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Desafiador
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E-book280 páginas3 horas

Desafiador

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Sobre este e-book

Uma investigadora incansável. Um assassino que não vai parar.
Meninos testemunham um crime em 1993. Dezenove anos depois, uma funcionária da Polícia Federal é encontrada morta no Rio de Janeiro. Junto ao corpo, pistas misteriosas.
Um novo assassinato acontece e os investigadores percebem que os dois casos estão relacionados. Outros corpos aparecem, sempre com objetos intrigantes. Haveria alguma conexão entre eles?
A agente Sara Vargas e sua equipe lideram a caçada ao assassino, um homem com inteligência superior, que invade sistemas e desafia a polícia, sempre um passo à frente das investigações. Seu ponto fraco: ele também não resiste a um desafio.
Em um ritmo eletrizante, duas mentes brilhantes duelam contra o relógio. Ninguém está seguro
enquanto ele estiver à solta.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento23 de fev. de 2017
ISBN9788592797058
Desafiador

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    Desafiador - Celso Possas Junior

    vez.

    Capítulo 1

    Rio de Janeiro

    Agosto de 2012

    Pegar sol e ler um romance. Era tudo que Sara queria.

    Mas o celular tremeu no banco do carona e produziu a música eletrônica que impedia que a detetive ignorasse qualquer chamada. O visor mostrou em letras verdes fluorescentes que a ligação vinha do chefe dela, o Delegado Romeo Righetto.

    Sara gostava dele, policial tranquilo e honesto, com quase trinta anos de Polícia Federal. A equipe de investigação criminal que montaram juntos no Rio tinha um índice de nada menos que noventa e seis por cento de sucesso. E mais de cinquenta condenações em apenas três anos.

    Ele avisou, com a voz cheia de ansiedade, que um caso tinha prioridade total. Alguém havia assassinado uma funcionária da Polícia Federal, uma senhora com quase setenta anos, tranquila e adorada por todos, que trabalhava na área de Recursos Humanos. Sara escutava, pensando se Righetto tinha esquecido que a sexta-feira seria a folga que ambos combinaram, já que ela havia trabalhado por três finais de semana seguidos e ia cumprir um plantão novamente no sábado. Bom, seria.

    Desligou e fez o retorno. Seus planos de ir ao clube e ler um livro na beira da piscina estavam seriamente ameaçados.

    Colocou o CD com o show do Guns & Roses em Tóquio.

    Parou no sinal do Posto 6. Ali Dom Pedro II tinha caminhado, quase um século e meio antes, para ver a colocação do cabo submarino que ligaria a Europa ao Rio de Janeiro e algumas outras cidades do litoral brasileiro. Uma pequena casa foi erguida na areia para abrigar a operação do cabo em 1874.

    Acendeu um cigarro, intrigada. Quem poderia ter matado uma senhora tão boazinha e simpática.

    Na época de Dom Pedro, Copacabana era uma praia mais tranquila, um pouco distante do Centro. O Imperador, que inaugurara orgulhoso o cabo para comunicações entre o Rio, a Inglaterra e Portugal, não imaginava que alguns problemas técnicos impediriam o funcionamento perfeito das comunicações por vários anos. Na década seguinte, a novidade finalmente deu resultado, e os súditos que habitavam a capital brasileira começaram a receber mensagens da Inglaterra, inclusive ideias liberais – o que ironicamente ajudou na queda do próprio regime de Dom Pedro II.

    Entre as mil notícias do velho continente, que vivia um momento de grande desenvolvimento, os cariocas recebiam a curiosa narrativa de uma série de assassinatos em Londres, atribuída a um personagem chamado de Jack o Estripador. Os londrinos estavam usando um termo novo: serial killer.

    Sara chegou rápido ao endereço em Copacabana, lamentando não ter conseguido ouvir a música inteira. November Rain ficaria para mais tarde.

    O prédio na Rua Duvivier era muito antigo, sem elevadores. O velho interfone tinha etiquetas para cada um dos dezesseis apartamentos. Zileide Bernardes morava no 201.

    O imóvel seguinte na rua movimentada era um pequeno restaurante, e depois uma série de bares até o antigo Beco das Garrafas, onde a população carioca vinha assistir aos grandes nomes da Bossa Nova, na década de 60 e os historiadores discutiam se o nome do beco vinha da quantidade de vasilhames deixados na rua a cada final de noite ou das garrafas atiradas pelos moradores próximos, incomodados com o barulho dos boêmios cariocas.

    A agente federal subiu os lances de escada. Passou por dois homens da Polícia Civil, fumando. Um deles tinha olhar fixo no peito de Sara, para os seios dela ou para o distintivo da PF, pendurado por uma corrente sobre a blusa preta. Ou ambos. Ela agradava, tinha um corpo bonito, um rosto clássico. E um metro e setenta de altura.

    – Bom dia, tudo bem? Alguém aí dentro?

    – Não. Nós olhamos e deixamos como estava. Esperávamos alguém da Federal.

    – Quem encontrou o corpo?

    – A diarista. Faz faxina aqui uma vez por semana e tem a chave.

    – Onde ela está?

    – Na vizinha, do 204. Ela ficou nervosa e está lá, tomando água com açúcar.

    Um perito da Polícia Federal chegou, subindo a escada com a inseparável máquina fotográfica Canon. Luiz Sampaio usava camisa xadrez com lapelas grandes da década de 1970. Faziam uma combinação normalmente horrível, com o bigode enorme, amarelado pelo fumo e os cabelos compridos, originalmente castanhos, agora com mais fios brancos.

    Cumprimentou os policiais e entregou um copo de café para Sara.

    – Humm... Obrigada, Sampaio. Vamos ao trabalho.

    A sala do apartamento estava arrumada, tudo parecia em ordem, sofá, mesa antiga de mogno com quatro cadeiras, poltrona de couro e a televisão mais antiga que Sara já tinha visto, da marca Toshiba.

    O policial civil ficou parado na porta da sala e perguntou, ainda olhando sem disfarçar para as curvas da agente federal:

    – O que ela fazia na Polícia Federal, posso perguntar?

    – Nada demais – respondeu Sara. – Era assistente de Recursos Humanos, tinha décadas de PF e nunca fez nada de importante. Se eu não me engano, ela estava muito doente.

    – E era muito querida por todos – emendou Sampaio.

    – E mãe de um policial rodoviário...

    – Ele está no Rio?

    – Não, parece que estava no Paraná, já está vindo para cá.

    Enquanto conversavam, chegou uma filha de Zileide Bernardes, com o marido. Eram contadores e tinham escritório próprio ali perto. Sara cumprimentou o casal e pediu que esperassem do lado de fora do apartamento, até que a perícia fosse concluída.

    Sampaio continuava tirando fotos de tudo.

    O quarto de hóspedes era minúsculo, com tapete de borracha colorido e brinquedos. No quarto principal, havia um guarda roupas antigo e uma penteadeira de madeira escura, além da cama de casal. Sobre ela estava Zileide Bernardes. Sara colocou um par de luvas descartáveis e prendeu os cabelos pretos em um rabo-de-cavalo, enquanto Sampaio seguia com as fotos.

    A nova assistente da equipe de Sara chegou sorridente, usando batom vermelho, boné e colete da PF. Samira Piva tinha a pele escura e estava acima do peso. Beliscou Sampaio enquanto passava. Agachou-se e abriu uma caixa de acrílico cheia de compartimentos, para iniciar o demorado trabalho de coletar digitais, fios de cabelo e qualquer coisa que pudesse servir como evidência.

    Sara examinou Zileide. Com sessenta e oito anos, tinha o cabelo curto, pintado de castanho. Vestia calça marrom e blusa estampada, sapatos de salto médio, pulseira e cordão de ouro com crucifixo. Estava pronta para ir trabalhar, morreu há menos de três horas, pensou Sara.

    Na testa de Zileide, um orifício pequeno e enegrecido não deixava muitas dúvidas sobre a causa mortis.

    Sara mexeu a cabeça cuidadosamente, olhando o buraco por onde a bala saiu, bem mais largo. E havia muito sangue.

    Na parede verde, atrás da cabeceira, encontrou a bala. A posição indicava que a idosa fora atingida de pé, ao lado da cama.

    Retirou o projétil deformado da parede com uma pinça e guardou em um envelope.

    Chegaram mais três agentes da Polícia Federal, e Sara pediu para falarem com a diarista e com todos os moradores.

    Chamou Sampaio para olharem juntos os objetos que estavam sobre a vítima, aparentemente deixados pelo assassino.

    – Desculpe o latim, Sara, mas puta que pariu! Que porra é essa? – o agente coçava o bigode, intrigado.

    Sobre a vítima havia uma máscara branca, dessas usadas por médicos e dentistas, ou por muita gente em épocas de gripe suína e outras ameaças de epidemia. Ao lado da máscara, havia uma folha de papel; um retrato desenhado à mão, com lápis preto. Era um rosto masculino, com barba espessa e calvície parcial.

    – Um desenho! Provavelmente moreno, entre quarenta e cinquenta anos de idade. Não tem assinatura.

    Sara falava menos para Sampaio e mais para si mesma, não entendendo o objetivo dos objetos.

    – Vocês acham que Zileide deixou isso? – perguntou Samira, depositando sua caixa ao lado da cama.

    – Claro que não – respondeu Sara. – Zileide levou um tiro na testa e morreu na hora. Esse desenho foi deixado por quem a matou.

    – Como você sabe que já não estava aí? Talvez ela estivesse olhando o desenho quando foi morta.

    Sara apontou para a posição do desenho.

    – Que merda é essa? Estou mais por fora do que bunda de índio – falou Sampaio, coçando ainda o bigode.

    – Não sei, Sampa, muito esquisito. Olhem isso.

    Além da máscara e do desenho, havia uma folha de papel, aparentemente xerox de um jornal antigo.

    E dois post-its amarelos grudados na morta. Em um deles, havia números escritos: 22-39-10-43-02-26. E no outro, algumas letras, AHIMSA.

    – Puta merda, isso é uma palavra?

    Capítulo 2

    Samira coletou todas as digitais do quarto e dos objetos deixados junto à vítima. Não conseguiu nenhum fio de cabelo, nada que o assassino pudesse ter deixado. Ou ele era muito sortudo ou eficiente como um profissional. Continuou procurando, pois o professor de Análise Forense sempre repetia o princípio de Troca de Locard, segundo o qual qualquer um que entra em uma cena de crime, leva algo consigo e deixa alguma coisa também. O gênio francês, considerado um dos pais da Ciência Forense, dizia sempre aos mais jovens: as pistas deixadas pelo assassino podem parecer impossíveis, invisíveis. Mas elas estão lá.

    Sara revistou a bolsa – parecia tudo em ordem, carteira, dinheiro, cartões de banco, crachá da Polícia Federal, estojo de remédios e um álbum com fotos dos três netos. O banheiro também não ofereceu nada de diferente.

    Sampaio terminou as fotos, Samira examinou o corpo e as roupas em busca de mais alguma coisa deixada. Concluíram a perícia no apartamento, todos intrigados com os estranhos objetos e curiosos com os números e letras em cima do corpo. Estavam acostumados com investigações previsíveis. Corrupção, tráfico de drogas, quadrilhas de colarinho branco, roubo de cargas, contrabando e crimes de todos os tipos, federais ou não. Mas esse assassinato não era comum. Alguém deveria ser muito corajoso e burro para matar assim uma funcionária da Polícia Federal. E, ainda por cima, amiga de longa data do Superintendente e todo poderoso Marco Antonio Corradini.

    Sara sabia que o chefão ia pressionar por resultados rápidos.

    Samira pegou carona no Gol quatro portas azul de Sara. A agente recolocou November Rain.

    – Então, Sara. O que você acha?

    – Não sei, Samira, está tudo muito esquisito. Com certeza, Zileide não era ligada a drogas, quadrilhas, nada assim.

    – Quem poderia querer matar uma pessoa desse tipo? Não consigo imaginar mesmo.

    Sara pensou e comentou:

    – Estatisticamente falando, idosos assassinados geralmente têm a ver com herança – filhos e netos que querem garantir que um testamento não mude, ou receber logo uma herança, coisas assim. Eu vou investigar se Zileide tem dinheiro grande guardado, propriedades, mas duvido. Ouvi dizer que ela estava morrendo e que os filhos têm mais dinheiro do que ela.

    – O que você acha daquele desenho?

    – Não tenho a menor ideia. Talvez seja um recado para alguém.

    – Pois é. Números, letras, alguém deve saber. O que a filha da Zileide disse?

    – Ficou tão surpresa quanto nós, disse que não tem a menor ideia do que possam ser os objetos, inclusive a máscara. Nem o rosto do desenho.

    Seguiram em silêncio o resto do caminho, tentando imaginar o que seriam os números. Axl Rose cantava a melodia romântica, mas Sara já não prestava atenção na música.

    Chegaram rapidamente, uma sexta-feira que, surpreendentemente, tinha pouco trânsito.

    A sede da Polícia Federal no Rio de Janeiro é um imenso complexo que ocupa todo o quarteirão entre duas avenidas, Rodrigues Alves e Venezuela, perto da Praça Mauá. Sara estacionou na Rua Américo Rangel. Observou consternada que o Museu de Arte parecia deserto, enquanto o bar Recanto do Marujo recebia grande movimento, em plena hora de almoço, com prostitutas dançando em cima dos balcões de fórmica, onde marinheiros de todas as partes do mundo comiam pescadinha frita, bebiam cerveja e falavam palavrões em dúzias de idiomas.

    Sara e Samira foram direto ao corredor de laboratórios. Entregaram os artigos da cena do crime e a bala retirada da parede do quarto de Zileide, a máscara, os post-its e o desenho para o analista de plantão checar se haveria algum fio de cabelo, fibras interessantes ou qualquer coisa que pudesse fornecer o DNA do assassino. Samira já começava o trabalho com as digitais recolhidas no apartamento.

    O Delegado Righetto e o Superintendente da PF no Rio de Janeiro esperavam pela detetive. Ela entrou no gabinete, cumprimentou os dois e aceitou uma xícara de café.

    – Então, Sara. Como foi na casa da Zileide?

    – Acabei de chegar, chefe, temos um caso esquisito nas mãos.

    Contou sobre o corpo, o tiro na testa e os estranhos objetos deixados sobre a vítima.

    – Os vizinhos? – perguntou Righetto.

    O delegado de cinquenta e sete anos tinha a testa larga, acentuada pelas entradas que, aos poucos, venciam a batalha contra os cabelos grisalhos. O rosto era largo, aumentado por uma papada sob o queixo, alto e magro, mas barrigudo. Estava sempre com terno e gravata e, normalmente, de bom humor, com algum copo de café por perto.

    Sara respondeu:

    – Negativo, os vizinhos responderam que não tinham visto nada, nem ouvido, mesmo de manhã, com todos saindo para trabalhar ou estudar, nenhum estranho entrando ou deixando o prédio.

    – Pode ter sido assalto?

    – Acredito que não. Zileide estava com cordão de ouro, a bolsa dela ao lado da cama, com dinheiro e cartões. Aparentemente, não levaram nada, nem da casa. A filha e o genro estão lá e eu pedi para eles olharem. Zileide não tinha antiguidades, nenhuma joia, nada que pudesse despertar um ladrão profissional.

    – Pelo que sabemos, ela não era rica, não vai deixar nenhuma herança que justificasse um assassinato.

    – Exato, estamos levantando bens e conta bancária, mas todos a conhecem, não deve ser por aí também...

    – Alguma teoria? – perguntou o Superintendente Marco Antônio Corradini, falando pela primeira vez. – Estranhos, esses objetos.

    Sara olhou para Corradini – era mais velho que Righetto, beirando os sessenta, mas ainda metido a galã, com gel nos cabelos pretos e ternos de grife. Tinha o rosto redondo, sempre bronzeado.

    – Ainda não, chefe. Vamos começar a investigação imediatamente, vou tentar descobrir o que são os números e as letras.

    – Parece coisa de serial killer americano – falou Corradini, com uma expressão que não deixava claro se era uma piada ou uma hipótese.

    – Deus nos livre disso – emendou Righetto.

    – Mais uma coisa, Sara. Todos sabem que Zileide descobriu há algumas semanas um câncer avançado e que tinha poucos meses de vida. E o assunto foi tema de uma reportagem da revista interna que homenageou funcionários antigos, incluindo ela.

    – Eu pensei nisso também. Quem ia querer assassinar uma senhora tão boa e que ia morrer em pouco tempo?

    Corradini bateu levemente com as mãos na mesa, indicando que a conversa estava terminando. Sara e Righetto levantaram.

    O Superintendente falou:

    – Todos sabem que Zileide era minha amiga pessoal. Portanto, é uma questão de honra para mim. Quero o responsável preso e rápido.

    Um pouco longe da ensolarada Zona Sul, onde Sara era pressionada por Corradini pedindo resultados, e ainda tentava entender os números deixados na cena do crime, o sábado havia amanhecido com o típico frio de agosto. Uma imensa área do estado do Rio de Janeiro estava coberta por uma névoa fina e o sol gostoso de inverno.

    Desde às sete da manhã, cerca de quarenta homens e mulheres aglomeravam-se em um barracão, tomando café com leite e comendo pão com manteiga e queijo-minas, às vezes um copinho de pinga também. Todos estavam agasalhados, a maioria com calças e jaquetas jeans e botas típicas da zona rural.

    O jovem de cabelos pretos e barba longa olhava com desprezo para o centro do barracão, onde estava a arena de lutas, com piso de terra batida e serragem, um pouco abaixo do chão da construção.

    O ser humano vinha aperfeiçoando, ao longo dos séculos, as diversas formas de usar animais para fins bélicos ou lucrativos, como os cães soviéticos treinados para procurar comida embaixo dos tanques nazistas com explosivos nas costas, os morcegos com bombas incendiárias lançadas pelos americanos no Japão. E, logicamente, as corridas, touradas e todas as formas de competição inventadas, especialmente na Inglaterra, usando animais de todos os tipos para atrair apostadores.

    O rapaz olhava com raiva, tinha ódio especial das práticas cruéis, como o dia de São Lucas e outras datas europeias, quando católicos e protestantes queimavam gatos vivos e chicoteavam cachorros. Uma das poucas influências ruins que o Ocidente importou das Índias há mais de dois mil anos, foi a briga de galos. Embora proibidas no Brasil há mais de cinquenta anos, as rinhas existem do Oiapoque ao Chuí, envolvendo dinheiro, rivalidades e uma imensa crueldade com animais, geralmente galos, mas também cachorros Pitbull.

    Ele vinha acompanhando as rinhas, que aquela turma organizava, há algum tempo, em cidades do interior do Rio de Janeiro, inclusive com a presença de policiais, civis e federais.

    Um argentino chamado Pablo chegou perto das dez horas ao local, trazendo o seu conhecido galo chamado Montezuma, que diziam já ter matado dezenas de oponentes, sanguinário como o imperador Asteca que lhe dera o nome. Estava acompanhado de vários amigos da região de Nova Friburgo, que queriam ver o duelo do galo famoso contra o animal do dono da casa, Luiz Gonzalo.

    Um rapaz chamado Zé Ferreira começou a recolher e anotar as apostas. Muito dinheiro trocaria de mãos ao final da luta. Após conversas e a preparação, o juiz, que morava em Volta Redonda e era sempre chamado para as lutas importantes, anunciou as regras. A rinha teria quatro rounds de quinze minutos, com três intervalos de dois. Os galos usariam esporas iguais, de plástico com ponta de prata.

    Um pouco atrás do canto onde o argentino Pablo ajeitava seu material, o homem com cabelos pretos conferia a hora no caríssimo relógio Brietling. Por trás dos óculos escuros Ray Ban, seus olhos estavam fixos no dono do sítio. Luiz Gonzalo fazia os últimos preparativos no seu galo cinza com uma listra branca, que começava na cabeça e atravessava todo o corpo.

    Zé Ferreira fez sinal, e o rapaz entregou cem reais, apostando no animal do anfitrião.

    A rinha começou, e os galos atacaram-se furiosamente, após alguns poucos instantes de cotejamento. Bicavam-se e pulavam para atingir o oponente com as esporas, lembrando filmes de luta chineses de quinta categoria. Os donos assumiam a função de galistas, gritando com os animais, batendo palmas e gesticulando.

    Quando o galo preto de Luiz Gonzalo já estava sendo massacrado pelo Montezuma de Friburgo, com sangue escorrendo perigosamente da papilha, a plateia começou a gritar histérica com os animais.

    O rapaz de óculos aproveitou o momento de frenesi e saiu do barracão de fininho.

    Já tinha visto demais.

    Capítulo 3

    Na manhã de segunda-feira, a Polícia Federal, em cooperação com a Polícia Civil do Rio Grande do Norte, prendeu vários hackers em diversos estados brasileiros. O rapaz conhecido como Play, que morava com os pais em Mossoró, estava sendo procurado junto com outro parceiro de João Pessoa. Eles chefiavam a quadrilha responsável por operar um programa e obter as informações restritas dos cadastros de cartões de crédito. Milhares

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