#rocinha
De Fausto Braga
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#rocinha - Fausto Braga
FAUSTO
BRAGA
Clube de Autores
ROCINHA
O ROUBO DAS FIGURINHAS
DA COPA DA ÁFRICA
2017
Rio de Janeiro
Catalogação-na-fonte do
Departamento Nacional do Livro
C 00
Carvalho, Fausto José de Oliveira, 1959 ―
Rocinha. O roubo das figurinhas da Copa da África.
Rio de Janeiro: 2017. 3º Edição texto integral original.
86 p. 14,8 x 21,0
ISBN 978-85-000-0000-X
CDD-B869
_________________________________________
Índice para catálogo sistemático:
1. Literatura brasileira. 2. Novela. 3. Futebol. I. Título.
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou reproduzida
─ em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia, gravação, etc. ─
apropriada ou estocada em sistema de banco de dados, sítios eletrônicos ou aplicativos, sem
expressa autorização do autor.
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DEDICA O AUTOR
Nosso bom amigo Arnaldo:
" Há de pensar muita gente" que sou humorista. Porém, sou apenas
botafoguense, com aquela simpatia, de todo o carioca, pelo América. Na infância,
enquanto morávamos na Rua Carlos Góis, fui meio que obrigado a fazer natação
no parque aquático da Gávea. Era péssimo. Uma Vemaguet grená, de aluguel,
vinha buscar-me, com o uniforme de natação rubro-negro. Mantive o hábito de
nadar. Não entendo muito de futebol, este assunto nobre; mas gosto de ler as
notícias e assistir às partidas. Minha avó materna ajudava-nos na confecção das
bandeiras com as estrelas solitárias, ainda na Rua Alberto de Campos.
Frequentávamos o Maracanã com segurança, desistimos quando aumentou a
violência. Um livro sobre este mito contemporâneo não poderia deixar de incluir,
com devido destaque, o nome de João Lyra Filho, tão amigo do futebol e da
educação. Receba-o como se reunidos estivessem naquela varanda do Jardim
Botânico, numa manhã d’um sábado ensolarado; o senhor, ainda rapaz e atleta, em
companhia de João Havelange, Zagallo, Wilson Choeri, o uísque e o Half & Half.
Com saudade e os fraternos laços de amizade que unem nossas famílias desde os
tempos mais distantes; na habitual pureza do dizer, dedico-lhe novela futebolística
escrita às pressas; do seu, sempre, de sempre, Fausto.
Recreio dos Bandeirantes, 18 de junho de 2010.
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"O futebol está incorporado à nossa vida, mais do que a de
outro qualquer povo. Faz parte, portanto, de nossa estrutura
histórica e psicológica."
Temístocles Linhares
Um mundo esquecido, que é a América do Sul.
Fernanda Montenegro
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PRIMEIRO CAPÍTULO
O frio mês de junho de dois mil e dez apresentou-se ao Brasil
com três palavras novas: bafana-bafana, apelido carinhoso dos
garotos da Seleção Sul-Africana de Futebol; Jabulani, a controversa
bola de oito gomos, significando celebrar, também em língua zulu,
e a mais barulhenta das três: vuvuzela, corneta ensurdecedora de um
metro, substantivação da onomatopeia do zumbido.
A Alemanha fez quatro na rede de uma Austrália apática, sem
canguru ou bumerangue que desse jeito; a Argentina, de azul e
branco, com Maradona de terno novo, emplacou apenas um na
Nigéria; a África do Sul empatou de 1 x 1 com o México; a terra dos
Anglos, Inglaterra, com frango imperdoável de Green, amargou
empate com os estadunidenses; a Laranja Mecânica, herdeira do
Carrossel Holandês, com ajuda da trave, emplacou dois na
Dinamáquina desfalcada; o Paraguai empata com a Azurra italiana,
debaixo de vento e chuva. O Japão comeu os Camarões, havia
começado o mata-mata da vuvuzela.
A maldição da Virgem de Copacabana cuidaria da Argentina.
A Coreia do Norte, que desta vez ficou sem o sinal de televisão das
transmissões, treinava trenzinho e sequências de cabeçadas para trás.
A imprensa e os humoristas caiam de pau no técnico brasileiro,
Dunga, que de tão culto e erudito, diz disturbando. O gaúcho era
rígido, treinava no frio, à noite. Nada de cigarro, cerveja, revista
de mulher pelada, sexo ou mandinga, curtia-se um bingo arretado na
concentração.
O comércio clandestino de bandeiras, flâmulas e camisas
amarelas, não perdeu tempo; as fabriquetas alongaram o molde das
cornetas e a garotada da Rocinha, além da bola que faz curva
sozinha, só desejava outra coisa: uma vuvuzela bem esporrenta.
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Domingo era dia de futebol. Dia dos namorados e Dia de
Santo Antônio, antevéspera da estreia1 do Brasil na Copa da África.
O clima era de euforia, o país para2 em dia de jogo, como se
fosse feriado. A policia estava no morro, investigando o roubo de um
carregamento de figurinhas do Álbum da Copa do Mundo. As
meninas vestiam-se de Brasil da cabeça aos pés, pintavam as unhas
com as cores da bandeira.
CAPÍTULO 2
Olhando-se de quem vem pelo mar, o maciço do Penhasco
Dois Irmãos; que divide a zona sul da oeste da cidade do Rio de
Janeiro; não é apenas um enorme pedregulho do Terciário lançado às
águas temperadas do Atlântico, dando fim à longa corredeira de
montanhas vindas do sul, que aumentam de tamanho até o Dedo de
Deus e se diminuem em direção ao azul esverdeado do mar das
praias oceânicas.
Vendo-se de perto e por todo o lado, percebe-se que abaixo e
ao largo da pouca Mata Atlântica de resto; além do topo de rocha
inabitável; apresenta-se uma das maiores favelas da América do Sul,
localizada em terras onde outrora haviam engenhos colonizados
desde o século XVI, utilizadas para o plantio da cana-de-açúcar e
denominadas Jardim da Gávea, adquiridas por Rodrigo de Freitas
Castro e Mello em 1660 e depois retalhadas em chácaras e sítios.
A partir de 1873, com a concessão dos bondes de tração
animal da Companhia de Ferro Carril do Jardim Botânico;
a Freguesia da Gávea alçava Ipanema, Leblon, São Conrado, Lagoa,
toda a Gávea e boa parte da Barra da Tijuca, mantendo até a virada
do século passado pouco menos de cinco mil moradores.
1 Estréia. No acordo ortográfico os ditongos abertos: 'éi', 'ói' e 'éu' continuam
acentuados no final da palavra: Niterói, céu, dói, chapéu. Perde o acento Coreia,
plateia, ideia, estreia, boia, bobeia, onomatopeia, heroico, etc.
2 Pára. Acento diferencial de tonicidade. Não se acentuam mais certos
substantivos e formas verbais para distingui-los de outras palavras.
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O diminutivo rocinha surge após a Segunda Grande Guerra,
quando lá os portugueses, os franceses e os italianos plantavam seus
roçados e viviam da agricultura miúda de subsistência, negociando
hortas, pomares e criações pela vizinhança abastada.
Em seguida vieram os nordestinos, fugitivos da seca, pacatos,
ordeiros e trabalhadores em sua maioria, desejosos de moradia barata
e próxima dos bons empregos da zona sul da cidade maravilhosa.
Aos poucos, de prego à tábua, de tijolo em fiada, de viela em
rua, de botica em farmácia, de boca de fumo em comércio foi
crescendo a comunidade até o número de quase setenta mil almas
brasileiras, torcedores.
E tome vuvuzela, rojão e morteiro. A garotada não respeita
vizinhança nem Lei do Silêncio, o foguetório e a barulheira vão
crescendo em intensidade conforme se aproxima da