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Quarentena no Rio Negro (Volume II): Semanário sobre a pandemia da Covid-19 na Amazônia
Quarentena no Rio Negro (Volume II): Semanário sobre a pandemia da Covid-19 na Amazônia
Quarentena no Rio Negro (Volume II): Semanário sobre a pandemia da Covid-19 na Amazônia
E-book119 páginas1 hora

Quarentena no Rio Negro (Volume II): Semanário sobre a pandemia da Covid-19 na Amazônia

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Sobre este e-book

No segundo e último volume de Quarentena no Rio Negro, o médico e pesquisador Marcus Lacerda narra suas impressões mais íntimas sobre a segunda metade da maior pandemia do nosso tempo. Depois de viver o que parecia ser impossível — uma epidemia de tais proporções — a humanidade reviveu nova guerra de desinformação e uma corrida selvagem pelas vacinas.

No estado do Amazonas, uma nova onda de Covid-19 levou Manaus mais uma vez às manchetes internacionais, denunciando a catastrófica falta de oxigênio nos hospitais, seguida de mais pânico e negacionismo.

A velocidade com que a sociedade precisou se adaptar à peste foi o pano de fundo das novas crônicas do médico que viveu tudo isto, de muito perto. Com uma lente de aumento mordaz, Marcus Lacerda relata o que aconteceu à margem esquerda do Rio Negro naquele fatídico ano de 2021.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento22 de abr. de 2024
ISBN9786588157350
Quarentena no Rio Negro (Volume II): Semanário sobre a pandemia da Covid-19 na Amazônia

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    Quarentena no Rio Negro (Volume II) - Marcus Lacerda

    Seu nome é Gau

    Confesso que fui um negacionista. No início, achei que o novo vírus seria controlado lá pela China mesmo. Quando a Covid-19 explodiu na Itália, achei que havia um certo exagero, e que a população italiana era apenas mais velha do que a nossa. Mas ao mesmo tempo em que Manaus agonizou pela primeira vez, eu acompanhei a situação em Nova York, e foi quando percebi que algo estava errado. Manaus e Nova York foram simultaneamente vitimadas por um vírus mais letal do que todos pensávamos.

    Em apenas dois dias, a Big Apple perdia o equivalente nú mero total de mortos na queda das torres gê meas, em 2001. Revivemos em Manaus o mesmo colapso do sistema funerá rio de Nova York, que nã o conseguiu velar os mortos do terrorismo. Em abril de 2020, as cidades que eu amo sangraram juntas, e novamente nã o conseguiram velar seus mortos, agora lacrados.

    No inverno de 2003, troquei o Rio Negro pelo Rio Hudson. Foi quando conheci Gaudê ncio Thiago de Mello, filho de Barreirinha. O homem simples, e um dos maiores percussionistas do Brasil, mudou-se para os Estados Unidos durante a ditadura militar. Gravou com grandes mú sicos, como Dexter Payne, Richard Kimball, Sharon Isbin e Daniel Wolff. Ganhou o Grammy da mú sica, e sempre presenteava os amigos com có pias de seus CDs.

    Com Gau passei algumas viradas de ano, no seu pequeno apartamento no Queens. Ele adorava ouvir minhas histó rias de especialista em doenç as infecciosas e minhas experiê ncias com malá ria, na Universidade de Nova York. Gau fazia a gente se sentir orgulhoso da carreira, tamanha sua admiraçã o. Com cada objeto da casa ele tirava um som diferente. Como era professor, ensinava-nos percussã o nos objetos que trouxe do Andirá . Sentava-se ao piano, e tocá vamos juntos. Ele, um profissional quase desconhecido em Manaus, e que a Amé rica passou a admirar; eu, um curioso da mú sica, feliz de ter encontrado em meio à neve pesada que caí a lá fora, um amigo, desses que a gente não quer perder.

    Em Manaus, algumas vezes o encontrei, visitando os irmã os: Amadeu Thiago de Mello, o famoso poeta, amigo de Neruda, e Maria Jú lia. Gau dava cursos de percussã o na Escola de Mú sica de Brasí lia, no Teatro Amazonas, e ensinava olhando nos olhos das pessoas, cantando e sambando com elas, em um ritmo só dele. Anos mais tarde, encontrei-o já muito doente, morando em Nova Jersey, com a filha. Lutava bravamente contra o câ ncer, mas nunca deixou de receber a visita dos amigos. Ele conheceu meus filhos, e com eles brincava de má gica, usando o velho truque da amputação do dedo da mão . Depois disso, Gau nos deixou, como as folhas deixam as á rvores, no outono d o Central Park.

    O Amazonas nã o perdoou Gau por sua traiçã o pá tria. Aquele caboclo, que foi també m auxiliar té cnico do Botafogo, nos tempos do Garrincha, como ele sempre gostava de lembrar, nã o virou nome de rua, nem teve um obituá rio à altura da sua grandeza. Mas ele pediu pra voltar, e pediu que suas cinzas se encontrassem para sempre com as á guas do Amazonas. Eu, negacionista convicto , também nã o acreditei que ele poderia morrer um

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