Doce Inocência
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Doce Inocência - Luiz G. Teixeira
capítulo 1: perguntas
Não sei quantas vezes posso começar a colocar o ponto de interrogação neste texto, afinal são milhares de perguntas sem respostas desde que nascemos, ainda não entendi algumas coisas a respeito da vida, mas essa jornada é cercada de espinhos e eles sangram na alma, é doloroso o suficiente para sentirmos prazer nesta brincadeira. Nasci no dia primeiro de abril de 2000, é uma ironia para um cara que tem o seu apelido de Otário
, não sou o garoto mais popular do colégio e muito menos o mais inteligente, posso ser o menino tímido que usa óculos que senta entre a terceira e a quarta carteira próxima da janela, pois é mais arejado, meus sonhos são como os de qualquer outro moleque da mesma idade, desejo beijar a menina mais popular do colégio, o mito em pessoa, Larissa Fernanda de Carvalho ou simplesmente Lary.
— Otávio Alencar...
— Presente.
As minhas notas sempre me garantiram um passe rápido ao paraíso, as desejadas férias escolares, mas naquele final de 2015, tudo seria completamente diferente. Moro no centro de São Paulo, mas minha família na verdade é do litoral da costa do descobrimento, fazia anos que não pisava em Arraial D’ Ajuda e para ser sincero, depois daquelas semanas desejava passar a borracha em cada segundo de tudo aquilo, esquecer como um simples sonho. Aquele não era o momento certo para uma viagem, eu, minha mãe, meu pai e a minha irmã, assim que chegamos fomos recebidos por um clima estranho, o de tristeza do local, que nada parece com a alegria baiana, nos hospedamos nos quartos dos fundos da casa da vovó, enquanto minha prima estava internada no hospital em Porto Seguro, nascemos no mesmo ano e quase no mesmo dia, ela era do dia vinte e oito de março e veio a falecer no dia vinte e cinco de janeiro de 2016.
Sabia que não havia mais limites, não sabia das lutas, mas chorava como um gladiador, queria manter a feição forte, mas soava apenas fortemente abatido. Eu sofri como nunca em toda existência, quando vi todas as nossas fotos juntos na infância, ela morreu por causa de uma bactéria, que não entendo o motivo ao certo, esse tipo de doença mata cada vez mais gente ao passar das datas, mas porquê justamente logo ela? Justamente Camilla. Os pesadelos começaram a tomar conta, todos os dias dos meus devaneios.
— Ela era nova para morrer. — Minha irmã se aproximou lentamente, na tentativa frustrada de me consolar.
— Existe alguma idade para falecer Bruna?
— O que quero dizer Otávio, é que ela nem viveu.
— Deu uma lição para cada pessoa.
— Você viu as unhas dela?
— Tanta coisa para pensar e você repara em unhas?
Normalmente Bruna e eu quase não conversamos, afinal sou o caçula e ela está quase fazendo 18 anos, entrando numa faculdade particular de administração e ainda não trabalha, mas gosto dela, sempre nos implicamos, coisas de irmãos, mas, um dia, quando tinha seis anos, ela simplesmente me abraçou, depois que levei uma surra de uns valentões no colégio, aquilo ficou gravado para sempre na minha memória.
O enterro foi às três horas da tarde, o caixão era branco com suportes dourados, demonstrando a pureza humana. Assim que foi plantado na terra o céu se fechou, não choveu, mas o clima começou a ficar calmo naquele arranhão de gente e todos encontraram uma paz em meio aos conflitos.
— Vamos fazer alguma coisa? – Disse meu primo ao desligar a TV.
Nós chamamos os meninos e começamos a brincar de esconde-esconde, cada um escolheu um esconderijo perfeito para não ser encontrado. Fui para um terreno abandonado em uma rua sem saída ao lado do meu primo, Dimas, a noite estava fria como nunca antes, escutamos alguns passos firmes, mas nunca chegava ninguém, tudo estava gerando um clima de terror e avistamos na parede uns símbolos escritos com tinta vermelhas, seguindo em linha reta ao final da extensão, dizem que a curiosidade mata o gato, mas quase matou a gente do coração ao vermos um corpo de uma mulher, saímos correndo acelerados, quase não conseguimos respirar, não contamos nada a ninguém, deixamos em segredo, mas o que aquilo significava? Toda aquela simbologia?
No outro dia quase não tive coragem de me despedir, mas estava na hora, dentro do avião ficava a todo momento com o fone de ouvido, acomodado ao lado da Bruna.
— Eles estão mandando desligar o celular.
— Se eu morrer, quero morrer pelo menos escutando Pearl Jam.
— Você está com cada papo estranho.
— E se esse avião cair?
— Calma Otávio, você está agindo como uma menininha.
O piloto avisa pelo sistema de som que está ocorrendo uma pequena turbulência, naquele momento me vem na cabeça o meu primeiro beijo na brincadeira de verdade ou consequência na aula de matemática em que levei uma advertência por ter dado um selinho em Renata Ribeiro, estava tremendo de medo da bronca que o papai ia me dar, mas ele apenas me confortou com algumas palavras e disse que era uma brincadeira normal, mas que nunca mais devia ser feita dentro de uma sala de aula com um professor tão chato quanto aquele.
Quando o avião aterrissou no aeroporto internacional de Congonhas, encontrei um ponto de equilíbrio para aquela loucura.
— Estamos vivos! – Eu disse aliviado.
— Britney Spears que me defenda, garoto, isso sempre acontece!
Quando cheguei em casa e senti o cheiro de lar mofado e a poeira gritando pelas minhas narinas, sabia que aquilo pertencia a minha família, era estranho. O meu cachorro estava deitado na lavanderia e ficou bastante alegre ao me ver, o seu nome é Trovão, um labrador que ganhei de presente de aniversário de 14 anos, um excelente membro da família, pelo menos me escuta, a vizinha que tomava conta dele, levando ração e água.
Naquela tarde brinquei com o Trovão em um parque próximo daqui de casa. Perguntaram uma vez o motivo do nome dele, ele tem problemas de flatulência, antes era bem pior, mas há algo neste cachorro, que me fez apaixonar rapidamente. Sério, ele dorme comigo às vezes, brinca e me dá atenção, isso foi o suficiente para os Senhores Alencar
os aceitarem na família, por isso o nome, Trovão, faz bastante barulho, entende?
Ela tem maturidade o suficiente para decidir o que é bom ou ruim, Gilberto, Bruna está com quase 18 anos de idade e não pode ter sempre os pais passando a mão na cabeça, mais cedo ou mais tarde isso poderia acontecer, se ela deseja namorar deixe, mas ela tem que arcar com todas as consequências, se aparecer grávida de algum vagabundo e ele não assumir a criança, quem irá criar é ela e não a gente.
Aquelas foram as palavras da mamãe conversando em particular com o meu pai no quarto, é incrível como a Dona Fátima consegue ser tão racional às vezes, mas quando se estressa, todo mundo cai no cabo de vassoura e não importa a idade.
Ao acessar minha conta no Facebook vejo algumas notificações, sinceramente não curto as redes sociais, mas tenho apenas por insistências da minha mãe para postar algumas fotos e pelos trabalhos escolares, mas não conversava com quase ninguém, no entanto, recebi algumas mensagens do Dimas:
— Cara, o corpo daquela mulher sumiu.
— Será que não foi coisa da nossa cabeça?
— Otávio, seria uma tremenda doideira.
— Dimas, amanhã tenho aula cedo, tenho que dormir, boa noite.
Eu arrumei a minha mochila, não queria voltar para a escola, ficar vegetando dentro de casa é mil vezes melhor do que reencontrar aquelas pessoas chatas, que me chamam de Otário
, era quase uma hora da manhã e estava compreendendo o prazer do toque da minha mão, se amar não é pecado, existe desejos infinitos que podemos viver até o ápice.
capítulo 2: a lista de chamada
A manhã estava um mormaço da forma que odeio, mas ainda bem que o verão está chegando ao epílogo, odeio sentir calor nessa metrópole e principalmente do horário, quase não consigo respirar direito. Coloquei o uniforme azul e branco da escola e comecei minha caminhada de cerca de dez minutos, faltava cerca de cinco para as sete horas, odeio o primeiro dia de aula e todas as suas apresentações, afinal a maioria dos alunos estudaram juntos na oitava série e alguns desde o prezinho.
Segue abaixo a lista de presença do 1°C:
1. Ana Caroline Soares:
A típica patricinha que adora falar mal dos outros, acomoda-se na frente do professor para puxar melhor o seu saco e assim,