Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

O Exilado
O Exilado
O Exilado
E-book280 páginas4 horas

O Exilado

Nota: 0 de 5 estrelas

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

Ilhas Shire. Um pequeno país, mais fechado do que a Coreia do Norte, mais frio do que a Sibéria, mais longe do que qualquer outro. Um ponto no mapa, onde as águas perigosas do Pacífico Sul se misturam ao gelado Oceano Antártico.

Por duzentos anos, Shire recebeu e concedeu asilo a fugitivos; ladrões, espiões, ex-mulheres de psicopatas, homens e mulheres fugindo das guerras, da espionagem, da máfia, de ex-maridos ou simplesmente da polícia.

Em 1989, um policial brasileiro cai em uma armadilha de uma banda podre da polícia e é obrigado a fugir para não ser preso ou assassinado em uma queima de arquivo.

Uma mulher faz uma investigação na Europa e na América do Sul, observada atentamente por uma organização criada para manter segredos.

No momento em que o brasileiro decide que vai ficar em Shire, alguém começa a matar exilados importantes. Seria uma vingança pessoal? Ou algo relacionado aos segredos trazidos para as ilhas geladas?
IdiomaPortuguês
Data de lançamento24 de set. de 2023
ISBN9786550390983
O Exilado

Leia mais títulos de Celso Possas Junior

Autores relacionados

Relacionado a O Exilado

Ebooks relacionados

Thriller criminal para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de O Exilado

Nota: 0 de 5 estrelas
0 notas

0 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    O Exilado - Celso Possas Junior

    Prólogo

    "Podes exigir que eu busque a verdade,

    mas não que eu a encontre"

    Denis Diderot, escritor e filósofo francês

    Junho de 1962 — Buenos Aires

    Felipe Fernandez jogou a bolsa de couro gasto em cima da cadeira e os papéis sobre a mesa. Retirou o velho telefone preto do gancho e discou, com a ajuda de um lápis, um dos poucos números que sabia de cabeça: o do chefe de redação do La Nación.

    Guillermo Iglesias atendeu com a mesma voz ansiosa e estridente de sempre, um jornalista experiente, chefe rígido de repórteres e redatores. E o melhor: um faro jornalístico apurado para saber quando realmente havia uma história que prometia ser maior do que as aparências. Era um dos poucos sentados à mesa de trabalho naquele momento. Os jornalistas e todo o resto da população, grudado em rádios e alguns poucos projetores, acompanhavam a derrota da Argentina para a Inglaterra na Copa do Mundo de futebol que acontecia no Chile.

    Iglesias também reconheceu a voz rouca e sempre cansada do antigo repórter criminal Fernandez, o investigador nato, daqueles que gostavam de pegar fiapos de informação e cavar e cavar até achar ouro jornalístico. Talvez valesse a pena afinal ter financiado a viagem dele até o Sul do país.

    — Graças a Deus é você. Já estava preocupado, ainda mais depois do que você disse, sobre estar sendo seguido.

    — Eu tinha razão — a voz de Felipe Fernandez não disfarçava a euforia do repórter.

    — Então havia alguém te seguindo mesmo?

    — Não, Guillermo, acho que não. Estou dizendo que eu tinha razão sobre a matéria. —

    — Descobriu algo concreto?

    — Não posso falar pelo telefone. Vou pegar uns papéis aqui e levar tudo para você ver. Estarei aí em duas horas.

    — Estou ansioso. Venha logo!

    — Pode ficar mais, meu amigo. Acredite que não é exagero o que vou dizer: temos nada menos do que o maior furo jornalístico da história da Argentina.

    O chefe de redação deu uma risada.

    — Não brinca.

    — Um nome. Você não tem ideia do nome que vou dizer quando pisar na sua sala.

    — Tome um táxi, então, por minha conta. Para chegar mais rápido.

    Felipe colocou o telefone no gancho e correu para o quarto. Faria a barba e lavaria o rosto pelo menos. Não tinha dúvidas de que muita gente ia querer bater uma foto com ele nas próximas horas. O futuro ganhador do Pullitzer, outros prêmios na Argentina e na Europa, ofertas de emprego em Washington, Londres e Nova Iorque. Sua vida se dividiria entre antes e depois daquele dia.

    Mas assim que entrou no quarto e chutou um sapato para o alto, viu que tudo aquilo não aconteceria afinal. Um homem loiro, vestindo um terno bege e gravata marrom estava sentado em sua poltrona de leitura. Na sua mão direita, uma pistola apontava diretamente para o peito do jornalista.

    Ele nem se levantou, apenas deu um sorriso cruel de satisfação e atirou duas vezes.

    Capítulo 1

    "Os homens não são velhos aqui /

    Apenas as rochas são velhas. E o gelo que as reveste".

    Trecho de um poema sobre a região Antártica,

    do explorador Frank Debenham

    Sexta-feira — 10 de novembro de 1989

    Arquipélago Shire — Pacífico Sul

    Quando olhou para Shire pela janela do avião, Gabriel Segadas percebeu o quanto aquele lugar era diferente do Brasil. Quase não havia verde, apenas manchas de pequenas florestas de pinheiros salpicavam a ilha principal. Todo o resto era o cinza escuro das montanhas e o branco do gelo, esse dominando completamente a paisagem. E, em volta de tudo, o oceano, em tons de cinza e azul.

    Gabriel tinha os olhos vermelhos de tanto chorar. Durante a longa viagem, alternara entre um sono leve e o choro, quando estava acordado. Chorava por várias coisas; ter deixado a fazenda dos pais para trás, além de todos os objetos, roupas, dinheiro e documentos. Chorava pela profissão que abandonava, o orgulho de ser um policial honesto e trabalhador, sem envolvimento com traficantes, milicianos, bicheiros ou corruptos de qualquer tipo. E por nunca ter, mesmo sendo policial, tirado a vida de nenhum ser humano. Isso até poucos dias antes, quando, de uma vez, matara três pessoas. E, por isso, chorava mais, a cada vez que lembrava.

    Tentava repetir a si mesmo que fora em legítima defesa, como disseram tantas vezes naqueles dias os amigos e os advogados. Mas, em defesa da própria vida ou não, sentia um aperto no peito, uma tristeza profunda, uma sensação de ter feito algo que o assombraria para o resto dos tempos. Chorou novamente enquanto o avião pousava em uma pista branca de gelo, e no curto trajeto dela até às portas do pequeno prédio do Aeroporto Internacional de Shire.

    Os soldados que vigiavam os passageiros não usavam verde oliva nem fardas camufladas como em quase todos os países do mundo, mas uma roupa branca dos pés à cabeça, que incluía um gorro branco em contraste com óculos escuros. Pareciam aqueles cientistas que trabalham em laboratórios manipulando vírus como Ebola. Nos demais detalhes, o aeroporto era igual a outros pequenos de todo o planeta.

    Não houve perguntas na imigração, já que o nome de Gabriel Segadas estava certamente registrado. Se fizessem a ele a famosa pergunta internacional sobre o propósito da sua visita ao nosso país, o visitante responderia que não tinha certeza ainda. Também não precisara perguntar nada na alfândega e nem verificar a bagagem, já que Gabriel tinha saído do Brasil apenas com a roupa do corpo, além de um casaco que o comissário do avião havia retirado de um discreto armário ao lado da porta que levava à cabine e emprestado a ele.

    A viagem tinha começado dois dias antes, de forma tão surpreendente quanto tudo mais naquela semana. Nem deveria chamar aquilo de viagem, na verdade havia sido uma fuga. Gabriel sabia que, de forma injusta ou não, seria preso e condenado se permanecesse no Brasil. Ele embarcara no turbohélice apenas poucas horas após a conversa com o diplomata de Shire, que mais parecia um executivo de vendas de alto nível.

    Gabriel ainda não tinha certeza se fizera o certo, provavelmente jamais saberia para o resto da vida. A verdade é que tinha sido colocado no avião de forma clandestina, no aeroclube de uma cidade pequena no interior de São Paulo, para uma viagem que não teria volta.

    O avião desceu horas depois. Não na ilha, mas no aeroporto El Tapual, em Puerto Montt, na Patagônia chilena. Gabriel recebeu ordens de ficar sentado e fingir que estava dormindo se algum fiscal entrasse na aeronave. Cerca de uma hora após o pouso, o avião recebeu mais dois passageiros, cada um deles viajando sozinho e, pela aparência e sotaque quando falavam em inglês com o comissário, de lugares diferentes do planeta. Da costa oeste da América do Sul para Shire foram mais horas e horas de viagem.

    As Ilhas Shire — das quais Gabriel havia apenas ouvido falar um par de vezes no Brasil, com o nome traduzido para Ilhas Condado — eram quase desconhecidas no resto do mundo, mais ainda do que outros pequenos arquipélagos do Pacífico, como Tonga, Samoa e Tuvalu. Esses eventualmente apareciam nos noticiários devido a erupções vulcânicas ou tsunamis, além de ostentarem orgulhosos as suas bandeiras com equipes mínimas em jogos olímpicos e competições asiáticas. Shire não participava de seletivas de futebol, não tinha equipes olímpicas nem de qualquer espécie. Seus cidadãos jamais deixavam a Ilha de Shire — a ilha principal, na qual moravam os cerca de seis mil habitantes — , assim como o pequeno país não permitia normalmente a entrada de turistas ou visitantes de nenhuma nacionalidade. Shire era mais fechado do que a Coreia do Norte, além de ser mais fria do que a Sibéria e mais longe de tudo do que qualquer outra nação.

    Quando o primo, que era advogado, sugeriu que ele conversasse com um representante de Shire no Brasil, Gabriel olhou um atlas para verificar a localização exata das ilhas. O brasileiro precisou pegar uma lupa e ficar tirando e colocando o instrumento da frente dos olhos para ter uma ideia melhor do isolamento do pequeno país insular. Shire estava no limite entre o Oceano Pacífico Sul e as águas geladas do Oceano Antártico, a três mil, duzentos e vinte quilômetros a sudoeste das Ilhas Chatham, essas, já distantes mais de setecentos quilômetros da capital mais próxima, Wellington, na Nova Zelândia. No tradicional mapa Planisfério, usado nos atlas e nos colégios em 1989, Shire seria um ponto ridiculamente pequeno no canto inferior esquerdo. Embora estivesse mais perto da Nova Zelândia do que do Chile, Shire era tão longe de tudo, que um cartógrafo teria dúvidas sobre onde colocar as ilhas, muito à direita ou muito à esquerda do planisfério.

    Um homem o aguardava na saída para o saguão do aeroporto, um afro inglês, pelo sotaque, vestindo um terno escuro sob um casaco pesado de lã preta.

    — Fez boa viagem? — perguntou, enquanto estendia a mão.

    — Sim, obrigado — Gabriel aceitou o cumprimento.

    — Meu nome é Trevor. Venha comigo por favor — disse ele. — O Sr. Ortex o aguarda.

    Um carro os esperava na saída do aeroporto, onde a temperatura era pelo menos quinze graus inferior ao saguão. Uma neve fina e constante cobria a rua de branco e obrigava o carro a manter funcionando os limpadores de para-brisas. Gabriel parou para olhar por alguns segundos. Nunca havia visto neve.

    As ruas não tinham muitos automóveis, já que a ilha era relativamente pequena e a maior parte dos habitantes morava na igualmente minúscula capital, Parliament. A aparência das casas e ruas cobertas de gelo, neve e lama tinha algo de europeu, fazendo Gabriel se lembrar dos filmes e fotografias que já havia visto da Alemanha, Inglaterra e França. Os telhados eram mais inclinados do que no Brasil, até pela quantidade de neve que deveria cair naquele lugar no inverno, e as janelas eram grandes, mas baixas, começando a um metro da rua. Se fosse no Brasil, pensava o ex-policial, seriam casas inseguras quanto a roubos. O brasileiro também não via muros, grades ou qualquer tipo de proteção às residências, mesmo considerando que muitos cidadãos em Shire eram homens e mulheres procurados por autoridades de vários países.

    Menos de uma hora depois de desembarcar do avião branco com o logotipo das Ilhas Shire, Gabriel foi levado à sala do presidente do pequeno país. Era um escritório simples, com uma mesa de trabalho grande e cheia de papéis e laptops com aparência mais moderna do que os poucos computadores usados no Brasil naquele ano de 1989.

    Uma TV de tela plana, presa a uma estante com livros e fotos históricas, transmitia, via satélite, a cena que todos acreditariam que mudaria o mundo dali para frente: a queda do Muro de Berlim.

    No dia anterior, 9 de novembro, as estações de rádio ZDF e ARD da Alemanha Ocidental divulgaram um boletim especial em torno das sete horas da noite informando que o Comitê Central da Alemanha Oriental tinha decidido — considerando as notícias que estavam chegando da União Soviética, basicamente o fim da Cortina De Ferro e o Pacto de Varsóvia — interromper a fiscalização na fronteira e permitir a passagem entre as duas Alemanhas. As rádios ocidentais eram ouvidas nos dois lados da fronteira, o que fez a população comunista de Berlim partir para as ruas, surpresa e eufórica. Em torno de 10 da noite, uma multidão se aglomerava nos seis postos de controle, onde os guardas armados tentavam inutilmente falar com alguma autoridade. Finalmente, alguém deu a ordem para abrir a fronteira de uma vez e os alemães orientais atravessaram para o mundo ocidental, sendo recebidos do outro lado com flores e lágrimas, sem falar de muita, muita cerveja. Meia hora depois, jovens subiram pelas paredes e começaram a quebrar o chamado Muro da Vergonha. A Europa mudava radicalmente naquela noite e muitos analistas consideravam que o próximo grande evento seria o fim da própria União Soviética.

    Atrás da mesa de John Ortex, havia uma janela grande, que permitia a entrada de luz suficiente, apesar do céu feio e carregado do lado de fora. A neve recomeçou com força e os ventos assustavam o brasileiro, rajadas que produziam barulhos capazes de atrapalhar as conversas do lado dentro, uma mistura de urros e assovios.

    Ortex era um homem com aparência saxônica, uma pele muito branca e bochechas rosadas, embaixo de dois olhos azuis muito pequenos. O cabelo era castanho, curto, ralo e salpicado de branco. Recebeu o brasileiro com um sorriso e um aperto de mão firme, antes de dar boas-vindas e oferecer chá e café.

    A pedido do anfitrião, Gabriel descreveu rapidamente a viagem. Não sabia se deveria agradecer, mas o fez, ainda indeciso e receoso, inclusive sobre o tipo de proposta receberia naquele dia.

    — Temos muitas perguntas um ao outro. Algum problema que eu comece com as minhas? — John Ortex abriu as mãos, enquanto já fazia a primeira delas.

    — Tudo bem — respondeu o brasileiro, lacônico.

    — Pode me contar o que aconteceu na fazenda? Queria ouvir sua versão.

    — Acredite, sr. Ortex, eu agi no que chamamos de legítima defesa.

    — Ok. Conte-me por favor.

    — Minha mãe morreu há alguns anos, do coração. Meu pai morreu há três meses.

    — Meus pêsames. Continue.

    — Eu trabalho na polícia civil de São Paulo. Um pouco antes do meu pai morrer, eu fui morar na fazenda.

    — Produtiva?

    — Sim, tomate, milho, café, galinhas e algumas cabeças de gado.

    — Quem cuidava dela?

    — Meu pai e dois empregados. E, há um mês, eu contratei um responsável.

    Ortex aguardou. Gabriel continuou:

    — Teoricamente houve uma invasão de um movimento Sem-Terra. Mas não foi isso. Foi tudo uma armação, de policiais da minha própria unidade.

    — Combate às drogas, certo?

    — Sim, o Departamento de Prevenção e Repressão às drogas, o chamado DENARC.

    — Conte. Você descobriu um esquema, foi isso?

    — Sim. Alguns policiais se aliaram a uma facção. Eles faziam a apreensão de cocaína de traficantes comuns e depois trocavam a droga apreendida por outros produtos. A facção pagava uma fortuna a eles. Eu acabei descobrindo sem querer.

    — Eles souberam que você descobriu?

    — Desconfiaram inicialmente. Não sei em que dia da semana passada tiveram certeza de que eu tinha descoberto tudo.

    — Eles não falaram nada com você?

    — Não. Eles sabiam, por várias conversas na delegacia, que eu jamais me corromperia. Quando perceberam que eu tinha descoberto os desvios, eles decidiram me matar. Mas não podiam simplesmente atirar em mim na rua. Qualquer investigação sobre a minha morte, levaria a corregedoria diretamente a eles. Então, eles bolaram esse plano.

    — Como foi?

    — Eles renderam um pequeno grupo de Sem-Terra. Um policial ficou com duas mulheres dos Sem-Terra como reféns, enquanto três invasores receberam armas e uma ordem de entrar na fazenda e me matar, como se eu tivesse reagido a uma pequena invasão. Para a imprensa, depois, seria uma invasão que deu errado, o típico caso de fazendeiro falecido e filho herdeiro que não devia ligar muito para a propriedade, mas reagiu.

    — E então?

    — Eles chegaram num sábado à noite e armaram barracas na entrada da fazenda. Era um sinal de que invadiriam. Mas era tudo teatro para a imprensa ver depois.

    — As invasões têm sido constantes, certo?

    — Ah, sim, aumentam exponencialmente... cinco ou sei por mês, somente no estado de São Paulo.

    — O que aconteceu?

    — Bem. Os empregados estavam de folga, sábado à noite. Eu estava sozinho.

    — Eles falaram alguma coisa com você?

    — Sim. Eles entraram na fazenda, os três armados. Um deles gritou comigo do portão. Avisou que invadiriam a fazenda e que eu deveria pegar meus pertences pessoais e sair. A intenção deles era me fazer relaxar e atirar em mim.

    — Você se recusou...

    — Sim. Eu avisei que meu pai trabalhou na fazenda a vida toda, que ela ainda era produtiva e que eu não ia sair. Se eles entrassem, eu continuaria lá dentro e chamaria a polícia. Ele disse que a Polícia Militar não ia fazer nada, ordens do governador.

    — Isso era correto ou ela estava blefando?

    — Era correto. Na verdade, quem estava blefando era eu, respondi que meus amigos da civil iam para lá em grande número.

    — Eles já sabiam que você era policial?

    — Sabiam. Quando eu falei nos meus amigos da civil, um deles começou a rir. Foi nessa hora que eu desconfiei que havia algo mais ali. Eu já andava com medo, desde que descobrira que eles substituíam a droga.

    — E depois?

    — Foi tudo muito rápido. O grupo veio na minha direção. Eu estava na porta de casa, ao lado do meu carro, que estava estacionado em frente.

    — E aí?

    — Bom... aconteceu em segundos. O sujeito que tinha falado comigo veio conversar, mas eu percebi que os outros dois estavam andando pelos lados e levantando as armas.

    — E aí?

    — Eu saquei a arma e mandei que os três abaixassem as escopetas.

    — E?

    — O que estava mais perto tentou atirar, mas ele não tinha prática e demorou. Eu, então, atirei nos três.

    — Eu li que foram cinco mortos...

    — Sim. Quando a polícia militar e as autoridades chegaram lá na manhã de domingo acharam os três invasores e as mulheres mortas. Os policiais corruptos as mataram e colocaram os corpos para parecer que fui eu também.

    — Você se escondeu na casa de um amigo?

    — De uma amiga. Fiquei lá por uns dias. A repercussão foi pior do que eu imaginava.

    — Como assim? — perguntou o anfitrião.

    — A imprensa e as autoridades não mencionaram a palavra defesa em nenhum momento. Tudo que falavam era assassinato, chacina, essas coisas. Eu apareci como o policial violento.

    — A polícia te procurou naqueles dias?

    — Sim. O governador falava nisso o tempo todo, até o presidente falou com a imprensa na porta do Alvorada. Eu estava sendo massacrado pela mídia e seria preso. A polícia estava à minha procura para me prender. E os quatro membros do DENARC que armaram tudo estavam me procurando para me apagar.

    — Não adiantaria contar tudo?

    — Eu não ia ter chance. A facção tinha gente presa em todas as cadeias. Quando eu fosse detido, eu seria morto em uma cela, antes que pudesse falar com um juiz. Isso se não fosse um juiz na folha de pagamentos da facção.

    — Por isso seu advogado nos recomendou...

    — Sim. Ele é um bom advogado criminal. Ele me devia uma, eu ajudei a provar que um cliente dele era inocente, depois de condenarem o sujeito a trinta anos de prisão. Esse advogado me explicou que não importaria tudo que eu tinha para contar. Cinco homicídios, naquelas circunstâncias, no Brasil de hoje... eu não teria chance. Ia pegar uma pena de mais de trinta anos. Aí, ele sugeriu que eu falasse com vocês.

    — Muito bem. Obrigado pelo relato sincero.

    — Veja bem, Sr. Ortex — interrompeu o brasileiro, querendo concluir. — Eu não me orgulho do que aconteceu. Eu nunca tinha matado ninguém, mesmo sendo um policial. Eu matei pessoas que provavelmente eram mesmo gente que precisasse de ajuda, de terra, não sei. Mas as coisas aconteceram daquela forma.

    — O velho clichê do policial honesto que termina eliminado pela banda podre.

    — Exatamente.

    Ortex se preparou para falar, mas um assistente abriu a porta.

    — Desculpe interromper, Sr. Ortex.

    — O que houve?

    O assistente pediu desculpas ao brasileiro, se inclinou e cochichou algo no ouvido do presidente.

    — Quando? — perguntou o anfitrião. Pela expressão dele, Gabriel percebeu que algo havia acontecido.

    — Não sabemos — respondeu o assistente, empurrando os óculos de volta ao topo do nariz, enquanto colocava o corpo novamente de forma ereta.

    — Ok — disse Ortex. — Veja onde está a Vivian e avise ao motorista que saímos em cinco minutos.

    Virou-se para o brasileiro e falou:

    — Eu deveria começar agora uma longa explicação, mas houve um imprevisto.

    — Fico aqui aguardando? — perguntou o brasileiro.

    — Seria o certo, uma vez que você ainda não concretizou a mudança. Mas algo me diz que você ficará, e eu tive uma ideia. Então, venha comigo.

    Capítulo 2

    "Só seremos universais se conhecermos

    e amarmos

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1