Trajetória de mulheres negras ativistas
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Trajetória de mulheres negras ativistas - Maria Aparecida Silva
Editora Appris Ltda.
1ª Edição – Copyright© 2017 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.
Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
Dedico este livro ao meu único filho, Husani Yau Silva e Gonçalves (in memoriam), pelo amor, carinho, bondade, cumplicidade, companheirismo, amizade, alegrias e diversões que vivemos. Saudades eternas!
À minha mãe, Ana Roberto da Silva (in memoriam), com quem convivi poucos anos da minha vida, mas de quem tenho grandes recordações.
Ao meu pai, José Sivirino da Silva (in memoriam),
pelo incentivo e o orgulho que sempre teve de mim.
Às Iabás, pela energia e conforto para suportar as perdas dos familiares queridos, e aos Orixás, presentes em minha vida, fortalecendo-me para que eu possa
seguir a caminhada. Agradeço todos os dias!
Às mulheres negras, que no passado e presente construíram um
legado de ativismo para as guerreiras que somos.
AGRADECIMENTOS
Aos meus familiares, que mesmo distantes torcem por mim.
Ao Prof. Dr. Henrique Cunha Júnior, pela amizade, pelo incentivo constante e por quem tenho imenso respeito e admiração.
À construção e contribuição do Festival Comunitário Negro Zumbi - FECONEZU, espaço de ativismo, conscientização política, cultural, de sociabilidades e resistências; sou grata pelas vivências e experiências, parte da trajetória e memória de minha vida.
À Capes, pelo apoio à pesquisa.
Às mulheres negras interlocutoras, que pacientemente dispuseram de seus relatos para este trabalho, que pode visibilizar e demarcar o quanto as suas vivências e experiências têm uma dimensão valorosa para a compreensão dos movimentos sociais negros.
Às amigas inseparáveis, Aparecida de Oliveira Brandão, Ana Maria Ferreira e Nadir Sabino, pelas palavras de apoio e estímulo.
À Maria Nazaré Salvador, amiga, comadre e irmã de fé, sempre presente, caminhando junto comigo todos esses anos, dividindo sua energia positiva, os ensinamentos e a sabedoria. A ela, o meu carinho.
Em especial, à Ana Cristina Conceição Santos, com amor e carinho nesses anos. Agradeço pelo incentivo sempre e, principalmente, por estar presente e fazer parte dos momentos mais importantes da minha vida.
PREFÁCIO
Bons ventos sopram no horizonte e eles falam de novos tempos, sussurram no seu compasso a cada passo os passos de um movimento social que fala de igualdade e equidade de tratamento. São falas novas de coisas antigas, falas fortes da força de mulheres negras. São atos, falas, endereços e atitudes de um conjunto que traduz a voz da liberdade, contra racismos, sexismos, machismos. Falam elas e falam forte, agem firme, e no eco firme dessas falas é que se compõe o enredo deste livro.
Existe uma discussão profunda sobre a qualidade de vida e a democracia, discussão que necessita ser ampliada e pensada além dos princípios da Constituição de igualdade formal entre as pessoas. Necessita ir para a prática das ações concretas e para o uso de formas de interações múltiplas. O campo da Educação necessita pensar a inclusão ampla dos temas de interesses da população negra, esta entendida em seus conteúdos históricos, como a população que, aprisionada pelo escravismo criminoso, foi libertada nas teias das desigualdades sociais persistentes da sociedade brasileira, impostas pelo capitalismo racista e machista. São verdades que a realidade brasileira mostra e as pessoas em geral têm dificuldade de entender, e que este livro que hora apresento-nos ajuda a compreender.
O livro resulta de um consistente trabalho de pesquisa acadêmica, realizada na cidade de Araraquara, no interior paulista, onde se organizam movimentos sociais movidos pelas causa da população negra e pouco compreendidos pelas razões da população branca, divorciada de uma preocupação com a realização efetiva da democracia e da mudança ampla das formas de relacionamentos sociais no Brasil. Parte da população negra reclama a necessidade de uma equidade social muito além da igualdade formal que nada resolveu de amplo. São movimentos que têm como base as lideranças femininas negras. As rosas negras, além de representarem a beleza da expressão do nosso povo, com seus espinhos demonstram o lado duro da vida e propõem caminhos de saída.
Falar de Maria Aparecida Silva é falar de tantas Marias que lutam pela melhoria da vida na sociedade brasileira, mas falar desta Maria Cida é reconhecer uma perspicaz pesquisadora, doutora, que com grande preparo teve o faro necessário para explorar uma temática original, atual e necessária para o conhecimento brasileiro. Pessoa singular como Maria, nascida no interior paulista, em meio a movimentos sociais, estuda em Araraquara, num período de grande efervescência dos movimentos negros paulistas e da participação nessa luta de mulheres negras, carrega um currículo de aprendizados que extrapola o campo da formação acadêmica e fortalece um pensamento social original. Professora da rede de Educação, educadora ativa militante da transformação educacional focada na população negra. Através deste livro, temos um conjunto de fatos, de falas e formas de compreensão da realidade social brasileira, no que diz respeito à especificidade da população negra de cidade do interior, que traduz a problemática de muitos municípios brasileiros fora das grandes metrópoles. Da experiência e dos conhecimentos anteriores, na fase de doutoramento, participou de um período importante da pesquisa científica sobre a população negra, que estamos chamando de Escola da Africanidade e Afrodescendência, no Ceará, e das reuniões do Núcleo de Africanidade do Ceará, no qual se reuniram estudiosos de várias partes do país que elaboraram uma pauta nova para os temas da população negra. No curso do texto hora apresentado, o leitor vai encontrar a novidade desses enfoques, que permitiram um fluxo de ar renovado e de rico oxigênio nos ventos, que embalam as possibilidades de transformação sobre o pensamento no Brasil.
É com grande satisfação e amizade que apresento este livro, tendo a certeza de que o leitor vai encontrar nele um manancial de informações, indagações e conhecimentos que renovarão as opiniões sobre as causas e feitos de mulheres negras e da população negra. Tanto a pesquisa quanto o livro são duas pérolas de beleza, que tenho a satisfação em ter orientado e apresentado.
Henrique Cunha Junior
Professor Titular da Universidade Federal do Ceará.
Que noite mais funda calunga
No porão de um navio negreiro
Que viagem mais longa candonga
Ouvindo o batuque das ondas
Compasso de um coração de pássaro
No fundo do cativeiro
É o semba do mundo calunga
Batendo samba em meu peito
Kaô Kabiecilê Kaô
Okê arô oke
Quem me pariu foi o ventre de um navio
Quem me ouviu foi o vento no vazio
Do ventre escuro de um porão
Vou baixar o seu terreiro
Epa raio, machado, trovão
Epa justiça de guerreiro
Ê semba ê ê Samba á
o Batuque das ondas
Nas noites mais longas
Me ensinou a cantar
Ê semba ê ê Samba á
Dor é o lugar mais fundo
É o umbigo do mundo
É o fundo do mar
No balanço das ondas
Okê aro
Me ensinou a bater seu tambor
Ê semba ê ê Samba á
No escuro porão eu vi o clarão
Do giro do mundo
Que noite mais funda calunga
...
eu faço a lua brilhar o esplendor e clarão
luar de luanda em meu coração
umbigo da cor
abrigo da dor
a primeira umbigada massemba yáyá
massemba é o samba que dá
Vou aprender a ler
Pra ensinar os meu camaradas!
Vou aprender a ler
Pra ensinar os meu camaradas!
(Yáyá massemba – Roberto Mendes e Capinam)
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1
MULHER NEGRA: IDENTIDADE, MEMÓRIA E PARTICIPAÇÃO
CAPÍTULO 2
MULHERES NEGRAS E O PERFIL BIOGRÁFICO
CAPÍTULO 3
MULHERES NEGRAS: MOVIMENTOS DE GÊNERO E POPULAÇÃO NEGRA
3.1 Um olhar sobre as relações de gênero
3.2 Nós, mulheres negras: organização e liderança
CAPÍTULO 4
MULHERES NEGRAS: SOCIALIZAÇÃO E RELAÇÕES DE PODER
4.1 O que nos une: ativismo e experiências sociais
4.2 Relações de poder e população negra
4.2.1 Discriminações na cidade
4.2.2 Discriminações na escola
4.2.3 Discriminações no trabalho
4.2.4 Discriminações no lazer
CAPÍTULO 5
HISTÓRIAS DE MULHERES NEGRAS ATIVISTAS
5.1 Caminhos de sociabilidade
5.1.1 Aspectos negativos da juventude
5.1.2 Aspectos positivos da juventude
5.2 O percurso ativista
CAPÍTULO 6
MULHERES NEGRAS: REPRESENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO E ESCOLA: UMA ABORDAGEM CRÍTICA
6.1 A representação da educação e da escola no cotidiano de mulheres negras
CONSIDERAÇÕES FINAIS
POSFÁCIO
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Compartilho este livro como reconhecimento do protagonismo de mulheres negras junto à população afrodescendente da cidade de Araraquara-SP. Este livro, enquanto resultado de uma pesquisa realizada na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará, pretende apresentar as experiências ativistas de mulheres negras enquanto participantes do movimento social negro, organizadoras de eventos culturais para afrodescendentes e/ou frequentadoras de espaços de maioria afrodescendente, a partir da década de 1970 a 2010. Essas mulheres negras residem em dois bairros da cidade de Araraquara: o Santana e a Vila Xavier.
Realizar esta obra com mulheres negras, partindo do marco temporal da década de 1970, é importante porque demarca sua atuação política construída antes, durante e depois do período histórico da ditadura militar no país, além de dar visibilidade às mesmas, que dedicaram um período de suas vidas a desenvolver e organizar atividades para afrodescendentes. Esta foi a maneira que encontrei de evidenciá-las em sua formação e ativismo individual e coletivo de uma geração. Conduzir esta obra nessa vertente é acreditar que a trajetória das experiências ativista dessas mulheres negras é uma consciência política elaborada enquanto sujeito social no cotidiano, isto é, nas práticas, nas ações que representam as bases históricas e sociais, para compreender a dimensão da existência do conflito social que envolve os grupos sociais afrodescendentes e eurodescendentes.
A escolha pela década de 1970 está no fato deste ser um período marcado pelo regime militar iniciado na década de 1960, por mudanças consideráveis sobre os movimentos negros, evidenciados pelo forte desenvolvimento industrial do país. Nas palavras de Habert (1992), a década de 1970 foi de repressões e o Estado ditatorial impôs um clima de terror em nome da Segurança Nacional
e do combate à subversão comunista
, estendendo um manto de violência e de prepotência que recobriu as mais amplas camadas da população. É considerado o período mais fechado e mais autoritário do regime militar, pois espalhava um clima de medo, insegurança e intranquilidade que se entranhava no cotidiano, principalmente daqueles para quem a liberdade e os direitos nunca chegaram. As resistências reapareceram ou surgiram de várias formas de organização, da luta armada ao cenário das ruas tomadas por manifestações de protestos e reivindicações específicas e gerais, sinal de que o regime militar não conseguiu o silêncio total dos movimentos sociais na construção social e política deste país.
Com o desencadeamento de proibições, as manifestações sociais e culturais de toda natureza, principalmente as que porventura fossem raciais, durante as décadas de 1970 e 1980, os afrodescendentes que impregnaram suas atividades expressivas de um protesto e uma condenação explícita da situação dos negros na sociedade brasileira, foram frequentemente censurados em termos formais e informais, por elites que viam tais acusações como uma afronta ao caráter nacional (HANCHARD, 2001). Mesmo imersas a este período conflituoso, as mulheres negras araraquarenses iniciam uma nova fase dos movimentos sociais negros.
As décadas de 1970 e 1980 são consideradas por alguns pesquisadores como um período de renovação conceitual nos movimentos sociais negros, dentro da ótica dos movimentos da consciência negra (CUNHA JÚNIOR, 2003; PEREIRA, 2000). As mulheres negras confirmam essa transição da década de 1970:
Ainda no final dos anos 70, eu comecei a participar das discussões de temática racial. Final dos anos 70, em 1976, a gente começou com um grupo aqui em Araraquara, o Grupo de Arte e Divulgação da Cultura Negra (GANA)¹. Então, foi uma fase realmente muito, muitíssimo rica. Vem à tona essa questão do orgulho de ser negro. A participação em peças teatrais, a elaboração de peças relacionadas à questão do negro, a participação em atividades de grupos, a interação com grupos de outras cidades – de São Carlos, Ribeirão, São Paulo, Limeira – e culmina, toda essa discussão, com o primeiro grande evento, que envolvia não só Araraquara, mas grupos de cidades do interior de São Paulo, que foi o FECONEZU² (Festival Comunitário Negro Zumbi), o resultado do trabalho que os grupos desenvolviam durante o ano todo. (Nazaré).
A participação no movimento negro começou no final da década de 70 e foi muito intensa, de corpo e alma. Porque era a fase do vigor total, do espírito e