Retorno às origens (Teshuvá): Memórias
()
Sobre este e-book
Relacionado a Retorno às origens (Teshuvá)
Ebooks relacionados
Roubaram minha infância Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAlém das Palavras Nota: 0 de 5 estrelas0 notasConte As Muitas Bênçãos Nota: 0 de 5 estrelas0 notasElisa Branco: Uma vida em vermelho Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Estrela Laranja Nota: 0 de 5 estrelas0 notasBaú de Lágrimas - O Diário Secreto do Holocausto Nota: 5 de 5 estrelas5/5Eu... Minhas Memórias Nota: 0 de 5 estrelas0 notasAlém Da Paixão Nota: 0 de 5 estrelas0 notasComo testemunhar aos judeus sobre Jesus Nota: 0 de 5 estrelas0 notasExílio Secreto De Hitler No Brasil Nota: 0 de 5 estrelas0 notasHomens pretos (não) choram Nota: 5 de 5 estrelas5/5Cartas De Um Führer Nota: 0 de 5 estrelas0 notasHistórias de um tempo sem tempo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPensamentos e histórias de um pai de familia Nota: 0 de 5 estrelas0 notasChaves para Tetuan Nota: 0 de 5 estrelas0 notasFilhos de nazistas: Os impressionantes retratos de família da elite do nazismo Nota: 5 de 5 estrelas5/5O diário de Anne Frank Nota: 5 de 5 estrelas5/5Meu encontro com Inácio Nota: 0 de 5 estrelas0 notasSeminarista, Quase Padre, Quase Santo: Vocati Multi, Selecti Pauci Nota: 0 de 5 estrelas0 notasMemórias de um adolescente brasileiro na Alemanha nazista Nota: 5 de 5 estrelas5/5A Minha Grande Perda por Covid-19 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasIch Liebe Beide Nota: 0 de 5 estrelas0 notasNão me arrependo: Memórias do rock and roll Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPentecostalismo e Pós-Modernidade: Quando a Experiência Sobrepõe-se à Teologia Nota: 5 de 5 estrelas5/5Um Começo E Um Fim Nota: 0 de 5 estrelas0 notasFilho, árvore e livro: Razões de Viver Nota: 0 de 5 estrelas0 notasTenente Rosenthal, Vovô Israel Nota: 0 de 5 estrelas0 notasReconciliação cansa mas santifica Nota: 0 de 5 estrelas0 notasO Testemunho Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPT: A Face oculta do fascismo Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
História Europeia para você
História medieval do Ocidente Nota: 5 de 5 estrelas5/5A Revolução Francesa, 1789-1799 Nota: 5 de 5 estrelas5/5O diário do diabo: Os segredos de Alfred Rosenberg, o maior intelectual do nazismo Nota: 5 de 5 estrelas5/5Vikings: A história definitiva dos povos do norte Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Doutrina do Fascismo Nota: 3 de 5 estrelas3/5Escravidão na Roma Antiga Nota: 0 de 5 estrelas0 notasRoma - Uma história em sete invasões: Uma história em sete invasões Nota: 5 de 5 estrelas5/5A História Da Igreja Católica - Vol 1 Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA Heráldica Nota: 0 de 5 estrelas0 notasBox - As cruzadas: a história oficial da guerra pela Terra Santa Nota: 5 de 5 estrelas5/5Deus e Churchill Nota: 3 de 5 estrelas3/5Cozinha Medieval e Renascentista: Usos e hábitos da sociedade portuguesa Nota: 0 de 5 estrelas0 notasPrimeiro eles tomaram Roma Nota: 5 de 5 estrelas5/5Escola Franco-belga E O Violino Solo Brasileiro: Flausino Vale E Marcos Salles Nota: 0 de 5 estrelas0 notasA revolução cultural nazista Nota: 5 de 5 estrelas5/5A Grande Mentira Nota: 0 de 5 estrelas0 notasDicionário de História e Cultura da Era Viking Nota: 3 de 5 estrelas3/5Bordeaux e seus Grands Crus Classés: A história dos melhores vinhos do mundo Nota: 0 de 5 estrelas0 notasLivro de Concórdia: As Confissões da Igreja Evangélica Luterana Nota: 0 de 5 estrelas0 notasLandmarks Nota: 5 de 5 estrelas5/560 Anos Da História Do Automóvel No Brasil Nota: 0 de 5 estrelas0 notasLilith, A Primeira Mulher Nota: 0 de 5 estrelas0 notasNazismo: Como isso pôde acontecer Nota: 5 de 5 estrelas5/5As Constituições De Anderson Nota: 0 de 5 estrelas0 notasHigh Hitler Nota: 5 de 5 estrelas5/5SPQR: Uma História da Roma Antiga Nota: 3 de 5 estrelas3/5História Do Vampirismo Nota: 0 de 5 estrelas0 notas
Categorias relacionadas
Avaliações de Retorno às origens (Teshuvá)
0 avaliação0 avaliação
Pré-visualização do livro
Retorno às origens (Teshuvá) - Martin Schmal
Referências
Capítulo 1
Prólogo
Escapei do fogo quando as crianças judias foram levadas para o campo de concentração na Alemanha nazista, em 1938. Emigramos para o Brasil no último navio que partiu de Hamburgo, em fevereiro de 1939 (veja documentos em anexo) – eu tinha apenas 1 ano e 8 meses; vieram meus pais e minha irmã Hanacha, de apenas 4 meses. Até os 7 anos, morávamos em uma pequena vila, chamada República, na divisa entre Rio Grande do Sul e o Uruguai, e depois nos mudamos para Carazinho, onde aos 10 anos descobri que éramos judeus. Há muitas histórias parecidas de judeus mundo afora, e evidentemente este é um caso particular de uma pequena família judia que escapou do holocausto e que, por razões de sobrevivência e conversão, pode interessar aos meus familiares (os poucos que restaram) e em particular às minhas filhas, netos, sobrinhos, e talvez a outros, já que é um caso diferente e muito sui generis. Mas, também, como tantos outros casos, pode ficar no esquecimento.
Meu pai, judeu nascido na Polônia em 1904, foi levado para o campo de concentração em 1938. Minha mãe, judia, nascida em Berlin em 1905, a irmã Hanacha (1938) e eu (1937) ficamos escondidos. Felizmente, escapamos e conseguimos fugir em 1939, no início da Segunda Guerra Mundial. Alguns parentes ainda escaparam, outros sofreram ou morreram no campo de concentração ou durante a perseguição. Tentei descobrir tudo sobre a família e deixar por escrito aos familiares e amigos, para não esquecer a tragédia de uma família judia, como tantas outras, e sobre detalhes que apresentarei aqui.
Estranho que meu pai e minha mãe, que se converteram ao cristianismo durante o período nazista, não nos forçaram à conversão (cinco filhos). Ficamos todos sem religião, sem tradição e sem comunidade. Após longa procura sobre a nossa tradição judaica, voltei às origens, já com 55 anos. Meus irmãos e parentes perderam essa identidade, embora conheçam e reconheçam suas origens, mas sem entender as causas. Os fatos relatados sobre o que passaram as nossas famílias e os descendentes (Schmul e Loebman), como muitas outras famílias, e as suas consequências, servem como um alerta para os nossos filhos e netos. Não adianta simplesmente esconder ou esquecer a sua origem judaica. Há antissemitismo, sim, e quando manifestado, de forma política, econômica, religiosa ou social, é ameaçador em qualquer lugar. Como os nazistas disseram a meu pai ao sair do campo de concentração de Teresienstadt: Wir finden euch juden überal in der Welt
(Nós encontraremos vocês, judeus, em qualquer parte do mundo).
Morávamos em Carazinho junto com uma pequena colônia batista alemã. Éramos cinco filhos pequenos (três nascidos no Brasil). Quando eu tinha 9 anos, senti falta de meu pai, que sumiu sem dar explicações. Minha mãe estava sozinha com os cinco filhos e sem ajuda de ninguém. Só falava alemão, não compreendia português. Como mais velho e primogênito, tive que ajudá-la. Um dia ela me pediu que matasse uma galinha, como meu pai fazia, mostrando como deveria matá-la, cortando a cabeça com o machado, fazendo escorrer todo o sangue. Foi a primeira vez que acertei a garganta da galinha. Todo o sangue escorreu, e só depois disso foi depenada. Isso ficou muito marcado. Perguntei a minha mãe onde estava meu pai. Respondeu que ele tinha ido para São Paulo procurar emprego. Ouvia dizer que São Paulo era a maior cidade do Brasil. Mas por que procurar emprego? Foi então que descobri tudo, e ela me contou a história. A igreja em que meu pai trabalhava o expulsou quando descobriram que éramos judeus. Mas o que significa ser judeu? Sabia, como contavam na escola dominical, que foram os judeus que mataram Jesus. Então nós éramos esses judeus? Não entendia. Pouco antes disso, todos os meninos e meninas da igreja eram batizadas por imersão quando completavam 10-12 anos. Perguntei para minha mãe por que eu não podia ser batizado. Ela imediatamente respondeu: você não pode e não deve. Fiquei quieto e só mais tarde vim a entender o significado disso tudo. Meu pai voltou, e com a indenização que recebeu da igreja, imediatamente viajamos de avião (Panair bimotor) para São Paulo. Lembro que vomitamos muito. Essa foi a nossa segunda fuga por razões de sobrevivência, mas agora com cinco filhos pequenos.
Em São Paulo crescemos, estudamos e vivemos a adolescência, mais conscientes, mas com muitas dúvidas. Meu pai logo procurou o Colégio Batista, para estudarmos, embora ele tenha sido expulso pelos batistas alemães do Rio Grande do Sul, pois não tinha dinheiro e não conhecia as escolas públicas. Depois de certo tempo, meu pai nos levou à escola dominical na Igreja Batista de Vila Mariana (brasileira), mas minha mãe nunca foi. Por que nos levou? Não sei. Lá ouvi novamente e muitas outras vezes a mesma história, que os judeus mataram Jesus. Que diabo é esse que todos achavam que os judeus eram culpados? Eu ficava chateado e, claro, sem entender nada. Na Páscoa cristã, meu pai fazia um Bunten teller
segundo a tradição alemã, ou seja, um prato com chocolates e ovos de Páscoa. No Natal não tinha presentes, pois não tinha dinheiro. Lia a história de Jesus, orava e ponto final.
Também falava sobre a Páscoa judaica. Mas o que significava isso, perguntávamos? Hoje sei que é o Pessach. Algumas vezes, celebrou-se o Pessach em casa, exatamente conforme a tradição judaica, sem a presença de estranhos.
Quando chegavam o ano-novo judaico (Roshsahna) e o Dia do Perdão (Yom Kipur), ele sempre lembrava e avisava que aquele era um dia especial dos judeus. Mas não comemorava. Minha mãe, como sempre, não falava nada. Eu sempre queria saber o que aquilo significava, mas as respostas eram sempre superficiais, deixando nossa cabeça ainda mais confusa.
No dia em que Israel fez a sua independência, em 1948, meu pai vibrou muito e dizia que a partir de então estávamos seguros. Quando saíamos de ônibus, passávamos pela sinagoga central, na Consolação, que ainda existe. Certo dia, e por curiosidade, pedi para entrar numa sinagoga. Não recebi resposta. Eu via os judeus andarem de kipá. Todos os feriados judaicos, ele lembrava e nos avisava: Hoje é feriado judaico, pois o dia estava muito bonito
.
Eu nunca cheguei a ler a Bíblia, mas me lembro de algumas partes que eram lidas no Velho e Novo Testamento. As histórias do Velho Testamento eram pesadas, e eu não acreditava que cortaram a costela de Adão para fazer a mulher, Eva. No Novo Testamento, falavam muito em pecado. Você não podia fazer nada, porque iria para o inferno e só se salvaria se acreditasse em Jesus. Isso me dava muito medo. Não podíamos ir ao cinema, dançar, pois tudo era pecado. Vivíamos sempre com medo.
Comecei a procurar outras ideias conversando com várias pessoas. Interessei-me pelo espiritismo. Difícil, não gostei. Li O Capital
, de Marx, porém achei muito complicado e não terminei. Li muitos livros, mas principalmente sobre ciências naturais e biografias. Recebia mensalmente uma revista chamada ORION, em alemão, um presente da tia Frieda, da Alemanha. Decidi fazer engenharia e fiz vestibular na Politécnica e na FEI da PUC de São Paulo, onde fui bem classificado (quinto lugar). Um dia meu pai disse: Agora deixe essas leituras de lado e dedique-se aos estudos
.
Em certo momento, procurei saber mais sobre a minha origem. Meu pai nunca quis falar, mas minha mãe começou a contar o que acontecera na Alemanha. Como meu pai tinha ido para o campo de concentração, como saiu, como ficamos escondidos e como chegamos ao Brasil. Fiquei mais curioso ainda, mas não consegui descobrir mais nada. Descobri ainda que nós, os filhos, não tínhamos religião e que éramos somente descendentes de judeus. Continuamos vivendo normalmente e isolados, sem contato com comunidades judaicas ou cristãs, sem interesse pela religião, e fomos totalmente assimilados na sociedade brasileira.
Mas muito curioso é que meu pai fazia uma reunião todos os sábados, numa sala da Igreja Batista na Praça Duque de Caxias, e éramos obrigados a ir. Por que no sábado? Não fazíamos nada e esperávamos a hora de sair. Por que nos obrigava a ir juntos?
Mais tarde, quando terminei o meu curso de Engenharia, em 1964, e o mestrado, em 1965, tive a oportunidade de fazer doutorado em Engenharia na Technishe Universitat Berlin, na Alemanha. Fui aceito pela Universidade de Berlin, recebi uma bolsa do DAAD e fui, recém-casado com Vitória. Por que escolhi a Alemanha, se lá fomos perseguidos? Meu pai sempre falava dos famosos cientistas judeus na Alemanha e que as ciências eram particularmente muito avançadas. Tive oportunidade de ir para os Estados Unidos, mas o Prof. Coimbra, (Universidade do Brasil/COPPE) também sugeriu que eu fosse para a Alemanha, onde se faz a melhor química do mundo
. Fui, cauteloso, sem preconceito, mas alerta e com medo.
Lá em Berlin encontrei a tia Frieda, irmã de meu pai. Foi aí que descobri tudo, e vou tentar contar toda a nossa história, que foi importante para que eu decidisse retornar às origens e tradições judaicas. No final do livro, tentarei fazer uma análise sobre as contradições e a assimilação nas famílias, sobre os nossos filhos e netos e as consequências dessa assimilação, bem como sobre as razões do conservadorismo e da tradição.
Anexo I
Fotografias na Alemanha 1937
Mãe
Martin
Avó Rosa com os filhos e genros
Casa de campo dos avós com os filhos
Avós com os