A mangueira da nossa infância
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A mangueira da nossa infância - Alexandre Nobre
A mangueira da nossa infância
Alexandre Nobre
Contos
Copyright © Alexandre Nobre
Projeto gráfico Alonso Alvarez
Revisão Rafael Barbosa
Foto da capa Renata Maciel
Grafia segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, em vigor no Brasil desde 2009.
Projeto realizado com o apoio do Governo do Estado de São Paulo, Secretaria da Cultura, Programa de Ação Cultural 2011.
Conversão Digital e-FICÇÕES | www.e-ficcoes.com
Cip-Brasil. Catalogação-na-Fonte
Sindicato Nacional Dos Editores De Livros, Rj
N671m
Nobre, Alexandre, 1971-
A mangueira da nossa infância / Alexandre Nobre. - São Paulo : Ficções Editora Ltda, 2012.
Índice
ISBN 978-85-62226-15-1
1. Conto brasileiro. I. Título.
12-7690. CDD: 869.93
CDU: 821.134.3(81)-3
22.10.12 29.10.12 040066
Direitos de publicação reservados à
FICÇÕES EDITORA LTDA.
rua Corrêa Galvão, 57
01547-010 — São Paulo — SP
Telefone: (11) 3881-4094
www.ficcoes.com.br
editora@ficcoes.com.br
Sumário
Créditos
Contos
A mangueira da nossa infância
Aila
Um sorriso estrangeiro
A praia
Fazenda Nova América
Acampamento
Babuska
Jantar em família
Na casa de minha avó
A notícia
Paulo Jorge
O farol
Audácia e transgressão
O autor
Para Camila.
Para o Francisco.
Para minha mãe.
A mangueira da nossa infância
Eu já te falei, André? Que quando a Aninha voltar, nós vamos juntos passear no parque? Aquele parque novo, no centro da cidade, sabe? A Aninha sempre gostou de parque. E a Maria Rita também; a minha pequenininha. Um dia, pouco antes de ir embora, ela me falou assim: ‘Me leva, pai? Naquele parque novo, no centro da cidade?’ A gente vai! Assim que elas voltarem, a gente vai. Também, não sei o que deu na Aninha de ir embora assim, de repente, parece que fugindo até. Como se isto aqui tivesse cansado ela um pouco.
Ela não fugiu, Pedro, você sabe.
Não, não fugiu. Eu sei. Mas é que a Aninha andava muito diferente nos últimos dias. Ameaçou levar a menina embora. A minha pequenininha...
Ela implicava comigo, Pedro. Implicava sempre. Não queria que eu viesse aqui te visitar.
Eu sei. Mas não era por maldade. A Aninha sempre foi uma boa alma. Precisava ver. Eu ainda me lembro de quando a gente se conheceu. Lembro ainda. Faz tempo, a gente era criança, mas eu não esqueço. Foi no dia que a mãe morreu. Eu estava triste, tristíssimo, sentado no quintal de casa, debaixo da mangueira. A mangueira da nossa infância, lembra André? Onde a gente se divertia tanto. Tantas tardes. Ela foi chegando devagarzinho, falou comigo e pegou na minha mão, me acalmou. ‘Deixe de tristeza’, ela disse, brincando nos meus cabelos. Criança ainda, André. Mas me fez sentir uma coisa boa. Quente. Uma coisa que eu nunca tinha sentido antes. Parecido com a mãe. Antes da mãe. Você sabe, André, a mãe...
A mãe ficou louca, Pedro.
A brisa fria e o céu de aço. O quarto ia se acendendo de luz, que brotava através das frinchas, pelo reboco rachado, formando figuras engraçadas no alto da parede. Previa, através das pálpebras, a alva suave do amanhecer, e a mãe que vinha pisando devagar. E vinha para me acordar. Eu que já estava acordado faz tempo, mas fingia dormir de novo; só para ter aquele momento, aquele prazer bom da nossa infância: Bom dia, coração.
Ela ia entrando debaixo dos lençóis, me tocando suavemente as mãos, fazendo festa nos meus cabelos. Bom dia, coração. Vamos, e deixa de preguiça que o dia já começou. Vai lá, brincar com o teu irmão.
Eu me levantava repleto. Corria para fora feito louco. Cheio de mim mesmo eu procurava por você, André. A algazarra da criançada brincando no nosso quintal. Debaixo da mangueira. A mangueira da nossa infância.
Você sabia que a Maria Rita é preguiçosa como eu quando criança? Fica no quarto me esperando para levantar. Se eu não vou, não sai da cama, não. Fico pensando... Não sei o que deu na Aninha para ir embora assim de repente. E levar a menina junto. A Maria Rita, a minha pequenininha. Como é que ela está acordando sem eu lá, André?
A gente se acostuma a tudo nesta vida, meu irmão.
Não acostuma, não. A mãe nunca acostumou.
– André! Cadê o seu irmão, menino? Cadê ele? Vocês não foram juntos?
– Fomos, mãe. Mas ele ficou lá. Não quis vir, não. Você sabe como ele é esquisito.
– Esquisito nada, menino. É seu irmão. O único que você tem. E é mais novo. Você tem que cuidar dele, André.
– Eu cuido, mãe. Mas ele é esquisito.
Toc. Toc. Toc.
Espera, André, espera que estão batendo na porta. Já vou ver quem é. Mas espera aqui. Espera. Eu já volto.
– Quem é?
– Sou eu. A dona Esperança. Está tudo bem aí dentro com você, Pedro?
– Está, sim, dona Esperança. Pode deixar.
– É que eu ouvi barulho. Você está sozinho, Pedro?
– Estou. Pode deixar.
– Tudo bem então. Se precisar...
– Obrigado, dona Esperança. Não precisa.
A gente passava o dia inteiro naquele quintal. Era um tempo comprido. Em que as horas pareciam arrastar-se pelas paredes, preguiçosas. A mãe, depois que o pai foi embora, trabalhava dobrado. Dia e noite costurando. Colocou a máquina na varanda para ficar vendo a gente brincar. Lembra, André? A gente na mangueira do quintal: Pedro, desce daí, menino! Vem brincar com o seu irmão, com as outras crianças. Tá fazendo o que esse tempão aí sozinho?
Eu estou pensando, mãe.
Pois então desça já. Você pensa demais, menino. Isso não pode acabar bem, Pedro.
– Pedro, por favor, sai desse quarto. Vem aqui com a gente. Vem brincar com a sua filha.
– Minha filha. Minha pequenininha...
– Meu Deus, dê-me forças. Assim não vai nada bem. Você precisa se esforçar mais,