Além Da Paixão
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Além Da Paixão - Ronaldo Estevam
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Copyright - Ronaldo Estevam, 2022
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Violão e Cia.
Clube de Autores
São Paulo – SP - Brasil
Site: www.ronaldoestevam.com.br
1-Biografia. 2-Romance. 3-Drama. 4-Fatos Reais.
2
Introdução
Escrever sobre fatos e pessoas reais, é algo bastante delicado. Ainda mais quando falamos de nossa própria família.
Alguns meses, antes de meu pai falecer, fui até Guaxupé – MG, onde ele residia com minha mãe.
Munido de um velho gravador de fitas K7, entrevistei ambos sobre suas vidas. Gravaram algumas fitas, cada um contando os fatos sob seu ponto de vista. Era final do ano 2005.
Esses registros ficaram guardados até o presente momento, quando finalmente decidi escrever essa obra, baseada nesses relatos, que era meu objetivo quando coletei os depoimentos. Mas o agravamento do câncer que tirou a vida de meu pai, fez com que eu adiasse esse projeto. A tristeza de perdê-lo retirou-me o estímulo.
Passados 17 anos, minha mãe está para completar 92 anos de idade. Estou certo de que ela ficará feliz em ler essa obra que retrata suas vidas.
Registros biográficos são geralmente sem graça, mas tomei nessa narrativa algumas liberdades poéticas na descrição dos fatos, para que o leitor desfrute da história como se estivesse vendo 3
um filme. Venho da área de cinema e teatro e acho fundamental que toda narrativa seja empolgante, divertida e emocionante. Também não fui fiel em cronologias. Portanto, espero leniência, caso algum parente meu se sinta ofendido porque disse isso ou aquilo da avó ou mãe dele. Somos todos seres humanos e em nossa vida cometemos erros e acertos. Não há em nenhuma das linhas desse texto, o desejo de ofender ou desmerecer alguém.
A história que vou contar é acima de tudo uma história de vida, de amor, de tristezas e alegrias, de vitórias e derrotas, afinal, assim é a vida.
Bom divertimento!
Ronaldo Estevam
16 de novembro de 2022 - São Paulo – Brasil 4
Vindilino e Leonina
Os ventos do passado batem em nossa porta, e lembranças do inconsciente coletivo nos dão a sensação de nostalgia. Nossas células trazem em seu DNA, de onde viemos, e revelam que nada somos além da mistura do que um dia foram nossos ancestrais.
Todos que hoje habitam o Brasil, exceto os povos originais (os indígenas, primeiros habitantes da América), chegaram aqui vindos de fora, por mar, sejam colonos, escravizados ou imigrantes.
A grande maioria dos brancos veio nas imigrações ocorridas a partir do final do século 19, para servir como mão de obra substituta dos pretos, nas lavouras de café.
Quem tiver a oportunidade de visitar o Museu do Imigrante no bairro do Brás em São Paulo, verá que esse povo chegava aqui numa situação muito precária, fugindo da fome e da miséria que abatia a Europa por aqueles tempos.
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Chegando aqui, não encontravam o paraíso, afinal o trabalho era pesado e as condições em que viviam não eram das melhores. Muitos ainda eram tratados com castigos físicos, como acontecia aos escravos pretos e pardos, e viviam onde antes eram as senzalas.
De qualquer modo, essa realidade ainda era mais bem vista por eles do que a guerra, a miséria e a fome da Europa. Aqui eles tinham a possibilidade de subir na vida, de um dia terem suas próprias terras. A esperança movia essas pessoas a atravessar o Atlântico e mais tarde o Pacífico (dos que vieram do Oriente).
Mas não estou aqui para falar de História (ciência), isso deixo ao leitor que busque nos livros escritos por historiadores, que certamente explicam muito melhor esse período do que eu, apenas um leigo. De fato estou aqui para lhes contar uma história que envolve alguns desses imigrantes que deram origem a quem sou hoje: Os meus antepassados.
Começo pela linhagem do meu avô, que me deu o sobrenome Estevam.
Diferente da maioria dos brancos brasileiros, os Estevam que me antecedem não vieram nas imigrações do século 19.
Já estavam aqui séculos antes, quando chegaram como Cristãos Novos, que eram judeus 6
convertidos, ou melhor, forçados a se converter para fugir da fogueira da Santa Inquisição.
Oriundos da Espanha, muitos fugiram para Portugal e de lá vieram, deportados ou por vontade própria, para a colônia no Brasil.
Durante minha vida, conheci alguns Estevam que vieram nas imigrações do século 19, uns oriundos da Espanha e outros da Hungria inclusive, mas os meus parentes já viviam aqui no país há muito tempo antes.
A história que vou contar tem início por volta de 1860-1870, quando nasceram meus bisavós Joaquim Estevam e Maria José do Espírito Santo, na cidade mineira de Três Pontas.
Ambos foram batizados pelo padre Victor, um homem da raça negra, ex-escravo, que foi beatificado recentemente pela Igreja Católica.
Mais tarde, padre Victor também celebraria o casamento dos dois, e foi por homenagem ao beato, que meu pai receberia o nome de Victor, mas vamos falar disso mais tarde.
Chegaram aos meus ouvidos mais relatos sobre meu bisavô do que de minha bisavó. Sabia-se que Joaquim era ruivo e possuía uma longa barba ruiva. Escrevia belas poesias e canções, o que revela a inclinação artística da família, vinda de longa data.
7
Maria e Joaquim eram lavradores, e logo após o casamento, mudaram-se para a cidade mineira de Guaranésia, onde compraram algumas terras.
Foi lá onde nasceram seus quatro filhos. O
mais velho Vindilino, depois vieram José, Agostinho e Pedro.
Vindilino nasceu em 1895. Pouco se sabe sobre sua infância, mas o jovem Vindilino era dedicado aos livros, aos estudos. Sem ter uma educação formal, por ser algo muito caro na época, ele era autodidata. Aprendeu de tudo um pouco e também muito. Tocava violão, viola e acordeom, compunha canções e poesias, era agrônomo e administrador.
Hoje poderíamos dizer que Vindilino era um intelectual, um homem das letras, mas também dos números. O emprego a que mais se dedicava era o de agrimensor e administrador de fazendas, cargos que hoje caberiam a um engenheiro agrônomo e um administrador de empresas.
Homem alto, esbelto, a cor dos cabelos talvez tenha vindo da mãe, eram castanhos claros, pele bem branca, e olhos castanhos, diferente do irmão Agostinho que puxou mais ao pai, também ruivo.
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Antes dos trinta anos já possuía casas na cidade e terras no campo. Um homem cobiçado pelas mulheres.
Em 1930, aos trinta e cinco anos de idade, ainda era solteiro. Apesar do assédio das moças, Vindilino gostava de sua liberdade, de um dia estar numa fazenda e no outro em outra bem longe. Não queria criar laços que o prendessem. Mas apesar de tudo, era um homem que valorizava os seus entes queridos.
Nesse ano, o país entrou em guerra civil.
Minas e São Paulo se tornaram inimigos e duras batalhas se travaram ali na região de Guaranésia, que faz divisa com São Paulo.
Um batalhão do exército paulista ocupou a cidade. As tropas tomaram conta das ruas e a maior parte ficou alojada no prédio do Grupo Escolar, uma construção grande e bonita, dentre as mais belas da cidade que já ganhou prêmios por seu conjunto arquitetônico histórico preservado.
Todos os moradores ficaram com muito medo, mas os soldados agiam de modo muito gentil. Minha avó e tia-avó maternas (falarei delas no próximo capítulo), para apaziguar os ânimos no afã de demonstrarem que o povo os recebia em paz, foram levar café aos soldados, e o clima apesar de tenso, não expressava violência, afinal eram todos brasileiros.
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10
Contudo a atitude pacífica dos soldados paulistas não era para todos.
Dois batedores paulistas tinham morrido em uma emboscada feita por Guaranesianos.
Os
comandantes do
exército
paulista
queriam encontrar os autores do crime e passaram a vasculhar o interior de algumas casas em busca de armas. Havia a suspeita da existência de um espião que sabia da investida militar sobre a cidade e que este havia comandado a emboscada.
Um grupo de soldados, armados com fuzil, invadiu a casa do meu bisavô Joaquim, onde também se encontrava Vindilino.
Havia suspeita de que Vindilino era o tal espião mineiro, por conta de suas idas e vindas entre cidades e fazendas de São Paulo e Minas.
Enquanto revistavam a casa em busca de provas de espionagem e das armas, um soldado apontava o fuzil com baioneta para Vindilino, enquanto outro fazia o mesmo com Joaquim, que estava muito doente, sentado numa cadeira.
Por vezes o soldado cutucava o peito de Vindilino com a baioneta e quando isso acontecia, Vindilino batia com o antebraço no fuzil, desviando o mesmo, com olhar fixo de ódio sobre o soldado inimigo.
Isso irritava o soldado, que cutucava mais forte o peito do meu avô, o que por sua vez gerava 11
outra reação ainda mais incisiva por parte de Vindilino.
Como os outros soldados não encontraram nada, bateram com o cabo do fuzil no rosto de Vindilino para que ele confessasse.
- Vai mineiro! Fala logo onde você esconde as armas e os documentos que roubou!
Ele nada dizia, apenas destilava ódio em seu olhar.
- Não quer dizer, né! Você agüenta bem a dor. Mas e o teu pai aqui? – disse o líder apontando para Joaquim, que estava aflito com a situação.
Por fim, o que comandava o grupo, deu uma coronhada em Joaquim, para assim afetar de verdade o inflexível prisioneiro.
Vindilino não suportou ver seu pai doente sendo agredido e partiu para cima dos soldados.
O primeiro que recebeu um soco no maxilar foi o soldado que estava à sua frente. Tomou do mesmo o fuzil e com o cabo, arrebentou a cara do que agrediu seu pai.
Antes que pudesse atirar em alguém ou levasse um tiro, os outros três soldados pularam em cima dele e o contiveram, tomando-lhe a arma, dando socos, chutes e coronhadas.
Amarraram suas mãos e o levaram preso.
Vindilino foi colocado em uma das salas do Grupo Escolar, sob a vigilância de um guarda.
12
A notícia se espalhou pela cidade e uma das admiradoras de Vindilino que estava levando café aos soldados, resolveu ajudar no entardecer.
Aproximou-se do guarda. A porta da sala ficava aberta e Vindilino estava sentado no chão, com as mãos livres das cordas. A moça olhou para ele, demonstrando que estava ali para distrair o guarda.
- Oi! Tá quente hoje, né? – disse a moça ao guarda, enquanto lhe enchia a caneca com café do bule.
- Tá sim! Mas não a ponto de dispensar esse seu café quentinho! – respondeu o guarda.
- Pra mim é um prazer ajudar um moço tão bonito – disse ao guarda, mas olhando para Vindilino, que nesse meio tempo já conseguia destravar a janela.
O barulho fez com que o guarda virasse a cabeça para ver o que acontecia dentro da sala.
Numa fração de segundo, a moça pensou rápido e segurou o rosto do guarda, dando-lhe um beijo bem demorado para que desse tempo de Vindilino pular para o lado de fora e fugir correndo.
Quando a moça viu que Vindilino já tinha saído, interrompeu o beijo bruscamente e deu um tapa no guarda.
- Que atrevimento! Beijar a força uma moça de família! Vou me queixar ao seu comandante! –
13
virou-se e saiu rapidamente dali, deixando o guarda com cara de quem não entendeu nada.
Vindilino se esgueirou pelas ruas escuras da cidade, que já entrava no crepúsculo. Ainda passou na casa do pai, para ver se este estava bem. Já não havia mais guardas lá.
Joaquim estava aflito quando viu