Aulas no Ensino Superior: Estratégias que Envolvem os Estudantes
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Aulas no Ensino Superior - Eduardo Fleury Mortimer
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2018 dos autores
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO ENSINO DE CIÊNCIAS
Por vezes sentimos que aquilo que fazemos não é senão uma gota de água no mar.
Mas o mar seria menor se lhe faltasse uma gota.
Teresa de Calcutá (pelas mãos de Robson Pinheiro)
AGRADECIMENTOS
Aos colegas formadores de professores, com quem cruzamos pelo diálogo ou pelas leituras durante toda a nossa vida profissional. Eles, com suas vozes, formaram a nossa voz, que trazemos para este livro.
Aos estudantes que participaram de classes em que atuamos como professor: as dúvidas, as críticas, os comentários e os olhares nos motivaram e motivam a buscar sempre mais.
APRESENTAÇÃO
Este trabalho traz à discussão a formação e a atuação do professor universitário, considerando o contexto do seu próprio trabalho e a cultura na qual está inserido. Apesar de focar no professor de Química do ensino superior, as perspectivas e os resultados encontrados podem ser considerados para todos os professores de Ciências desse nível de ensino.
A formação do professor universitário que atua com Ciências da Natureza – Química, Física, Biologia – dá-se em Programas de Pós-graduação dessas ciências. Quando o professor cursou bacharelado e fez sua pós-graduação nesses campos, o contato com teorias contemporâneas de ensino e aprendizagem foi mínimo ou inexistente. No entanto alguns desses professores são bem-sucedidos em suas práticas de sala de aula, do ponto de vista dos estudantes. Isso direcionou o nosso interesse em termos de pesquisa, procurando compreender melhor os saberes que esses professores mobilizam para desenvolver suas aulas.
Escolhemos uma instituição do ensino superior na qual atuávamos e escolhemos o Departamento de Química como representativo dos demais departamentos e institutos que ofertam os cursos da área de Ciências da Natureza. Esse departamento apresentava uma organização bem típica dos grandes centros de formação em ensino superior. Inicialmente identificamos e caracterizamos a tipologia de aulas existentes nesse departamento. Após, entramos em contato com quatro professores bem avaliados pelos estudantes, no qual dois deles desenvolviam aulas interagindo mais com os estudantes e dois deles desenvolviam suas aulas com uma interação bem menor.
Gravamos, para cada um dos professores selecionados, um conjunto de aulas em vídeo e fizemos a sua análise em um nível mais geral e, após, a microanálise, usando ferramentas analíticas apropriadas. De maneira geral, entendemos que os professores bem avaliados pelos estudantes são aqueles que gostam de dar aulas, são organizados e dedicam parte considerável do seu trabalho para essa atividade. Quanto à forma de trabalho, identificamos estratégias diferenciadas para os professores cujas aulas são interativas e para aqueles cujas aulas são menos interativas, que resultam em diferentes níveis de engajamento dos estudantes nas aulas.
Notamos que os professores interativos usam estratégias diversas de engajamento dos estudantes durante as aulas, tornando-as mais dinâmicas pela ênfase nos atores professor
e estudante
e mantendo o conteúdo como mediação para a formação. Os professores cujas aulas são menos interativas, por sua vez, tendem a enfatizar os atores professor
e conteúdo
, mantendo o estudante em uma situação passiva durante a aula.
Investigamos, ainda, os aspectos que podem ter contribuído na constituição identitária de cada um desses professores. Encontramos indícios que nos permitiram argumentar em torno dessa constituição. Os professores interativos construíram suas práticas ancoradas no contraexemplo do que vivenciaram durante a graduação, enquanto os menos interativos pautaram-se no exemplo, numa prática que se aproxima da imitação da prática de professores que tiveram e que admiram. Os professores mais interativos, além disso, relatam pequenos episódios ocorridos durante a formação que nos pareceram ser o ponto de partida para desenvolver as estratégias que encontramos nas aulas. Eles desenvolveram um processo de reflexão sobre aquilo que vivenciaram durante a formação, construindo suas práticas a partir de momentos pontuais dessa formação que os marcaram, tanto negativa quanto positivamente, e da experiência de atuação na sala de aula, mostrando-se sensíveis ao estudante.
Nossos resultados prévios foram sendo compartilhados com a comunidade especializada por meio de artigos científicos. O primeiro deles, intitulado Fatores que tornam o professor de ensino superior bem-sucedido: analisando um caso
¹ foi publicado no periódico Ciência e Educação, em 2014. O segundo deles teve como título A atuação de professores de ensino superior: investigando dois professores bem avaliados pelos estudantes
² e foi publicado no periódico Química Nova, em 2016. O terceiro trabalho envolveu os quatro professores, porém não explorou as estratégias usadas por eles, como fazemos neste livro. Trata-se do artigo Formadores de professores: estratégias que os tornam bem-sucedidos junto aos estudantes
³, publicado pelo periódico Investigações em Ensino de Ciências, em 2016.
Compartilhamos com você, leitor, o resultado de uma longa pesquisa, com a análise que fizemos das aulas dos professores investigados. Ressaltamos a importância de uma aproximação maior entre professores pesquisadores do campo da Educação e professores pesquisadores do campo específico das Ciências Naturais, na forma de parceria, como possibilidade de entendimento e melhoria das aulas, trazendo benefícios para todos os envolvidos, principalmente os estudantes.
Ana Luiza de Quadros
Eduardo Fleury Mortimer
PREFÁCIO
Prefaciar o presente livro, Aulas no ensino superior e as estratégias que envolvem os estudantes, constitui-se um privilégio para mim, pois há tempos venho defendendo a formação de parcerias entre educadores químicos e colegas químicos que atuam, principalmente, em cursos de licenciatura, objeto de discussão e análise aqui neste livro.
Isso porque muitas das lacunas e falências daqueles cursos têm sido atribuídas à falta de diálogo entre os formadores de professores que neles ensinam, ou seja: químicos que ministram as disciplinas específicas de Química; filósofos, historiadores, psicólogos, sociólogos e pedagogos que, usualmente, são responsáveis pelas disciplinas pedagógicas; e educadores químicos que ministram disciplinas de metodologia, instrumentação e estágio supervisionado de ensino de Química e que, teoricamente, poderiam constituir-se como pontes cognitivas entre concepções e atuações formativas usualmente distintas, já que possuem formação em Química e em Educação.
Explicações para tais dissonâncias têm sido apontadas pela literatura como decorrentes do modelo formativo baseado na racionalidade técnica, que dicotomiza teoria e prática e que concebe o professor como técnico. Nessa perspectiva, o professor é visto como um mero aplicador de teorias e procedimentos gestados por outros na resolução de problemas em sala de aula. É decorrente também da falta de reelaborações conceituais, principalmente por parte dos formadores químicos, que possam capacitar os futuros professores a adequar os conteúdos de ensino que necessitarão ministrar. Outra explicação proposta reside na distinção de habitus próprios às áreas das Ciências Humanas, nas quais se situa a Educação e a Docência, e os da Ciência Química, em que impera outra epistemologia, centrada em interações atômicas e moleculares, em mecanismos de reações, enquanto naquelas são priorizadas interações humanas.
Se os objetos de investigação e de estudo são distintos nessas áreas, eles necessariamente precisam se amalgamar na docência em Química, em qualquer nível de ensino, na medida em que ela pressupõe o professor, o conteúdo químico, os alunos e o contexto social e cultural que a determinam. Em outras palavras, como nos diz Cunha⁴ (2010, p. 78), compreender essa pluralidade de exigências é assumir a docência como ação complexa que requer saberes disciplinares, culturais, afetivos, éticos, metodológicos, psicológicos, sociológicos e políticos
. Por isso, a docência em Química implica a superação daquelas dicotomias epistemológicas, hibridando-as e legitimando a Educação Química como outra área do campo científico da Química. Assim, em aulas de Química, deparamos-nos com interações atômicas, moleculares, mas, também, humanas, sociais, culturais e éticas, nas quais o professor possui um papel primordial, o de mediador, por promover o acesso de seus alunos a um conhecimento abstrato, sistematizado e produzido historicamente, numa relação assimétrica que caracteriza qualquer processo de ensino-aprendizagem.
É nesse âmbito que podemos entender a importância deste livro, ao se centrar na investigação sobre a docência no ensino superior, caso pouco comum em pesquisas em Educação Química, evidenciando, por seus resultados, que parcerias entre educadores químicos e químicos são possíveis para melhorar a formação inicial de professores de Química e, também, por propiciar a formação continuada de professores universitários, a qual tem sido ignorada pelas instituições nas quais trabalham. No caso de nossos colegas químicos, estes são formados doutores em seus campos de pesquisas específicos, por cerca de seis anos – no mínimo – em seus cursos de pós-graduação, nos quais não têm acesso a reflexões sobre processos de ensino-aprendizagem, sobre o papel social do professor, embora sejam os primeiros convocados a dar aulas sobre conteúdos específicos de Química em cursos de formação de professores. Assim, formam profissionais para um campo de trabalho que geralmente desconhecem e, muitas vezes, desvalorizam. Nesse sentido, como nos aponta Cunha (2010, p. 294):
Existe a premissa de que há uma linear relação de qualidade entre a pesquisa e o ensino. Essa concepção induz à percepção de que a pós-graduação nas áreas específicas, ao formar mestres e doutores, os qualifica para a docência. [...] Não raras vezes as avaliações realizadas pelos alunos e reafirmadas pelos coordenadores de cursos de graduação indicam que os mais prestigiosos pesquisadores não alcançam êxito como docentes. E essa não é uma situação esdrúxula, somente reafirma que a preparação para a pesquisa não contempla os saberes da docência.
Frente a esse quadro comum em nossas universidades, mesmo naquelas que se dedicam mais ao ensino do que a investigações, os formadores químicos continuam, geralmente, restringindo-se à formação de bacharéis, porque seguem o modelo de seus ex-professores, exercitando a força da imitação que invoca bons e maus exemplos como balizadores da prática docente na qual se espelham. Continuam formando bacharéis em cursos de licenciatura, já que no âmbito químico esse sempre foi e continua sendo seu principal habitus para a manutenção desse campo científico. A docência no campo científico, geralmente, caracteriza-se por ser simplista, já que é centrada na transmissão de muitos conteúdos, inúmeros exercícios de aplicação, com o monopólio do discurso professoral em sala de aula, ignorando o trabalho cognitivo dos alunos que passivamente o escutam, e dos quais espera a reprodução nas provas do que lhes foi ensinado.
Como romper com esse marca histórica? Como promover que a licenciatura forme professores em vez de bacharéis? Como se forma um professor de Química? Qual é o papel dos formadores de professores nesses cursos?
Essas são questões abordadas e discutidas neste livro. Nesse âmbito, são descritas e analisadas as docências de quatro formadores químicos que são bem avaliados por seus alunos, constituindo-se como estudos de casos distintos daquela docência simplista e, assim, merecedores de atenção e investigação. Por que se diferenciam do usual padrão de formador químico? Como se constituíram como formadores?
Encontramos nas respostas fundamentadas neste livro a importância das interações, tão importantes também na Química, mas fundamentais no seu ensino, por serem de outras naturezas. Por isso ele se torna importante para ser lido, refletido e discutido por todos aqueles envolvidos na formação inicial de professores não só de Química, mas, também, das ciências ditas exatas ou naturais.
Finalmente, a sua leitura se torna importante porque este livro descreve, fundamenta e fomenta a ideia de que, pela parceria entre formadores, poderemos melhorar o nosso trabalho formativo. Parceria essa que se mostra mais do que necessária para melhorarmos a nossa educação, buscando construir melhor formação de professores e, com isso, contribuir para um País melhor.
Roseli P. Schnetzler
Professora titular do Programa de Pós-Graduação em Educação
Universidade Metodista de Piracicaba
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1
POR QUE INVESTIGAR O ENSINO SUPERIOR?
1.1 A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A TENDÊNCIA AO CONTINUÍSMO
1.2 OS FORMADORES DE PROFESSORES
1.3 A SUBJETIVIDADE NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
1.4 AS QUESTÕES DE PESQUISA
CAPÍTULO 2
O ENSINO SUPERIOR EM QUESTÃO
2.1 O ENSINO SUPERIOR COMO OBJETO DE INVESTIGAÇÃO
2.1.1 O ensino superior brasileiro: algumas influências diretas
2.1.2 A legislação atual e a formação de professores para o ensino superior
2.1.3 Considerações importantes sobre esse nível de ensino
2.1.4 A formação de professores nos Programas de Pós-graduação
2.1.5 A aula de graduação
2.2 Um olhar mais específico: resgatando a história do curso de Química
na UFMG
2.2.1 A instituição
2.2.2 A constituição do corpo docente do curso de Química
2.2.3 O espaço físico do curso
2.2.4 A grade curricular
2.2.5 Os estudantes dos cursos de Química da UFMG
2.3 O BAIXO STATUS ACADÊMICO DAS LICENCIATURAS
CAPÍTULO 3
O PAPEL DO PROFESSOR AO ENSINAR CIÊNCIAS
3.1 A APRENDIZAGEM EM CIÊNCIAS
3.1.1 Ambientes de aprendizagem
3.1.2 A contribuição de Vygotsky e Bakhtin
3.2 A ESTRUTURA ANALÍTICA
3.2.1 As interações discursivas e os gêneros de discurso
3.2.2 Os padrões e as sequências de interação
3.2.3 Os tipos de iniciação
3.2.4 A modelagem e os níveis de referencialidade
3.3 ASPECTOS NÃO VERBAIS DA COMUNICAÇÃO: O USO DE GESTOS
3.4 ASPECTOS QUE FAVORECEM O ENGAJAMENTO DOS ESTUDANTES NAS AULAS
3.4.1 O papel do professor
3.4.2 Engajamento Disciplinar Produtivo
CAPÍTULO 4
ANÁLISE DAS AULAS
4.1 DIRIGINDO O OLHAR PARA AS AULAS DOS PROFESSORES DE GRADUAÇÃO
4.2 ANÁLISE ESPECÍFICA DAS AULAS DE CADA UM DOS PROFESSORES
4.2.1 As aulas do professor Tiago
4.2.2 As aulas da professora Rosa
4.2.3 As aulas da professora Débora
4.2.4 As aulas do professor André
4.3 ANÁLISE PANORÂMICA DAS AULAS: RESPONDENDO ÀS PRIMEIRAS QUESTÕES
DA PESQUISA
4.3.1 Quais professores são bem avaliados dentro do DQ?
4.3.2 Qual a tipologia de aulas ministradas por esses professores e o que
caracteriza cada uma delas?
CAPÍTULO 5
CONJUGANDO O OLHAR DE PESQUISADOR E DO PESQUISADO
5.1 COMPARTILHANDO A ANÁLISE DAS AULAS
5.1.1 A escolha da Química e o envolvimento em atividades extraclasse
5.1.2 A organização da aula
5.1.3 A relação pesquisa e prática de sala de aula
5.1.4 A relação entre aula e avaliação
5.2 AS ESTRATÉGIAS USADAS: ENTENDENDO COMO OS PROFESSORES SE
CONSTITUÍRAM
5.2.1 A prática pautada pelo modelo de professor
5.2.2 A prática pautada pelo contramodelo de professor
5.3 O PROFESSOR NO SEU AMBIENTE DE TRABALHO: RELAÇÕES MAIS VISÍVEIS
5.4 QUAIS SABERES OS TORNAM DIFERENTES DOS DEMAIS?
CAPÍTULO 6
CONSIDERAÇÕES AINDA NECESSÁRIAS
6.1 O PAPEL DO PESQUISADOR
6.2 ESTRATÉGIAS DE ENGAJAMENTO DOS ESTUDANTES
6.3 O COMPROMISSO COM A FORMAÇÃO INICIAL
6.4 A FORMAÇÃO NA PÓS-GRADUAÇÃO DOS PROFESSORES DO DQ
6.5 AS ESTRATÉGIAS UTILIZADAS PELOS PROFESSORES
6.6 A POSTURA DOS PROFESSORES FRENTE AOS RESULTADOS DESTA PESQUISA
6.7 ALGUMAS DIFERENÇAS ENTRE AS AULAS INTERATIVAS
6.8 OS CURSOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES: A LICENCIATURA E A FORMAÇÃO DOCENTE
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Ensinar é substantivamente formar
⁵
Iniciamos a construção deste livro com a frase do inesquecível Paulo Freire referindo-se ao ato de ensinar. Considerando esse ato como formativo, Freire alega saber ensinar quem é capaz de criar possibilidades para a construção ou produção de conhecimentos, o que, sem dúvida, distancia o professor de um papel meramente informativo. Criar possibilidades para o sujeito aprender é um desafio para os professores e um dos focos de discussão e de pesquisa na área de Educação.
A psicologia sócio-histórica, que tem como base os estudos de Vygotsky (1988 e 1993), concebe o desenvolvimento humano a partir das relações sociais que o sujeito estabelece no decorrer da vida. Nesse referencial, o processo de ensino-aprendizagem se constitui por meio das interações que acontecem nos diversos contextos sociais, ou seja, o aprendiz constrói significados mediante as interações entre os sujeitos ali presentes. Os significados são, portanto, construções históricas e sociais e referem-se aos conteúdos apropriados pelos sujeitos, a partir de suas próprias subjetividades.
A sala de aula é um espaço/tempo privilegiado para a construção de significados. À luz da psicologia de Vygotsky e da filosofia de Bakhtin, a sala de aula é percebida como um ambiente no qual se desenvolvem processos essencialmente dialógicos, em que múltiplas vozes são articuladas: primeiro no plano social (interpsicológico) e, em seguida, no plano individual (intrapsicológico). O sujeito em formação entra em contato, no plano social, com um conjunto de pontos de vista, de opiniões e de explicações. Por meio dessa interação e utilizando-se de um amplo conjunto de ferramentas culturais, dentre as quais a linguagem, o sujeito internaliza significados, agora no plano individual. Segundo Vygotsky, aquilo que se formou na convivência ou no meio social é, aos poucos, internalizado e passa a formar as novas estruturas mentais do sujeito.
Ensinar é um processo complexo no qual o professor recebe um sujeito que já se apropriou, de forma espontânea, de uma série de saberes presentes na esfera cotidiana e tem a responsabilidade de auxiliá-lo no processo de aculturação nas esferas não cotidianas, dando-lhe possibilidade de acesso a outros saberes, ao mesmo tempo em que propicia o desenvolvimento de uma postura crítica.
No caso do ensino de Ciências, o estudante será inserido em uma nova forma de pensar sobre os fatos e fenômenos do mundo e de explicá-los. Esse processo envolve, no plano social, a introdução de conceitos e símbolos próprios da comunidade científica que o permitem entrar nessa nova cultura. O professor é a autoridade em termos de conhecimento que pode auxiliar na mediação entre o mundo cotidiano e o mundo da ciência. Nessa perspectiva, o professor tem um papel fundamental na construção de significados em sala de aula e na formação dos sujeitos que lá estão.
As instituições de ensino superior são responsáveis pela formação de professores para a educação básica. Apesar de a licenciatura ser a opção em termos de formação inicial do professor, vem sofrendo críticas consideráveis diante de sua limitada influência na constituição do profissional professor. No caso da formação de professores de Química e Ciências, o debate em torno de uma formação de qualidade está presente na comunidade de educadores químicos e das Ciências. Parece já ser consenso a influência dos professores formadores na constituição do professor da educação básica.
Diante desse contexto, a pesquisa que desenvolvemos e relatamos neste livro foi desenvolvida como o objetivo de investigar as aulas ministradas no Departamento de Química da UFMG, a fim de caracterizar a diversidade de aulas existentes, estudar as estratégias implementadas nos diferentes tipos de aula, os saberes que esses professores mobilizam para desenvolver suas aulas e o seu comprometimento com a formação de professores, dentro de um departamento que, tradicionalmente, tem se voltado à formação de bacharéis.
Para que esse objetivo fosse alcançado, inicialmente investigamos a tipologia de aulas do departamento de Química/UFMG, caracterizando cada um dos tipos de aula. Para identificar as estratégias usadas pelos professores, selecionamos quatro professores e fizemos a microanálise das aulas. Após isso, realizamos entrevista semiestruturada com esses quatro professores, na qual foi possibilitada a triangulação entre nossa interpretação e a dos pesquisados, para entendermos os saberes que mobilizam na sua prática.
A pesquisa relatada neste livro usou métodos de pesquisa qualitativa, com alguns elementos de pesquisa etnográfica, já que investigamos o ambiente natural de sala de aula, fizemos a análise dos dados considerando o contexto cultural no qual os sujeitos estão inseridos, a microanálise de dados procurando compreender os processos que ocorrem no ambiente investigado e a entrevista semiestruturada. Passamos a descrever brevemente os passos da investigação que originou este livro.
a) A seleção das aulas/professores
Elaboramos um questionário com a intenção de averiguar a percepção de cada professor em relação à sua própria prática de ensino. Esse questionário abrangeu aspectos como: a) característica geral dos docentes; b) percepção do professor sobre a participação dos estudantes e as estratégias usadas para garantir essa participação; c) procedimentos metodológicos utilizados em sala de aula. Todos os professores foram convidados a participar dessa etapa, recebendo a explicação sobre os objetivos da pesquisa. Destes, 49% participaram efetivamente.
O uso desse instrumento permitiu uma primeira aproximação, ainda que superficial, à tipologia das aulas. Para essa análise, consideramos a classificação das aulas em interativa
e não interativa
, usando o modelo construído por Mortimer e Scott (2003). Levamos em consideração o relato do professor sobre o comportamento e a participação dos estudantes durante as aulas e as estratégias utilizadas para que o estudante participe. Com isso, tínhamos um conjunto de professores que relatavam serem suas aulas interativas e outro conjunto relatando serem suas aulas não interativas⁶.
Usamos, então, um segundo instrumento para selecionar os professores cujas aulas seriam assistidas e analisadas. Trata-se de um instrumento empregado pela UFMG para que os estudantes, ao final de cada semestre letivo, avaliem as aulas/professores que tiveram naquele semestre.
Nesse instrumento, há duas questões que nos deram uma ideia do grau de aceitação desse professor junto aos estudantes. São elas: a) você recomendaria a um colega fazer essa disciplina/atividade com esse professor?; b) você gostaria de fazer outra disciplina/atividade com esse professor?. Usamos a avaliação de quatro semestres consecutivos para cada professor que havia respondido ao primeiro questionário. A quantificação feita mostrou, entre os vários professores investigados do Departamento de Química, uma variação de 97,58% até 31,31% de aceitação, como média dos quatro semestres consecutivos.
Entre os três professores melhor avaliados de cada tipo de aula, selecionamos dois para a etapa seguinte da investigação.
b) A coleta de dados referente às aulas
Uma vez selecionados os professores e feitos