Diálogos com a Gramática, Leitura e Escrita
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Sobre este e-book
Este é um livro de crônicas linguístico-literárias de um professor apaixonado pelo ensino. Não são crônicas à moda de um Rubem Braga nem de um Otto Lara Resende, mas de um professor que não consegue sair da sala de aula. E tudo o que ele fala, conversa e escreve tem o tom de uma aula, fundamentada nas reflexões filosóficas de Mikhail Bakhtin e seu círculo de estudos sobre a linguagem. Os textos são datados e foram publicados no período de 2011 a 2015, cada um deles em edição semanal de O Jornal de Batatais, da Estância Turística de Batatais, cidade em que vivo há 38 anos. Os assuntos que inspiram meus textos são a gramática, a leitura, a literatura, a escrita, a sala de aula, a minha vida, enfim. Viver é o que há de melhor.
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Diálogos com a Gramática, Leitura e Escrita - Juscelino Pernambuco
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2017 do autor
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.
Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO LINGUAGEM E LITERATURA
Para Lélia, Emílio, Juliana, Beatriz, Eduardo e Mariana, com o meu carinho e amor.
Agradecimentos
A todos os meus leitores e seguidores nas redes sociais;
à Cristina Alliprandini Riul, proprietária de O Jornal de Batatais, e a toda a sua equipe;
ao Rodrigo César, da Claretiana FM de Batatais, meu parceiro no programa Análise Musical, e aos meus ouvintes de todo o Brasil;
aos meus amigos e colegas de magistério de todas as escolas, faculdades e universidades por onde passei, nessa minha longa, doce e apaixonante jornada.
PREFÁCIO
Língua e literatura entre gramática e estilística
Sheila Vieira de Camargo Grillo¹
Os textos que compõem este livro foram originalmente produzidos para uma coluna semanal de O Jornal da Estância Turística de Batatais, entre 22.01.2011 e 20.03.2015, pelo professor, pesquisador, escritor literário e estudioso da língua e da literatura Juscelino Pernambuco, com quem tenho o prazer de conviver no grupo de pesquisa de Estudos Bakhtinianos
da Associação Nacional de Programas de Pós-Graduação em Letras e Linguística (Anpoll). As crônicas linguístico-literárias de Juscelino transitam com bom humor e sutileza por variados temas concernentes à gramática, à estilística, à literatura, à variação linguística, à análise de gêneros não literários de esferas constituídas da atividade humana (jurídica, jornalística, política etc.) e também da ideologia do cotidiano (conversas informais, dizeres populares, piadas etc.), que, a meu ver, se articulam em torno de quatro eixos orientadores.
O primeiro deles é a assunção da necessária conexão entre gramática e estilística, seja na atividade de leitura e produção textual de escritores experientes, seja na metodologia do ensino de língua e literatura, pois, segundo Juscelino na crônica A boa escrita
, Saber uma língua é dominar as diferentes possibilidades de uso do seu vocabulário e dos seus recursos gramaticais
.
O segundo eixo é o posicionamento ético de Juscelino professor sobre a finalidade do ensino de língua e literatura, expresso na crônica Literatura, aula e vida
: Antes de servir para a instrução, a aula tem de ser um caminho para a formação do ser humano. O sentido de qualquer disciplina de estudos está nos valores que ela transmite para o acontecimento do existir humano, muito mais do que no conteúdo que se ensina.
Essa defesa de valores humanistas está presente, por exemplo, na crônica A linguagem e a etiqueta
, em que Juscelino reflete sobre como os usos da linguagem são importantes para construir relações sociais mais humanas, cordiais e respeitosas.
Um terceiro eixo é a fixação da norma-padrão, aquela presente nos instrumentos linguísticos (sobretudo gramáticas e dicionários) de uma comunidade, por meio da observação de usos desviantes da norma e da exposição da regra gramatical. Essa fixação, no entanto, não é absoluta e imutável, mas está sujeita às transformações históricas de uma língua, como o próprio professor Juscelino defende na crônica Cuidados com a língua
: A língua não pode servir de instrumento de opressão ou de humilhação. Ela existe para promover o bem-estar social, a boa convivência entre os homens, o amor e a paz. O falar certo e o falar errado dependem de avaliação social. O que ontem foi considerado certo na gramática é, muitas vezes, hoje considerado erro.
Vemos que o compromisso ético do professor e pesquisador Juscelino a respeito do ensino de língua e literatura é promover o pleno desenvolvimento do ser humano em uma sociedade pautada pela igualdade e pela justiça social, valores que estão presentes nos usos e nas concepções de língua e literatura.
O quarto grande eixo é o trabalho com textos literários em prosa e poesia, de escritores clássicos e contemporâneos, tudo isso articulado a uma visão indissociável entre vida e arte: A literatura tem também uma função decididamente conscientizadora. Quem lê acaba aprendendo a ver melhor o mundo e a vida humana na terra
(da crônica Literatura, vida e sonhos
).
Conforme convém ao gênero, o cronista Juscelino adota um tom leve e descontraído, ao tratar de temas ligados à língua em suas diversas esferas de atividade humana (musical, literária, jornalística, jurídica etc.). A abordagem desses tópicos alia conhecimento de teorias linguísticas a um vasto repertório de leituras, que cita com desenvoltura. Um jeito de falar
didático e professoral está presente nas explicações, nas reformulações, no uso de definições e sinônimos, nos exemplos elucidativos das questões tratadas. Permeiam todo o material um encantamento pela linguagem e uma atitude amorosa com o outro, o mundo e a vida. O bom humor e o diálogo amistoso com o leitor, assim como a temática abrangente agradarão mestres e estudantes dos ensinos fundamental e médio, em busca de material de apoio para o ensino e a aprendizagem de língua e literatura, bem como a todos aqueles cativados pela língua portuguesa.
Conteúdo
1 - GRAMÁTICA E ESTILO
2 - ADJETIVOS
3- TALVEZ EU DEVA...
4 - NÓS É QUE SOMOS ESPERTOS
5 - A LINGUAGEM E A ETIQUETA
6 - TORNO, RETORNO E ENTORNO
7 - PERCA E PERDA
8 - TUDO A VER COM A LÍNGUA E COM A VIDA
9 - EM DIA COM A LITERATURA E COM A LÍNGUA
10 - A BOA ESCRITA
11 - Literatura, aula e vida
12 - Eu te amo em línguas diferentes
13 - Infinitamente belo
14 - DIVERSOS
15 - CUIDADOS COM A LÍNGUA
16 - VULPINO E VULTURINO
17 - CUIDADOS COM O E-MAIL
18 - SOBRE PAÍSES, LÍNGUAS E PESSOAS
19 - LITERATURA, VIDA E SONHOS
20 - FIGURAS DE LINGUAGEM
21 - COSTUMES
, DE PAULA FERNANDES
22 - CONSIDERANDO QUE...
23 - De bem com o leitor e as palavras
24 - Sobre maiúsculas e minúsculas
25 - Ainda sobre maiúsculas e minúsculas
26 - Aplainando o terreno
27 - Nós procrastinamos
28 - Uma nova atitude
29 - A boa pronúncia
30 - Literatura e gramática
31 - O lavarroz e outros assuntos
32 - A letra bonita
33 - Viva o professor
34 - Assuntos ortográfico-gramaticais
35 - Falar bem o português
36 - Vinícius e a bilirrubina
37 - Soletrando certo: e-s-f-o-l-i-a-ç-ã-o
38 - Congresso Brasileiro de Escritores
39 - Eficaz e eficiente
40 - Resiliente e renitente
41 - Tecnologia e educação
42 - Perigos da interpretação
43 - Novas palavras no Dicionário Aurélio
44 - Regimes de verbos
45 - Leitura dinâmica e sugestão de livros
46 - A libertação pela língua
47 - O recém-chegado não delínque
48 - Recordando o Acordo Ortográfico
49 - Modos de escrever palavras compostas
50 - Guimarães Rosa e a religiosidade
51 - O conjugador de verbos
52 - A linguagem do futebol
53 - Desvios de gramática
54 - Sobre a norma culta
55 - Rubem Braga e a Gramática
56 - Cecília Meireles: gramática e educação
57 - Verbos do momento
58 - Lendo jornal
59 - O gênero feminino nos diplomas
60 - Variedades
61 - A vivacidade da língua
62 - Risco de vida
63 - Salve o carro de boi
64 - Em busca da crase
65 - A GRAÇA DOS DITADOS POPULARES
66 - Poemas da triste alegria
67 - Acabar em pizza
68 - MORTE DO LEITEIRO: UM POEMA SEMPRE ATUAL
69 - PARA COMPREENDER MORTE DO LEITEIRO
70 - A Linguagem Poética de Carlos Drummond de Andrade
71 - A PERIGUETE E CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
72 - Gramática e ciência
73 - O ACORDO ORTOGRÁFICO EM VIGOR
74 - Recordando o Acordo Ortográfico
75 - Análise do romance O Filho Eterno
76 - Entre o Texto e a Gramática
77 - O nome da bola da Copa é...
78 - Para evitar deslizes gramaticais
79 - Sobre o ensino de gramática
80 - O prefeito escritor, Graciliano Ramos
81 - A Gramática respeitada
82 - Aula romanceada
83 - A fala e a escrita
84 - Explicações gramaticais
85 - Paralelismos na escrita
86 - Para ler Clarice Lispector
87 - Correspondência oficial e comercial
88 - Correspondência oficial e comercial (II)
89 - Organização de currículo e procuração
90 - SOBRE DEDICATÓRIAS
91 - O adiamento do Acordo Ortográfico
92 - Trata-se de causas perdidas
93 - Estar em férias ou de férias?
94 - Plurais estranhos
95 - Os problemas do mal
96 - Fi-lo porque qui-lo
97 - Redações criativas no ENEM
98 - Acertos com certos plurais
99 - O aposto e as vírgulas
100 - Pleonasmos
101 - Vacilos e exageros linguísticos
102 - Descrições na literatura oriental
103 - Ducentésimo rodapé literário
104 - Palavras poéticas
105 - Tirando dúvidas
106 - Leitura e interpretação
107 - Uma poeta assombrosa
108 - Silabadas e crase
109 - De gratuito a beneficente
110 - Tatuagem
111 - Palavras e expressões do momento
112 - Sobre ortografia e descrições
113 - O bom tratamento dos pronomes
114 - Para hifenizar bem
115 - De repente, Vinícius de Moraes
116 - Explicando usos populares
117 - Verbos e palavras do momento
118 - Verbos dos sabiás
119 - Antimetábole e Enálage
120 - Frases para a vida
121 - A vida espia
122 - A misantropia de Drummond
123 - Conversa sobre assuntos variados
124 - A prova do Enem (1)
125 - A prova do Enem (2)
126 - A arte da conversa
127 - Uma conversa informal
128 - Cuidados com a língua e com o ensino
129 - Palavras e mais palavras
130 - Cuidados com citações
131 - Bons livros para as férias
132 - Amores roubados
133 - Queijo Minas de Aiuruoca
134 - Machado de Assis e a Presidenta
135 - Riscos da vida e da língua
136 - Letra de música e poesia
137 - Enigmas de Grande Sertão: veredas
138 - Sobre farpas e felpas
139 - Se eu fizer o que devo...
140 - Cuidados com os sinônimos
141 - Eu me indigno
142 - Lígia, a musa de Jobim
143 - Eu sei que vou te amar
144 - Voltando à gramática
145 - Luíza
, de Tom Jobim: desafio
146 - CHÃO DE GIZ
: HISTÓRIAS
147 - LER NAS ENTRELINHAS
148 - Dúvidas em pares
149 - Gabo e a literatura
150 - Elis, atrás da porta
151 - Vinícius de Moraes: Silêncio
152 - Para pensar e extasiar
153 - Citações poéticas e filosóficas
154 - Durante a Copa do Mundo
155 - João Ubaldo Ribeiro e Murakami
156 - Acaso e ocaso
157 - João e Maria
158 - A travessia de Fernando Brant
159 - Quando o se
não é problema
160 - Millôr, como vai?
161 - Cuidados com a linguagem
162 - Boas recomendações para a fala e A escrita
163 - AFORISMOS
164 - Vivam os professores!
165 - Bem-vindo ao texto
166 - A viagem do elefante, de José Saramago
167 - Tesouros semânticos
168 - Imponderável
179 - De volta a casa
170 - Rodapé em Vestibular
171 - A língua e as meias verdades
172 - Uma dança, um poema
173 - Drummond, Saramago e as ilhas
174 - A vida nos romances
175 - Sobre o ato de escrever
176 - Amar a língua
177 - Redação exemplar
178 - A terceira lâmina e a arte
179 - O I Festival NACIONAL de MPB de Batatais
REFERÊNCIAS
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GRAMÁTICA E ESTILO
Batatais, 22-01-2011 – O texto jornalístico, diferentemente do texto literário, tem um compromisso sério com a gramática. Pode-se dizer que a norma que é considerada culta encontra-se muito mais nos jornais e nos textos de caráter científico e didático do que nos textos literários. A literatura não tem como função servir de modelo para a gramática. Podemos encontrar em romances, contos e novelas bons exemplos de construções de frases na norma chamada de culta, mas não é esse o compromisso do artista da literatura.
Esta minha crônica foi buscar conteúdo na edição do jornal Folha de S. Paulo do dia 18-1-2011. Li com atenção o texto de opinião do professor Eduardo Portela, intitulado: Cultura, política de Estado
. Acompanhem a análise estilístico-gramatical que pretendo fazer. O autor começa assim o texto: São válidos, mesmo que contraditórios, os recentes debates sobre o lugar da cultura hoje
. A ordem dos termos na frase já indica a opção estilística do autor. Ao iniciar com a expressão "São válidos", o texto quer realçar mais o fato de os debates sobre a cultura terem validade do que o fato de serem contraditórios. Caso o autor quisesse chamar a atenção para a contradição dos debates, poderia ter começado a frase assim: mesmo que contraditórios, os recentes debates... são válidos. Se quisesse dar ênfase mais aos debates do que para a sua validade ou sua contradição, teria construído a frase na ordem direta: os recentes debates sobre o lugar da cultura hoje são válidos, mesmo que contraditórios. Ou também: os recentes debates sobre o lugar da cultura hoje, mesmo que contraditórios, são válidos. Vejam que o autor tinha à sua disposição diferentes possibilidades de elaboração da frase, dependendo da intenção de seu dizer textual.
E continua o texto de Portela: Cabe ao Ministério da Cultura a função de operar políticas públicas enraizadas e promissoras, tornando-se inadiável formular, ver e rever o seu percurso, selecionar questões pertinentes, absorver formas de criação e compreensão.
Novamente houve a escolha de iniciar a frase na ordem inversa. A ordem direta da oração principal seria: a função de operar políticas públicas enraizadas e promissoras cabe ao Ministério da Cultura... A intenção do texto foi chamar a atenção para a obrigação do Ministério da Cultura, já que temos agora nova ministra e o ilustre articulista produziu seu texto de opinião para alertá-la sobre os rumos que deve imprimir à sua ação ministerial. Nessa frase do texto, é de se notar o emprego do verbo operar. Tal verbo vem ganhando dia a dia novas acepções e novos usos que merecem destaque nessa análise. A origem dele é latina, operare: executar, produzir, acionar. Hoje se usa para significar sofrer ou executar cirurgia, entrar em função, produzir efeito e, no texto em foco, trabalhar ou executar. Se antes a tendência era usá-lo para atividades físicas, hoje seu uso estende-se também para atividades mentais ou espirituais. É interessante que se note que o substantivo operário só é ainda empregado para o trabalhador em atividades físicas. O adjetivo promissoras, atribuído às políticas públicas, origina-se de prometer. Quem promete é promissor, promitente ou prometedor. Vejam que o uso dos três sinônimos é diferente. Aliás, é bom que se diga que sinônimo designa semelhança, mas não igualdade de significados. No caso de promissor, costumamos usar para se referir, por exemplo, a futuro, a carreira etc. Dizemos que tal pessoa tem um futuro promissor, uma carreira promissora. Promitente aplica-se mais na área jurídica e comercial, para se referir àquele que promete pagar ou cumprir algum compromisso assumido. Prometedor tem um uso bastante restrito e é usado para apontar aquele ou aquela que geralmente falha no cumprimento de promessas.
Leiamos juntos outro período sintático do texto do professor Portela: A reversão desse quadro clínico desfavorável deve ser rigorosamente priorizada, o que exige a inclusão da cultura como trabalho social avançado.
Vou enfocar o substantivo reversão. Vem do verbo reverter, por sua vez derivado prefixalmente de verter, da mesma forma que subverter, converter, perverter. Desses verbos derivam-se os substantivos: subversão, conversão, perversão. Observem a grafia deles: um S apenas, já que, depois das letras R e N, não se empregam dois esses (SS). É o caso de aniversário, compreensão etc.
Prometo continuar a análise desse texto na próxima semana. Vou ficando por aqui, para não cansar meus leitores e para não pecar por excesso de informações. Espero ter sido de seu agrado o que acabei de escrever e recorro a Machado de Assis que, genialmente, encerra a abertura de Memórias Póstumas de Brás Cubas com estas palavras:
A obra em si mesma é tudo; se te agradar, fino leitor, pago-me da tarefa; se te não agradar, pago-te com um piparote, e adeus.
- 2 -
ADJETIVOS
Batatais, 29-01-2011 – Uma das classes de palavras mais importantes, porém, vez por outra, considerada perigosa para o estilo literário é o adjetivo. O dicionário Aurélio assim o define:
1. "Palavra que modifica o substantivo, indicando qualidade, caráter, modo de ser ou estado: pessoa caridosa; boa casa."
Para muitos, o adjetivo tornou-se até sinônimo de ornamento ou de coisa secundária. Se se diz que algo tem valor substantivo é porque tem importância maior; se se afirma que o fato é de valor adjetivo, é porque é secundário. Até para distinguir estilos de autores leva-se em conta o uso maior ou menor de adjetivos. Costuma-se dizer que o grande romancista português, Eça de Queirós, tem um estilo adjetivoso. Realmente as descrições de Eça são carregadas de adjetivos, porém, é importante que se diga que o notável escritor soube fazer uso deles e não pecou por excesso.
Nosso poeta maior, Carlos Drummond de Andrade, tem outra visão sobre o uso dos adjetivos. No seu fabuloso livrinho em prosa, intitulado Confissões de Minas, ele confessa: À medida que envelheço, vou me desfazendo dos adjetivos. Chego a crer que tudo se pode dizer sem eles melhor talvez do que com eles. Por que ‘noite gélida’, ‘noite solitária’, ‘profunda noite’? Basta ‘a noite’. O frio, a solidão, a profundidade da noite estão latentes no leitor, prestes a envolvê-lo, à simples provocação dessa palavra noite
.
Não deixa de ter razão o genial poeta, e quem seríamos nós para contestá-lo!? Ele estava na sua fase de concretude e economia de sentimentos.
Já o romancista e poeta polonês, Adam Zagajewski, em um belo texto traduzido por Rubens Figueiredo, sai em defesa dos adjetivos de forma poética e contundente. Vejamos alguns trechos do seu texto: Muitas vezes nos mandam cortar nossos adjetivos. O bom estilo, conforme dizem, sobrevive perfeitamente sem eles; bastariam o resistente arco dos substantivos e a flecha dinâmica e onipresente dos verbos. Contudo, um mundo sem adjetivos é triste como um hospital no domingo. A luz azul se infiltra pelas janelas frias, as lâmpadas fluorescentes emitem um murmúrio débil.
Só nesse parágrafo, ele utilizou nove adjetivos: bom, resistente, dinâmica, onipresente, triste, azul, frias, fluorescentes, débil.
E continua, categórico e sensível, o poeta polonês:
Substantivos e verbos bastam apenas a soldados e líderes de países totalitários. Pois o adjetivo é o imprescindível avalista da individualidade de pessoas e coisas. Vejo uma pilha de melões na bancada de uma quitanda. Para um adversário dos adjetivos, não há dificuldade: ‘Melões estão empilhados na bancada da quitanda.’ Todavia um dos melões é pálido como a tez de Talleyrand quando discursou no Congresso de Viena; outro é verde, imaturo, cheio de arrogância juvenil; outro ainda tem faces encovadas e está perdido num silêncio profundo e fúnebre, como se não suportasse a saudade dos campos da Provença. Não há dois melões iguais. Uns são ovais, outros são bojudos. Duros ou macios. Têm cheiro do campo, do pôr do sol, ou estão secos, resignados, exauridos pela viagem, pela chuva, pelo contato das mãos de estranhos, pelos céus cinzentos de um subúrbio parisiense. O adjetivo está para a língua assim como a cor para a pintura.
Percebam, leitores, a secura da frase: Melões estão empilhados na bancada da quitanda.
A frase alcança, sem dúvida, sua intenção de dizer, mas não o faz de modo tão docemente poético como Adam Zagajewski. Os melões por ele descritos ganham vida, cheiro, cor, consistência e sabor. O olhar poético e contemplativo do escritor faz dos singelos melões objetos de arte e reflexão, pois que passam a se assemelhar a seres humanos tão distintos entre si na aparência, mas tão iguais na essência.
O que podemos perceber na opção dos escritores por mais ou por menos adjetivos nos seus textos é que essa classe de palavras não existe para enfeitar a frase, mas para reforçar o dizer textual. Mesmo nos textos que economizam no uso de adjetivos, eles se fazem pressentidos em cada um dos substantivos, de tal forma que se pode dizer que há uma cumplicidade tamanha entre ambos, que não se imagina um sem a marca do outro. E termino esta crônica também com adjetivos, com mais um trecho do texto de Adam Zagajewski: Vida longa ao adjetivo! Pequeno ou grande, esquecido ou corrente. Precisamos de você, esbelto e maleável adjetivo que repousa delicadamente sobre coisas e pessoas e cuida para que elas não percam o gosto revigorante da individualidade. Cidades e ruas sombrias se banham de um sol pálido e cruel. Nuvens cor de asa de pombo, nuvens negras, nuvens enormes e cheias de fúria, o que seria de vocês sem a retaguarda dos voláteis adjetivos?
Boa semana para vocês todos, meus diletos, indispensáveis, caros, estimados e humorados leitores. Até a próxima!
- 3-
TALVEZ EU DEVA...
Batatais, 05-02-2011 – O verbo dever anda me deixando intrigado pelo modo como vem sendo usado. Tenho um conhecido que, vez por outra, fala assim: — (1) Eu deva ir ao seu aniversário… (2) Ela deva chegar agora mesmo, espera um pouquinho. (3) A gente deva ir, sim. Note que até formou um nome de pessoa a expressão do caro amigo: devair. Comecei a reparar a fala de outras pessoas e não é que se vai generalizando esse uso estranho do presente do subjuntivo do verbo dever pelo presente do indicativo? A explicação do uso só pode ser pela marca forte do subjuntivo: que eu deva. Virou uma espécie de ultracorreção: pensando ser o correto ou mais culta a forma deva em vez de deve, as pessoas passam a usá-la e a assimilação da norma popular é muito mais rápida e aceita do que a da norma considerada culta. De: talvez ela deva chegar, vem: ela deva chegar.
Dever é um verbo classificado como auxiliar, isto é, ele forma com outro verbo, considerado principal, uma locução verbal. Vamos a alguns exemplos: (1) O governo deverá propor novo reajuste do salário mínimo. (2) Ela deverá apresentar-se ao delegado amanhã.
Um verbo auxiliar pode juntar-se a outros e formar o que chamamos de cadeias verbais, algumas até longas, como: eu quero poder ir passear pela Europa nas férias. Note-se que, nessa cadeia verbal, o verbo principal é passear, que constitui o núcleo semântico. São três verbos auxiliares e um principal. Se se tirar um só auxiliar, a ideia já não será a mesma.
O verbo dever é classificado como auxiliar modal porque serve para formar locuções com valor modal, ou seja, com ideia de desejo, possibilidade, necessidade, probabilidade. Outros modais são os verbos: poder, ter de, haver de.
A conjugação completa do verbo dever em todas as primeiras pessoas de cada tempo é a seguinte:
Modo indicativo: Eu devo (presente). Eu devia (pretérito imperfeito). Eu devi (pretérito perfeito). Eu devera (pretérito mais-que-perfeito). Eu deverei (futuro do presente). Eu deveria (futuro do pretérito).
Modo subjuntivo: Que eu deva (presente). Se eu devesse (imperfeito). Quando eu dever (futuro).
Modo imperativo afirmativo: Deve tu, deva você, devamos nós, devei vós, devam vocês.
Modo imperativo negativo: Não devas tu, não deva você, não devamos nós, não devais vós, não devam vocês.
Muitas pessoas me perguntam se eu acho que decorar verbos é uma prática inadequada. Aliás, é bom que se diga que, depois do construtivismo, se passou, generalizadamente, a condenar a memorização na escola. Nem o construtivismo preconizou tanta aversão ao exercício de decorar ou memorizar dados, fatos, ideias, conceitos. Pois eu vou-lhes dizer que sempre apreciei o exercício de memorização que se popularizou e entrou para o dicionário com o nome de decoreba. O verbete decorar
aparece assim no Novo Aurélio:
Verbo transitivo direto.
1. Aprender de cor; reter na memória: decorar uma lição.
Verbo intransitivo.
2. Procurar guardar na memória aquilo que leu.
A doce poeta Adélia Prado escreveu o seguinte: Aquilo que a memória amou fica eterno.
Se eu gosto da letra de uma canção, de um poema ou trechos de um texto marcante, eu tento aprendê-los de cor. Vejam que expressão bonita: de cor. Significa: de coração, pois cor é coração no latim. Para os ocidentais, o coração é a sede do pensamento, da memória. Saber de cor é, então, saber de coração. E eu guardo no coração só as coisas de que gosto. Não há mal algum em que se decorem ensinamentos escolares. Verbos, por exemplo, depois de entender as razões dos nomes dos tempos, modos e formas nominais dos verbos, depois de observar os tempos verbais combinando em frases e textos, é bom que se tente aprender de cor a conjugação deles. Não estou dizendo que só a memorização resolve o problema do ensino; é preciso entender, compreender, fazer inferências etc., mas decorar não faz mal nem atrapalha. As disciplinas das chamadas ciências humanas, por exemplo, são muito convidativas a um bom exercício de decoração aliado à construção do saber por conta própria.
Sobre a decoreba, acabo de ler um artigo imperdível, do jornalista Hélio Schwartsman, na edição do dia 22-1-2011 da Folha de S. Paulo.
O título sugestivo é A vingança da decoreba
e nele lê-se o seguinte:
Trabalho publicado anteontem na ‘Science’ mostra que alunos que estudam por métodos do tipo decoreba aprendem mais do que os que utilizam outras técnicas.
O ‘paper’, que tem como autor principal o psicólogo Jeffrey Karpicke, da Universidade Purdue, comparou o desempenho de voluntários que estudaram um texto científico se valendo de um método que enfatiza a memória (leitura seguida de um exercício de fixação mnemônica) com o de alunos que usaram a técnica do mapa conceitual, na qual leem o texto e depois desenham diagramas relacionando os conceitos apresentados.
Uma semana depois, os estudantes fizeram um exame para descobrir quanto haviam aprendido. O grupo da decoreba teve um índice de acertos 50% maior do que o do mapa. A grande surpresa, porém, foi que os memorizadores se saíram melhor tanto nas perguntas que envolviam a mera reprodução das ideias originais como também nas questões que exigiam que eles fizessem inferências, estabelecendo novas conexões entre os conceitos.
Prometo continuar conversando com vocês, leitores meus, sobre esse assunto tão palpitante. Até a próxima!
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NÓS É QUE SOMOS ESPERTOS
Batatais, 12-02-2011 – Talvez você, leitor, estranhe o título da crônica de hoje. Aparentemente há uma discordância gramatical, porém lhe asseguro que não há nenhum deslize, mas, sim, o uso correto da expressão de realce, é que. As frases a seguir estão todas certas: (1) Elas é que nos devem uma resposta. (2) Vocês é que devem devolver o livro. (3) Os políticos é que devem ser serviçais do povo.
A expressão é que serve para dar ênfase à declaração que se quer fazer e constitui um idiotismo da nossa língua, ou seja, é uma característica do português apenas, uma expressão idiomática. Nesse caso, nada a ver com idiota.
Veja comigo como a locução se altera quando se separam o é e o que.
(4) Foi ela que fez essa declaração. (5) Foram eles que fizeram tamanha confusão. No caso da (4), também poderia ser assim: Ela é que fez essa declaração. Também a (5) poderia ficar assim: Eles é que fizeram tamanha confusão.
Leia esta gostosa quadrinha e observe a variação da locução expletiva ou de realce de que estamos tratando:
As rosas é que são belas
Os espinhos é que picam
Mas são as rosas que morrem
São os espinhos que ficam.
Note que nas duas últimas estrofes, ao se distanciar o é do que, o verbo teve de ir para o plural: são… que.
Por analogia com essa variação da expressão idiomática, é que, tem-se feito alguma confusão com a concordância verbal. Dia desses, li no jornal Folha de S. Paulo a seguinte manifestação de uma leitora indignada com a colunista Nina Horta:
[...] Estou perplexa. Como alguém com tanta insensibilidade pode ter um espacinho como o teu numa coluna de jornal. O que precisamos hoje em dia são de pessoas de coração, de sensibilidade e não de pessoas frias que só usam a natureza para o que convém." Chamo a sua atenção para o uso do plural, são de pessoas, em vez de é de pessoas...
A expressão de realce seria é de. Com ela, teríamos as seguintes possibilidades: (6) Precisamos hoje em dia é de pessoas de coração... (7) É de pessoas de coração que precisamos hoje em dia. (8) O que precisamos hoje em dia é de pessoas de coração... A expressão é de também traz ênfase à declaração. Pode ser retirada da frase, sem maiores prejuízos, porém seu uso dá realce ao dizer. Só não deve ser usada de forma equivocada, tal como fez a autora da carta para a colunista do jornal.
Se você prestar atenção à fala das pessoas, certamente ouvirá frases como estas:
(9) São nessas horas que a gente vê quem tem compromisso com a honra.
(10) São nesses homens de bem que devemos confiar.
Estão incorretas, por exagero de correção, ou hipercorreção, ambas as frases. A expressão é que está sendo empregada de forma inadequada. Se fizermos um exercício de reescrita, teremos: (11) Nessas horas é que a gente vê quem tem...
(12) Nesses homens de bem é que devemos confiar.
Sem a locução é que, teríamos: (13) Nessas horas a gente vê quem tem compromisso com a verdade. (14) Nesses homens de bem devemos confiar. Esses recursos que a língua portuguesa nos oferece é que tornam o nosso falar mais agradável e interessante.
Voltando ao texto da leitora que escreveu para Nina Horta: Estou perplexa
, digo que ela usou um bom adjetivo para a situação. Muitos hoje dizem assim: Estou passada. Convenhamos que perplexo é muito mais elegante, sem ser pedante.
Depois de ouvir a minha explicação sobre a locução expletiva é que, uma aluna disse-me assim:
— Professor, que tudo! Tô passada! O senhor causou. Tive ímpeto de dizer-lhe, com humor:
— Engomada e passada está a língua portuguesa, mas não segurei o riso.
Como explicar o surgimento de tantas expressões assim, esquisitas à primeira vista?
Pela necessidade de causar mais impacto nas exclamações e fugir de expressões desgastadas pelo uso. Em vez de tudo de bom, surgiu agora: que tudo! No lugar de estou perplexa, surpresa, diz-se: Tô passada. E o verbo causar ganhou uma nova regência. Para significar provocar sensação, chamar a atenção, tornou-se intransitivo. Em vez de dizer: Ela causou impacto, sensação, diz-se simplesmente: Ela causou; hoje eu quero causar na festa.
São modismos que vêm e vão. Eles atestam a riqueza do sistema da língua que permite todas essas mudanças e experimentos, sem perder o viço e a beleza. O importante mesmo é aprender a perceber que não se deve falar e escrever desse modo em todas as circunstâncias de nossa vida em sociedade.
Tudo de bom para vocês, meus leitores e minhas leitoras. Até a próxima!
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A LINGUAGEM E A ETIQUETA
Batatais, 05-3-2011 – Cecília Meireles, poeticamente, chamava a atenção dos leitores para a força das palavras. Veja que versos bonitos e verdadeiros:
Ai, palavras, ai palavras,
que estranha potência, a vossa!
Todo o sentido da vida
principia à vossa porta;
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sonho e sois audácia,
calúnia, fúria, derrota…
Nem é preciso que eu lhe assegure, leitor, que uma palavra bem posta é capaz de nos colocar em situação privilegiada ou, então, nos jogar nos braços da rejeição social. É preciso cuidado com as palavras, a nossa luta é com elas. Como escreveu o poeta Carlos Drummond de Andrade:
Lutar com as palavras é a luta mais vã
Entanto lutamos, mal rompe a manhã.
O mesmo genial poeta alerta sobre a necessidade de termos em nosso poder a chave do reino das palavras:
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?
Tudo isso eu lhes digo, meu caro amigo, minha cara amiga, para abrir uma conversa com vocês sobre o uso das palavras em diferentes circunstâncias da etiqueta social. O novo dicionário Aurélio assim apresenta o verbete etiqueta:
Substantivo feminino.
1. Conjunto de cerimonial, ordem de precedência e usos que devem ser observados na corte ou em solenidades e festas oficiais, públicas ou não, de que participam chefes de Estado ou altas autoridades.
2. P. ext. Formas cerimoniosas de trato entre particulares; cerimonial.
Fiquemos na acepção de número 2. As pessoas se mostram, se revelam pelo uso das palavras no trato com as pessoas. Vejamos juntos algumas situações sociais em que precisamos da linguagem.
Ao telefone:
Toca o telefone, você está ocupado e sai para atender prontamente.
Do outro lado da linha, a pessoa pergunta: Quem?
.
Esse quem é uma simplificação do tradicional, quem fala?
.
É preciso muito bom humor para não responder: "Você, por enquanto".
Porém, educado que é, você pergunta: Você deseja falar com quem?
Se a pessoa que ligou para você perceber, aprenderá como deve ser a fala inicial de quem telefona.
Sugestão de expressões ao telefonar:
1. Por gentileza, desejo falar com Maria. É possível?
2. Preciso falar com Maria. Ela pode me atender?
3. Eu sou o Juscelino e gostaria de falar com a Maria.
Se você já for logo perguntando a Maria se encontra?
, correrá o risco de a pessoa dar uma resposta como esta: "Graças a Deus, a Maria nunca se perdeu, ela sempre se encontrou. E você se encontra bem?".
Pior é quando você telefona para marcar uma consulta médica e a secretária, toda solícita, responde:
— O doutor não vai estar podendo atender você, ele não se encontra.
Sorte sua, porque se o doutor não encontra nem a si mesmo, como poderá encontrar você, não é mesmo? E o gerúndio, tão mal-empregado pela secretária, vai-se tornando uma marca registrada de atendentes de empresas. Para evitar esses quatro verbos, a funcionária poderia dizer: O doutor não poderá atender você agora. Ele está trabalhando em outro local
. Ou então: Ele não se encontra aqui, agora.
Expressões como por gentileza, por obséquio, por favor, com prazer, muito obrigado, obrigado, não há de quê, não há por que agradecer, desculpe-me, queira desculpar-me, foi um erro meu andam fazendo muita falta na convivência das pessoas em todos os ambientes sociais.
Sugestão de expressões para um baile.
Não sei por que fui lembrar-me de baile, agora. Ah! já sei. Em Delfinópolis, conta-se um caso verdadeiro de um cidadão que, em um baile, querendo ser gentil e sedutor, dirigiu-se a uma dama, educadamente:
— A senhorita poderia me dar o prazer desta contradança?
— Com muito prazer, aquiesceu a moça.
Já no andamento da dança, querendo mostrar-se cavalheiro, o ilustre cidadão dirige-se à jovem:
— Qual é a sua graça?
E ela, prontamente, responde e depois pergunta ao embevecido dançarino delfinopolitano:
— Eufêmia Pereira de Castro e Silva. E a sua graça qual é?
— Eu macho, João Ferreira de Castro, foi a desastrada resposta do rapaz.
Você acha, leitora, que a dança prosseguiu? Por essa situação, a elegante moça jamais esperaria passar.
Também existem esses perigos, quando se quer ser gentil em exagero e não se tem o domínio apropriado do vocabulário e da gramática.
O modo como nos dirigimos às pessoas marcam-nos muito mais do que as roupas que vestimos. Estar de bem com a língua é fundamental para se estar de bem com a vida.
Agora, aqui, neste momento desta nossa conversa, eu gostaria de tratar da linguagem de e-mails. Deixarei, entretanto, para a próxima semana. Aguardem-me, por gentileza.
Até lá!
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TORNO, RETORNO E ENTORNO
Batatais, 19-3-2011 – O título desta crônica linguístico-literária ficou muito sugestivo, pela leitura que pode provocar. Se você leu as três palavras com a vogal O aberta, como se fossem tórno
, retórno
e entórno
, conjugou os verbos tornar, retornar e entornar. Se as leu com a vogal O fechada, como se fossem tôrno
, retôrno
e entôrno
, encontrou-se com três substantivos: o torno, o retorno e o entorno. Desses três, chama a atenção entorno, pelo modismo em que acabou transformando-se: não se diz mais em torno de, ao redor de. Agora, o elegante é usar: o entorno, no entorno. Acabo de ver agora no jornal Folha de S. Paulo, edição de 14-3-2011, p. A11, em um mesmo texto, sobre a tragédia no Japão, dois exemplos ilustrativos do que quero apontar:
1. "A empresa que opera a usina disse ontem que os níveis de radiação no entornoestão acima do limite de segurança [...]" (2) "Até ontem, 210 mil pessoas já haviam sido removidas do entorno da usina de Fukushima 1 [...]".
Perceba que a jornalista gostou de usar a palavra entorno. Poderia perfeitamente ter empregado: circunvizinhança, ao redor, em torno de, sem prejuízo da correção e elegância do período sintático. A preferência pelo substantivo entorno resulta da novidade do uso e do desgaste das demais expressões sinônimas. A história do uso das palavras dá-se dessa forma mesmo. Alcançam o sucesso máximo, vivem dias gloriosos e depois vão deixando de ser novidade e passam a ser substituídas por outras. Mais ou menos como a própria história dos seres humanos.
Agora, é a vez de entorno, assim como também é a hora de — veja só— o agora. Acompanhe os exemplos que vi no jornal:
1. "Campeão mundial contratado peloagora empresário Ronaldo [...]".
2. "De um auxiliar próximo a Dilma, sobre aagora indefinidamente adiada compra dos caças para a FAB [...]". Não resta dúvida sobre o novo modismo do uso de agora.
Na gramática, a palavra agora pode ser:
Advérbio, com o significado de:
1. Neste instante, neste momento, nesta hora.
2. Presentemente, atualmente.
3. Nesse ou naquele instante, nesse ou naquele momento, nessa ou naquela hora; então.
4. Nesse ou naquele tempo; então.
5. Depois disto, diante disto.
6. De agora em diante; doravante.
Conjunção, com o valor de:
7. Mas, porém, contudo, todavia.
8. Umas vezes... outras vezes; ora... ora.
Interjeição, para denotar:
9. Ora essa; ora.
O modismo de agora é usar, antes, os artigos o, e a, fazendo uma mudança de classe gramatical, porque substantiva-se o advérbio, em nome da simplificação da frase. Em vez de dizer: Contratado por Ronaldo, que agora é empresário, diz-se pelo agora empresário, do mesmo modo como até há pouco se dizia: pelo então empresário Ronaldo. Isso mostra como a língua vai-se alterando ao sabor da vontade que as pessoas têm de variar as construções gramaticais. Se o modismo perdurar e, nesse caso, duvido que isso aconteça, a gramática e o dicionário acabam por consagrar o seu uso e até recomendá-lo. Por enquanto, é bom que se evite o seu emprego dessa forma em textos que exigem domínio da norma padrão da língua.
Não é o caso de entorno, como substantivo, porque esse já foi até dicionarizado, mas é também um modismo que aguarda ainda um tempo de maturação para se consagrar.
Retorno ao título da crônica para escrever que as três palavras, torno, retorno e entorno, que podem ser verbos ou substantivos, dependendo apenas do seu emprego na frase, são classificadas gramaticalmente como homônimas homógrafas heterofônicas. Observe que elas se escrevem de forma igual, por isso homógrafas, porém se diferenciam pela pronúncia, assim se classificando como heterofônicas. É possível que se leia uma