Encontre milhões de e-books, audiobooks e muito mais com um período de teste gratuito

Apenas $11.99/mês após o término do seu período de teste gratuito. Cancele a qualquer momento.

O escolar
O escolar
O escolar
E-book649 páginas8 horas

O escolar

Nota: 5 de 5 estrelas

5/5

()

Ler a amostra

Sobre este e-book

O escolar oferece um panorama atual sobre os anos de vida escolar com os impactos que a escola pode propiciar para o bem e para o mal das crianças dessa idade.
O escolar apresenta o desenvolvimento típico da criança em idade escolar, os mecanismos para tornar esse processo saudável, os sintomas de situações de alerta e os principais fatores de risco observados ao desenvolvimento saudável.
Reafirmamos que o conteúdo desta obra também é resultante da integração dos efeitos promovidos pelos ambientes social, biológico e psicológico demonstrando a importância de abordagem integral. Exemplificamos com o clássico da literatura e abordamos novos problemas da modernidade cuja literatura esteja crescente, como os tempos de exposição a telas e o uso de jogos nessa faixa etária. Este livro condensa evidências e experiências de autores engajados no desenvolvimento humano e na otimização de potenciais de capital mental. Parte da coleção "Desenvolvimento Humano no Ciclo da Vida", esta obra busca apresentar as etapas da vida com suas particularidades, mas com a perspectiva contínua de que todas as fases devem ser compreendidas e trabalhadas de forma a otimizar os potenciais para o indivíduo e para a sociedade.
Profissionais experientes tecem comentários sobre problemas atuais e informam, dentro do melhor que a literatura científica sugere, como abordar a criança dessa faixa etária de forma a evitar déficits e aprimorar a trajetória de seu desenvolvimento, otimizando o capital mental do indivíduo e da sociedade.
IdiomaPortuguês
EditoraHogrefe
Data de lançamento20 de jul. de 2020
ISBN9786550720001
O escolar

Relacionado a O escolar

Ebooks relacionados

Métodos e Materiais de Ensino para você

Visualizar mais

Artigos relacionados

Avaliações de O escolar

Nota: 5 de 5 estrelas
5/5

1 avaliação0 avaliação

O que você achou?

Toque para dar uma nota

A avaliação deve ter pelo menos 10 palavras

    Pré-visualização do livro

    O escolar - Hogrefe

    Copyright © 2020 Hogrefe CETEPP

    Editora: Cristiana Negrão

    Capa e diagramação: Claudio Braghini Junior

    Preparação: Eugênia Pessotti

    Revisão: Joana Figueiredo

    CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

    M641e

    Miranda, Débora Marques de, 1965-

    O escolar [recurso eletrônico] / Débora Marques de Miranda, Leandro Fernandes Malloy-Diniz. - 1. ed. - São Paulo: Hogrefe, 2020. recurso digital

    Formato: ebook

    Requisitos do sistema:

    Modo de acesso: world wide web

    Inclui bibliografia e índice

    ISBN 978-65-5072-000-1 (recurso eletrônico)

    1. Psicologia educacional. 2. Funções executivas (Neuropsicologia). 3. Crianças - Desenvolvimento. 4. Livros eletrônicos. I. Malloy-Diniz, Leandro Fernandes. II. Título.

    Este livro segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa.

    Todos os direitos desta edição reservados à

    Editora Hogrefe CETEPP

    R. Comendador Norberto Jorge, 30

    Brooklin, São Paulo – SP, Brasil

    CEP: 04602-020

    Tel.: +55 11 5543-4592

    www.hogrefe.com.br

    Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópias e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita.

    ISBN: 978-65-5072-000-1

    Impresso no Brasil.

    Edição digital: abril 2020


    Arquivo ePub produzido pela Simplíssimo Livros


    Sobre os organizadores

    Débora Marques de Miranda é médica graduada pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (FM-UFMG) e pediatra pelo Hospital das Clínicas da UFMG/MEC. Mestre e doutora em Farmacologia Bioquímica e Molecular pela UFMG. Coordenadora do Núcleo de Investigação do Transtorno da Impulsividade e do Déficit de Atenção (Nitida/HC-UFMG). Professora associada do Departamento de Pediatria da FM-UFMG.

    Leandro Fernandes Malloy-Diniz é psicólogo, mestre em Psicologia e doutor em Farmacologia Bioquímica e Molecular pela UFMG. Atualmente, é professor associado do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG. Pertence ao quadro de orientadores permanentes dos programas de pós-graduação em Saúde da Criança e de Medicina Molecular da FM-UFMG. Também é professor do curso de Psicologia da Universidade FUMEC. Foi presidente da Sociedade Brasileira de Neuropsicologia nos biênios 2012-2013 e 2014-2015. É presidente da Associação Brasileira de Impulsividade e Patologia Dual.

    Desenvolvimento Humano no Ciclo da Vida

    A coleção Desenvolvimento Humano no Ciclo da Vida é um projeto ambicioso, que visa apresentar como os indivíduos alocam seus recursos psicológicos em diferentes demandas e momentos da vida. Nestes textos, o leitor encontrará informações atualizadas sobre o desenvolvimento na infância, adolescência, vida adulta e velhice. A abordagem adotada envolve a integração de diversas teorias, abrangendo fatores biológicos e ambientais equilibrados entre os ganhos e as perdas ao longo do ciclo vital. Sob o olhar de diversas disciplinas de saúde e educação, e com ênfase na Neurociência, são enfocados os fatores de crescimento, manutenção, resiliência e administração de perdas. Esta coleção mudará o seu jeito de pensar as diferentes nuances do desenvolvimento humano.

    Sumário

    Introdução

    Parte 1

    Aspectos gerais

    1. Crianças em idade escolar: atualidades

    Ana Paula Gandra, Débora Marques de Miranda e Leandro Fernandes Malloy-Diniz

    2. Desenvolvimento das funções executivas, comportamento motor e habilidades socioemocionais na idade escolar

    Danielle Souza Costa, Gabrielle Chequer, Jonas Jardim de Paula, Lorrayne Soares, Daniela Neder Monteiro Malloy-Diniz, Leandro Fernandes Malloy-Diniz e Maicon Albuquerque

    3. Avaliação multidimensional do escolar

    Danielle de Souza Costa, Jonas Jardim de Paula e Débora Marques de Miranda

    4. Educando mães, educando gerações

    Débora Marques de Miranda e Marianna Fischer de Paula Lopes

    5. O papel da nutrição no desenvolvimento do escolar

    Luciana Bastos Rodrigues, Luana Caroline dos Santos e Paula Martins Horta

    6. Inteligência: superdotação e deficiência intelectual

    Mariana Castro Marques da Rocha, Lorrayne Stephane Soares e João Pedro Ferreira

    7. O aprendizado da leitura e da escrita

    Luciana Mendonça Alves, Luciana Cássia de Jesus e Ângela Maria Vieira Pinheiro

    8. O aprendizado da Matemática

    Isabella Starling-Alves, Annelise Julio-Costa e Andressa Moreira Antunes

    9. A formação da identidade de aprendiz

    Mariana Rodrigues Gonçalves Dias e Thales Vianna Coutinho

    Parte 2

    Sobre a escola para o escolar

    10. Transição para o ensino fundamental: o que muda na escola?

    Marília Oliveira

    11. Uma escola para todos: o foco nas diferenças individuais

    Débora Marques de Miranda e Ingrid Marques de Miranda

    12. Atividade física e desempenho escolar

    Simara Regina de Oliveira Ribeiro e Guilherme Menezes Lage

    13. Quando o escolar não aprende Matemática: cognição numérica e discalculia

    Júlia Beatriz Lopes Silva, Ricardo José de Moura, Fernanda Rocha de Freitas e Vitor Geraldi Haase

    14. Quando o escolar não aprende a leitura

    Júlia Beatriz Lopes Silva e Luciane da Rosa Piccolo

    15. Novas tecnologias na educação

    Yuri de Castro Machado

    Parte 3

    Sobre o escolar com demandas clínicas

    16. Quando o escolar tem problemas de comportamento

    Liubiana Arantes de Araújo e Cássio Frederico Veloso

    17. Quando o escolar tem dificuldades em socializar

    Felipe Guimarães de Castro Amorim, Isabella Couto de Oliveira Araújo e Rayssa Santos Lima

    18. O transtorno do déficit de atenção e hiperatividade e o escolar

    António Alvim Soares e Débora Marques de Miranda

    19. Quando o escolar apresenta dificuldades globais de desenvolvimento

    Kevin de Alvarenga

    20. Quando o escolar se excede no uso de recursos eletrônicos

    Mayara Ferreira Vilas Boas

    21. O desenvolvimento do escolar com doenças crônicas

    Janaina Matos Moreira e Ana Cristina Simões e Silva

    22. Intervenções farmacológicas no escolar

    Luiz Alexandre Viana Magno, Daniela Valadão Freitas Rosa e Marco Aurélio Romano-Silva

    23. Intervenções na família

    Thaís Dell’Oro de Oliveira

    24. Intervenções cognitivas e comportamentais na escola do novo século – menos poesia e mais eficiência

    Ângela Mathylde Soares, Graziele Kerges Alcantara e Simone Aparecida Capellini

    Referências

    Índice

    Sobre os autores

    Introdução

    Os livros da coleção Desenvolvimento Humano no Ciclo da Vida oferecem uma avaliação longitudinal e integrada do desenvolvimento do ser humano em todas as etapas da vida. Nessa trajetória, observam-se as particularidades de cada uma das etapas, mas também contemplamos aquilo que é consequência de outras histórias vividas e apontamos as perspectivas dos potenciais resultados e implicações para o futuro do indivíduo e de seu entorno.

    O escolar diz muito sobre os aspectos próprios dessa idade, porque muito do que acontece com a criança nessa fase gira em torno do ambiente escolar e do processo de escolarização. Em alguns casos, a criança que já apresentou os mais variados problemas vai sofrer na escola se não houver intervenção apropriada e integrada iniciada nesse momento. O cuidado com o desenvolvimento individual e as estratégias de intervenção nessa etapa são fundamentais para determinação do gosto de estudar e certamente de muitos dos aspectos do indivíduo em fases subsequentes da vida. Nesta obra, contextualizamos o desenvolvimento humano e abordamos os fatores de risco que moldam o escolar, apontando consequências, comorbidades, implicações sociais e econômicas diretas ou indiretas do processo do desenvolvimento. Como em todo desenvolvimento, o humano também é sequencial, com gradativo aumento de complexidade, portanto não é possível ultrapassar fases sem consolidar as características e habilidades adquiridas naquela determinada etapa da vida.

    Os autores dos capítulos possuem currículos marcados tanto pela qualidade acadêmica quanto pelo compromisso com a vivência prática e aplicada do conhecimento. Esses profissionais experientes, imersos em diversas áreas e atendendo a diversos perfis etários, sociais e educacionais, contribuíram ao apresentarem opiniões associadas à evidência do que melhor a ciência já produziu, com clareza e certezas, e que agora estão compiladas e atualizadas. Seguimos convictos de que boa bagagem acadêmica e experiências profissionais contribuem para a oferta da melhor assistência educacional e de saúde. E assim seguiremos com livros desta coleção, sempre bem embasados teoricamente e aplicáveis na prática.

    Os organizadores, professores Débora Marques de Miranda e Leandro Fernandes Malloy-Diniz, são psicólogos e pediatras, que desde o período de doutoramento vêm trabalhando juntos. Os dois foram colegas de universidade, contemporâneos de laboratório, onde dividiram bancadas e conhecimento, e agora são amigos há muitos anos. Dessa parceria, já houve frutos de muitos projetos e artigos científicos, pacientes avaliados, ambulatórios criados, alunos formados e esta bela coleção de livro. Até o momento, caminham cultivando aquilo em que acreditam: ensinar bases para uma boa educação e uma boa saúde para todos, começando no desenvolvimento da pessoa desde o início de tudo.

    Enfim, esperamos que gostem!

    Parte 1

    Aspectos gerais

    1

    Crianças em idade escolar: atualidades

    Ana Paula Gandra

    Débora Marques de Miranda

    Leandro Fernandes Malloy-Diniz

    As crianças constituem uma parcela vulnerável da população, cujos cuidados determinarão desde a saúde e a prosperidade do indivíduo adulto até o bom aproveitamento do capital mental de uma sociedade. As crianças expostas à pobreza e fome chegam a 450 milhões em todo o mundo e estima-se que elas não alcançarão seu pleno potencial de desenvolvimento ao longo da vida (Black et al., 2017). Os efeitos de doenças crônicas e de estressores sobre a saúde mental, além de seus impactos sobre a funcionalidade, as novas informações sobre nutrição e seu impacto sobre qualidade de vida e sobre diversos aspectos do desenvolvimento, bem como a relação entre o desenvolvimento cognitivo e a adaptação da criança a diferentes contextos, são temas de crucial relevância para quem lida com desenvolvimento infantil. Todos esses fatores se retroalimentam e serão determinantes fundamentais da forma de inserção desse indivíduo no mundo.

    Os avanços nas áreas de saúde possibilitaram que a mortalidade de crianças fosse reduzida em mais de 50% nos últimos 30 anos (GBD 2017 Child and Adolescent Health Collaborators, 2019). Crianças de 1 a 5 anos morrem cada vez menos de desnutrição e doenças infecciosas. Até mesmo entre os adolescentes tem sido observada a redução da mortalidade, ainda em taxas menores que as observadas em outras faixas etárias (GBD 2017 Child and Adolescent Health Collaborators, 2019). Globalmente, ainda temos o desafio de minimizar a anemia ferropriva e todas as suas complicações no desenvolvimento, mas muitas das doenças mais básicas têm sido superadas. Doenças como malária, infecções respiratórias e diarreia têm tido a incidência reduzida, enquanto as doenças neonatais e as congênitas ainda são problemas prevalentes, e a violência urbana e das estradas também não poupam, em especial os adolescentes. Embora a saúde venha melhorando e a pobreza reduzindo, uma parcela expressiva da população ainda continua em situação de vulnerabilidade. Para essas pessoas, algumas atividades de baixo custo, como contar estórias ou cantar e brincar com objetos da casa, melhoram o desenvolvimento. Diferentemente do que pensava o senso comum, a televisão e outras mídias podem promover o acesso a programas de desenvolvimento infantil justamente para populações mais carentes, alcançando tanto pais quanto crianças.

    Os escolares são o grupo que já apresenta os efeitos da interação entre a biologia e o ambiente do início da vida. Ao atingirem a idade para ingressar na escola, as crianças encontram um ambiente no qual começam a ser mais cobradas, demonstrando suas forças e fraquezas acadêmicas e construindo a identidade de aprendiz. Nesse momento, a escola passa a ser o parâmetro que informa sobre o desenvolvimento do indivíduo. A escola é um ambiente múltiplo e variado, uma excelente fonte de estímulos e desafios. O professor se torna um elemento cada vez mais importante, indo além do aspecto informativo. Entre outras atribuições, ele passa a ser o gestor do desenvolvimento acadêmico. A equipe pedagógica no contexto escolar é desafiada a integrar informações em relatórios cada vez mais sofisticados e informativos, que servem de parâmetro para que cada criança seja avaliada em comparação aos seus estágios anteriores de desenvolvimento e a seus pares. A escola permite a ampliação de informações e situações às quais as crianças são expostas, tais como tecnologia, falta de tempo dos pais, novas intoxicações, sono ou falta dele, que impactam o ambiente escolar.

    Ambientes inadequados, famílias desajustadas e desordens biológicas têm possibilitado um crescente risco de acúmulo de adversidades. As adversidades acumuladas podem minar os sistemas de resposta das crianças e inibir a autorregulação e o manejo de situações estressoras, desencadeando alterações comportamentais, impacto acadêmico e marginalização social. Algumas violências comumente afetam as crianças em idade escolar, entre elas o abuso e a negligência. A Unicef preconiza algumas diretrizes para prevenir essas violências, tais como: (1) promova suporte aos pais e cuidadores; (2) ajude a criança a administrar os riscos; (3) mude atitudes que favoreçam a violência; (4) promova serviço de suporte às crianças; (5) implemente e faça cumprir as leis de proteção das crianças; e (6) colete dados e faça pesquisa. Essas diretrizes são adequadas para implementação por todos os atores que fazem parte dos cuidados das crianças, de professores a babás.

    Na atualidade, somos bombardeados por informações, mídias e tecnologias em uma intensidade jamais vista. Os efeitos deletérios da sobrecarga cognitiva na idade adulta são muito bem documentados (Vohs et al., 2008; Baumaister et al., 2018) e ainda sabemos pouco acerca dessa sobrecarga sobre o desenvolvimento na infância e na adolescência. No entanto, as evidências recentes têm mostrado que o mesmo efeito da sobrecarga cognitiva bem documentado na idade adulta pode também ser observado na infância. Em um estudo recente, Powell e Carey (2017) também encontraram evidências de que a sobrecarga cognitiva, em particular das funções executivas, pode ter impactos importantes em outras funções, como na capacidade de atribuir estados mentais a outras pessoas (teoria da mente). Compreender como o excesso de estimulação e as cobranças escolares e familiares têm impactado a saúde mental de nossas crianças é um importante desafio. As benesses da tecnologia são inegáveis, mas nunca estivemos tão disponíveis e alertas. Se, por um lado, temos mais acesso à informação, por outro, temos mais chance de ser afetados tanto positiva quanto negativamente por ela.

    É impressão de todos que as doenças mentais nos acometem mais e aparecem na lista de doenças que mais comprometem as atividades diárias. Os impactos dessas alterações no comportamento humano começam a ser descritos e definidos. Muitos velhos problemas de saúde e comportamento vêm sendo repaginados pelos tempos modernos, mas muitos dos impactos ainda estão por ser descritos.

    Apontamos muitos deles e discutimos em que têm mudado e o que a literatura conta sobre os impactos no desenvolvimento humano, desde os déficits sensoriais até as nossas relações com tecnologias.

    Problemas visuais

    A visão adequada é um requisito extremamente importante e facilitador para o processo de alfabetização. Sendo assim, a avaliação da acuidade visual dos escolares ao ingressarem em instituição de ensino é considerada uma ação básica de saúde do escolar. Queda no rendimento escolar, queixa de dores de cabeça ao final da aula e dificuldade para ler e copiar o que o professor escreveu no quadro – são alertas importantes de que a saúde ocular da criança precisa de maiores cuidados. Segundo o Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), cerca de 20% das crianças em idade escolar apresentam algum tipo de problema visual. As alterações visuais mais comuns na fase escolar são os erros refrativos: miopia, astigmatismo e hipermetropia.

    A miopia é um distúrbio complexo, com grande impacto médico sobre os indivíduos afetados, e representa um considerável fardo econômico para a sociedade. A miopia grave é uma das principais causas de deficiência visual em todo o mundo, porque está associada a outras comorbidades oculares, tais como: descolamento de retina regmatogênico, degeneração macular miópica, catarata prematura e glaucoma. Vários fatores genéticos e ambientais têm sido associados à variação de sua prevalência e magnitude, incluindo trabalhos manuais e atividades ao ar livre durante a infância e a adolescência, níveis de educação, estilo de residência (urbana versus rural) e, possivelmente, graus de inteligência. Estudos recentes têm apontado que indivíduos que passam mais tempo ao ar livre são muito menos propensos a desenvolver miopia que aqueles que permanecem a maior parte do dia em ambientes fechados e/ou com pouca exposição à luz solar. Tem se falado em uma epidemia de miopia, principalmente entre os escolares. Hoje, essas crianças têm passado longos períodos focando a visão em objetos próximos, lendo, escrevendo ou usando dispositivos portáteis, como celulares, tablets ou laptops. Telas cada vez menores fazem com que a maioria dos escolares mantenha o equipamento a uma distância de 25 a 30 cm do olho. Sendo assim, há um aumento do esforço visual para enxergar tão perto. Os impactos das longas horas indoor e com uso por longas horas de tablets e diversas telas ainda não são conhecidos para a saúde e o desenvolvimento dos escolares.

    Tempo de tela e aumento da obesidade

    Preferências e hábitos alimentares são originados na primeira infância e vão se solidificando na fase escolar. A globalização estabeleceu novos paradigmas e alterações nas escolhas alimentares. A associação da falta do convívio diário com os pais, em razão de eles estarem trabalhando, com o aumento no uso de telas (televisão, videogames, tablets, computadores, celulares) por escolares compromete a adoção de um estilo de vida saudável.

    O número de horas de exposição à tela parece estar relacionado ao consumo de alimentos não saudáveis ao longo do dia (Bickham et al., 2013). Assim, o tempo excessivo em frente às telas é fator de risco para o desenvolvimento de excesso de peso em fases precoces da vida. Segundo a Academia Americana de Pediatria, preconiza-se que o tempo de exposição a telas pelos escolares não ultrapasse duas horas por dia e que seja supervisionado. No entanto, no mundo, observa-se um aumento crescente dessa exposição. Nos Estados Unidos, em dez anos, o tempo médio gasto em frente à televisão por crianças e adolescentes de 8 a 18 anos de idade aumentou de 3h45min para 4h30min por dia, e, somado às horas despendidas com videogame, computador e outras mídias, o tempo em frente a telas aumentou de 7h30min para quase 11 horas diárias. Diversos são os motivos do aumento da exposição à tela pelos escolares: poucas opções de lazer nos grandes centros, preocupação dos pais com a segurança de seus filhos, em razão da crescente sensação de violência nas cidades, e pais extremamente ocupados e que dedicam cada vez menos tempo aos filhos. Essa prática substituiu as atividades externas como fonte de lazer e entretenimento.

    Não apenas pelo uso de alimentos de pouco valor nutricional, a exposição às telas pode afetar o peso também pela maior inatividade física, contribuindo para o sedentarismo. Adicionalmente, a tela pode interferir na percepção dos sinais fisiológicos de fome e saciedade, levando a escolhas alimentares inadequadas com consumo exacerbado de produtos de elevado teor calórico e baixo valor nutricional.

    A mídia também pode influenciar negativamente no comportamento alimentar. Propagandas de fast-food, alimentos altamente enérgeticos, bebidas carbonatadas, cereais matinais açucarados e outros produtos ultraprocessados impactam a formação de hábitos alimentares de risco para o desenvolvimento de obesidade nos escolares. São muitos os fatores a serem avaliados e os estudos ainda não são conclusivos, mas os impactos devem ser esperados.

    A relação entre sedentarismo infantil e cognição tem sido mais explorada recentemente. Se, por um lado, a prática de atividade física vigorosa na idade escolar parece favorecer o desempenho de alguns domínios cognitivos, como a memória operacional (Mora-Gonzales et al., 2019), sabemos, por outro, que o sedentarismo tem um efeito deletério sobre as mesmas funções, e, aparentemente, esse efeito se estende ao longo do tempo. Por exemplo, em um estudo longitudinal recentemente publicado, López-Vicente et al. (2017) verificaram uma relação entre a baixa frequência de atividades físicas no início da vida escolar e o desempenho ruim em tarefas de memória operacional na idade escolar e na adolescência. De fato, revisões atuais da literatura sugerem que a mudança no estilo de vida, envolvendo a adoção de práticas regulares de atividade física e atenção à nutrição saudável, aparenta ter efeitos positivos sobre habilidades acadêmicas e funcionamento executivo em crianças e adolescentes (Martin Saunders, Shenkin, Sproule, & Martin, 2014), merecendo esforços da escola e da família para sua implementação.

    Alterações cognitivas em crianças obesas também têm chamado a atenção. As disfunções executivas parecem estar presentes nesse grupo clínico (Liang, Matheson, Kaye, & Boutelle, 2014), podendo estar relacionadas à instauração e à potencialização do quadro e ser potencializadas pela própria obesidade (Tan & Lumeng, 2018; Groppe & Elsner, 2017). O fato é que diversos protocolos de tratamento da obesidade infantil têm sugerido o potencial uso da abordagem clínica das funções executivas, tais como as relacionadas à autorregulação cognitiva e comportamental, para aumentar a chance de êxito das intervenções (Hayes, Barch, Wilfley, & Eichen, 2018; Naets, Vervoort, Verbeken, & Braet, 2018).

    Tercerização de cuidados com as crianças

    Algumas sociedades têm se preparado para garantir tempo de algum dos pais no cuidado das crianças. Famílias recebem recursos mínimos para se manter e desobrigar os pais de crianças pequenas a estar em horário integral trabalhando e, consequentemente, ter tempo para dedicar aos cuidados dos filhos. Esse cuidado e esse luxo podem ser de grande valor na constituição de novos seres que comporão a nossa sociedade. Pais ocupados e escolas desorientadas quanto ao seu papel resultam em crianças sem referências e sem estímulos adequados. As crianças ficam com múltiplos cuidadores ou com agenda abarrotada, mas não sabem o propósito dessas atividades. Geramos variedade, mas faltam experiências de sucesso, ganhos de habilidades.

    Múltiplos cuidadores permitem recados diversificados sobre quais são as regras a serem cumpridas e quem deve ser obedecido. Práticas agressivas, inconsistentes ou negligentes de criação dos filhos no controle de comportamentos disruptivos acentuam e promovem as dificuldades de lidar com a criança e, sobretudo, com o adolescente. Os sintomas de desafio aparecem e se generalizam nos mais diversos ambientes. Os impactos na formação dos valores e da cultura são inestimáveis. Os impactos no indivíduo e na sociedade são potencialmente brutais.

    Escolas desorientadas

    As escolas recebem inúmeras críticas por seu conteúdo ultrapassado e pouco aplicado em todos os níveis. Patinam em relação a quanto e como implementar a tecnologia aplicada à sala de aula. Estudos mostram que a tecnologia resulta em engajamento, mas pouco promove em termos de melhora nos escores de testes educacionais internacionais ou no entendimento de aquisição de boa educação. A escola esqueceu-se do papel organizador que ela tem na vida das crianças e dos novos cidadãos da nossa sociedade. Os educadores buscam melhorias em notas de testes nacionais e internacionais, mas esquecem-se do papel que têm quanto a estimular a criatividade e quanto à criação de cidadãos. Ensinamos a fazer provas, muitas e cada vez mais, mas não se ensina a aprender nem a gostar de estudar.

    Diante de pais sem tempo e professores que não aprenderam sobre desenvolvimento infantil ou neurociência, os diagnósticos são supostamente facilitadores, mas o jogo de empurra de responsabilidades permite que as crianças e os adolescentes deslizem na negligência múltipla, em que poucos querem papéis e responsabilidade. Onde tudo deveria ser magicamente alcançado, reforço escolar e suporte familiar falham. Se os testes internacionais nos apresentam parâmetros e comparação com a qualidade educacional mundial, não nos ensinam como educar e incluir todos no processo educacional. Sobra pressão, mas sem acolhimento e estratégias. Isso resulta em um acúmulo de déficits mal trabalhados, dúvidas não resolvidas, saúde mental precária e desgostos acumulados, formando o adolescente e o adulto que certamente merecemos. Sobrecargas e estresses são distribuídos para todos os níveis de cuidados e a colaboração quase inexiste. Cumplicidade, definição de papéis, currículos sólidos e baseados em metodologia ativa, treinamento de professores e responsabilização de cada parcela da sociedade permitiriam a evolução educacional e pessoas mais tranquilas e seguras.

    Sono

    As crianças vêm reduzindo a quantidade de tempo dedicada ao sono. Sabemos que essa simples medida desorganiza a atenção e a rotina, e consequentemente impacta o desempenho acadêmico. O sono é, para os escolares, um importante componente no processo de desenvolvimento biológico e mental, bem como no crescimento físico. As alterações no padrão de sono dos escolares podem ser advindas de alterações fisiológicas, mudanças sociais e de comportamento nessa fase. Em relação às mudanças comportamentais, que consequentemente impactam questões fisiológicas, estudos têm demonstrado uma associação entre o tempo e o tipo de exposição à tela e a percepção negativa da qualidade de sono. O mecanismo que supostamente explica essa associação aponta para a possibilidade de a luz brilhante da tela suprimir a produção de melatonina, podendo alterar o ciclo circadiano e aumentar a excitação mental e fisiológica. Evidências indicam que a exposição excessiva à tela causa menor tempo de duração e maior distúrbio de sono e, consequentemente, uma percepção negativa da qualidade do sono.

    A diminuição do tempo de sono tem se tornado um problema, levando principalmente a sonolência diurna, agravamento de sintomas de desatenção, problemas de saúde mental e menor qualidade do sono. As recomendações sobre a quantidade de horas de sono por noite para escolares foram modificadas ao longo da história. Uma revisão sistemática com dados seculares (1897-2009) indicou que o tempo de sono passou de nove horas e meia a dez horas de sono por noite, em 1910, para oito a nove horas em 2009. Essa redução tem sido progressiva, e pouco sabemos a respeito de seu impacto sobre o desenvolvimento (Matricciani, Olds, Blunden, Rigney, & Williams, 2012).

    Novas intoxicações

    Sempre nos preocupamos com agentes tóxicos, mas eles são substituídos pelos elementos mais comuns de cada tempo. Outrora nos preocupávamos com os efeitos do mercúrio e hoje estamos cercados de plásticos e derivados. O acúmulo de bisfenóis durante o período gestacional surge como potencial causa de alterações comportamentais – em especial nos meninos – e no campo de regulação emocional – agressividade. São crescentes as evidências de comprometimento do desenvolvimento ao longo do tempo.

    Até mesmo aquilo que era visto como proteção toma ares de risco, e, atualmente, até os filtros solares não apenas evitam a plena absorção de vitamina D, como também podem promover o efeito de acúmulos de diversos componentes cujos efeitos são desconhecidos.

    Diante de tantas alterações no contexto em que as crianças estão crescendo e se desenvolvendo, esperamos impactos, mas desconhecemos o que está por vir. As evidências vêm se acumulando para que, em um futuro não muito distante, possamos ter impressões mais cientificamente embasadas.

    2

    Desenvolvimento das funções executivas, comportamento motor e habilidades socioemocionais na idade escolar

    Danielle Souza Costa

    Gabrielle Chequer

    Jonas Jardim de Paula

    Lorrayne Soares

    Daniela Neder Monteiro Malloy-Diniz

    Leandro Fernandes Malloy-Diniz

    Maicon Albuquerque

    A criança em idade escolar é aquela que já apresenta avanços consideráveis no desenvolvimento da cognição, motricidade, linguagem e regulação emocional. Sua vida social está mais ampla, com uma crescente autonomia em relação aos pais e maior frequência de relacionamento com os pares. Nesse contato com o mundo externo, as crianças exercem e sofrem influências no contexto social de complexidade crescente. É geralmente uma criança muito ativa, que assume riscos e torna-se mais aventureira. As habilidades motoras já estão bem consolidadas mas a coordenação e as habilidades motoras finas variam amplamente, como será comentado na parte de desenvolvimento motor. Nessa idade, as crianças estão ávidas por conhecimento, mas as habilidades individuais serão moldadas pela experiência e pela confluência de fatores de risco e proteção. As funções executivas são fundamentais para a continuidade das aquisições em diferentes contextos do desenvolvimento psicológico, municiando a criança com estratégias para manejo de diversas situações novas nos vários contextos em que estão inseridas. As habilidades acadêmicas vão desde a alfabetização de letras e números e ganham complexidade progressiva onde textos e problemas ficam mais elaborados e acompanham a capacidade cognitiva crescente dessas crianças. O controle atencional e a capacidade de estar atento às atividades paulatinamente por períodos mais longos é um importante preditor do desempenho escolar. É nesse período que a criança estará exposta a uma maior gama de estressores, tais como as primeiras experiências de bullying e os transtornos de aprendizagem, sendo importante aprender a lidar com as frustrações sem comprometer a autoestima. As queixas funcionais tornam-se mais frequentes no período escolar, contudo uma parcela deve-se apenas ao fato de que já estão mais conscientes do próprio corpo. Pais e cuidadores continuam sendo as pessoas mais importantes na vida da criança, mas surgem as relações com os pares que ganham progressiva relevância. Na medida em que se tornam seres cada vez mais sociais e com maior círculo de convivência, torna-se mais importante que os pares os aceitem. Comportamentos como mentir e roubar podem aparecer com frequência nessa etapa da vida, na medida em que as crianças testam os limites e a obediência às regras. É nessa idade que surgem os melhores amigos e o apreço por brincar junto. Comportamentos tais como mentir e roubar podem surgir nessa etapa da vida na medida em que as crianças testam os limites e a obediência às regras. É nessa idade que as habilidades de autorregulação tornam-se tão importantes, em especial quando a criança não está sob supervisão dos pais. Ensinar a criança a expressar seus sentimentos e sensações através da fala pode facilitar o processo de socialização. Neste capítulo, apresentamos alguns aspectos do desenvolvimento de três grandes grupos de funções que se aprimoram na idade escolar: motricidade, funções executivas e habilidades socioemocionais.

    Pelas próprias características e por motivos meramente didáticos, explicitamos em diferentes partes o desenvolvimento de um ser impactado pela biologia, mas cada vez mais social, chamado homem.

    Funções executivas na idade escolar

    João tem 10 anos de idade e apresenta queixas importantes relacionadas ao aprendizado da Matemática. Ao ler problemas passados pela professora, não consegue organizar as informações, e, embora faça contas com exatidão, a sequência de operações é feita de forma não planejada, o que leva a erros importantes e respostas imprecisas. Ele sabe Matemática, mas não consegue ir bem nos exercícios, diz a professora. Ele é inteligente, mas não leva jeito para Matemática, diz a coordenadora pedagógica da escola.

    Maria, também com 10 anos de idade, apresenta dificuldades em aguardar sua vez em filas e nas dinâmicas da sala de aula. É imediatista e dá respostas por impulso. A professora de Ciências comunica aos pais que Maria dá respostas escritas precipitadas, alegando que ela parece não ler os enunciados até o final. Faz graça durante a explicação da professora e nem os colegas aguentam mais o seu comportamento em sala de aula. Ela não para quieta e faz piadas inapropriadas. Maria é sem noção, segundo suas colegas de sala.

    José, 9 anos de idade, é uma criança avoada. A despeito de seu bom desempenho na leitura e na escrita, sua velocidade de cópia do que a professora escreve no quadro é baixa, e ele acaba perdendo uma série de informações enquanto transcreve os textos para seu caderno. Os pais se queixam de que ele não obedece, embora não se oponha aos comandos das autoridades. Parece que ele se perde no meio das tarefas enquanto está realizando, mesmo em atividades domésticas simples. O pai fala que José é sonso e preguiçoso.

    Ana, também com 9 anos, por sua vez, é a teimosia em pessoa. Quando faz alguma coisa, mesmo que sua estratégia não dê bons resultados, ela continua a fazer. Mudar um comportamento ou pensamento para ela é algo realmente muito difícil, o que faz com que cometa os mesmos erros com muita frequência. Ana está sendo alvo de bullying indireto por parte de algumas colegas. No entanto, senta-se sempre no mesmo lugar e procura pela companhia das colegas durante o recreio, como se não tivesse como buscar outras alternativas para se relacionar em seu colégio. Eita menina cabeça dura!, diz sua mãe ao insistir que ela busque novas amizades.

    Essas são queixas comuns que chegam aos consultórios daqueles que lidam com crianças em idade escolar. Embora pareçam crianças muito diferentes, esses quatro escolares podem ter uma semelhança em termos cognitivos. As quatro crianças podem ter prejuízos em componentes das chamadas funções executivas, e, para que sejam submetidas a intervenções eficientes, é necessária uma investigação pormenorizada para compreender o seu funcionamento cognitivo comportamental e selecionar estratégias eficientes.

    As funções executivas são processos cognitivos que atuam de forma integrada e que nos permitem direcionar nossos processos mentais e comportamentos a objetivos, gerenciando-os ao longo do tempo. São funções de suma importância para nossa capacidade de escolher, planejar e resolver problemas. São particularmente importantes em contextos de novidade, em que nossos comportamentos já automatizados não são eficientes. São também fundamentais para nossa criatividade e nossa capacidade de se adaptar às demandas sociais, profissionais, acadêmicas e para a realização de nossos projetos pessoais. Elas nos ajudam a identificar pistas ambientais para compreendermos como devemos nos posicionar nas relações com outras pessoas, modificando nossos comportamentos e pensamentos sempre que isso for necessário.

    Embora não exista um consenso sobre quais seriam essas funções, há uma tendência a considerá-las como sendo compostas de funções executivas básicas ou nucleares, que seriam um alicerce para o desenvolvimento de outros processos mais elaborados aos quais geralmente nos referimos como funções executivas complexas (Diamond, 2013). Em linhas gerais, as funções executivas nucleares são a memória operacional (capacidade de manter temporariamente uma informação na memória de curto prazo para que tal informação seja usada para operações mentais), o controle inibitório (capacidade de inibir respostas prepotentes, em curso e/ou distratores) e a flexibilidade cognitiva (capacidade de modificar comportamentos e pensamentos de acordo com pistas que indicam a necessidade de uma mudança). As funções executivas complexas envolveriam funções como a capacidade de raciocinar de forma dedutiva, planejar e resolver problemas. Como descrito em Querino, Cheib, Godoy, Sallum e Malloy-Diniz (2018), as funções executivas começam a se desenvolver no início de nossa vida, e, durante a pré-escola, uma série de saltos qualitativos e quantitativos ocorrerá formando uma base para novas aquisições na idade escolar. De fato, uma longa trajetória de desenvolvimento irá caracterizar o desenvolvimento das funções executivas, desde o primeiro ano de vida até o início da vida adulta, quando tem fim a mielinização dos circuitos frontoestriatais do cérebro (de Luca & Leventer, 2010).

    Outra terminologia frequentemente utilizada para classificar as funções executivas é a denominação de funções executivas quentes versus frias (Blair, Zelazo, & Greenberg, 2005). As quentes seriam mais dependentes dos circuitos envolvendo o córtex orbitofrontal e as frias mais dependentes do circuito pré-frontal dorsolateral. Enquanto as funções executivas frias estariam mais relacionadas aos aspectos mais lógicos e abstratos, as quentes estariam mais relacionadas a aspectos afetivos e motivacionais. Essa terminologia se difundiu rapidamente entre os neuropsicólogos e psicólogos do desenvolvimento infantil, mas deve ser considerada com bastante ressalva. Por exemplo, Welsh e Peterson (2014) mostram que, durante a avaliação neuropsicológica, a temperatura de uma tarefa designada para avaliar funções executivas pode variar em função de variáveis, como motivação, compreensão da tarefa e até mesmo a relação com o examinador. Mais do que uma classificação estanque, essa dicotomia entre as funções executivas quentes e frias pode refletir a interação dinâmica entre duas tendências de processamento de informação que embasam nosso comportamento intencional.

    No volume anterior de nossa coleção sobre o desenvolvimento no ciclo vital, no qual abordamos o desenvolvimento do pré-escolar, caracterizamos a importância desse período para o desenvolvimento das funções executivas (Querino et al., 2018). No primeiro ano de vida, funções como a memória operacional e o controle inibitório já estão disponíveis ainda que de forma rudimentar. Por exemplo, por volta de 9 meses, bebês conseguem desempenhar com algum êxito a tarefa piagetiana A não B a qual demanda a capacidade de inibir respostas que anteriormente foram bem-sucedidas, além de manter informações na memória operacional para que se consiga o devido sucesso nesse procedimento (Diamond, 1985). Posteriormente nos tornamos mais capazes de gerenciar nossos comportamentos e outros processos mentais de forma flexível, o que ocorrerá de forma perceptível já a partir dos 2 anos de idade (Blakey, Visser, & Carroll, 2016). Assim, a flexibilidade cognitiva também começa seu curso de desenvolvimento durante os anos iniciais de nossa vida. Essas três funções executivas (memória operacional, flexibilidade cognitiva e controle inibitório) são blocos fundamentais para o desenvolvimento de processos cada vez mais sofisticados.

    Por volta dos 4 anos de idade, outras funções como a capacidade de postergar recompensas e tomar decisões em cenários de ambiguidade e incerteza (Mata, Sallum, Miranda, Bechara, & Malloy-Diniz, 2013) também se tornarão ferramentas disponíveis, facilitando as boas escolhas e potencializando a autonomia do pré-escolar. Nos anos seguintes, a complexidade das relações escolares irá se tornar mais intensa. O conteúdo escolar exigirá associação entre informações, abstrações e um maior nível de criatividade. Aumentará também a necessidade do gerenciamento do próprio comportamento em um contexto de regras cada vez mais complexas. As novas exigências dessa fase do desenvolvimento demandam de forma crescente o bom funcionamento executivo. Algumas crianças apresentam atraso no desenvolvimento das funções executivas, o que é muito comum em diversas psicopatologias infantis, o que as coloca em desvantagem em relação aos pares etários. Essas disfunções tendem a prejudicar a aquisição de conteúdos acadêmicos e a convivência em diversos contextos. Por esse motivo, é fundamental que as funções executivas recebam particular atenção por profissionais de saúde e de educação, bem como da própria família da criança em idade escolar. Para isso, é preciso conhecê-las e identificá-las não apenas em testes cognitivos, mas também em situações do dia a dia.

    Até o fim do século passado, pouco se falava sobre essas funções em se tratando das áreas de saúde e educação na idade escolar, contudo, de uma hora para outra, os processos referidos como funções executivas se tornaram um dos assuntos mais recorrentes em neurociências e educação. Tudo começou pela via mais errada possível. Inicialmente, usávamos informações do exame neuropsicológico como marcadores diagnósticos de alguns transtornos como o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Era algo quase linear: se há disfunção executiva, é TDAH. Se não há, não pode ser. A literatura foi, aos poucos, mostrando o quão falaciosa é essa afirmação: se, por um lado, nem todas as crianças com TDAH terão disfunções executivas, por outro, crianças com outros transtornos neuropsiquiátricos podem ter prejuízos nessas funções. É o que afirma o prestigioso neuropsicólogo do desenvolvimento Mark Johnson (2012, p. 455, tradução nossa): o exame das funções executivas não nos serve de marcador diagnóstico, mas nos aponta alvos terapêuticos importantes. Mas por que seriam alvos de intervenções educacionais e terapêuticas?. Citaremos aqui alguns motivos que justificam o prestígio que essas funções ganharam nas últimas décadas em se tratando do desenvolvimento infantil:

    •As funções executivas estão alteradas na maioria dos transtornos neuropsiquiátricos, contribuindo para desfechos negativos no desenvolvimento de crianças com TDAH, transtorno bipolar infantil (Walshhaw, Alloy, & Sabb, 2010), depressão, transtorno obsessivo-compulsivo (Geller et al., 2018), transtorno disruptivo da desregulação do humor (Meyers, DeSerisy, & Roy, 2017), transtorno de oposição desafiante (Mathys, Vanderschuren, Schutter, & Lochman, 2012), entre outros. Sabe-se, por exemplo, que em algumas condições como o TDAH, embora a disfunção executiva não seja uma condição necessária ou suficiente para o diagnóstico, indivíduos com disfunção executiva apresentam maiores dificuldades funcionais, como no ambiente escolar.

    •As funções executivas auxiliam na aquisição de habilidades acadêmicas em crianças normais (Wolf & McCoy, 2019) e com transtornos do neurodesenvolvimento, como o TDAH. No estudo de Wollf e McCoy (2009) o desenvolvimento das funções executivas e das habilidades acadêmicas parece ter uma influência recíproca durante os anos escolares iniciais. Em um estudo recente, Cartwright, Marshall, Huemer e Payne (2019) verificaram que aspectos de flexibilidade relacionados à integração fonológico-semântica parecem estar associados ao bom desempenho da leitura. Mais do que isso, as autoras verificaram que o treino desses aspectos da flexibilidade cognitiva melhora o desempenho na leitura em crianças com transtornos da aprendizagem dessa modalidade acadêmica.

    •As disfunções executivas estão relacionadas a problemas comportamentais, como os relacionados ao bullying , tanto nas vítimas quanto nos agressores (Medeiros, Torro-Alves, Malloy-Diniz, & Minervino, 2016).

    •A exposição ao estresse prolongado afeta diretamente o desenvolvimento dos sistemas neurais relacionados às funções executivas, impactando o desempenho dessas funções (Shonkoff et al., 2012). O estresse tóxico consiste nos efeitos da ativação prolongada de respostas corporais de estresse na ausência de fatores protetivos relativos a essa exposição, podendo ser resultante de diversos tipos de experiência, tais como relações parentais abusivas, pobreza, exposição à doença, violência etc.

    •As disfunções executivas têm sido associadas ao risco de comportamento suicida em adultos (Silva et al., 2018). Algumas evidências mostram que o isso também pode acontecer em crianças com patologias como o TDAH (Bauer, Gustafsson, Nigg, & Karalunas, 2018).

    •Situações de baixa estimulação social, como ambientes de pobreza, impactam diretamente o desenvolvimento das funções executivas (Pugh, Mc-Cardle, Stutzman, Haft, & Hoeft, 2017), o que deve chamar a atenção de educadores e agentes de políticas públicas.

    •As disfunções executivas das crianças impactam diretamente a saúde dos adultos que lidam com elas. Por exemplo, Graziano, McNamara, Geffken e Reid (2011) mostraram que os sintomas de hiperatividade e impulsividade em crianças com TDAH, quando associados a maiores taxas de agressividade, desregulação emocional e disfunção executiva, impactam diretamente o nível de estresse de seus pais. De fato, os efeitos da exposição dos pais ao estresse, gerado durante as interações com crianças que apresentam o transtorno, parecem ter um impacto direto sobre a saúde deles. Em um estudo recente, verificamos que mães de crianças com TDAH apresentam diminuição do tamanho dos telômeros em comparação a mães de crianças com desenvolvimento típico (Costa et al., 2015). A redução do tamanho dos telômeros é um marcador biológico importante dos efeitos da exposição do organismo ao estresse. Os efeitos da gravidade dos sintomas de TDAH sobre os níveis de estresse dos professores também têm sido reportados, mostrando que lidar com crianças com dificuldades na autorregulação comportamental é particularmente impactante mesmo fora do contexto

    Está gostando da amostra?
    Página 1 de 1