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A Crítica de Arte em Ângelo Guido
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E-book383 páginas5 horas

A Crítica de Arte em Ângelo Guido

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Sobre este e-book

A CRÍTICA DE ARTE EM ÂNGELO GUIDO trata de um dos primeiros críticos a atuar como profissional nos jornais do Rio Grande do Sul, em meados do século XX. Ele é conhecido como pintor e como professor de história da arte da UFRGS, mas poucos sabem de sua produção como crítico de arte. A sua linguagem é fundamentada na história, na estética e na filosofia da arte. Seus textos tanto englobam a análise de artistas e mostras de arte quanto contribuem para a instauração de uma historiografia da arte no Estado gaúcho. Como artista e como intelectual ele exerceu importante papel na formação do público para as artes do Sul do Brasil.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento3 de nov. de 2017
ISBN9788547317942
A Crítica de Arte em Ângelo Guido

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    A Crítica de Arte em Ângelo Guido - Ursula Rosa da Silva

    Editora Appris Ltda.

    1ª Edição - Copyright© 2017 dos autores

    Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.

    Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.

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    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO

    Dedico a Cláudio Carlos, pelos passos lado a lado,

    amor e apoio incondicional sempre.

    Agradecimentos

    Agradeço aos meus pais, in memoriam, por terem priorizado em suas vidas o estudo de seus filhos e a me ensinarem a nunca desistir de lutar pelo que acredito.

    À Prof.ª Dr.a Maria Lúcia Bastos Kern, pela orientação, aos professores do curso de pós-graduação em História da PUC/RS, pelos ensinamentos. A meus colegas da UFPel pelo apoio para cursar o doutorado, bem como à CAPES, que me viabilizou a Bolsa do Programa Institucional de Capacitação Docente e Técnica.

    Às direções e aos funcionários das instituições em que foi realizada a pesquisa − Museu da Brigada Militar (Porto Alegre - RS), Museu Hipólito José da Costa (Porto Alegre), Arquivo do Estado de São Paulo, Biblioteca Municipal Mário de Andrade (SP), Biblioteca das FFLCH da USP (SP) e Biblioteca do Museu Nacional de Belas Artes (RJ). Às pessoas que contribuíram com seu relato pessoal − Carlos Mancuso, Aldo Obino, Nina Callegari, Círio Simon e Armindo Trevisan.

    A arte, mais do que procurada e pensada, deve ser vivida. Acima da razão que cria fórmulas e dogmas, o artista interpreta o universo pela sensibilidade.

    Ângelo Guido

    Apresentação

    O tema deste livro é resultante de uma pesquisa de doutorado, realizada na Pós-Graduação em História da PUC-RS, sob a orientação da profa. Dra. Maria Lúcia Bastos Kern. O objeto de estudo foi a produção da crítica de Ângelo Guido, referente às artes plásticas no Rio Grande do Sul − registrada no jornal Diário de Notícias, entre os períodos de 1928 a 1945, e em sua obra publicada na forma de ensaios ou livros − para verificar, por meio de seus textos, a fundamentação estética de sua crítica e a sua importância na formação de um público voltado para a arte no Estado.

    A crítica de arte de Ângelo Guido foi aqui relacionada com as teorias estéticas, as teorias da arte e da história da arte que serviram de parâmetro para a configuração desta. A pesquisa buscou identificar, no que tange às artes plásticas, a presença de uma visão estética presente no campo artístico que se formava no Rio Grande do Sul, dentro do panorama nacional da época, e em relação com os movimentos artísticos (nacionais e internacionais) que possam ter influenciado a reflexão crítica feita sobre a produção artística desse Estado, naquele momento. Sendo assim, é considerado o papel exercido pelas estéticas romântico-idealista, intuicionista e formalista no processo de constituição de sua crítica.

    Ângelo Guido pode ser considerado um dos primeiros a atuar como profissional da crítica na imprensa no Rio Grande do Sul, tendo uma linguagem voltada para o campo artístico e fundamentada na história e na filosofia da arte. Além da crítica de arte, coloca-se em questão a própria tarefa da crítica no campo artístico. É importante ressaltar que ele avaliava os eventos de arte, fazia análises e abordagens históricas da arte e escrevia críticas a respeito de artistas de modo individual, independente de serem artistas homens ou mulheres. Num cenário de início de século XX, ele reconhece o trabalho de mulheres artistas, que estão despontando para a arte.

    Ângelo Guido Gnocchi nasceu em 1893, na cidade de Cremona, Itália, e veio para o Brasil com dois anos de idade. Por parte de mãe, Guido descende dos Guarnieri, que fabricavam o violino Guarnierius e também alaúdes. Por parte de pai, Guido tem parentesco com um pintor de Milão, Giovanni Pietro Gnocchi, nascido por volta de 1550, discípulo de Aurélio Luini. O pai de Guido, Annibale Gnocchi, na Itália, trabalhou na construção civil. Não possuía formação artística, no entanto se especializara na execução de ornamentos e molduras decorativas de fachadas de prédios. Em São Paulo, onde a família se radicara, Annibale trabalhou na construção como decorador de frontispícios. Também o irmão do pai, Aurélio Gnocchi, dedicou-se à pintura decorativa no Brasil. Em 1915, Ângelo Guido casou-se com Elsa Lustosa, a qual faleceu poucos anos depois. Desse matrimônio teve uma filha, Amália, falecida prematuramente, em 1944. Em 1939, já viúvo há vários anos, desposou aquela que, durante trinta anos, seria a sua companheira: Nina Viana, natural de Canguçu (RS).

    A trajetória artística de Ângelo Guido Gnocchi tem muito do que, ainda quando criança, observa de seu meio: a natureza, que se torna tema de seus quadros e o fundamento de sua visão de mundo. Para ele, a vida se estrutura e se manifesta como na natureza. A sua formação intelectual é a de um autodidata, que passa, também, pelos debates nos Cafés de São Paulo, onde comentava livros, concertos, artigos. Queria ser escritor e poeta, mas ainda se interessava por música, teatro, desenho e pintura. Aprendeu a dar os primeiros passos na pintura e no desenho com seu tio, Aurélio Gnocchi. Depois, estudou no Liceu de Artes e Ofícios, trabalhou com Cesar Formenti, decorando igrejas, e mais tarde com o decorador e cenógrafo Adolfo Fonzari. Começa a frequentar exposições de pintura quando já está se desencantando com a pintura decorativa e passa a desejar ser pintor de quadros. Nessa época Guido escreve versos, influenciado pelo panteísmo de Novalis e por Antero de Quental. Ele se interessa pela filosofia hindu e encontra, na Livraria do Círculo Esotérico do Pensamento, o Bhagavad Gita, em tradução espanhola, que leu todo em uma noite e, ao terminar, diz ter tido uma revelação interior. Em busca da verdade do Ser, encontrou a resposta na filosofia esotérica: a presença que Guido encontrou na figura de Cristo aparecia-lhe também em Krishna e, a partir de então, não distinguia mais um do outro, pois que se haviam tornado, para ele, imagens diferentes da mesma realidade divina. E o pintor ficaria fiel a esse princípio por toda a sua vida. Aos dezoito anos de idade, em 1912, viaja para a Bahia, onde é convidado a pintar o Salão Nobre do Instituto Histórico e Geográfico. Em Salvador, publicou seus primeiros artigos na imprensa e fez suas primeiras palestras sobre arte. Ele voltou a São Paulo, em 1914, e inicia suas atividades jornalísticas no jornal A Tribuna, de Santos (SP), onde faz, até 1922, crítica musical e de artes plásticas, estando, portanto, em contato com os acontecimentos e ideias do movimento modernista, desde as suas primeiras manifestações. A partir de 1924, Guido começa suas viagens pelo Nordeste e − depois de passar por Porto Alegre em 1925 − pelo Norte do País. Em 1935, Walter Spalding, que dirigia o Pavilhão Cultural da Exposição do Centenário Farroupilha, convidou-o para coordenar a seção de Belas Artes. Guido organizou a exposição e figurou nesta com 27 telas, nas quais retratou o ambiente rio-grandense, em especial, Porto Alegre. De 1936 a 1963 foi professor de estética e história da arte no Instituto de Belas Artes (atual Instituto de Artes da UFRGS) e exerceu a atividade de artista simultaneamente, obtendo grande reconhecimento por sua pintura. Em 1969, Guido faleceu na cidade de Pelotas (RS), onde fora lançar sua última obra na Feira do Livro.

    A atuação de Ângelo Guido no Rio Grande do Sul, nesse período que antecede a ampliação da prática artística inovadora, legitimada como tal, foi fundamental por estabelecer o debate e ter possibilitado a divulgação dessas ideias já no final da década de 1920, mesmo que não fosse para defender o movimento. Conforme a literatura¹ existente sobre o assunto, o Modernismo, no campo das artes visuais, enquanto efetivação da pesquisa por novas linguagens, só chegou ao Estado do Rio Grande do Sul na década de 1940, após a Segunda Guerra Mundial. Depois da guerra, tornou-se possível uma maior comunicação entre os artistas locais e os do Centro do País, bem como a realização de viagens de estudo, dentro do Brasil e para a Europa. Além disso, o crescimento econômico do Rio Grande do Sul propiciou o desenvolvimento maior do campo artístico.

    A figura de Ângelo Guido surge como possível agente de modernização das ideias e da própria atividade crítica e artística no Estado. Nesse sentido, este texto traz aspectos que mostram qual foi a importância da sua atuação como artista e intelectual no Estado e que papel ele exerceu na formação do público específico e na constituição do campo da arte. Ainda se apresenta a crítica, na concepção de Guido, com seus critérios de julgamento. Estas são algumas das questões que encaminharam a problemática desta pesquisa, tendo como eixo norteador a convergência que ele faz das ideias ambivalentes da estética romântico-idealista e da estética formalista em sua crítica de arte.

    É importante contextualizar a crítica e vinculá-la à produção artística. Neste sentido, sabe-se que a pesquisa no âmbito da crítica de arte, no Brasil, já produziu alguns trabalhos importantes, tanto no aspecto de uma reflexão geral sobre o tema², quanto trabalhos específicos sobre críticos de arte³. Entretanto, considera-se aqui este um campo ainda pouco explorado, por esse motivo, a presente pesquisa justifica-se por apresentar-se como uma nova, ainda que pequena, possibilidade de nos acercar ainda mais da historiografia artística do Rio Grande do Sul.

    Considerando as especificidades do objeto abordado, que envolve os campos da crítica, filosofia, estética, arte e história, foi preciso adotar um ponto de vista que possibilitasse a abordagem interdisciplinar. Assim sendo, a história das ideias, tal como a concebe Baumer⁴, tornou-se o ponto de apoio principal deste trabalho, considerando que essa abordagem histórica presta-se a uma melhor apresentação da fundamentação estética das ideias de Ângelo Guido.

    A história das ideias difere da história política, social ou institucional, voltando-se para as ideias dos homens sua abordagem teórica sobre o mundo. O termo ideias, no entanto, é amplo e pode referir-se desde ao pensamento de um pequeno grupo ao de toda gente. Por esse fato a história das ideias tem seu lugar entre a história da filosofia e a história cultural. No entanto, a história das ideias não se limita aos pensamentos de alguns, os talentosos, os pensadores, os filósofos. Ela volta-se para as ideias que alcançam uma grande difusão: a história das ideias, ao contrário da história da filosofia, tenta ir além do pensamento privado para o pensamento público, para além do único e idiossincrático para os estados de espírito coletivos.

    Para Baumer, a história das ideias é relevante porque se relaciona, fundamentalmente, com a procura das respostas às questões perenes, isto é, aquelas relacionadas com a natureza e escolhas humanas, perguntas que as pessoas se fazem continuamente, por meio de todas as gerações e de todas as épocas. O passado dá-nos respostas, sutis ou simplesmente diferentes das nossas. Apesar de termos um conhecimento objetivo e científico em muitas áreas, vemos tudo ao nosso redor a partir de uma perspectiva peculiar, uma visão de mundo, a qual é inevitavelmente parcial e limitada por um contexto. Por isso precisamos conhecer o que outros, situados em lugares e épocas diferentes, sentiram e pensaram.

    Considerou-se, portanto, o amplo contexto de manifestação da crítica de arte, relacionando o sujeito pesquisado, como protagonista dessa história, aos personagens e fenômenos artísticos, nacionais e internacionais, importantes para a sua compreensão. Para tanto, recorreu-se à história da arte, como forma de compreender os seus argumentos e juízos estéticos.

    Desta forma, juntamente ao enfoque da história das ideias, como pano de fundo para orientar a exposição do pensamento de Ângelo Guido, tratou-se o tema na forma de uma biografia intelectual⁶, como um trabalho que revela e enfatiza o discurso individual que serviu de base às ideias da época. Uma biografia intelectual considerada como uma história das problemáticas presentes nos textos do crítico Ângelo Guido, inseridas, por sua vez, num contexto geral, sem pretender tratar o personagem como um herói emblemático de um campo cultural específico, mas como um indivíduo que, inserindo-se em seu meio, fez de seu cotidiano uma luta em busca do aperfeiçoamento da arte e da vida.

    A fonte principal desta pesquisa foram os artigos que Ângelo Guido publicou no jornal Diário de Notícias, a partir de 1928, material que, por si só, constitui uma fonte inédita de estudos e que, até então, não havia sido trabalhado sob o enfoque de uma reflexão específica sobre a crítica das artes plásticas. Foram consultadas, também, outras fontes complementares, tais como revistas e jornais da época − 1925 a 1945: Revista do Globo, Jornal do Estado, Jornal A Nação, Correio do Povo, A Federação, esses de Porto Alegre, e A Tribuna, de Santos (SP). E ainda os textos dos críticos da época, publicados em livros e periódicos, bem como a produção existente sobre as artes plásticas no Rio Grande do Sul⁷ e os estudos que se referem a Ângelo Guido⁸.

    Foi necessário fazer um recorte temporal e uma delimitação dos documentos coletados. Determinamos, então, como período inicial o ano de 1928, considerando que é o ano em que Ângelo Guido se instala em Porto Alegre e inicia sua atividade profissional como crítico de arte do Jornal Diário de Notícias. Como a crítica, em geral, se constitui à medida que aparecem as Escolas e os Salões de Arte, no caso do Rio Grande do Sul, essas instâncias começam a se manifestar, mais intensamente, a partir da década de 1920; além disso, os fundamentos da crítica, possivelmente, estejam sendo reformulados, se considerarmos que as ideias modernistas estejam começando a circular pelo Estado. O ano de 1945, por sua vez, como o outro polo delimitador da pesquisa, é marcado pelo final do período do Estado Novo, final da Segunda Guerra Mundial e, também, é o momento em que se considera que as ideias modernistas começam a se efetivar na produção artística do Rio Grande do Sul, fazendo com que a crítica redimensione o seu discurso. Assim sendo, embora Ângelo Guido tenha escrito textos para jornais até a década de 1960, restringimos este livro ao período de 1928 a 1945. Além disso, depois de 1945 há uma diminuição da produção de seus textos para os jornais, talvez em consequência de seu vínculo ao Estado Novo⁹. E ainda é preciso considerar que, a partir da década de 1940, começa a haver uma atuação maior de novos críticos, tais como Fernando Corona e Aldo Obino, os quais passam a dividir o cenário da crítica com Ângelo Guido.

    Quanto aos artigos de Guido apresentados neste livro, eles foram coletados nos jornais até 1945, e tiveram uma atualização ortográfica¹⁰ nas citações, de forma a facilitar a compreensão dos leitores interessados, não implicando nenhuma modificação do conteúdo destes. Ressalta-se que esta pesquisa não contém ilustrações devido à dificuldade de encontrarmos os trabalhos originais analisados pelo crítico¹¹.

    A autora

    Prefácio

    A crítica de arte em Ângelo Guido, originalmente tese de doutorado, aborda o pensamento desse autor e artista ítalo-brasileiro que inaugurou uma forma nova de apreciação das artes visuais, no jornal Diário de Notícias (1928-1945), em Porto Alegre. Nesse momento ocorre a emergência do campo de arte local, o surgimento de público e o debate a respeito do Modernismo. A autora procura, por meio de um levantamento exaustivo das fontes, analisar os discursos da crítica de arte e a sua fundamentação estética e filosófica, bem como delimitar o lugar que Ângelo Guido ocupa e seu papel, exercido no meio artístico e cultural.

    O aparecimento da crítica de arte é comumente identificado na modernidade com a obra do filósofo Denis Diderot (1713-1784), quando começa a analisar as obras apresentadas no I Salão em 1759, da Academia Real, em Paris. Ele inaugura um novo gênero literário, como crítico de arte, no contexto da cultura iluminista, da criação da Estética e da História da Arte, contra a arbitrariedade despótica da mera opinião, direcionado ao público culto e apreciador das artes, distante da corte real francesa. Seu objetivo é possibilitar, por meio do discurso escrito, a visualização pelo leitor das imagens das obras, assim como analisar as ideias e técnicas que as constituem. Ele estimula a imaginação do artista e do leitor a partir de um discurso criativo e inventivo, livre de convenções estabelecidas, o que o torna original. A sua sensibilidade atinge um público cada vez mais diversificado, que não se satisfaz com preceitos acadêmicos e, paulatinamente, dinamiza o mercado de arte.

    É com Charles Baudelaire (1821-1867) que a crítica de arte estabelece a mediação entre a obra e o público, busca a sua autonomia ao se institucionalizar como a reflexão a respeito da prática artística e não sobre a pretendida idealidade da arte, premissa da Estética. Distancia-se também da História da Arte ao se direcionar às obras da atualidade que estão se processando, sem se ater apenas ao passado. A crítica de arte torna-se pública ao ser vinculada à imprensa, dinamiza o campo das artes e da produção cultural, bem como expande o seu poder de intervenção e sua missão pedagógica.

    A institucionalização da crítica de arte no campo das artes nos grandes centros europeus lhe confere a função de explicar ao público as novas criações plásticas, formar sua opinião, legitimar e consagrar artistas e suas criações. Ela exerce ainda o papel de classificar os artistas por sua importância, além de alertar o público para as cópias e as obras falsas que circulam no mercado de arte. O discurso crítico funciona como uma espécie de escola do ver e de uma pedagogia da sensibilidade.¹²

    É com Baudelaire que a crítica de arte inaugura uma nova modalidade de refletir sobre as obras e abandona o procedimento descritivo e próprio da crítica literária. Ele analisa as obras do salão anual a partir de uma visita e de memória, sem o auxílio de imagens fotográficas ou de anotações. Parece que seu olhar sobre as obras alimenta a sua invenção poética ao lhe oferecer uma série de temas diversificados e discursos como crítico apaixonado. A partir do Salão de 1846, ele interroga a percepção e pensa a pintura que o leva a escrever um texto, sobre a Exposição Universal de 1855, intitulado Méthode de critique, no qual expõe as suas ideias de progresso aplicadas às artes. Baudelaire anuncia que o seu método não se baseia no discurso erudito, nem a respeito da composição, mas que prefere focalizar o sentimento e a moral do prazer, bem como enfatizar a importância da imaginação. É ela a base da criação e o meio pelo qual o artista produz a sensação do novo.¹³

    O crítico escreve num momento em que as novas gerações de artistas estão colocando em xeque os postulados tradicionais da arte, vivendo o crescimento das cidades e das grandes mudanças estabelecidas pela reforma urbana de Paris, liderada pelo Barão Haussman e de desenvolvimento do sistema capitalista. Como poeta, ele percebe o processo de transformação e verifica que a população que vivia no centro em casarios medievais é jogada para fora da cidade. Os artistas começam a apresentar a nova realidade social em suas obras, com procedimentos formais modernos, porém não são bem aceitos pelo público, habituado às expressões mais idealistas de mundo e de representações da aristocracia e burguesia.

    Baudelaire¹⁴ é o primeiro a definir a modernidade, no domínio estético, a partir do conceito de beleza moderna, que contém algo de eterno e também de transitório, absoluto e particular. A sua noção vincula-se, de um lado, à atualidade e à moda, na busca do inesperado e do estranho, em contraposição ao passado, mas, por outro, ela apresenta o caráter oculto e pouco acessível. É diante dessa constatação que Baudelaire identifica o artista de seu tempo com o guerreiro, pela coragem de enfrentar a incompreensão de seus contemporâneos, quando atrela a arte à atualidade e ao devir. A concepção de herói moderno, presente no seu discurso, é decorrente do fato de o artista se encontrar em permanente colisão com o seu meio social. O seu trabalho caracteriza-se por ser árduo, já que faz novas experiências investigativas para erigir a poética moderna, num contexto social em permanente mudança, mas regido por práticas artísticas institucionalizadas e resistentes ao inédito.

    A crítica de arte é exercida em paralelo ao seu trabalho poético, o que possibilita a experimentação, o aprofundamento de suas reflexões e a criação de uma teoria estética.¹⁵

    Os discursos da crítica de arte tornam-se cada vez mais importantes no campo das artes modernas para estabelecer o elo entre os artistas e o público, no momento em que a experimentação plástica é permanente e que a modernidade estética se estabelece. Diante do hermetismo, da subjetividade das obras e das rápidas mudanças que ocorrem nas poéticas modernas, cabe ao crítico de arte e mesmo ao artista explicar as suas motivações. Este o faz por meio de manifestos ou textos reflexivos, nos quais justifica a sua poética e seus objetivos, porém sem romper com o profissional da crítica de arte que lhe permite a consagração aspirada e o consumo de seus bens simbólicos. Entretanto, esse é o cenário moderno dos grandes centros cosmopolitas, distinto do emergente campo artístico e cultural porto-alegrense, mas cuja referência internacional é conhecida pelos atores culturais, ambicionada e projetada no devir.

    A história da crítica de arte em Porto Alegre inicia no século XIX, vinculada ao gênero literário e de caráter mais descritivo e informativo. O primeiro crítico especializado é Ângelo Guido, com formação em Estética, História da Arte e artes plásticas. Como crítico de arte profissional, ele apresenta as suas acepções de arte muito bem fundamentadas, de modo a colaborar na formação do público e de seu olhar que, nos anos de 1920 e 1930, se encontra em processo de formação. O seu aparecimento na modernidade e no momento de debate a respeito dos cânones da tradição e do desejo de libertação, oportuniza o aprofundamento das reflexões, o juízo das obras e acaba por se constituir como instituição do campo de arte, que contribui para a sua dinâmica e para a emergência do incipiente mercado de arte.

    Ursula Rosa da Silva focaliza a atuação do crítico – Ângelo Guido – e de seus discursos em paralelo à expansão do campo de arte com o surgimento de novas instituições, espaços expositivos e de debates sobre arte moderna e arte clássica, arte nacional e arte universal. Esses debates assumem, nos anos de 1940, proporções mais intensas e conflituosas quando as experiências plásticas em prol da renovação começam a ser realizadas de forma recorrente e por artistas que professam concepções de esquerda. A resistência é grande e escamoteada por ideologias nacionalistas radicais, oriundas dos quistos de imigração europeia, nos quais o nazi-fascismo se expande. No contexto do Estado Novo, ocorre também o controle estabelecido pelo DEIP, Departamento Estadual de Imprensa e Propaganda, do qual Ângelo Guido esteve por curta duração em sua presidência. A autora analisa os discursos desse crítico de arte e mesmo de Aldo Obino, no Correio do Povo, e de matérias da revista do Globo, durante e após a Segunda Guerra Mundial em que se podem observar as mudanças de concepções relativas à arte moderna.

    A autora apoia-se na história das ideias para analisar os discursos de Guido, na Estética e Filosofia, para identificar as acepções paradoxais com as quais o crítico de arte se fundamenta e nos pressupostos da história social da arte ao tratar das instituições e de suas articulações no interior do campo de arte. A presente publicação evidencia o estudo aprofundado realizado pela autora, a partir de fontes de pesquisa e análises que ultrapassam a delimitação temporal e de periódicos apontados como norteadores, para situar o lugar que Ângelo Guido ocupa em distintos momentos históricos e face à modernidade. O trabalho é inovador no sentido de inaugurar nova abordagem historiográfica no estudo das artes do Rio Grande do Sul.

    Dr.a Maria Lúcia Bastos Kern (profa. na PUC/RS)

    Sumário

    Contextualizando

    CAPITULO 1

    A crítica de arte: origens e relações

    1.1 A natureza subjetiva do discurso crítico

    1.2 A crítica de kant e as teorias formalistas da arte

    1.3 A intuição e a estética romântica decorrentes do criticismo kantiano

    1.4 As teorias intuicionistas em Dilthey e Bergson

    CAPÍTULO 2

    O PENSAMENTO CRÍTICO DE ÂNGELO GUIDO

    2.1 A intuição como requisito para a compreensão da obra de arte

    2.2 Arte e religiosidade: o ideal de arte e o evangelho da beleza

    2.3 A arte como expressão da visão de mundo por meio das formas

    2.4 A crítica e os critérios de Ângelo Guido

    capítulo 3

    A CRÍTICA DE ÂNGELO GUIDO no contexto DA ARTE NO RS

    3.1 O campo artístico no RS e a atuação de Ângelo Guido

    3.1.1 Salão Moderno de Artes Plásticas

    3.1.2 A Revista do Globo

    3.2 A Crítica na imprensa

    3.3 A importância de Guido no cenário cultural do RS

    3.3.1 Guido e a análise individual dos artistas

    3.3.2 Um Olhar para o ideal clássico de beleza

    3.3.3 A Crítica ao Modernismo

    Conclusão

    Obras de ÂNGELO GUIDO

    Livros:

    Capítulos de Livros:

    Artigos em Revistas:

    Artigos no Jornal Diário de Notícias, de Porto Alegre:

    Artigos no Jornal A Tribuna, de Santos (SP):

    REFERÊNCIAS

    Revistas e Periódicos

    Contextualizando

    Na primavera de 1925, duas conferências ocorreram no Clube Jocotó¹⁶, em Porto Alegre, com a finalidade de divulgar e esclarecer o que viria a ser o Modernismo: a do poeta Guilherme de Almeida e a do artista e crítico de arte Ângelo Guido (1893-1969). Na capital rio-grandense, os primeiros rumores e manifestações − a favor ou contra

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