Vidas
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Vidas - Eleni Polesel Paes
www.editoraviseu.com.br
Sumário
Agradecimento
Prólogo
Cartas
Amores desfeitos
Esquinas
Profecia
Amigas
Espelho
Cárceres
Caminhos
Solidão
A menina e o vento
Sonhos
Entardecer
Caboclo
Esperança
Memórias
Eternidade
Milagres
Refúgio
Amor Eterno
Lições
Surpresas
Agradecimento
A meu querido esposo e filhos que me apoiam incondicionalmente e também a minha irmã Célia Polesel com quem compartilho princípios e valores e que gentilmente e com toda sua competência fez a revisão desta pequena obra para mim.
Ao meu maior entusiasta Bruno Petterson que sempre me incentivou a adentrar o mundo das palavras e compartilhar minhas histórias. É preciso também agradecer a todos aqueles que de uma maneira ou de outra me permitiram fazer parte de suas vidas e tanto contribuíram com minha própria história.
Em especial à memória de minha mãe Ivani que nos ensinou a ter fé, persistência e sobretudo resiliência e, é claro, a Deus que tem me permitido realizar tantos sonhos.
Prólogo
Costumo dizer que são tantas histórias na nossa vida e tantas vidas na nossa história que cada um de nós por si só seria um livro de contos, encontros, encantos e desencantos sem fim. Estas poderiam ser histórias reais de pessoas que cruzam todos os dias os nossos caminhos, mas que passam despercebidas em nossa vida, histórias que não nos causam estranheza porque não são tão distantes da nossa realidade, mas que, ainda assim, suscitam profundos sentimentos que revelam que ainda há em nós um pouco de humanidade.
Cartas
Encontrei-a sentada em um banco de praça, olhar alheio, perdido talvez em outros tempos, outras épocas, em histórias que poderiam ser revividas apenas em sua memória.
Era uma senhorinha simples, com idade avançada, achei que pudesse estar perdida, afinal não havia mais ninguém por ali e já não era hora para passeios de idosos, segundo a concepção que aprendemos. Então me aproximei, sentei-me também naquele banco, com a clara intenção de ajudá-la, perguntei se estava esperando alguém, se precisava de ajuda para voltar para casa, ela olhou para mim e sorriu, aquele sorriso de avó que aquece o coração da gente, que é tão aconchegante quanto um abraço apertado de pessoas queridas, colocou sua mãozinha frágil em meu braço e disse suavemente, espero por alguém que será enviado por Deus para realizar um milagre. Logo pensei em alguma doença grave que ela pudesse ter, talvez dores, perdas ou quem sabe uma dificuldade financeira.
Ela me olhou e disse tenho um sonho, antigo, que gostaria muito de realizar, queria mandar uma carta para o endereço de minha infância, saber da casa que cresci, talvez até quem sabe notícias das pessoas que conheci, quem sabe um resgate de mim mesma, da minha essência, coisas que se perderam no tempo com as durezas da vida, seu olhar estava perdido novamente, certamente em lembranças remotas. Mas, disse ela, não sei a arte da escrita, não sei quem hoje por lá habita, talvez cause estranheza em tempos de tanta modernidade uma carta sobre a mesa. Achei engraçado a maneira dela falar e sorri, ela então emendou logo, bobices de velha minha filha... Novamente perguntei a ela se precisava de ajuda para voltar para casa, ela disse que não pois morava logo em frente, me despedi dela e recomendei que não ficasse até tarde ali sozinha, pois é muito perigoso.
Fui embora com aquela sensação de dever cumprido, de ser uma boa cidadã, uma alma generosa, um daqueles ledos enganos da vida. O sonho partilhado da senhorinha foi como semente que germina no coração da gente e vira e mexe me pegava matutando sobre ele, e assim aos poucos foi se instalando em mim uma vontade que me compelia a tentar escrever e enviar a carta, porque não, talvez não houvesse sucesso, mas fracasso maior seria não arriscar. Comecei a passar pelo caminho da praça constantemente esperando encontrá-la, tive receio de sair perguntando por ela pelas casas e ser mal interpretada, não há muitos jovens procurando por velhinhas solitárias penso eu. Mas enfim, não demorou muito para que eu a visse novamente, varrendo as folhas que teimavam em cair na calçada em frente sua casa. Me senti uma criança saudosa, respiração acelerada, um contentamento inexplicável e um sorriso fácil assim como o que ela me deu ao me reconhecer. Nos cumprimentamos e então eu disse a ela que gostaria de saber mais sobre o sonho da carta, com olhar gentil ela disse, bobagens de velha... Eu insisti, disse a ela que valia tentar afinal notícia nenhuma ela já tinha e que eu estava disposta a ajudá-la nesta empreitada.
Nós nos sentamos na varanda e ela disse que contaria um pouco da sua história para que eu pudesse entender. Relatou que nasceu no Maranhão, onde fica o único deserto do mundo com milhares de lagoas de águas cristalinas, disse ela com orgulho, disse também que lá viveu até ao que hoje chamamos adolescência
, por volta dos 14 anos, diferente do que eu esperava, não relatou uma vida de miséria ou de dificuldades financeiras, embora não tenha estudado alega que sua vida podia ser considerada confortável financeiramente em vista de outras histórias, segundo ela, o básico não faltava, viviam da renda com plantações de cana e seu pai estava ligado à política, colaborando com o então interventor federal do Estado Novo - Souza Ramos, indicado à época por Getúlio Vargas. Mas sua história era permeada de violência e abusos, descendia de uma linhagem tradicional onde a mulher é vista como propriedade do homem, mas a interpretação do núcleo familiar ia além, a violência física e os constantes abusos sexuais faziam parte desses direitos, o direito de primazia que acontecia nos bastidores familiares, pois a aparência de família distinta, honrada e feliz devia prevalecer sempre, esse foi o principal motivador para a fuga que, também diferente da expectativa criada em mim, talvez pelos filmes, novelas e livros, não aconteceu na calada da noite, com a heroína se esgueirando pelas sombras e correndo feito louca pelos matagais apinhados de perigos. Não, nada disso, ela aconteceu de maneira calma, à luz do dia enquanto todos desempenhavam seu papel diário, a menina disse que visitaria uma senhora, amiga da família, que estava doente no que foi prontamente autorizada e simplesmente entrou no trem que a levaria até Teresina, no Piauí, de lá seguiu a vida como pôde, mas a sombra do