTAVA ENTRE OS clientes e a música porque o problema não era deles, e nem lhes dizia respeito. Aos olhos castanhos acinzentados de Netuno tudo estava estranho. O clima não era o mesmo. As pessoas e a música não pareciam animadas. Tudo o que conseguia pensar vinha: Cipta, Atalanta.

    Subiu as escadas dos fundos rápido e pulando degraus, apressando-se ao máximo para encontrar Atalanta encostada à parede.

    Netuno disse: — Atala!

    — Netuno, tá silencioso lá dentro há uns dois minutos e eu não sei se ela tá bem, fiquei com medo de entrar e ela estar daquele jeito...

    Netuno não escutou por muito tempo. No meio da frase, já estava avançando: a porta. Os olhos tomaram um brilho que dificilmente aparecia; um receio seguido de uma preocupação gritante lhe repetindo que algo estava errado. Ele sabia que Cipta não perderia energia em tão pouco tempo. Era como um alívio misturado com medo — acabou, mas não completamente.

    Quando abriu a porta e reparou o quarto vazio, entendeu. Atalanta observou tudo pelas costas de Netuno, mantendo-se atrás dele por todo aquele tempo. É isso. Ela desapareceu e ele não fazia ideia de onde poderia estar — tudo o que tinha dela era um buraco na parede e janelas abertas.

    NETUNO NÃO TINHA MEDO DA NOITE DE QUINTA-FEIRA. ENQUANTO TODOS trancavam as portas e dormiam cedo nesse dia em específico, Netuno não se importava de sair e encarar as ruas desertas. Quanto mais escuro o céu, mais o clube esvaziava. Quinta-feira era dia de fechar as portas mais cedo, liberar funcionários para que (todos) chegassem em casa antes da madrugada e se enfiar num cobertor confortável. Algumas pessoas gostavam da paz de quinta, aquele sentimento agridoce de não fazer parte da tragédia do outro lado da porta da frente.

    Um dia, a Vila Capital foi cheia. A ponto de não ter como andar na rua. A ponto de sentir falta de ar no centro pelo acúmulo de pessoas. Vila Capital nunca foi pacífica e nunca encontrou equilíbrio: tudo era absurdo em seus níveis extremos — cheia demais, violenta demais; depois, fria demais e bizarra demais. Em todas as ruas já morreu alguém, porque é pra isso que as noites de quinta-feira serviam, e é por isso que todas as quintas Vila Capital parecia se transformar em uma cidade fantasma.

    Começou assim: tiros ao longe. O trem no fim da cidade bufou seu ruído anunciando sua saída, e Lana teve a sorte de deixar Vila Capital para trás e nunca voltar. Netuno não se importou. Escutou passos aqui e ali, sussurros, e sabia que estava entrando em territórios tomados pelos Esquadrões. Continuou. Estava atento a qualquer ruído externo, qualquer minúscula dica que pudesse denunciar onde Cipta estava.

    Antes que pudesse ter sinais dela, viu outra pessoa.

    Um homem bem vestido de máscara e terno caro. Sempre estava impecável com sapatos sociais brilhantes e cabelo bem arrumado, a arma que tinha na mão era customizada e limpa. Tinha cartuchos a mais e suporte para implantes. Ele era aquele representante dos Esquadrões — os homens sem rosto que rodavam as ruas, escondendo-se atrás de máscaras e modificadores de voz.

    Chamavam-no de EUTERPE.

    — Netuno Belchior — ele disse. Só estavam os dois na rua e não era mais silêncio que os acompanhava; eram tiros distantes, exclamações apagadas e gritos engolidos. A cidade não era a mesma.

    — Euterpe.

    — O que está fazendo fora de casa? Você vai morrer.

    — Uma das minhas garotas sumiu.

    — Meus pêsames. Se encontrar o cadáver, deixarei-o ciente.

    — Ela não vai morrer tão fácil — então continuou sua caminhada, de pés firmes no chão. Preocupava-se com os Esquadrões mesmo que os achasse absurdos, ridículos. Cipta poderia se ferir, só que morrer para aquelas armas seria o único sinal em anos de que Deus não abandonou a humanidade.

    — Cuidado, Belchior. Nem todos são tão compreensivos.

    E um estrondo. Um baque metálico. Não como todos os baques de todas as quintas, como alguma coisa. Uma destruição inusual, algo que não fazia parte dos Esquadrões. Euterpe e Netuno se entreolharam. Eles pensaram a mesma coisa: isso não é obra de Esquadrão.

    Netuno não precisou pensar muito para avançar em direção aos ruídos, e Euterpe nunca deixaria de averiguar o que estava acontecendo na cidade. Os dois correram na mesma direção, os velhos trilhos no fim da cidade ecoavam um ruído prateado e enferrujado. O bufo do trem e seu vapor cessou ao longe, ainda que pudessem ver fumaça, e o caminho longo à estação foi acompanhado a cada passo por um pressentimento merda.

    A primeira coisa notável da velha estação era sangue.

    O chão sujo de ladrilhos tortos tinha seus encaixes vermelhos, manchas vividas quase recentes espalhando-se da cabeça de um corpo. Euterpe o olhou e não se preocupou. Apostaria ter sido algum companheiro de Esquadrão enquanto Netuno conhecia aquele homem, aquelas roupas, aquela estatura. Sabia pouco e o suficiente para desvendar mudo e sozinho quem era aquela pessoa.

    Arjun Rodri, o segurança particular de Baskara.

    Não, ele pensou. Tinha certeza de quem era. Se Arjun Rodri estava lá, na sua cidade, as chances de Baskara também estar eram altas. E Netuno preferiria encontrar também o corpo de Baskara, concluir que apenas foram os Esquadrões. Só estava Arjun. Netuno sabia no fundo de sua intuição que a bala atravessada no crânio dele vinha de uma pistola esculpida em branco — a arma queridinha de Baskara.

    Euterpe o olhou. Notou uma inquietação e engoliu o impulso de perguntá-lo: conhecia esse cara?

    Netuno andou mais. O barulho metálico poderia ser Cipta, então precisava segui-lo — quanto mais tardava, mais distante se tornava. Ele seguiu os trilhos com a cabeça pesada. Baskara, Baskara, Baskara. Ele voltou?

    ELE VOLTOU?!

    O trem nunca foi limpo. Estava enferrujado e velho, mal pintado, rachado. Ainda assim, funcionava; e funcionar era a única coisa que importava ali. E daquela vez não.

    Netuno encontrou a fonte do estrondo que escutou, encontrou os trilhos tortos arrancados do chão à força. Cipta, ele tinha certeza.

    — Sai daqui, Euterpe — pediu, porque matar um chefe de Esquadrão não pararia o Esquadrão. Arrumariam substituto. Procurariam seu assassino, talvez; nunca parariam.

    Os Esquadrões estavam lá para limpar a cidade. Para atirar contra qualquer um que estivesse na rua por qualquer razão. Os cidadãos com acesso à qualquer mídia sabiam que deveriam ficar em casa, e aquela foi a solução para parar o excesso de pessoas, acalmar a criminalidade e tornar a cidade mais segura.

    É claro que nada disso se cumpriu.

    Euterpe não acreditava na preocupação de Netuno. O cafetão olhou para ele e desviou sua atenção, soube que não adiantava de nada lhe explicar sua merda de que um robô humanoide poderia matá-lo.

    A única preocupação de Netuno era ser o primeiro a encontrar Cipta, e que ela não tivesse espalhado uma trilha de cadáveres. Era fácil saber quando era ela quem matava porque os mascarados se contentavam com uma bala de qualquer calibre — ela era uma coisa com um impulso animal pré-programado para ser brutal. Netuno não desejava aquilo a ninguém, e tomaria pra

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