Lá fora... na rua é diferente!: adolescência, escola e recusa
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Sobre este e-book
A adolescência, cada dia mais, parece ser esse lugar que ao se mostrar "tão cheio de" teorias, apostas, pensamentos e ideais, reflete justamente o eterno vazio a ser preenchido que comporta. Esse momento no qual o sujeito necessita aprender a lidar com a impossibilidade de pronunciar aquilo que é por natureza indizível, mas que se apresenta no íntimo como indispensável de ser narrado.
E, se falar sobre a adolescência traz consigo as dificuldades elementares que acompanham esse termo, narrá-la no contexto escolar parece se tornar ainda mais sombreada e densa devido às variáveis que a acompanha.
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Lá fora... na rua é diferente! - Márcio Boaventura Jr
Editora Appris Ltda.
1ª Edição – Copyright© 2015 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
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Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO EDUCAÇÃO, TECNOLOGIAS E TRANSDISCIPLINARIDADE
A Miriel e Dian, sem os quais nada sou, por toda coragem dada para que eu sempre me arrisque em novas trilhas e não tema aquilo que há lá fora... tão dentro.
Márcio Boaventura Jr.
Aos meus orientandos, a quem sou grato por me ofertarem suas palavras: estas que compõem meu reino e minha honra.
Marcelo Ricardo Pereira
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos adolescentes entrevistados que, em sua singularidade, tornaram esta pesquisa tão interessante, instigante e intrigante.
Ao mestre, orientador e amigo, Marcelo Ricardo Pereira, por apresentar-me a novas, desafiadoras e fabulosas perspectivas, e por me incitar a travessias até então jamais imaginadas.
Às professoras Maria Cristina Soares de Gouvea e Andréa Máris Campos Guerra por enriquecerem meu trabalho com uma leitura atenta e argumentações ímpares.
À Joanna Del’Amor pela guiança, amparo e cuidado.
A todos da Ciranda da Terra pelos momentos inesquecíveis que marcaram minha existência.
À Ana Cristina Anunciação Caldeira, pelo auxílio dado ao longo das entrevistas e pelo trabalho sempre parceiro.
À Cássia Oliveira, fonte constante de inspiração sem a qual não saberia viver.
Aos colegas da pós-graduação Bárbara Oliveira, Gustavo Martins, Gilmar Moura, Lucinéia Toledo, Libéria Neves e Bruna Albuquerque que, com os debates incessantes nas classes, corredores e intervalos, ampliaram minha visão e me ajudaram a erguer mais alto o limite do desafio.
Aos amigos Alan Pires; Shirley Fraguas; Priscila Resende; Jussara Paschoalino; Roberta Alvim; Maria Lúcia da Penha; Elza e Cristina Rotheia, por tornarem a caminhada mais alegre e suave.
Às minhas tias Sônia Boaventura e Maria Cristina Cambraia, cujos olhares de incentivo e amor me acompanham por onde quer que eu ande.
Aos meus pais, Márcio Boaventura e Etelvina Cambraia, pelo presente da vida que em alegria celebro com aqueles que prezo.
E, por fim, à Léa Fonseca, meu núcleo de apoio forte e afetuoso ao qual tenho a honra de chamar de avó.
Márcio Boaventura Jr.
Ao Márcio Boaventura Jr., por permitir na solidão do trabalho acadêmico mais do que uma orientação implicada: um encontro parceiro a quatro mãos.
Marcelo Ricardo Pereira
O que há de mais difícil para o sujeito humano do que perceber que seus semelhantes são verdadeiramente semelhantes, quer dizer, que nenhum deles possui aquilo do qual ele se considera desprovido?
M. Safouan.
É o que nos revela também, por outras vias, a psicanálise. Ela descobre, na alienação, um desejo de consecução, de término, que pode ser origem de sofrimento. A psicanálise seria mal compreendida se considerada somente como técnica que permitisse aos indivíduos ‘ancorados na infância’ transforma-se finalmente em homens. O método e a cura psicanalíticos tendem, pelo contrário, a desenraizar essa ilusão do término que cada um acredita constatar no caso do outro e da qual se imaginava privado.
G Lapassade.
APRESENTAÇÃO
Que tempos são estes?
– interrogariam nossos antepassados chamando atenção para a apatia indiferenciada, a violência fria, o rechaço das tradições e a melancolia pós-revolucionária pouco recoberta pela artificial euforia do mundo virtual. A sociedade ocidental de hoje parece mesmo ser caracterizada pela suspensão do desejo e, consequentemente, pelo direito e transbordamento do gozo que visa tão-somente à satisfação individual tão imediata quanto vazia. Muitas das antigas ilusões foram soterradas e, sem elas, acabamos desembocando num mundo da ordem de tudo ser politicamente correto, cuja ilusão suprema parece ser a ausência de ilusões e de utopias. No lugar delas, emerge o que Pereira e Gurski denominam pseudoconsenso individualista e apolítico, em que todas as coisas são emparelhadas, sem profundidade e sem adensamento
¹.
O nosso entorno é caracterizado essencialmente por duas forças contraditórias: de um lado, o excessivo planejamento, a ortopedia e a métrica da vida social, próprio do que se adjetiva como politicamente correto; do outro, o descontrole do espaço comum, a passagem ao ato irrefletido e a perda da noção de totalidade das experiências sociais e pessoais. Em ambos os casos, as subjetividades são asfixiadas, mas tendem a ressurgir violentas, fragmentárias, explosivas, resistentes; muitas vezes traduzidas em atitudes individualistas e pseudolibertárias. A recusa parece fundamentar nossos atos de maneira capilar, mas uma recusa que não se reverte necessariamente em reflexão crítica ou em luta política. Ao contrário, se reverte em massificação do estilo de vida e na valorização do imediato que contribuem para transformar tais atos em cultura do espetáculo e em inflação de narcisismos.
É nesse palco que nossos jovens constituem suas subjetividades. Trata-se, como ainda lembra Pereira e Gurski, de um cenário polifônico, contraditório e instável em que, por meio de agrupamentos juvenis, de ídolos, de modismos e de apagamentos das diferenças geracionais, o adolescente exercita as relações, cria código de comunicação e de atitudes. Porém, ao igualar-se a seus pares para diferenciar-se dos demais, todo jovem confronta-se com imagens ilusórias que podem favorecer comportamentos de risco e acirramento das divergências sociais. Na medida em que os espaços públicos tornam-se arriscados e ameaçadores, é comum vermos jovens refugiarem-se e submeterem-se à tirania (horizontal) de seus grupos, aos sítios exclusivos de consumo, à virtualidade artificial de suas redes sociais e aos domínios protegidos de suas instituições escolares – sem necessariamente sucumbir-se às suas normas e ortopedias, mas sim à sua previsibilidade protetiva.
Entre os infindáveis programas de inclusão escolar de jovens que se encontram em defasagem idade-ano, decidimos perguntar como se dá a constituição da subjetividade adolescente em sujeitos que se acham em um desses programas, que a nosso ver, em princípio, não conspiraria para que tal constituição ocorresse. Esta obra aborda, em especial, adolescentes pobres matriculados em um programa governamental de aceleração de estudos que demonstra conter níveis de socialização dentro do esperado, espaço escolar relativamente adequado, professores razoavelmente instrumentalizados e acesso apropriado a recursos tecnológicos e materiais pedagógicos nivelados para esse fim. Ainda assim, os jovens com quem estivemos parecem não esconder uma espécie de resistência em se fazer parte das exigências pedagógicas do programa, apesar das condições aparentemente favoráveis de reversão de suas defasagens. Nota-se uma tendência premente a transgredir tanto as exigências de conduta quanto as normas pedagógicas.
Para tanto, analisamos essa problemática com base nos dados investigados e extraídos de uma turma do Programa de Aceleração de Estudos Floração da prefeitura de Belo Horizonte-MG (gestão 20092016). Tal programa governamental visa a reinserir os jovens no fluxo regular de ensino, já que os mesmos, em grande maioria, são avaliados como estando na condição de defasagem de conteúdo ou de analfabetismo funcional. Importa saber que entre 2009 e 2014, o governo da cidade instituiu o Floração, oferecendo aos adolescentes de 15 a 19 anos do Ensino Fundamental e da Educação de Jovens e Adultos ambiente virtual, material pedagógico próprio, dinâmica de socialização, entre outros instrumentos, que permitissem aos estudantes criar oportunidades de conclusão do Ensino Fundamental em um período de tempo menor do que o regular, além de encaminhá-los para a formação profissional e técnica, gratuitamente. Foram mais de 90 escolas da cidade empregando a metodologia de Telecurso desenvolvida pela Fundação Roberto Marinho, das Organizações Globo².
A turma em referência, como as demais do programa, é conduzida por uma professora cuja função docente demonstra ser esvaziada, uma vez sendo aplicada a metodologia do Telecurso. Entretanto o programa conta com um expressivo destaque midiático e com um coordenador designado apenas para acompanhar o desenvolvimento das turmas da escola em que se encontra.
Suspeitamos de que isso possa gerar uma maior pressão profissional, e para pior. A professora tem que lidar diretamente com expectativas políticas, com o status de atuar no programa de reconhecimento local e de ter sido treinada por uma das maiores fundações privadas (e controversas) do Brasil. Analisaremos até que ponto sua cumplicidade, e não