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Interações Comunicacionais
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Sobre este e-book

Apesar ou justamente por causa das dificuldades implicadas na sobrevivência em meio à pandemia de Covid-19, livros como este que o leitor tem em mãos se tornam significativos. Porque eles resultam fundamentalmente da força de vontade e da colaboração. Os textos aqui apresentados foram produzidos em diferentes contextos e por motivos variados. Mas todos eles estão ligados aos temas de interesse de seus autores, quer sejam professores, quer sejam alunos. Mais que isso, todos eles se imbricam uns aos outros, e embora o volume esteja organizado em três blocos diferentes, todos eles resultam de diálogos permanentes entre todos os autores, apesar da distância: professores fora do Brasil, professores de uma variedade de cidades e universidades brasileiras, professores e alunos que têm se encontrado à distância para desenvolverem suas reflexões.
O primeiro bloco aborda a prática mais antiga, o jornalismo, em sua mídia mais tradicional, que é o impresso. Apesar de todos os avanços e modernidades tecnológicas de hoje em dia, a plataforma impressa ainda mantém confiabilidade e isso é um de seus segredos para permanecer presente em nossa sociedade. O segundo bloco decorre desse primeiro: é o jornalismo televisivo. A televisão, de certo modo, por ser uma mídia eletrônica, com o rádio faz a ponte entre a tradição e a vanguarda. O terceiro bloco se abre tematicamente e apresenta aplicações variadas que decorrem dos processos comunicacionais. O volume se encerra com uma reflexão crítica sobre a contemporaneidade, a partir de episódio ocorrido no início deste ano tão conflituoso e desafiador.
Por tudo isso, este é, sobretudo, um livro que atesta a vitalidade da universidade, dos estudiosos do fenômeno comunicacional e, sobretudo, ratifica a importância que a comunicação tem em todo e qualquer contexto social. Sobretudo agora.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento16 de abr. de 2021
ISBN9786557590218
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    Interações Comunicacionais - Antonio Hohlfeldt

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    Parte 1

    SOBRE O JORNALISMO: TEORIAS E PRÁTICAS

    O pensamento marxista e a teoria do jornalismo no Brasil

    Francisco Rüdiger¹

    Otávio Daros²

    Introdução

    Órgão dos interesses da classe trabalhadora e instrumento de educação de seus integrantes, a imprensa operária, desde seu aparecimento no século XIX, jamais foi forte no Brasil. Apesar de gerar inúmeros periódicos, mais de 300 entre 1888 e 1925, nenhum teve muita longevidade ou tiragem expressiva (FERREIRA, 1978). As folhas se dividiam entre as várias tendências que disputavam a liderança do movimento operário. A atenção que os trabalhadores podiam lhes dar era desviada pelas publicações que lhes ofereciam as empresas jornalísticas (PENNA, 2007).

    Vencida a ditadura do Estado Novo (1937-1945), o cenário entrementes começou a mudar, o tema passou a ser visto com mais atenção pelos intelectuais do Partido Comunista, fundado em 1922. Ungida do prestígio advindo da participação da União Soviética na II Guerra, a organização saiu fortalecida de longo período de perseguição e clandestinidade. Houve um enorme esforço de mobilização da opinião pública, que lhe garantiu a condição de quarto partido mais votado no Congresso Nacional em 1946 (RUBIM, 1995, p. 29-31).

    Provêm desse período as primeiras manifestações de cunho mais reflexivo feitas sobre a imprensa pelos comunistas brasileiros, como dá mostra a obra comemorativa dos 20 anos do jornal A Classe Operária escrita por Rui Facó (1913-1963). Figura de vulto na Frente Ideológica do Partido Comunista Brasileiro durante muitos anos, ele viria, nos anos finais, a explorar as potencialidades da reportagem como forma de literatura revolucionária. Doutrinariamente, todavia, foi ele mero repassador da teoria da imprensa de Lênin (LÊNIN, [1976]).

    Facó endossou e promoveu a circulação do entendimento soviético de que o jornalismo é uma forma de literatura política, que deve educar o público de acordo com espírito militante e revolucionário ditado pelo Partido. A imprensa é um instrumento ideológico, uma arma política, que, na sociedade capitalista, se encontra, praticamente toda, em poder da burguesia. A missão partidária em um país de classe trabalhadora atrasada, pouco desenvolvida, consiste, por isso, primeiro, em evitar que aquela exerça sua influência sobre os militantes e, em seguida, criar os meios para que, através da imprensa, eles possam se apropriar e desenvolver a doutrina.

    Lenin não teria falado em vão que a imprensa é o melhor meio do Partido estabelecer um programa uniforme e articular suas ações, sendo ela não apenas o agitador e propagandista coletivo, mas também o principal organizador da agremiação (FACÓ, 1946). Isso inclusive já teria sido visto no Relatório do Comitê Central, que, em 1925, decidira criar um órgão oficial para o Partido, o jornal A Classe Operária:

    Na atual situação [final da década de 1920], o aparelho que [colocará] em movimento toda a engrenagem do Partido Comunista é um jornal. Com ele, desenvolveremos a nova organização das células. Com ele, poderemos penetrar no seio das massas. Com ele, os trabalhadores ficarão a par do movimento nacional e internacional. Com ele, orientaremos os trabalhadores sobre a sua atitude diante dos acontecimentos atuais do país. Vê-se, pois, que o jornal é um aparelho insubstituível, um aparelho único. E, sobre ele, devemos concentrar as energias, fazendo até sacrifícios. Está, portanto, fora de qualquer discussão a necessidade de um jornal. (FACÓ, 1946, p. 12; cf. também REBELO, 2003).

    Durante esse período e mesmo após seu retorno à clandestinidade, em 1947, surgiu, como alhures, uma tensão entre os jornalistas do Partido, que desejavam atrair maior público, fazendo impressos que não tivessem significado meramente propagandístico ou organizacional, e a sua direção, que temia perder esse instrumento de direcionamento e controle da agremiação. Houve os que tentaram fazer agitação através de meios jornalísticos, via publicação de notícias de interesse nacional, matérias de apelo humano, charges e seções dedicadas às artes e à literatura (SERRA, 2007).

    Venceu, porém, o grupo contrário à ligação entre teoria e prática por intermédio do jornalismo, que denunciou esse tipo de iniciativa como uma forma de reformismo pequeno-burguês. Para seus integrantes, a imprensa deveria estar de acordo com a vontade do Partido, conservar-se leninista, ser instrumento para fazer chegar a linha oficial do Partido aos seus militantes e aos setores da classe trabalhadora influenciados pela organização (MATTOS, 2012, p. 132; cf. também PEREIRA, 2009).

    Monocórdia sem deixar de ser esperançosa, a postura do Partido diante da imprensa burguesa era a de que esta, apesar de nominalmente brasileira, estava a serviço do capital monopolista internacional, sobretudo do capital norte-americano. Defendia interesses estrangeiros, em vez dos interesses da nação brasileira, vendendo-lhes espaço como se vende sapatos. Amarrada aos capitais internacionais e às agências telegráficas a seu serviço, era instrumento que, tirando os ingênuos, setores cada vez mais amplos da população estavam descobrindo ser corrupto e mentiroso, em vez da imprensa livre que tentava fazer crer aos leitores (FACÓ, 1960, p. 181).

    Nosso objetivo com o que segue é recapitular e discutir, através de análise histórico-documental, a forma como esse entendimento, que, grosso modo, por vários motivos, seguiu dominando o pensamento da esquerda brasileira até pouco tempo, assistiu a desdobramento acadêmico a partir do final dos anos 1970. Após anos de crescente ativismo, os comunistas e a esquerda revolucionária viram sua influência política praticamente desaparecer durante o Regime Militar (1964-1985). As crises e divisões surgidas em seu próprio campo, o relativo sucesso das políticas desenvolvimentistas e o progresso do capitalismo no país, para não falar da repressão de que foi vítima, importaram em enorme retrocesso para sua ação política, na desmobilização de seus partidários e simpatizantes.

    Todavia, não se pode ignorar que, mais para o final do período autoritário, começou uma espécie de colonização do ambiente acadêmico pelo pensamento de esquerda em meio ao qual o jornalismo acabaria se tornando objeto de reflexão por parte de importantes estudiosos. Durante os anos 1970, se não antes, verificou-se nos meios artísticos e intelectuais o avanço de uma cultura de esquerda que, pelo menos nas humanidades, estabelecerá hegemonia acadêmica a partir dos anos 1980. Quer-se aqui reconstituir as principais estações teoréticas desse movimento, conforme ele se deixa aprender nas reflexões sobre o jornalismo de autores como Perseu Abramo, Ciro Marcondes Filho e Adelmo Genro Filho, mas também do pioneiro Nelson Wer-

    neck Sodré, figura que se manteve alheia à Universidade.

    O jornalismo como meio de manipulação – Perseu Abramo

    Apesar de, no geral, não haver ruptura no modelo de desenvolvimento da imprensa brasileira verificado a partir da época do Estado Novo (1937-1945), iniciou-se nos anos 1950, entre alguns jornais, tendência mais forte no sentido de modernizá-los gráfica e editorialmente de acordo com os padrões norte-americanos. Ingressara o país, nessa época, em ciclo de desenvolvimento econômico que projetaria em patamar superior as reformas institucionais aparecidas em seguida à Revolução de 1930. Começando pelos jornais A Gazeta, de São Paulo, e Diário Carioca (cf. HIME, 2016; RODRIGUES; FARIA, 1995), verificou-se o abandono do paradigma europeu com que a imprensa havia se estruturado (JOBIM, 1960). No lugar da imprensa doutrinária e do jornalismo como vocação, avançou a passos largos, após o Golpe Militar de 1964, o entendimento do jornalismo como técnica posta a serviço de um negócio (ABREU, 2002).

    Em sintonia com tanto, abriu-se, porém, nova etapa na história do pensamento, em que os acadêmicos da área de jornalismo, ainda engatinhante, começariam a doutrinar para além do registro filológico que predominara no período anterior. Em paralelismo com o mundo profissional, houve muitos acadêmicos e estudiosos que seguiram a linha dos manuais originados dos Estados Unidos (BOND, 1959; HOHENBERG; 1962), deles apresentando versões mais ou menos simplificadas (CANTERO, 1959; BELTRÃO, 1969; AMARAL, 1969). Apesar de a letra do texto não corresponder à tese, o resultado mais amplo de tudo isso foi o estabelecimento da crença de que o jornalismo, em vez de político e partidário, é neutro e objetivo. Houve o abandono da ideia de que o jornal deve, de algum modo, doutrinar, em favor da ideia de que sua missão é informar com equilíbrio e distanciamento.

    Passado o primeiro período de recepção, entrementes começou, mais para o final dos anos 1970, reação à doutrina da objetividade, que, no período anterior, havia eclipsado o velho princípio do partidarismo, mas também o da imparcialidade, por vezes bradado na imprensa brasileira. Vira-se o paradigma tecnicista que o introduzira legitimado academicamente durante os anos 1960, período de instalação do Regime Militar. Influenciada inicialmente pela importação das ideias de Althusser, responsável pela visão do jornalismo como aparelho ideológico do Estado, surgiu mais tarde, entre a esquerda, a tese de que, no capitalismo, a objetividade é uma forma de mascaramento ou justificativa ideológica do partidarismo da imprensa em favor das classes dominantes.

    Versão acabada dessa teoria, assentada no conceito de manipulação da informação, foi elaborada por Perseu Abramo (1929-

    -1996) em meados dos anos 1980. Acadêmico e homem do ofício, argumenta ele que, em vez de a refletir, como deveriam, os órgãos de imprensa, na sociedade capitalista, distorcem a realidade, aprisionando seus leitores no círculo de ferro da realidade irreal (ABRAMO, [1988] 2016, p. 65). Segundo seu ver:

    A relação que existe entre a imprensa e a realidade [na sociedade capitalista] é parecida com a que existe entre um espelho deformado e um objeto que ele aparentemente reflete: a imagem do espelho tem algo a ver com o objeto, mas não só não é o objeto como também não é a sua imagem: é a imagem de outro objeto que não corresponde ao objeto real. […] A gravidade do fenômeno decorre do fato de que ele marca a essência do procedimento geral do conjunto da produção cotidiana da imprensa, embora muitos exemplos ou matérias isoladas possam ser apresentados para contestar a característica geral. (p. 38-39).

    Apesar de poder ser feito com objetividade, sustenta, o jornalismo corporativo é empregado para deliberadamente manipular a informação e distorcer a realidade, com o propósito de atender os interesses das empresas (p. 58). As empresas não visam atender o interesse público, mera ideologia, forma de mascaramento, visto representarem setores e interesses da sociedade que as controlam ou que a elas interessam. O jornalismo só será capaz de reproduzir a realidade, ser verdadeiramente objetivo com alguma forma de controle público sobre as empresas jornalísticas (p. 68).

    Hegemônica por muito tempo, talvez ainda hoje, entre a intelectualidade radical, essa abordagem do jornalismo foi, na época de sua sistematização, isto é, nos anos 1980, relativizada por outras, menos simplificadoras e mecânicas, como dão exemplo os estudos de Ciro Marcondes Filho e Adelmo Genro Filho. Antes de expô-las, vale, todavia, comentar o trabalho pioneiro de Nelson Werneck Sodré, responsável pela sublimação da primitiva doutrina comunista da imprensa no plano do pensamento reflexivo marxista.

    A imprensa como meio de luta – Nelson Werneck Sodré

    Profissional da primeira geração de graduados em cursos de jornalismo, Juarez Bahia apresentara, em Três fases da imprensa brasileira (1960), relato em que identifica e caracteriza o começo de suas atividades no século XIX, a posterior consolidação da indústria gráfica por volta de 1900 e, por fim, o seu ingresso na modernidade como empresa de informação, a partir de 1930.

    Historiador de ofício, Nelson Werneck Sodré (1911-1999), sem ter ocupado posto acadêmico, foi muito além disso ao propor a primeira análise marxista da imprensa no Brasil. Para ele, a narrativa historiográfica ao mesmo tempo pressupõe e desenvolve a reflexão teórica. A pesquisa precisa combinar reflexão teórica e análise histórica, se quiser ser bem-sucedida epistemologicamente. A imprensa não pode ser estudada em si mesma, sendo instituição surgida do desenvolvimento da sociedade capitalista, muito menos linearmente, visto que com esta última entretém relações dialéticas. O capitalismo cria as condições para a aparição e desenvolvimento da imprensa, mas esta exerce influência [política] sobre o comportamento das massas, repercutindo com alguma autonomia sobre a sociedade (SODRÉ, [1966] 1977, p. 1).

    Significa que o controle dos meios de difusão e de informações é [objeto de] luta em que aparecem organizações e pessoas das mais diversas situações, cultura e politica, correspondendo a diferenças de interesses e aspirações (p. 1). A notícia é tão antiga quanto o homem, mas só com a imprensa surge como poder concentrado, politicamente influente em grande escala. Os jornais não têm sentido em si mesmos, este é função das injunções políticas e econômicas; eles são meios de luta pela e de esclarecimento da opinião, tendo um aspecto libertário que, todavia, às vezes é virado ao contrário, dependendo dos grupos que comandam a época. Os jornais se desenvolvem em consonância com o progresso técnico e sob influência da atividade política, prosperando onde esta é mais intensa, variada e avançada (p. 122), visto que subjacentes a seu desenvolvimento se encontram as contradições de classe, a luta entre o velho e o novo, desequilíbrios, estruturas em mudança (SODRÉ, [1966] 1977, p. 195).

    Expressão do estágio de cultura e civilização de uma sociedade, a imprensa geralmente mascara os interesses particulares que a impulsionam com nomes grandiosos e apregoando a defesa do bem comum (p. 194). Também é ideologia, embora não se deva fazer tábula rasa com o conceito, porque sempre há casos em que, realmente, os jornais agem de acordo com doutrinas compatíveis com o país e até necessárias e prestáveis ao bem comum (SODRÉ, [1966] 1977, p. 194).

    Impulsionada pelo desenvolvimento do capitalismo, a imprensa, entretanto, passa da pequena empresa que, de início, era para o estágio da grande empresa (p. 207), alterando-se com isso as relações do jornal com o anunciante, com a política, com os leitores (p. 315). Detalhando, assiste-se à suplantação do jornalista individual e da imprensa de tipo artesanal, à entrada em cena do jornalismo empresarial e mercadológico, obra do avanço das relações econômicas e da divisão social do trabalho. Principalmente, chega-se, nas metrópoles, à situação na qual, enfim, a informação vende qualquer outra mercadoria, pois nelas se necessita de informação para tudo, desde o trabalho até a diversão (SODRÉ, [1966] 1977, p. 314).

    Nesse novo contexto, saltam à vista dois aspectos, levados ao paroxismo com o desenvolvimento e emprego da mídia eletrônica pelas empresas jornalísticas. Por um lado, surge uma tendência à unidade e uniformidade dos jornais, já que, exigindo cada vez mais capital para prosperarem, expõem-se eles à prova da seleção econômica: o jornal é menos livre quanto maior como empresa (p. 449). De outro e em compensação, verifica-se que a transformação em grande empresa importa no aumento de seu poder, na sua crescente influência política, na sua capacidade de modificar a opinião, de criar e manter mitos, de destruir esperanças ou combater aspirações (p. 6). Significa, em síntese, que a época é das grandes corporações que manipulam a opinião, conduzem as preferências, mobilizam os sentimentos (p. 447), embora isso não signifique que seja ignorada, visto que seu controle ainda é objeto de disputa, ainda há antagonismos entre vários setores empresariais e entre estes e o estado (SODRÉ, [1966] 1977, p. 454-457).

    Por mais forte que seja, a imprensa segue, pois, dependente da situação econômica e das lutas políticas, continua sendo condicionada pelo desenvolvimento do país (p. 452). A concentração de poder sobre a opinião pública não impede as tensões e as crises em sua atuação (SODRÉ, [1966] 1977, p. 4-5). Logo, o estudo do fenômeno deve ser, como dito, ao mesmo tempo histórico e dialético (cf. RÜDIGER, 2003).

    A notícia como mercadoria – Ciro Marcondes Filho

    Influenciado pela teoria frankfurtiana da indústria cultural (HABERMAS, 1984), Ciro Marcondes Filho (*1948) parte desse patamar para pensar o jornalismo em O capital da notícia ([1983] 1986). Para ele, também o surgimento da grande empresa coincidiu com o triunfo da forma notícia, e esta com a mercantilização da imprensa (MARCONDES FILHO, 1986, p. 56-76). Surgem, no entanto, inflexões significativas. Werneck Sodré salienta que, apesar de cada vez mais servir à acumulação do capital, o jornalismo comporta crises e lutas políticas, supondo o engajamento da opinião pública. Para Ciro Marcondes, na imprensa isso é secundário, o jornalismo é sobretudo expressão real dos detentores do poder econômico no modo de produção capitalista (MARCONDES FILHO, 1984, p. 16).

    Adelmo Genro Filho observa com razão que ele reduz inteiramente a imprensa ao capitalismo (GENRO FILHO, 1987, p. 112), propondo linha de raciocínio que salta do imediato à generalização abstrata, exclui a consideração das forças e das mediações através das quais o jornalismo apanha o concreto em sua produção histórica (p. 111). No entanto, extrapola o julgamento das ideias de seu colega, ao afirmar que ele não consegue perceber as necessidades reais de informação supridas pela imprensa, retirando-lhe as condições para produzir informações que correspondam à imediaticidade dos fenômenos (p. 113-114). Apesar de pender para o entendimento do jornalismo como forma de manipulação virtualmente onipotente, não falta dialética no argumento esgrimido por Marcondes, muito mais rico e detalhado do que o de Genro Filho no tocante ao esclarecimento teórico das necessidades e tipos de informação que realmente emergem e preponderam na sociedade capitalista.

    Marcondes conserva da Escola de Frankfurt a noção de que a luta de classes reproduz-se no produto. Os noticiários não são coisas, mas realidades dialéticas, como diziam Adorno e Benjamin (MARCONDES FILHO, 1986, p. 31). O sistema é contraditório e, por isso, comporta resistência, mas também oferece vantagens com que, exceto em situações de crise, obtém adesão, engajamento livre e voluntário (NEGT; KLUGE, 1971). A tendência nele, portanto, é a notícia se apresentar como espetáculo (MARCONDES FILHO, 1986, p. 16), ainda que eventualmente se possa quebrar o fetiche. A empresa jornalística tem interesse econômico em fazer com que o conflito ou questionamento potencialmente existente em cada fato não a comprometa politicamente, a fim de que seus produtos possam ser consumidos passivamente pelo maior número de pessoas possível.

    Assim, o principal está no seu mascaramento mercadológico. Os noticiários normalmente visam apenas ao consumo. A tendência é, como dito, se mostrarem como motivo de consumo passivo. Os estímulos à reflexão são dispersos. A manifestação de opiniões discordantes ou mesmo oposicionistas não está proibida. A subordinação à forma mercadoria, todavia, limita o seu alcance, virtualmente as anula. A ação privilegiada é a que estimula ou favorecer o consumo dirigido. A manipulação da informação existe, mas não deve ser vista como fruto de cálculo. Os jornais não têm o poder de se impôr ao público. As notícias sempre têm alguma relação com seus interesses. O fenômeno se apresenta no jornalismo sobretudo como efeito, algo inscrito nas relações de produção e troca capitalistas que lhe são subjacentes (MARCONDES FILHO, 1986, p. 39-55).

    Para viabilizar e expandir o negócio, as empresas evitam dar ao que fazem caráter doutrinário. O resultado é a subtração da atividade jornalística de sua dimensão de quebra e de transformação da realidade (MARCONDES FILHO, 1986, p. 36). O mascaramento da realidade no que tem de mais explosivo e potencialmente transformador recorre cada vez menos à supressão de fatos e notícias, como era de início. A estratégia preferencial é cada vez mais a sua formatação de acordo com o que o autor poderia bem ter chamado de estética da mercadoria jornalística (HAUG, 1997).

    Tudo vai no sentido de converter os noticiários e as opiniões em meros repetidores de fórmulas prontas. Predomina o mascaramento das contradições e conflitos com clichês e formatos que satisfazem e permitem a descarga dos sentimentos de revolta com que ocorre no espaço público. Para ver a realidade de forma não reificada pela mercadoria notícia, seria preciso afastar os fetiches que encobrem a verdadeira natureza dos processos sociais das instituições e suas funções ligadas a interesses das classes [dominantes] (MARCONDES FILHO, 1986, p. 151).

    Significa que, plenamente desenvolvido, abstraído de circunstâncias especiais, o jornalismo se blinda à ação política, entrega-se à pura e simples exploração mercantil de atualidades, senão à criação de factoides para consumo de massa.

    O jornalismo como forma de conhecimento – Adelmo Genro Filho

    Ciro Marcondes Filho deixou obra marcada pela crítica ao caráter de mercadoria da notícia e, por extensão, aos limites do jornalismo como atividade empresarial. Mérito de Adelmo Genro Filho (1951-

    -1988) não é, como às vezes se diz, ir além e definir o jornalismo como conhecimento. Isso, no Brasil, já havia sido feito pelos pioneiros, começando por Luiz Beltrão (1960). Diferencial do tratado O Segredo da Pirâmide (1987) é, na verdade, empreender a análise de sua forma como categoria social historicamente determinada pelo desenvolvimento do capitalismo, que, no entanto, nele não se esgota, visto estar dotada de características e potencialidades que transcendem as necessidades desse modo de produção (GENRO FILHO, 1987, p. 14). Mais ainda, tentar superar seu criticismo radical, defendendo que a "realização do comunismo não pode ser pensada sem o pleno desenvolvimento dessa forma

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