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A Conexão Zero
A Conexão Zero
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E-book342 páginas4 horas

A Conexão Zero

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Sobre este e-book

Um documento recuperado das cinzas de Pompeia parece revelar um segredo capaz de abalar a humanidade, mesmo em 2019.

Pirâmides, monumentos da antiguidade, escritos misteriosos de milhares de anos, tudo parece conectado. Uma equipe europeia luta para recuperar o pergaminho e entender a mensagem do passado que pode ser decisiva para o futuro.

Um estranho atentado na França. Um acidente aéreo sem explicação no Brasil. À medida que decifram os escritos romanos, os pesquisadores percebem que a mensagem escondida há milênios pode explicar os misteriosos acontecimentos no presente.

Uma corrida contra o tempo. Enigmas vão sendo desvendados. E a terrível verdade começa a se revelar.

Pode ser tarde demais.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento29 de jun. de 2019
ISBN9788592797669
A Conexão Zero

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    A Conexão Zero - Celso Possas Junior

    conexione

    1

    O historiador é um profeta que olha para trás.

    Heinrich Heine, escritor alemão

    Pompeia, agosto de 79 d.C.

    A frase dita pelo velho Lívio não saía da cabeça de Umbrício. O que eu escrevi mudará tudo. Isto precisa chegar às mãos de Lúcio Políbio.

    Talvez fosse apenas um exagero proposital, para convencê-lo a ir para uma cidade da qual todos fugiam. Ou um delírio. Quem sabe Lívio finalmente sucumbia à idade? Talvez tivesse a mente assustada, como acontecera com seu próprio avô, um pedreiro que passou os últimos meses de vida falando sobre céu, inferno e outros mitos religiosos.

    Não, Lívio não inventaria palavras exageradas somente para ter certeza de que o mensageiro teria coragem de ir até Pompeia. O idoso o conhecia bem, sabia que ele cumpriria qualquer trabalho para o qual aceitasse o pagamento. Exagero ou não, o homem acreditava nas coisas que dissera. E no que escrevera, de forma urgente, para o destinatário em Pompeia.

    O jovem Umbrício pensava no tom sério do velho historiador e se perguntava se o pensador mantinha as faculdades mentais intactas. Afinal, era muito idoso, suas mãos trêmulas e sua barba abaixo do pescoço, branca como neve, atestavam a idade avançada. Além disso, o próprio Lívio dissera calmamente, naquela manhã, que estava morrendo, não tinha mais do que poucos dias de vida. Umbrício não sabia que doença ele tinha, mas seguiu as ordens do velho mestre para não se aproximarem um do outro e usar luvas dentro da casa dele. Eram palavras de um homem doente. E ansioso. Mas, palavras de um homem lúcido e inteligente. Lívio não era louco, nem senil. Se acreditava que o papiro era tão importante, quem era Umbrício para duvidar?

    Seus pensamentos foram interrompidos por xingamentos. Louco, estúpido e outras coisas piores. Não era para menos, Umbrício era o único, naquele momento, avançando pela Via Estabiana na direção de Pompeia, atrapalhando o fluxo humano que fugia da cidade.

    A população de Pompeia não era pequena. Dizia-se que mais de dez mil pessoas viviam ao pé do Vesúvio. Quanto mais perto chegava da Porta Salinense, mais difícil era prosseguir. E seu cavalo já estava assustado, em meio a homens, mulheres, crianças e animais, ricos e pobres, senhores e escravos, uma maré humana tentando se afastar da fúria do Vesúvio. Uma mulher perguntava ao marido se havia trancado a porta. O homem se virou e respondeu que não, a casa era perto demais do vulcão e seria destruída. Não haveria o que preservar. A mulher seguiu protestando.

    Finalmente Umbrício atravessou a Porta Salinense e rumou pela Via Jovia, que começava a se esvaziar, os moradores indo embora para os barcos pela Porta do Mar, ou em direção à Estábia e as demais cidades do sul. Qualquer porta, menos a que levava diretamente ao Vesúvio.

    Outros habitantes locais não iriam embora, se arriscariam ficando na cidade. Mas corriam para as construções, pelo menos se protegendo entre paredes e porões das casas, no grande Teatro da Via dell’ Abbondanza e no Templo de Minerva.

    Seu ombro foi atingido por algum objeto. Umbrício olhou em direção às casas no alto da colina mais próxima, talvez meninos jogando pedras em visitantes. Uma segunda pedra atingiu seu cavalo e a terceira o alto da cabeça. O mensageiro percebeu o óbvio: não eram meninos brincando, mas o Vesúvio cuspindo rochas pequenas, a uma distância imensa.

    A montanha estava à sua esquerda, envolta em fumaça, uma coluna imensa, da largura de mil homens de mãos dadas ou mais, subindo dezenas de quilômetros para o céu carregado de nuvens, antes de descer e se espalhar por fazendas, vilas e toda a Pompeia.

    Tentou acelerar, antes que a chuva de pedras-pomes se intensificasse, mas o cavalo tinha dificuldade. Umbrício percebeu que todo o chão estava tomado pelas rochas vulcânicas. A chuva de pedras devia estar indo e voltando há dias.

    Um escravo, com aparência dos vândalos, implorava ajuda. Estava com os tornozelos acorrentados a uma fonte, seus senhores esperando retornar em dois ou três dias e não perder a mão de obra, que havia custado caro em uma feira de escravos de Nápoles.

    Chegou a Vicolo Storto – o nome dado pelos habitantes à viela, devido ao seu formato sinuoso – quando começava a escurecer. A lua não iluminava as vias tomadas por rocha vulcânica ou paredes cheias de cinzas, mas Umbrício enxergava perfeitamente, seu caminho e toda Pompeia mergulhados em uma luz alaranjada, como se o Vesúvio fosse uma imensa lamparina florentina.

    Menos de trinta minutos depois, chegou à casa ampla, com colunas frontais imponentes e jardins que deveriam ser bonitos antes do manto cinza, que o cobria e matava as plantas rapidamente. Amarrou o cavalo junto a uma fonte no meio do jardim, enquanto o animal ainda poderia beber a água.

    Subiu os degraus que levavam à porta da frente, uma peça grande e pesada, com letras que Umbrício nem se deu ao trabalho de ler, já que pedras e muita cinza caíam agora, como uma chuva rochosa, mantendo seus olhos quase fechados.

    A porta foi aberta com dificuldade. Um pequeno telhado, com armação de madeira e toldo para proteger a sala principal do sol forte, havia despencado e estava pendurado, como uma tentativa cruel do Vesúvio de barrar a fuga dos moradores. Um homem com aparência nobre colocou a cabeça para ver quem estava ali e o fitou surpreso. Fez sinal para que entrasse.

    – Procuro Lúcio Políbio – disse Umbrício, entrando na casa.

    – Sou eu – respondeu o homem, surpreso.

    Era bem mais jovem que Lívio, na casa dos quarenta anos. Mas tinha a mesma aparência nobre, voz calma e olhar inteligente.

    Lúcio fez sinal para que o mensageiro o seguisse em direção à mesa central, uma peça de carvalho do norte, grande e suficiente para um jantar de doze ou mais pessoas. Colocou água de uma jarra em um recipiente de vidro, coisa que os ricos compravam em Veneza.

    Umbrício bebeu avidamente, a garganta maltratada pelo material vulcânico que enchia ruas de Pompeia e vias respiratórias.

    – Tenho uma mensagem importante, de Lívio Caio.

    Lúcio passou a mão pela cabeça, surpreso. Perguntou:

    – Por que ele não esperou alguns dias, até que a erupção terminasse, isto se houver mesmo uma erupção? Talvez seja apenas o Vesúvio nos mostrando o quanto somos pequenos.

    – Ele disse que a mensagem é importante e que o senhor deve levar à Roma e a todo o Império. Depois, ao resto do mundo.

    Lúcio arregalou os olhos, cada vez mais curioso.

    – Eu estava indo para o porão. Venha comigo. Aqui não estamos seguros.

    O homem famoso de Pompeia pegou a lamparina sobre um móvel de mármore e fez sinal para Umbrício acompanhá-lo.

    – É seguro ficar no porão? E se houver lava?

    – Estamos longe, nenhuma lava chegará até aqui. Mas essa chuva de pedras está piorando e pode nos atingir. Melhor ficarmos embaixo.

    Desceram uma escada até o porão. Lúcio abriu uma porta pequena. Tiveram que se agachar para passar. Para surpresa do mensageiro, havia outra escada para um segundo porão, mais abaixo.

    O estudioso romano galgou os degraus lentamente, explicando que a residência pertencera a um comerciante e traficante de escravos. Por isso, havia um segundo subsolo, onde o homem guardava escravas gaulesas, longe dos olhos dos ladrões e cobradores de impostos.

    Chegaram a um cômodo, preparado horas antes pelo professor. Havia bastante água e comida. E um suprimento de velas e óleo para a lamparina. Um barulho alto veio do andar de cima, onde os dois conversavam há minutos. Batidas, como se um novo visitante estivesse à porta da casa, mas aumentando em seguida, milhares de impactos.

    O jovem agradeceu a ideia do anfitrião de descerem para o porão. Não queria nem pensar no que poderia estar acontecendo à casa naquele momento. As pancadas na parede e no telhado pareciam agora acompanhadas por um trovão, um barulho rouco e constante.

    Lúcio fez sinal para que Umbrício comesse alguma coisa, enquanto fazia mais uma pergunta:

    – Se é algo tão importante, por que Lívio não enviou diretamente para Roma?

    – Ele disse que os romanos não acreditariam no que ele ouviu e relatou no papiro. Falou que isso precisava chegar à Roma por suas mãos. Ou o mundo não acreditará. Essas foram as suas palavras.

    O chão tremeu, quase derrubando a lamparina. Lúcio colocou o objeto no centro do balcão de madeira, afastando uma ânfora. Poeira caía do teto acima deles e o barulho ficava mais alto, mesmo entre as paredes de tijolos, sob dois níveis de terra.

    O jovem de Salerno abriu a bolsa de couro e retirou um papiro.

    Lúcio o desenrolou com cuidado e reconheceu a caligrafia do amigo de longa data, além de mestre de História e Geografia. Colocou dois pequenos pesos de mármore para manter o papiro aberto e segurou a lamparina com a mão – os tremores agora eram constantes e ela cairia a qualquer momento.

    – Ele usou a tinta metálica. Deve ser realmente algo importante.

    Umbrício não sabia ler nem escrever, muito menos por que a tinta com metal seria melhor do que o material usado normalmente pelos escribas, de carvão.

    Lúcio começou a ler.

    O teto agora tremeu com força.

    Umbrício olhou para o anfitrião, começando a achar que o porão não tinha sido uma ideia tão boa, afinal.

    O romano estava pálido. Não pela fúria do Vesúvio, mas pelo que lia no papiro de Lívio Caio.

    Roma, maio de 2019

    Helena Varesi segurava uma caneca de café, saboreando o cheiro da bebida. Esperava que esfriasse um pouco para o primeiro gole. A televisão estava ligada no canal internacional de notícias, que ela gostava de manter em baixo volume pelas manhãs, de forma que acompanhasse o que acontecia na Itália e no mundo, enquanto trabalhava. Uma âncora, de voz calma e forte sotaque inglês, informava uma lamentável série de ataques terroristas nas primeiras horas do dia. No que pareciam atentados coordenados, homens-bomba causaram uma devastação nas estações de metrô em Paris e Madrid, ataques a hotéis na Indonésia, Egito e Arábia Saudita, além de explosões próximas a prédios de escritórios em Tel Aviv e Beirute.

    A pesquisa daquele momento estava praticamente terminada, Helena apenas supervisionando os relatórios finais do Departamento de Arqueologia Bíblica da Universidade de Roma. Não tinha sido um dos trabalhos mais interessantes, apenas a restauração de antigos pergaminhos que não se revelaram tão valiosos no final das contas. Nada comparável aos achados de outras épocas, papiros e cerâmica com novas informações do mundo antigo, registros desconhecidos e até profecias.

    O canal a cabo falava agora de novas tragédias, diferentes das bombas dos radicais islâmicos, mas de causas climáticas. A primavera no Hemisfério Norte tinha uma onda inédita de calor e incêndios, que causavam mortes na Califórnia, Portugal e Grécia, além de prejuízos de bilhões a diversos países, inundações na Ásia e tufões fora de época. Helena escutava, pensando que as mudanças no clima do planeta não eram exatamente naturais, mas fruto do desequilíbrio causado pelo homem, o culpado pelas más notícias do clima, tanto quanto pelas bombas do Estado Islâmico.

    Bebeu o café, estava delicioso. Era caro – grãos selecionados e importados de uma fazenda especial, de algum lugar chamado Minas Gerais, no Brasil. Guardou um livro na estante que cercava a TV, enquanto a âncora mudava para uma boa notícia: finalmente, diminuíam os casos e as surpreendentes mortes por epidemia na Ásia. Um médico da Organização Mundial de Saúde explicava que a misteriosa bactéria, que matara alguns milhões desde que aparecera em um grande hospital de Bombaim e tinha uma taxa de letalidade que beirava os cem por cento, perdia força e alcance, um recrudescimento tão supreendentemente quanto seu aparecimento.

    Helena respondeu a alguns e-mails, não prestando mais atenção ao boletim de notícias, que voltava a reportar acontecimentos ruins, uma nova guerra no centro da África, refugiados no Mediterrâneo, Bangladesh e Venezuela, além de um míssil balístico disparado pela Coréia do Norte, ante a novas ameaças do Presidente dos Estados Unidos. O jornal parecia a caixa de Pandora, todas as pragas e calamidades acontecendo simultaneamente.

    O telefone tocou. Helena atendeu e foi avisada que o Cardeal Rossini estava subindo. A pesquisadora ficou surpresa. Era rara uma visita do importante membro da Cúria Romana, ainda mais sem aviso prévio. Por outro lado, como chefe do Serviço de Investigações do Vaticano, Paolo Rossini não precisava ligar para perguntar se Helena estava nos laboratórios ou viajando. O homem sempre sabia o paradeiro de qualquer um, talvez até o conteúdo dos seus e-mails também.

    Desde o caso das profecias do padre Francesco de Baldi, em 2001, Helena e o Vaticano mantinham o vínculo estreito, a confiança estabelecida em momentos difíceis e a comunicação fluindo entre ela e os cardeais que ocupavam os cargos mais importantes da Igreja Católica. Muita informação havia sido recuperada e decifrada graças ao convênio entre o Vaticano e a Università degli Studi di Roma La Sapienza. Os homens da Cúria e a comunidade acadêmica em geral sabiam que Helena Varesi era o maior nome do planeta em recuperar e decifrar antigos documentos religiosos, além de manter segredo quando necessário, como no caso De Baldi.

    Duas batidas na porta do gabinete. Helena gritou sim e Rossini entrou com um sorriso simpático. Estava sozinho, nenhum segurança ou assistente. Quem sabe seria algo importante, diferente dos trabalhos chatos que vinham ocupando as bancadas do laboratório nos últimos meses? O cardeal estava de terno e os cabelos grisalhos penteados para trás, com gel. Gostava de se vestir impecavelmente, como se fosse o executivo de uma multinacional. Membro do VIS (Serviço de Informações do Vaticano), era pacífico, como pode se esperar de um agente de um departamento da Igreja, mas, ainda assim, fazia parte de um serviço de espionagem. Então, buscava ser discreto, não chamar a atenção. Nunca estava de batina, salvo em solenidades religiosas.

    Conversaram por alguns minutos sobre amenidades e dois casos já fechados. Helena serviu cafés da máquina caríssima, presente do próprio Vaticano alguns anos antes. As costas doeram quando ela levantou. Estava fora de forma. Precisava voltar à academia, as dores na coluna vinham piorando e o peso também, a balança já denunciava três quilos acima do peso de outros tempos. Além de pintar o cabelo castanho, sendo cada vez mais tomado pelos fios brancos que partiam do meio da cabeça.

    Rossini finalmente entrou no assunto que o levara aos laboratórios naquela manhã.

    – Você viu a reportagem há alguns meses sobre aquele papiro carbonizado de Pompeia?

    – O que foi lido com raios-X?

    – Exatamente.

    – Eu quase implorei para me deixarem acompanhar o trabalho, foi sensacional. Conseguiram ler o que estava escrito em um pedaço de carvão. E aquelas poucas frases, que não eram nada demais, apenas registros históricos, acabaram mudando um conceito antigo sobre a tinta.

    – Não sabia. Que conceito? – Rossini conhecia o caso, mas não os detalhes técnicos.

    – Acreditava-se que gregos e romanos não usavam tinta metálica para a escrita, Eminência, apenas carbono. E noventa e nove por cento dos papiros eram assim. Mas aquele documento pôde ser lido pelos raios-X porque a tinta continha chumbo. Finalmente nossos céticos pesquisadores acreditaram que, na Roma antiga, se usava a tinta metálica.

    – Ótimo, Helena – Rossini tinha um meio sorriso. – Precisamos de você.

    A pesquisadora aguardou. Estava agora com cinquenta e sete anos, não tinha mais a ansiedade de outros tempos. Bebericou o café.

    Rossini largou sua xícara sobre a mesinha de centro e retirou um cigarro de algum bolso interno da elegante roupa risca de giz.

    – Um outro documento foi achado em Pompeia. Novamente, um papiro carbonizado em segundos. Nem chegou a queimar, apenas...Não sei como dizer...Torrou com a camada de cinzas quentes.

    – Entendo, Eminência. A nuvem piroclástica do Vesúvio fez isso em Pompeia. Há pessoas sendo encontradas ainda nas escavações e elas estavam petrificadas, algumas sentadas, segurando um objeto.

    – Muito bem. Estou aqui para ajudar um amigo. Não estamos falando de um trabalho para o Vaticano.

    – Não? – Helena estava surpresa.

    – Uma fundação, Helena. Um grupo de pessoas achou coisas em Pompeia no mês passado. Querem você para analisar um documento.

    – Qual fundação?

    – A Reggiani.

    – A fundação de Albertino Reggiani?

    – Sim.

    – Não entendo, Eminência. Eles têm uma equipe enorme de pesquisadores, laboratórios, bilhões de dólares para gastar. Por que precisam de ajuda de gente como nós?

    Rossini riu.

    – Não podem bater em qualquer porta, querem sigilo nesse caso. Por isso, ele veio tomar café comigo no Vaticano.

    – O Reggiani em pessoa?

    – Sim, há dois dias. Ele está velho, mas continua o mesmo. Dedica sua fortuna a pesquisas e mistérios antigos. Aliás, não entendo como ele nunca a contratou.

    – Eles me sondaram há alguns anos. Queriam que eu liderasse a pesquisa na ilha de Creta. Parece que descobriram uma estrutura lá, cheia de inscrições misteriosas e vestígios de atividades antigas.

    – Civilização minoica?

    – Não. Milhares de anos antes.

    – Nossa! E você não se interessou?

    – Não. Eu estava decidida a trabalhar somente com documentos religiosos.

    – É verdade. Você já disse isso tantas vezes.

    – Mais um café, Eminência?

    – Ah, sim. Obrigado.

    Helena levantou e colocou mais um punhado de grãos na máquina. O aparelho zumbiu e o cheiro dos grãos sendo triturados encheu o pequeno gabinete.

    Rossini continuou:

    – Bom. Eles já estão com esse papiro há meses. Isso, se pudermos chamar aquele pedaço de carvão retorcido de papiro. Já tentaram, há algumas semanas, um tipo de ressonância para ler a tinta metálica, mas parece que não funcionou. Acho que vão tentar de novo.

    – Certo.

    – A fundação não tem duas coisas. A primeira delas, um acelerador de partículas.

    – Para acessar a tinta metálica no documento carbonizado?

    – Sim. Querem tentar novamente, usar algum acelerador mais moderno, ou potente, sei lá como se fala.

    Helena ainda não entendia o que levava a fundação a pedir que um cardeal tão importante trouxesse aquele assunto até ela. Helena sabia que já existiam aceleradores de partículas na Itália. Não tão grandes quanto aqueles da América ou o CERN, na Suíça, mas talvez suficientes para lidar com documentos pequenos. E, se tivessem sucesso, a mensagem estaria em latim, não precisariam dela para decifrar e interpretar mensagens como a profecia do Padre de Baldi.

    Rossini continuou:

    – A equipe da fundação que trabalha com esse documento fez mais uma tentativa na Inglaterra. Serviu para mostrar que o documento tem, sim, a tal tinta metálica, que poderia ser lido. E, também, que pode ser algo importante. Importante demais, foram as palavras de Reggiani, tomando chá comigo e segurando aquela bengala com um diamante de não sei quantos quilates na ponta.

    Helena aguardou.

    – Mas precisam de algo mais do que raios-X. Feixes de prótons e raio de fótons, acho que foi isso que ele disse.

    – Conseguiram ler alguma cosia?

    – Não. Não conseguiram entender até agora o que estava escrito, apenas uma frase ou duas.

    A pesquisadora aguardou, Rossini não estava li apenas para contar isso.

    – Eles precisam de outra coisa também.

    – O quê?

    – Você, Helena.

    2

    A nobreza da raça humana está no nosso impulso de saber, Leonard Mlodinow, físico norte-americano.

    Florença, maio de 2019

    A Fundação Albertino Reggiani era um complexo de prédios, jardins e auditórios nos arredores de Florença, não muito diferente do campus de uma universidade pequena. Havia centenas de pesquisadores ali, gente da paleontologia, astronomia, gênios da física e matemática, e arqueólogos como Helena, pálidos pela vida em laboratórios; em outros momentos, com a pele bronzeada pelas pesquisas de campo e escavações em desertos do Egito ou da América do Sul.

    Helena saltou do táxi após algumas horas de trem de Roma para a cidade onde viveram, em outros tempos, Dante Alighieri e a família Médici. Um recepcionista com forte sotaque africano indicou o pavilhão principal e a pesquisadora romana se dirigiu ao enorme prédio retangular de vidro, onde um novo atendente do Congo indicou o elevador e o segundo andar.

    Foi recebida por uma jovem pesquisadora, que a cumprimentou com entusiasmo.

    – Doutora Helena Varesi! Que honra conhecê-la!

    Helena sorriu e apertou a mão da jovem loira, com olhos esverdeados.

    – Sou Giuliana Pinheiro – se apresentou.

    Foram conversando pelo longo corredor de granito. A pesquisadora da fundação contou que era portuguesa, filha de mãe brasileira e pai italiano. Nascera em Lisboa e cursara paleontologia na Universidade de Coimbra.

    Chegaram ao laboratório. Era amplo e muito equipado, não ficava devendo nada aos melhores recintos da Universidade de Roma.

    Havia mais dois pesquisadores na sala, um alemão chamado Wolfgang Steiner, também com aparência de vinte e cinco, no máximo vinte e oito anos, e um italiano, Pietro Otoni, igualmente jovem, com cabelos compridos e presos em um rabo-de-cavalo.

    Sentaram em cadeiras de rodinhas, em volta de uma enorme bancada. Sobre ela, havia uma caixa de madeira, pequena e com aparência misteriosa, como se o próprio Indiana Jones fosse entrar no laboratório, vestir um jaleco e apresentar a Arca da Aliança.

    Giuliana parecia a chefe do projeto. Enquanto mimavam Helena com café fresco e biscoitos dinamarqueses, a jovem começou uma série de explicações.

    – Você conhece bem a Fundação Reggiani?

    – Um pouco. Explique-me como se eu não soubesse nada, por favor – pediu Helena.

    – Ok.

    – Como diz nosso fundador, gostamos de ir atrás daquelas coisas que não podem ou nunca foram explicadas. Quem construiu Puma Punku? O que são as ruínas no Camboja, as caveiras de cristal? Como alguém moveu uma pedra de mil toneladas por trezentos quilômetros do Líbano, há milhares de anos, quando nem a roda tinha sido inventada? Quem fez as linhas de Nazca e construiu as maravilhas da Ásia e da América Central? E, mais do que tudo, por quê ou para que fizeram?

    – Certo.

    – Existem equipes da fundação alocadas a cada projeto, ou mistério, como falamos aqui. Há gente dedicada à Grande Pirâmide, um time permanente no Peru, outro na América Central. E, logicamente, há uma dúzia de analistas aqui na sede, trabalhando nos dados coletados, formulando teorias, indicando novos locais, esse tipo de coisa. São poucos resultados, mas, de vez em quando, esbarramos em algo novo. Uma equipe já descobriu uma língua desconhecida, artefatos, construções novas, uma biblioteca com mil pergaminhos, mensagens gravadas em cerâmica não sei quantos mil anos atrás. Outro time acabou de achar uma pirâmide enterrada na Bósnia. Nosso trabalho é difícil, investigamos os maiores mistérios da história antiga. Mas temos conseguido algumas recompensas maravilhosas.

    – Parece fascinante – Helena respondeu com sinceridade. Normalmente só se interessava por coisas ligadas à religião, mas era impossível uma pesquisadora como ela, de documentos e artefatos antigos, não sentir um arrepio pensando nos locais citados e seus mistérios da antiguidade.

    – Nosso pequeno grupo foi formado há pouco mais de um ano. Nós três éramos analistas gerais, mas queríamos trabalhar em um projeto específico, mergulharmos em alguma coisa.

    – Muito bem. Parabéns!

    – Obrigada.

    – E qual é o projeto exatamente?

    Giuliana

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