Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

"... e Eles Viveram Felizes Até Seu Fim": Narrativas sobre a Morte na Literatura Infantil Brasileira
"... e Eles Viveram Felizes Até Seu Fim": Narrativas sobre a Morte na Literatura Infantil Brasileira
"... e Eles Viveram Felizes Até Seu Fim": Narrativas sobre a Morte na Literatura Infantil Brasileira
E-book294 páginas4 horas

"... e Eles Viveram Felizes Até Seu Fim": Narrativas sobre a Morte na Literatura Infantil Brasileira

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Sendo a morte parte da condição humana, o que e como fala sobre ela a nossa literatura infantil? Qual o papel e a importância das narrativas que abordam tema tão sensível? Podem as crianças lidar com o sofrimento causado pela morte?

Essas questões motivaram a autora a analisar a abordagem dos temas da morte, do morrer, da perda e do luto em livros da literatura infantil brasileira contemporânea disponibilizados no mercado. Nessa trajetória, propõe-se a reflexão sobre a concepção "infantilizada" das crianças, que fragiliza sua autonomia, e sobre a noção equivocada de que não são capazes de lidar com o sofrimento e, por isso, devem ser poupadas do contato com a morte, inerente à vida.

Ao partir de argumentos que buscam desconstruir a noção vigente sobre a literatura enquanto elemento ilustrativo, ou ainda as perspectivas estritamente utilitaristas ou terapêuticas, a autora defende e reconhece a relevância da literatura para as ciências humanas e sociais.

Se narrar faz parte da condição humana, assim como a constatação de nossa finitude, nossas narrativas trazem indiscutível capacidade de reorganização, de ressignificação de experiências de vida, de conhecimento do humano. Contudo, para além dessa dimensão, é a literatura recurso inestimável para o desenvolvimento do pensamento crítico e ético, para a inserção cultural, social e política, portanto com potencial de possibilitar novos caminhos.

Num movimento recíproco, lemos e somos lidos pelos textos e pelas imagens; construímos nossas narrativas ao mesmo tempo em que elas nos constroem. E, nesse sentido, nosso momento histórico é uma folha em branco que traz em si o potencial de escrevermos as próximas linhas, páginas, capítulos... até o fim.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento26 de jun. de 2020
ISBN9786555236620
"... e Eles Viveram Felizes Até Seu Fim": Narrativas sobre a Morte na Literatura Infantil Brasileira

Relacionado a "... e Eles Viveram Felizes Até Seu Fim"

Ebooks relacionados

Artes Linguísticas e Disciplina para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de "... e Eles Viveram Felizes Até Seu Fim"

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    "... e Eles Viveram Felizes Até Seu Fim" - Regina Santana

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2017 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

    Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.

    Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.

    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO PSICOPEDAGOGIA

    A meu pai.

    AGRADECIMENTOS

    Aos meus pais, com quem aprendi a amar a vida e a importar-me com o outro. E à minha mãe, em especial, por ensinar a acreditar que o dia seguinte será melhor.

    Ao meu irmão e à minha irmã, porque, quando a vida nos testou, tornamo-nos companheiros e, juntos, sobrevivemos ao mar de morte.

    À Mariana, minha filha, por sempre ter compreendido meus necessários períodos de ausência e pelo muito que me ensinou, e ensina.

    Aos professores Jorge Coelho Soares e Ariane P. Ewald, por sua imensa generosidade e pela sabedoria de orientar desconstruindo fronteiras. Tenho com vocês uma dívida intelectual e de formação pessoal impagável.

    A todo o grupo Bon Appétit!, pelo compartilhamento de projetos, dúvidas e reflexões, acompanhados pelas trocas de deliciosas receitas.

    Às amigas e aos amigos que fazem parte de minha trajetória e, em especial, ao Alexandre Senna, à Juliana Costa, à Márcia Lima, ao Tiago (Tiquinho Oliveira) e à Vera Alves, por se permitirem afetar pelo mundo, compartilhando reflexões e inquietações. Sou grata por todo o incentivo e por tornarem minha vida menos cheia de certezas e indescritivelmente mais interessante.

    Em pouco tempo quase todo assunto de que querem falar lembra mais uma cena desagradável e se torna um assunto de que não podem falar. Assim, à medida que o tempo passa, há cada vez menos assuntos de que podem falar com segurança, e no fim praticamente só as notícias e o que estão lendo, mas nem tudo que estão lendo. Não podem falar de certos membros da família dela, do horário de trabalho dele, do horário de trabalho dela, de coelhos, camundongos, cachorros, de certas comidas, certas universidades, do calor, da temperatura alta ou baixa no quarto à noite e durante o dia, das luzes acesas ou apagadas nas tardes de verão, do piano, de música em geral, de quanto ele ganha, de quanto ela ganha, de quanto ela gasta etc. Mas um dia, ao falarem sobre um assunto proibido, ainda que não o mais perigoso, ela percebe que talvez seja possível, às vezes, falar calmamente e com cuidado de um assunto proibido, para que volte a ser um assunto de que se pode falar. E em seguida falar calmamente e com cuidado de outro assunto proibido, para que haja mais outro assunto de que se pode falar. Desse modo, à medida que mais assuntos puderem ser abordados de novo, eles conversarão mais, e se conversarem mais, haverá mais confiança entre eles, e quando houver bastante confiança, poderão se arriscar a tratar até do mais perigoso dos assuntos proibidos.

    Assuntos proibidos, Lydia Davis

    MEU DIÁLOGO COM A LITERATURA E COM A MORTE

    Quase não tínhamos livros em casa

    E a cidade não tinha livraria

    Mas os livros que em nossa vida entraram

    São como a radiação de um corpo negro

    Apontando pra a expansão do Universo

    Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso

    (E, sem dúvida, sobretudo o verso)

    É o que pode lançar mundos no mundo.

    Livros, Caetano Veloso

    Um trabalho científico é em grande parte

    uma autobiografia disfarçada...

    Michèle Petit

    Quase não tínhamos livros em minha casa... O motivo só mais tarde pude compreender. Quando eu e meus irmãos éramos crianças, nosso pai e nossa mãe esforçavam-se para que não nos faltasse o que entendiam ser o necessário: a casa, o alimento, as roupas, os calçados e os livros escolares. Em suas famílias não havia a tradição de cultivar livros, e não me recordo de algum ter chegado a nossas mãos vindo de seus avós, pais, tios. Onde cursei o então ensino primário, também não tínhamos livros. Era uma escola pública pequena de Jacarepaguá, Rio de Janeiro. Não lembro – e imagino que lembraria – de oficinas de leitura ou visitas à biblioteca.

    Mas os poucos livros que entraram em minha vida fizeram muita diferença. Os primeiros de que me recordo eram parte de duas pequenas coleções de contos infantis. O lugar deles não era a estante, então eu e meu irmão podíamos manusear, ler, reler. E fazíamos isso.

    Enquanto escrevia este texto, lembrei-me que, dentre todas as histórias que ali estavam, em sua maioria com o e viveram felizes para sempre no final, causava-me muito incômodo ler A Pequena Vendedora de Fósforos, em que Hans Christian Andersen fala das esperanças de uma criança enquanto morre de frio nas ruas onde tentava vender fósforos para sobreviver. Apesar do final consolador, representado pela noção de transcendência (em seu último momento a menina sonha que sua avó, que havia morrido, vem buscá-la), o conto fala da morte solitária de uma criança, da difícil vida que tinha e da inação de todos que por ela passavam. Toda sua aspereza fazia-me visitar este livro com muito menos frequência que os outros. Mas ele estava ali. Depois de lido, permaneceu comigo.

    Mais tarde, vieram as leituras feitas para a escola que, se obrigatórias, para mim eram oportunidades preciosas de contato com o livro. Impossível esquecer os agradáveis e provocadores textos de Orígenes Lessa em Memórias de um cabo de vassoura e em Memórias de um fusca, ou o sensível O meu pé de laranja lima, de José Mauro de Vasconcelos.

    Ainda de minha infância, duas imagens são especialmente muito presentes: a primeira é a de meu pai, que estava sempre a consultar as enciclopédias em busca de informação sobre o que desconhecia. Nossa principal fonte era a Conhecer, onde qualquer pesquisa se transformava num evento de família pela dificuldade da busca naqueles exemplares que nunca tínhamos dinheiro para encadernar. Por vezes, um conhecimento encontrado era compartilhado em voz alta. Poucos anos depois, foi ele quem trouxe uma bela coleção de clássicos da literatura. Estava com cerca de 13 anos e escolhi começar por A idade da razão, de Sartre. A leitura foi decisiva para interessar-me por todos os outros. Desde então, passaram a fazer parte de minha vida autores, cujas narrativas, em diferentes tempos, sempre proporcionam uma nova perspectiva para a compreensão do humano.

    Minha segunda grande referência foi meu avô materno. Como um dos filhos de uma numerosa família, pouco pôde estar nos bancos da escola. Tornou-se operário e trabalhava em dois turnos para manter a família que formou ao casar-se com minha avó. Ao longo do tempo, contudo, reuniu experiências e saberes, em parte por uma razão que qualquer um reconhecia: amava ler. Na imagem que guardo, meu avô está sentado em sua poltrona cantando ou lendo. Encantava-me aquele homem que discutia sobre política, religião e outros assuntos com uma riqueza de detalhes que poucos conseguiam acompanhar.

    Quando meu pai morreu, eu tinha 16 anos, e na ocasião da morte de meu avô, 21. Lamento não ter agradecido a eles pela inestimável herança que me deixaram.

    Por isso, não sei bem se pelo contato com os livros proporcionado por meu pai e sua inquietante curiosidade, pela paixão pela leitura de meu avô, pelos clássicos que tão cedo entraram em minha vida, pela menina vendedora de fósforos ou pela fantasia e imaginação proporcionada pelos contos e outras narrativas com os quais tive contato ainda na infância... (ou talvez a soma dessas vivências), aqui estou para falar de livros... Livros que me acolheram nos momentos críticos, mas, antes de tudo, que me auxiliaram na escolha de alguns caminhos.

    É, portanto, para mim uma deliciosa tarefa que toma forma de uma necessária discussão, quando busco, por meio deles (os livros), compreender o papel da literatura, e em especial da literatura infantil, se o assunto é a morte.

    Nas próximas linhas, nada se propõe a ser decisivo, mas não escondo um desejo: o de que consigam percorrê-las com a mesma vontade de conhecer que me ensinou meu pai, o amor pelas letras de meu avô, o imaginário presente nos livros e a inquietação diante do mundo dos autores que fizeram e continuam a fazer parte de minha vida.

    A autora

    PREFÁCIO

    Minha neta, seu cão e a morte

    Recentemente minha neta de cinco anos viu o cão beagle, que ela amava tanto, agonizar em seus últimos dias de uma velhice muito bem cuidada. Em nossa família, cães, gatos e humanos têm o mesmo estatuto existencial. Questões incontornáveis foram então postas para serem resolvidas por ela: o cão morreu ou se foi? Se ele se foi, por que se foi, por que quis ir e, afinal, para onde foi?

    Diante do corpo, em casa, mais questões surgiram: o corpo ainda era o cão ou o cão mesmo já fora? O que restava dele, inerte diante de seus olhos, era ainda o cão ou o cão se fora? E o que restara dele era o que, então? E minha neta multiplicou suas dúvidas: se o cão se fora, todo mundo se vai um dia também? Um dia terei que ir também? Quem escolhe este momento para todo mundo ir? E quando a ideia de um Deus foi colocada em cena por alguém, surgiu a inevitável pergunta: se existe um Deus, que escolhe por mim, que razões ele tem para fazer isto?

    Ela se viu assim, aos cinco anos, perplexa e angustiada, diante das mesmas questões complexas que Thich Nhat Tranh, grande mestre budista, analisa em seu último livro, Silêncio, questão central para o budismo, que defende a criação e manutenção em nós de um silêncio nobre voltado para pensar o sentido de nossa existência. E neste espaço de silêncio nobre podemos por fim perguntar: o que queremos fazer de nossas vidas? Nós estamos aqui, mas por que estamos aqui? Quem somos nós, individualmente? E o velho mestre budista nos adverte que essas não são somente questões filosóficas. São questões existenciais fundamentais. Se não somos capazes de respondê-las para nós mesmos, não teremos paz nem alegria de viver, pois não é possível ter alegria sem um mínimo de paz.

    É exatamente esse pequeno pedaço de paz que minha neta procura agora com suas perguntas. As crianças, como sabemos hoje, e Arminda Aberastury nos ensinou, têm uma aguda capacidade, quase sempre insuspeitada pelos adultos, de observação para a dinâmica complexa do mundo psicológico. Sofrem como nós, diante de dilemas existenciais, padecem de angústias intensas diante de muitas questões essenciais que nos angustiam e que nelas mais se revelam como sintomas do que com palavras. E certamente uma de suas maiores angústias advém da incompreensão dos adultos em perceber a complexidade e a dinâmica singular de seu mundo interior, em permanente movimento.

    A falta de respostas a suas perguntas ou mesmo a percepção dolorosa de que vive cercada de mentiras complacentes, ditas a ela com a suposta intenção de mitigar e edulcorar seu sofrimento, terminam por silenciá-la, agudizando suas angústias. Um dia, talvez, muito mais tarde, entenderá por fim – o que em nada reduzirá sua desconfiança – que os adultos que a cercavam, diante das suas inevitáveis perdas por morte, tendem a confundir no plano pessoal a dor da perda com a explicação da perda. E que os adultos consolam então, em primeiro lugar, a si mesmos, e não as crianças, com explicações que imaginam irá aliviar sua própria dor. É como no poema de Daniel Faria, Homens que são como lugares mal situados. Começamos a lê-lo como uma descrição de imensa fragilidade do outro, e terminamos percebendo que essa profunda fragilidade habita em nós e em nós faz sua morada permanente.

    Muito mais tarde ainda perceberá, talvez, finalmente, que no plano social essa ideia de uma fragilidade a ser protegida do mundo e da vida ajuda a perpetuar uma noção fundamental para nosso projeto de modernidade atual. Nele somos levados a uma ausência da perda por negações sistemáticas que afastam o indivíduo das questões das quais não deveria fugir. Estas teriam o poder de refazer nele o sentido de sua existência, menos voltada para o consumo de bens e mais voltada para o mistério de seu mundo interior.

    Patrick Vassort, em seu livro recente com o sugestivo título de L’homme superflu, enfatiza que o cerne do projeto da modernidade, em sua fase atual, é exatamente um despojamento da humanidade do homem, reduzindo-o a uma máquina produtivista não reflexiva e tendencialmente supérflua e, consequentemente, descartável e/ou intercambiável com máquinas semelhantes. E no centro desse projeto de humanidade a morte precisa ser vista como acidental, algo a ser negado e pela qual os indivíduos são responsabilizados pessoalmente por sua ocorrência, negligentes que foram com seu corpo e sua vida. É preciso então, desde cedo e já na mais tenra infância, ir lançando os alicerces desse projeto de existência, maquínico e completamente asséptico de sentimentos.

    A outra ideia que subjaz a esta, mas também nunca enunciada, é a de admissão de que a perda nos faz infelizes, o que contraria a premissa fundamental do projeto de modernidade capitalista onde todos têm a obrigação de serem felizes o tempo todo já que tudo pode vir a ser comprado.

    Por fim a última noção que se camufla sob estas, e se deriva da mesma lógica desse nosso projeto de modernidade, é a de que não devemos nos preocupar muito com as perdas definitivas por morte e que tudo pode ser superado, obviamente, com a ajuda de especialistas. Estes garantirão esta superação definitiva do caráter trágico da existência por meio das banalidades que podem ser encontradas em livros de autoajuda. A ideia de uma perda que não se supera e que pode persistir em nós como ferida aberta para sempre é inconcebível e, quando exposta dessa forma, aponta para uma fraqueza moral do indivíduo ou incompetência na escolha dos especialistas ou mesmo as duas coisas juntas.

    Impossível para mim não me lembrar aqui do poema de Kenneth Koach, Um trem pode esconder outro trem, ou seja, uma ideia pode esconder outra e que a vida é muito simples, mas esconder a vida é que é incrivelmente complexo. Com esta mesma visada existencial escrevi, algum tempo atrás, quando da morte de minha mãe, um dos meus quase-poemas:

    É tão simples morrer

    É como apagar a luz

    como fechar uma cortina

    como virar a última folha de um livro

    como dizer não ao ouvir um pedido

    como dar a última volta na chave

    e não abrir mais porta alguma

    como fechar os olhos

    e não conseguir mais abri-los.

    Para os que morrem

    é tudo tão simples.

    Para os que ficam,

    resta o tempo,

    um outro tempo,

    nada simples...

    Portanto a nós, os que restamos depois das grandes perdas, cabe lidar com esta simplicidade altamente complexa da perda dos que amamos. E temos que aprender a fazê-lo no contexto social do nosso tempo, com a certeza de um horizonte sombrio, preocupante, no qual a vida se apresenta a nós danificada nos termos adornianos. Dela algo foi retirado e nos foi negado, cabendo a nós recompô-la em sua integridade.

    Porém talvez da voz poderosa de Hannah Arendt possa nos vir algum alento, ela que vivenciou igualmente tempos sombrios. Deve ressoar em nós, neste momento, sua ideia de que mesmo em tempos sombrios devemos e podemos esperar alguma iluminação, que não vai chegar a nós como chama incandescente, e sim como vela bruxuleante mas firme no poder de sua luz e que são acesas pelas pessoas que decidem pensar corajosamente a favor do mundo e da vida.

    Vejo o livro de Regina Santana exatamente como uma dessas velas a que Hannah Arendt se refere, capaz de iluminar nosso projeto de modernidade no que ele tem de mais trágico e sombrio. Com agudo e maduro olhar, competente e multifacetado, capaz de romper os limites dos saberes que têm o ser humano como centro de suas preocupações, a autora se dispõe a pensar as implicações da morte, da grande perda e do luto incontornável. Para tanto procurou as narrativas dos que visam atingir pela Literatura, como seu alvo principal, as crianças. Confrontando essas narrativas ela termina não só por lançar luz à dinâmica interna e pouco conhecida que rege o mundo infantil como desvela a própria dinâmica da grande narrativa que constitui o nosso projeto da modernidade em curso, hipermoderno em sua essência.

    Creio, por fim, por dever de honestidade intelectual, que devo contar o quase-fim da história – já que as histórias não terminam nunca – de minha neta, Clara Rosa, diante da morte de Safira, sua beagle tão amada. Decidiu-se, após longa deliberação familiar, e nisto fui voto vencido, de que Safira tinha virado uma estrelinha no céu e poderia ser vista toda noite para sempre. A segunda parte da solução, esta por sugestão minha, e não foi de fácil aceitação, foi enterrar o corpo do que tinha sido Safira numa cova cavada por todos da casa, incluindo minha neta, debaixo da sombra amena de um velho pé de amora, no fundo do quintal, perto dos olhos e, certamente, muito mais perto do coração.

    Jorge Coelho Soares

    Psicólogo social, professor adjunto da

    Universidade do Estado do Rio de Janeiro

    Primavera de 2016

    ALGUNS LIVROS ESCRITOS PARA CRIANÇAS

    (E ADULTOS) OU POR ONDE PASSARAM MEUS SENTIDOS

    Esta lista antecipa para o leitor os títulos e autores dos livros – de literatura infantil ou a ela relacionados – lidos para tecer este texto. Alguns deles são fruto da proposta da pesquisa e outros acrescentei por opção, considerando seu auxílio para a compreensão da importância da literatura como recurso para lidarmos com experiências que são parte da condição humana.

    As informações completas dos livros estão nas Referências.

    Livros da literatura infantil brasileira

    sobre a morte e o morrer

    A felicidade dos pais (2006) - Rubem Alves; André Ianni (Il.)

    A história de Pedro e Lia (1994) - Ieda Adorno, Pierre Trabbold (Il.)

    A montanha encantada dos gansos selvagens (1999) - Rubem Alves; Marcia Franco (Il.)

    A mulher que matou os peixes (1999) - Clarice Lispector; Flor Opazo (Il.)

    A poltrona vazia (2005) - Sandra Saruê; Marcelo Boffa (Il.)

    A sementinha medrosa (2003) - Marcia Oliveira; Terê Zagonel (Il.)

    A visita (1991) - Ivo Marino; Luiz Carlos Maia (Il.)

    Cadê meu avô? (2004) - Lidia Izecson de Carvalho; Barbara W. Steinberg (Il.)

    Contos de enganar a morte (2003) - Ricardo Azevedo

    Contos de morte morrida: narrativas do folclore (2007) - Ernani Só; Marilda Castanha (Il.)

    Conversando sobre a morte: para colorir e aprender (2012) - Carla Luciano Codani Hisatugo

    De morte!: um conto meio pagão de folclore cristão (2005) - Angela Maria Cardoso Lago

    Dudu vai ao hospital (2006) - Lana Veras; Meire Fernandes (Il.)

    Emmanuela (2003) - Ieda Oliveira; Marilda Castanho (Il.)

    Enquanto papai não volta... (2012) - Maria Inez do Espírito Santo; André Côrtes (Il.)

    Eu vi mamãe nascer (2009) - Luiz Fernando Emediato; Thaís Linhares (Il.)

    Fica comigo (2001) - Georgina da Costa Martins; Elisabeth Teixeira (Il.)

    Histórias da boca (1988) - Lidia Izecson de Carvalho; Alex Cerveny (Il.)

    Lia foi à Lua (2009) - Tonio Carvalho; Guto Lins (Il.)

    Longe

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1