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Retorno às origens (Teshuvá): Memórias
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Retorno às origens (Teshuvá): Memórias
E-book197 páginas1 hora

Retorno às origens (Teshuvá): Memórias

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Sobre este e-book

Este livro mostra como o regime nazista conseguiu destruir famílias de ascendência judaica. Mataram a maioria e perseguiram o restante dos nossos familiares na Alemanha, e o que restou evidencia pura sobrevivência, causando abandono quase total da tradição judaica, e assimilação completa. A maioria dos descendentes desconhece a história cruel desta família durante a perseguição na Alemanha e não sabe que também aqui havia antissemitismo. O autor narra a história de quatro gerações, as causas e consequências de imigrações acima e abaixo do Equador. Faz uma análise e reflexões sobre as diferenças e preconceitos. Depois de muitos anos, redescobriu sua identidade e retornou às origens, discordando de muitos conceitos tradicionais. Foi fundamental a descoberta do rabino Nilton Bonder.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento27 de mar. de 2017
ISBN9788583383437
Retorno às origens (Teshuvá): Memórias

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    Retorno às origens (Teshuvá) - Martin Schmal

    Referências

    Capítulo 1

    Prólogo

    Escapei do fogo quando as crianças judias foram levadas para o campo de concentração na Alemanha nazista, em 1938. Emigramos para o Brasil no último navio que partiu de Hamburgo, em fevereiro de 1939 (veja documentos em anexo) – eu tinha apenas 1 ano e 8 meses; vieram meus pais e minha irmã Hanacha, de apenas 4 meses. Até os 7 anos, morávamos em uma pequena vila, chamada República, na divisa entre Rio Grande do Sul e o Uruguai, e depois nos mudamos para Carazinho, onde aos 10 anos descobri que éramos judeus. Há muitas histórias parecidas de judeus mundo afora, e evidentemente este é um caso particular de uma pequena família judia que escapou do holocausto e que, por razões de sobrevivência e conversão, pode interessar aos meus familiares (os poucos que restaram) e em particular às minhas filhas, netos, sobrinhos, e talvez a outros, já que é um caso diferente e muito sui generis. Mas, também, como tantos outros casos, pode ficar no esquecimento.

    Meu pai, judeu nascido na Polônia em 1904, foi levado para o campo de concentração em 1938. Minha mãe, judia, nascida em Berlin em 1905, a irmã Hanacha (1938) e eu (1937) ficamos escondidos. Felizmente, escapamos e conseguimos fugir em 1939, no início da Segunda Guerra Mundial. Alguns parentes ainda escaparam, outros sofreram ou morreram no campo de concentração ou durante a perseguição. Tentei descobrir tudo sobre a família e deixar por escrito aos familiares e amigos, para não esquecer a tragédia de uma família judia, como tantas outras, e sobre detalhes que apresentarei aqui.

    Estranho que meu pai e minha mãe, que se converteram ao cristianismo durante o período nazista, não nos forçaram à conversão (cinco filhos). Ficamos todos sem religião, sem tradição e sem comunidade. Após longa procura sobre a nossa tradição judaica, voltei às origens, já com 55 anos. Meus irmãos e parentes perderam essa identidade, embora conheçam e reconheçam suas origens, mas sem entender as causas. Os fatos relatados sobre o que passaram as nossas famílias e os descendentes (Schmul e Loebman), como muitas outras famílias, e as suas consequências, servem como um alerta para os nossos filhos e netos. Não adianta simplesmente esconder ou esquecer a sua origem judaica. Há antissemitismo, sim, e quando manifestado, de forma política, econômica, religiosa ou social, é ameaçador em qualquer lugar. Como os nazistas disseram a meu pai ao sair do campo de concentração de Teresienstadt: Wir finden euch juden überal in der Welt (Nós encontraremos vocês, judeus, em qualquer parte do mundo).

    Morávamos em Carazinho junto com uma pequena colônia batista alemã. Éramos cinco filhos pequenos (três nascidos no Brasil). Quando eu tinha 9 anos, senti falta de meu pai, que sumiu sem dar explicações. Minha mãe estava sozinha com os cinco filhos e sem ajuda de ninguém. Só falava alemão, não compreendia português. Como mais velho e primogênito, tive que ajudá-la. Um dia ela me pediu que matasse uma galinha, como meu pai fazia, mostrando como deveria matá-la, cortando a cabeça com o machado, fazendo escorrer todo o sangue. Foi a primeira vez que acertei a garganta da galinha. Todo o sangue escorreu, e só depois disso foi depenada. Isso ficou muito marcado. Perguntei a minha mãe onde estava meu pai. Respondeu que ele tinha ido para São Paulo procurar emprego. Ouvia dizer que São Paulo era a maior cidade do Brasil. Mas por que procurar emprego? Foi então que descobri tudo, e ela me contou a história. A igreja em que meu pai trabalhava o expulsou quando descobriram que éramos judeus. Mas o que significa ser judeu? Sabia, como contavam na escola dominical, que foram os judeus que mataram Jesus. Então nós éramos esses judeus? Não entendia. Pouco antes disso, todos os meninos e meninas da igreja eram batizadas por imersão quando completavam 10-12 anos. Perguntei para minha mãe por que eu não podia ser batizado. Ela imediatamente respondeu: você não pode e não deve. Fiquei quieto e só mais tarde vim a entender o significado disso tudo. Meu pai voltou, e com a indenização que recebeu da igreja, imediatamente viajamos de avião (Panair bimotor) para São Paulo. Lembro que vomitamos muito. Essa foi a nossa segunda fuga por razões de sobrevivência, mas agora com cinco filhos pequenos.

    Em São Paulo crescemos, estudamos e vivemos a adolescência, mais conscientes, mas com muitas dúvidas. Meu pai logo procurou o Colégio Batista, para estudarmos, embora ele tenha sido expulso pelos batistas alemães do Rio Grande do Sul, pois não tinha dinheiro e não conhecia as escolas públicas. Depois de certo tempo, meu pai nos levou à escola dominical na Igreja Batista de Vila Mariana (brasileira), mas minha mãe nunca foi. Por que nos levou? Não sei. Lá ouvi novamente e muitas outras vezes a mesma história, que os judeus mataram Jesus. Que diabo é esse que todos achavam que os judeus eram culpados? Eu ficava chateado e, claro, sem entender nada. Na Páscoa cristã, meu pai fazia um Bunten teller segundo a tradição alemã, ou seja, um prato com chocolates e ovos de Páscoa. No Natal não tinha presentes, pois não tinha dinheiro. Lia a história de Jesus, orava e ponto final.

    Também falava sobre a Páscoa judaica. Mas o que significava isso, perguntávamos? Hoje sei que é o Pessach. Algumas vezes, celebrou-se o Pessach em casa, exatamente conforme a tradição judaica, sem a presença de estranhos.

    Quando chegavam o ano-novo judaico (Roshsahna) e o Dia do Perdão (Yom Kipur), ele sempre lembrava e avisava que aquele era um dia especial dos judeus. Mas não comemorava. Minha mãe, como sempre, não falava nada. Eu sempre queria saber o que aquilo significava, mas as respostas eram sempre superficiais, deixando nossa cabeça ainda mais confusa.

    No dia em que Israel fez a sua independência, em 1948, meu pai vibrou muito e dizia que a partir de então estávamos seguros. Quando saíamos de ônibus, passávamos pela sinagoga central, na Consolação, que ainda existe. Certo dia, e por curiosidade, pedi para entrar numa sinagoga. Não recebi resposta. Eu via os judeus andarem de kipá. Todos os feriados judaicos, ele lembrava e nos avisava: Hoje é feriado judaico, pois o dia estava muito bonito.

    Eu nunca cheguei a ler a Bíblia, mas me lembro de algumas partes que eram lidas no Velho e Novo Testamento. As histórias do Velho Testamento eram pesadas, e eu não acreditava que cortaram a costela de Adão para fazer a mulher, Eva. No Novo Testamento, falavam muito em pecado. Você não podia fazer nada, porque iria para o inferno e só se salvaria se acreditasse em Jesus. Isso me dava muito medo. Não podíamos ir ao cinema, dançar, pois tudo era pecado. Vivíamos sempre com medo.

    Comecei a procurar outras ideias conversando com várias pessoas. Interessei-me pelo espiritismo. Difícil, não gostei. Li O Capital, de Marx, porém achei muito complicado e não terminei. Li muitos livros, mas principalmente sobre ciências naturais e biografias. Recebia mensalmente uma revista chamada ORION, em alemão, um presente da tia Frieda, da Alemanha. Decidi fazer engenharia e fiz vestibular na Politécnica e na FEI da PUC de São Paulo, onde fui bem classificado (quinto lugar). Um dia meu pai disse: Agora deixe essas leituras de lado e dedique-se aos estudos.

    Em certo momento, procurei saber mais sobre a minha origem. Meu pai nunca quis falar, mas minha mãe começou a contar o que acontecera na Alemanha. Como meu pai tinha ido para o campo de concentração, como saiu, como ficamos escondidos e como chegamos ao Brasil. Fiquei mais curioso ainda, mas não consegui descobrir mais nada. Descobri ainda que nós, os filhos, não tínhamos religião e que éramos somente descendentes de judeus. Continuamos vivendo normalmente e isolados, sem contato com comunidades judaicas ou cristãs, sem interesse pela religião, e fomos totalmente assimilados na sociedade brasileira.

    Mas muito curioso é que meu pai fazia uma reunião todos os sábados, numa sala da Igreja Batista na Praça Duque de Caxias, e éramos obrigados a ir. Por que no sábado? Não fazíamos nada e esperávamos a hora de sair. Por que nos obrigava a ir juntos?

    Mais tarde, quando terminei o meu curso de Engenharia, em 1964, e o mestrado, em 1965, tive a oportunidade de fazer doutorado em Engenharia na Technishe Universitat Berlin, na Alemanha. Fui aceito pela Universidade de Berlin, recebi uma bolsa do DAAD e fui, recém-casado com Vitória. Por que escolhi a Alemanha, se lá fomos perseguidos? Meu pai sempre falava dos famosos cientistas judeus na Alemanha e que as ciências eram particularmente muito avançadas. Tive oportunidade de ir para os Estados Unidos, mas o Prof. Coimbra, (Universidade do Brasil/COPPE) também sugeriu que eu fosse para a Alemanha, onde se faz a melhor química do mundo. Fui, cauteloso, sem preconceito, mas alerta e com medo.

    Lá em Berlin encontrei a tia Frieda, irmã de meu pai. Foi aí que descobri tudo, e vou tentar contar toda a nossa história, que foi importante para que eu decidisse retornar às origens e tradições judaicas. No final do livro, tentarei fazer uma análise sobre as contradições e a assimilação nas famílias, sobre os nossos filhos e netos e as consequências dessa assimilação, bem como sobre as razões do conservadorismo e da tradição.

    Anexo I

    Fotografias na Alemanha 1937

    Mãe

    Martin

    Avó Rosa com os filhos e genros

    Casa de campo dos avós com os filhos

    Avós com os

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