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Isadora: minha vida, meu palco
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Isadora: minha vida, meu palco
E-book202 páginas2 horas

Isadora: minha vida, meu palco

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Sobre este e-book

Depois da grande decepção que sofre ao ver o namorado de anos com outra mulher, Isadora, jornalista de uma famosa revista feminina, percebe, que durante anos de sua vida, fora apenas usada pelas pessoas que se aproveitavam da sua timidez e da sua inteligência. Sua intelectualidade sempre foi a única forma possível para se aproximar dos colegas de escola, de faculdade, e agora do trabalho.
Como redatora na Revista, nenhuma matéria é aprovada sem antes passar pelo crivo de sua opinião ou seu olho clínico. Nenhuma reunião acontece sem que seja responsável pelo conteúdo da fala de seu chefe. Mas apesar da importância de seu trabalho, o cargo que ocupa na empresa está longe de ser à altura de seu desempenho.
Mas tudo tende a mudar depois de ouvir uma famosa atriz dizer numa entrevista de TV que: “Na vida todos nós vivemos um personagem”. Convencida, Isadora decide dar um novo rumo à sua vida e tentar ela mesma viver, a partir daí, um novo personagem. Resolve deixar de ser a indefesa “Dorinha” para encenar a mulher forte que sempre sonhou ser.
Na busca desse novo papel, cruza com um pequeno grupo de pessoas, encabeçado por Serguei, um russo carrancudo, ex-professor de teatro, exilado no Brasil. A ele juntam-se Carlos, um ex-modelo que vive de dar aulas para Newcomers, Silvia, estilista e dona de um hobby um tanto quanto comprometedor e Ada, uma russa de Moscou. De personalidades bem diferentes entre si, e num espírito de equipe, essas pessoas não medirão esforços para ajudar Isadora a abrir as portas para um novo mundo.
Mas, será mesmo possível viver um personagem na vida real?

IdiomaPortuguês
Data de lançamento5 de set. de 2013
ISBN9781301311576
Isadora: minha vida, meu palco
Autor

Roseni Kurányi

Roseni Kurányi - Natural de Petrópolis-RJ e reside em Stuttgart, Alemanha desde 1997. Estudou Psicologia e fotografia. Seus contos, livros infantis e romances foram publicados no Brasil e na Alemanha. A autora é premiada no Brasil e na Europa por seus trabalhos literários. No ano de 2012, convidada pela Focus Brazil Londres, junto com outros autores brasileiros, residente no exterior, recebeu da Brazilian International Press Awards em Londres, o reconhecimento especial por seus trabalhos litérários.

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    Isadora - Roseni Kurányi

    teatro

    1

    Era a primeira vez que ela visitaria o namorado. E seria uma visita surpresa.

    Isadora e Raul namoravam havia alguns anos e, segundo ele, o dono da pensão para rapazes em que morava não permitia a presença de mulheres, motivo que sempre a impediu de visitá-lo. Nunca poder conhecer a residência do namorado era um transtorno na vida amorosa de Isadora, mas até que vinha a calhar, pois isso mantinha longe não só ela como qualquer outra presença feminina. E depois, Isadora vivia sozinha em um bairro badalado da Zona Sul do Rio de Janeiro, de modo que podiam se encontrar periodicamente. Pensou e sorriu maliciosa, atravessando a rua em direção ao prédio de construção antiga na parte central da cidade. No alto, uma placa: "Pensão para moços".

    Naquele dia, porém, ela estava mais excitada e ousada do que de costume. Na redação da revista que era redatora, um de seus colegas de trabalho fofocou que seu nome estava sendo cogitado para a promoção de um cargo novo. Isadora mal acreditou. Tanto tempo de trabalho e agora uma promoção! Precisava dividir isso com Raul. E resolveu fazer-lhe uma surpresa.

    Como ele havia ligado horas antes, comunicando que não estava se sentindo bem, cuidadosamente preparou para ele sua canja preferida, e teve a súbita ideia de levar-lhe pessoalmente. Por sorte sabia o endereço. Conversaria com o dono da pensão, se fosse preciso, e ele certamente entenderia, afinal, levava uma sopa para um rapaz convalescente, o seu namorado.

    Em frente ao prédio, suspirou e entrou, carregando com cuidado o embrulho que trazia, enquanto ajeitava com uma das mãos o cabelo costumeiramente desalinhado. As alças do sutiã começavam a sufocá-la. Atravessou a portaria antiga e deparou com um homem mais velho, de barba e bigode, estirado em um dos sofás na sala da recepção, lia um jornal. Ao seu lado, um velho rádio de pilhas tocava uma canção chiada.

    — Bom dia, o senhor é o dono da pensão?

    — Bom dia, jovem. Sou sim. Qual a alegria da visita?

    Estranhamente, Isadora sentiu um olhar penetrante do homem, que pareceu perfurar a sua roupa e tirar um raio-x dos seus ossos.

    — Desculpe, desculpe mesmo! Sei das regras da sua pensão... Mas é que... Trouxe uma sobremesa para o senhor.

    Estendeu-lhe uma pequena vasilha, que ele aceitou sorrindo. Fez questão de acariciar sua mão, quando a segurou.

    — Perdoe-me a visita... Sou a namorada do Raul, que mora no sétimo andar. Não sei se o senhor tem conhecimento, mas ele me ligou essa manhã muito doente. Queria ajudá-lo. Já fui avisada várias vezes sobre a proibição da permanência de mulheres aqui, no entanto...

    — Proibição de mulheres aqui?! Ora, minha jovem, imagine! Proibir mulheres na minha modesta pensão em plena década de 2000 — disse acariciando sua mão — seria mais que desperdício, uma burrice... Querida, quanto mais mulheres aparecerem nesse lugar, menos entediados nós ficaremos!

    O homem soltou uma gargalhada grotesca, a barriga tremeu. Por um instante, Isadora sentiu-se confusa e deu graças a Deus quando um rapaz magro e franzino, tilintando pulseiras e brincos, surgiu nervoso na soleira da porta, com uma das mãos na cintura e a outra segurando uma vassoura.

    — Diacho, seu Orlando, o maldito vazamento começou de novo lá embaixo. Acho melhor o senhor ver.

    Com uma expressão de contrariedade, o homem pousou a mão suada no seu ombro.

    — Espere só um minutinho, princesa, que eu mesmo levo você até o andar do seu namoradinho.

    E saiu em direção ao rapaz, não sem antes dar-lhe uma nojenta piscada. O rapaz de trajes afeminados, no entanto, continuou parado na porta, batendo irritadamente um dos pés no chão.

    — Você também faz vida de travesti, é? Parece até mulher!

    Isadora não segurou o riso.

    — Não, não. Eu sou Isadora.

    — Eu sei, ouvi você falar. Na verdade não tem vazamento nenhum lá embaixo, eu quis é saber quem é você.

    — Sou a Dorinha. Vim visitar o Raul, do sétimo andar.

    — Oi, Dorinha. Adorei a sua pele. Não me chame de nada por enquanto, ainda estou escolhendo o meu nome de mulher, sabe? Você é irmã do Raul?

    Isadora não respondeu.

    — Ele sempre me avisou que mulheres eram proibidas aqui. Por isso nunca apareci.

    — Sei... — o garoto começou a roer uma unha, pensativo — ...muito estranho...

    Isadora, de repente, pressentiu um ar pesado vindo do rapaz que permanecia debruçado no cabo da vassoura.

    — O que é estranho?

    — Raul é justamente o que mais recebe visita de mulheres nessa pocilga, darling — fez uma expressão de quem sabia de muita coisa ali, apontando o dedo para cima enquanto seus olhos corriam de um lado para outro. — Hoje mesmo tem uma lá, essa é nova, nunca vi antes.

    Isadora tinha agora a fisionomia totalmente mudada, pálida. E as pernas bambas. O rapaz de trejeitos afeminados continuou a varrer, cantarolando qualquer coisa indefinida.

    Imediatamente, Isadora limpou o suor da testa e apertou o botão do elevador. Nem percebeu que o embrulho contendo a canja jazia a seus pés. O sangue fervilhava em suas veias. O elevador parecia demorar uma eternidade. Sua cabeça latejava. Olhou para uma escadaria ao lado e subiu com passos longos. Nem sentia o chão embaixo de si.

    Enquanto avançava pelos andares acima, ouviu um som de vozes e risos. Logo reconheceu a voz de Raul que ecoava do corredor. Mesmo movida por um ímpeto incontrolável, diminuiu os passos ao perceber uma voz feminina.

    Parou no último degrau do sétimo andar e viu Raul de perfil, segurando a porta do elevador, rindo meigamente para alguém que permanecia lá dentro, para alguém que era simplesmente a mulher com quem ele havia acabado de traí-la.

    Sem tomar conhecimento da presença dela, despediram-se. Estática, Isadora conseguiu vislumbrar apenas um indício de quem era a mulher, no momento em que se recurvaram para se beijar — a sombra de uma mulher alta, magra, de cabelos longos e usando um grande brinco de estrela. Impulsionada pelo ódio, Isadora soltou um grito, e correu em direção a eles. Assustado, Raul largou a porta do elevador, que desceu automaticamente com a mulher sem rosto. E abraçou carinhosamente Isadora.

    — Dorinha! Você aqui? Meu Deus, como conseguiu entrar?! Está quebrando uma regra da pensão. Sabe que pode me trazer problemas?!

    — Raul... Não estou entendendo...

    Sua voz era um fiapo trêmulo e duro, os olhos marejados de lágrimas, o corpo gélido. As alças do sutiã a espremiam.

    — Quem... Quem é ela?

    — Ela quem, Dorinha?

    Como sempre acontecia quando ela ficava nervosa, as coisas se embaralharam dentro de sua cabeça.

    — Estou confusa... Vocês se beijaram?

    — Pelo amor de Deus, Dorinha, quem eu beijei?!

    — Eu vi... A mulher...

    — Olha Dorinha, você entendeu tudo errado, posso explicar e...

    — Explique... Eu não estou entendendo...

    Raul se mantinha calmo. Ela trincou os dentes.

    — Você está entendendo tudo errado, Dorinha. Acabei de receber a visita de uma prima. Só isso.

    Atordoada e sufocada, Isadora só conseguiu sentir as lágrimas rolarem na face pálida.

    — O beijo, Raul. Eu vi. Vocês se beijaram.

    Os soluços explodiram da sua garganta. Isadora desvencilhou-se dele e se apoiou na parede. As mãos cobrindo o rosto e desarrumando mais ainda os cabelos.

    — Meu Deus! O que está acontecendo... Estou confusa...

    Com o seu choro altivo, alguns moradores abriram as portas e despontaram no corredor. Isadora viu nas portas entreabertas alguns homens gordos e com expressão sonolenta, ao lado de mulheres com poucos trajes, o que a descontrolou mais ainda.

    Diante do silêncio apalermado de Raul, ela não soube o que fazer. Nunca sabia exatamente como agir quando alguma situação constrangedora a atingia. Apenas sentiu um grande arrependimento por estar ali, por ter Raul em sua vida, por não saber o que fazer.

    E mesmo com o chamado insistente dele, ela girou os calcanhares e saiu, desceu as escadas rapidamente, sem olhar para os lados, e passou pelo rapaz que, abraçado à vassoura, a tudo assistia.

    teatro

    2

    Otrajeto de volta foi como um sonho distante, ou melhor, um pesadelo próximo. Isadora se lembrava apenas das freadas dos carros que por pouco não a atropelaram, das buzinas soando, dos motoristas reclamando. Atravessou todas as ruas e avenidas de uma só vez. Tropeçou e quase caiu. Até que resolveu sinalizar para um táxi.

    — Para onde deseja ir, moça?

    — Para qualquer lugar, por favor.

    Um milhão de pensamentos desorganizados desfilava pela sua cabeça. Sentada no banco traseiro, deixou finalmente que as lágrimas escorressem livres.

    Ela conhecia Raul desde a infância. E sempre fora apaixonada por ele. Estudaram juntos na adolescência e começaram a namorar repentinamente quando, por acaso, se reencontraram, num momento em que ele havia retornado à cidade após uma temporada fora, e ela acabara de sair da Universidade. Logo no início do namoro, Raul, cuja família sempre foi pequena e não mais existia, pediu a ela para morarem juntos, pois estava desempregado e não possuía mais ninguém no mundo. Por diversas vezes, Isadora se perguntou o que a havia atraído em Raul, que ocupou o lugar de seu primeiro e único namorado sério. Mas ela nunca encontrou qualquer resposta definitiva, apenas suposições. Fosse o jeito seguro e paternal dele, fosse aquela voz grave ou a nata autoridade masculina, não importava. O fato é que viveram juntos quase cinco anos no apartamento que ela ganhou do pai, último presente dele antes de seu falecimento. Mal recebera o diploma de jornalista, despontara sua carreira numa revista feminina de sucesso no mercado. O pai, que ao contrário da mãe, a incentivava a ser uma pessoa segura e independente, longe das garras maternas, surpreendeu-a com a chave de um apartamento.

    "Aqui está tudo o que economizei durante toda a minha vida, filha. Juntei para que você tenha a sua liberdade."

    Durante todo esse tempo em que viveu com Raul, Isadora acalentou o sonho de um dia subir em um altar vestida de noiva, com ele à sua espera vestido de terno, gravata e um cravo na lapela. Jamais perdera o desejo de um dia casar-se oficialmente. Um desejo que, minutos atrás, ainda pulsava dentro dela. Agora, no entanto, ruíra tal quais as decrépitas ruínas romanas.

    Enquanto compartilharam uma vida de quase-casados, ela praticamente o sustentou. Cozinhava, limpava, lavava e passava. Fazia de tudo quando chegava do trabalho. Mesmo cansada, levava trabalhos para fazer em casa com prazo de entrega para o dia seguinte.

    Raul não possuía nível superior, por isso procurava empregos de quaisquer espécies. Falava em fazer uma faculdade algum dia, incentivado por ela. E estava sempre procurando um emprego que não existia, e sem a menor ideia do que queria.

    Entretanto, Isadora achava que aquilo era felicidade. Gostava de presenteá-lo com roupas, perfumes sofisticados e mimos. Incentivava-o a voltar a estudar, formar-se, escolher uma profissão, ter uma carreira, ser mais independente. Não que ela se importasse em

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