Garrett: Traficante de escravos
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Garrett - Gairo Garreto
Souza.
Agradecimentos
A publicação deste livro somente foi possível porque pude contar com a ajuda de muitas pessoas na intensa e demorada fase de pesquisa. Estas pessoas foram muito importantes na coleta e interpretação de dados, nas ideias de onde localizar novos dados e no incentivo a que este livro fosse escrito e publicado. Sem elas eu não teria sido capaz de terminar este trabalho.
Agradeço às equipes do Arquivo Público do Estado do Maranhão, do Acervo Judicial e Histórico do Tribunal de Justiça do Maranhão e do Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa), pelo acesso a documentos históricos e pela imensa boa vontade.
À Direção do Núcleo Cultural da Horta, pelo envio sem custos de um livro (boletim) fundamental à pesquisa e aos catalãos do Arxiu Diocesá D’Urgel pela paciência em ouvir e tentar entender meu portunhol – acabamos por conseguir nos comunicar.
Ao historiador Christofferson Melo pelo acesso absolutamente irrestrito ao Acervo Histórico do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, também por todo o apoio com material, ideias e dicas.
Obrigado Deusdédit Leite Filho, por trabalhar gratuitamente na localização arqueológica de lugares importantes à pesquisa, pelos livros emprestados (acho que ainda não devolvi todos) e pelo tempo dedicado a me enriquecer com conhecimentos arqueológicos diversos.
Agradeço a Prof.ª Antônia Mota pela revisão historiográfica do livro – que acabou por me levar a mais pesquisa e a um melhor entendimento do contexto social do Maranhão entre os séculos XVIII e XIX, pelas observações e correções, pelo incentivo à publicação e por todo o apoio.
Obrigado Estela Silveira pelo grande apoio na pesquisa dos documentos notariais da Horta, nos Açores. Foram muitas as vezes que aguardei ansioso pelas respostas de suas buscas, realizadas sempre com grande agilidade e boa vontade, apesar de não termos nos conhecido pessoalmente.
Sou muito grato à família Garreto, pela ajuda prestada no financiamento da pesquisa e publicação. Foi realmente de grande importância para a concretização do livro. Obrigado Adriano Garreto, Erasmo Garreto, Fábio Garreto, Glinoel Garreto, Hemerson Garreto (Merso), Neli Baquil, Nerilva Garreto, Onézimo Garreto e Paula Garreto.
Por fim, gostaria de agradecer profundamente a todas as pessoas que contribuíram para a concretização desta publicação.
— Gairo Garreto
Sumário
Agradecimentos
Prefácio
A chegada dos três irmãos Garrett
O casamento
O Maranhão
O tráfico de escravos
A escravidão
A rotina do trabalho escravo nas fazendas
Sobrinho abolicionista
Sobrinhos afilhados
Arroz e algodão
Dívidas
O filho
A década de 1790
O curioso caso Axuí
Antônio Raulino Garrett
Terras
Independência ou morte
A família brasileira
Do assassinato
Balaiada
Origem da família
Como chegaram aos Açores
Garret, a família catalã
Tabelas
Tabela 1: Valores importações
Tabela 2: Exportações realizadas para Lisboa dos navios citados no texto no ano de 1788.
Tabela 3: Emissão de cartas de sesmaria por ano (1735 / 1798)
Imagens
Imagem 1: Arquipélago açoriano.
Imagem 2: Planta baixa do castelo onde Antônio Bernardo ficou preso
Imagem 3: Catedral de São Luís em 1860
Imagem 4: Trecho da baía de São Marcos em 1620, navegável a qualquer maré
Imagem 5: Quadro de importações de 1800
Imagem 6: Corveta portuguesa de 1797
Imagem 7: Interior de um navio negreiro
Imagem 8: Provável casa de Antônio Bernardo Garrett destinada ao comércio de escravos
Imagem 10: Moda masculina francesa, a preferida no Maranhão (1792)
Imagem 11: Navio galera do século XVIII semelhante ao de Antônio Bernardo Garrett
Imagem 12: Uniforme do Regimento do Maranhão entre 1769 e 1807
Imagem 13: Oficial superior de milícias do Maranhão, 1810 – 1815; Oficial superior de milícias em pequeno uniforme, 1816
Imagem 14: Trajes femininos de baile, moda de 1822
Imagem 15: Mapa histórico com a localização da nação indígena Anapurus em 1678
Imagem 16: Planta da casa forte de Anajatuba (autor desconhecido, 1688), estrutura similar à do Iguará
Mapa 01: Leste do Maranhão
Imagem 17: Mapa da Província do Maranhão de 1819
Imagem 18: Típica casa grande
dos abastados fazendeiros de algodão do Maranhão -
Imagem 19: Assinaturas de Antônio Bernardo Garrett e de Antonio Raulino Garrett
Imagem 20: Oficial espanhol e guarda a cavalo com uniformes de 1705
Imagem 21: Armas da família Garret
Imagem 22: Escudo da família Garret na catedral de Tortosa
Prefácio
Uma espécie de história fundamental à explicação da povoação de duas pequenas cidades do Estado do Maranhão, no Brasil, é transmitida oralmente entre a população local há gerações: o assassinato de um europeu de sobrenome Garrett pelos escravos insurgentes de sua própria fazenda.
As duas cidades em questão, Mata Roma e Anapurus, têm suas zonas urbanas fincadas no interior do que era a imensa propriedade rural deste antigo senhor de escravos. Assim sendo, não é de se estranhar que a história do assassinato seja contada e recontada, geração após geração. Esta história sempre despertou enorme curiosidade nestes dois municípios, e foi unicamente para sanar esta curiosidade que em 2012 foi iniciada a pesquisa.
O pontapé inicial foi dado em uma conversa com o saudoso Manoel Garreto, meu avô, à época com 92 anos de idade, em que foram anotados nomes de antepassados e possíveis datas, profissões ou tudo o mais que ele pudesse resgatar de suas memórias mais antigas. A princípio a ideia era apenas descobrir qual entre duas ou três versões da história oral era a mais correta, o que era de se esperar que não demandasse muito tempo.
Mas as dificuldades em realizar tal resgate histórico haviam sido bastante subestimadas. As informações em sequência lógica organizada, fazendo referência ao passado e aos locais e arquivos de registro, foram a exceção. Cada documento encontrado com o sobrenome Garrett trazia mais personagens não citados na história oral, e as referências ao personagem procurado insistiam em não aparecer. Por ironia do acaso esta pesquisa só ganhou as dimensões que apresenta neste livro por conta das dificuldades de encontrar qualquer coisa a respeito do dito fazendeiro assassinado.
Por falta de estudos publicados que fossem capazes de responder aos questionamentos, foi necessário realizar a maior parte das buscas em fontes primárias (documentos manuscritos antigos). Os documentos mais antigos pesquisados fisicamente datavam do início do século XVI, e em documentos digitalizados chegou-se ao século XIII. Foram muitos os arquivos públicos visitados em três países de dois continentes, parte em documentos digitalizados e disponíveis na internet. Os documentos já transcritos para versões contemporâneas das línguas foram a exceção; em geral estavam escritos com muitos termos, caligrafia e ortografia já em desuso. A necessidade de contextualizar histórica e socialmente o que estava escrito nos documentos fez com que a pesquisa fosse ampliada ainda mais sempre que se chegava uma localização geográfica diferente.
A pesquisa já havia ultrapassado em muito o modesto objetivo inicial, e o material reunido ao longo dos anos tinha relação direta com pontos importantes da história do Brasil e de Portugal dos séculos XVIII e XIX, tendo sempre a família Garrett como fio condutor. Acabou por ser uma consequência natural deste estudo a elaboração de um livro, e com objetivos também muito maiores que os do início da pesquisa.
O primeiro propósito deste livro é resgatar a história de um grande traficante de escravos atuante na Amazônia brasileira nos fins do século XVIII, assim como de seu filho e sucessor, identificando aspectos gerais de suas vidas pessoais e profissionais. Será possível perceber um pouco da lógica escravagista e da relação das famílias e sociedade com este modelo de exploração do trabalho através da história de pessoas com vidas normais, desempenhando atividades normais para a época.
O segundo propósito, mais amplo que o primeiro, busca resgatar a história de uma típica família de imigrantes estabelecida em Portugal do século XVIII. Como e por que motivo foram parar em terras portuguesas, como sobreviveram e como transitaram entre as classes de plebeus e nobres, militares e religiosos, agricultores e negociantes, abolicionistas e escravagistas.
Muito do que será encontrado nestas páginas é inédito, tanto do ponto de vista histórico familiar quanto do acadêmico. Grande parte dos documentos que dão sustentação ao texto foram buscados em arquivos públicos do Brasil, Portugal e Espanha, tendo sido descobertos ao longo da pesquisa. Outros documentos já eram conhecidos, mas necessitavam dos recém descobertos para que a conexão entre eles fosse feita.
O desenrolar da história desta família conta também com sua participação direta em diversos eventos importantes entre o início do século XVIII e a primeira metade do século XIX, como a Guerra da Sucessão Espanhola, massacre de populações indígenas nas Américas, batalhas pela independência do Brasil e a Revolta da Balaiada. Enfim, o descrito nas próximas páginas é também um passeio por diversos eventos notáveis da história ibero-americana dos últimos séculos.
A chegada dos três irmãos Garrett
A chegada de três jovens irmãos espanhóis, duas moças e um rapaz, na década de 1730 à vila de Horta, ilha do Faial, deve ter despertado alguma curiosidade em sua pequena população. Mas certamente não causou nenhuma estranheza. O arquipélago dos Açores, onde está localizada a vila, fica no meio do oceano Atlântico e era ponto de parada obrigatória aos navios que cruzavam o oceano entre o novo e o velho mundo. Aproximadamente um quarto da população da vila era de residentes nativos de outras regiões do Império Português ou de outros países.¹ O que não faltava eram estrangeiros em busca de mantimentos para a longa viagem e negócios relacionados ao mar.
Imagem 1: Arquipélago açoriano. Doncker, Henrick. 1686
Existiam atividades agrícolas relevantes como a produção de trigo e uvas, mas as de pesca eram ainda mais importantes. Especialmente a de baleia cachalote. Ao ponto de várias cidades açorianas atualmente ainda estamparem estas baleias e a atividade pesqueira em suas bandeiras.
Estas atividades de pesca, em conjunto com as atividades portuárias de suprimentos aos navios, além de manutenção e reparo de embarcações faziam com que o mar fosse a razão de ser da maior parte da economia açoriana. Direta ou indiretamente quase tudo convergia ao oceano.²
É impossível precisar com exatidão o que pretendiam os três irmãos ao se mudarem para Horta, mas as características econômicas locais voltadas à vida marítima nos faz especular que sua ida a lugar tão remoto no meio do oceano Atlântico estaria ligada de alguma forma a esta atividade.
Como os três eram solteiros e estavam abaixo dos 20 anos de idade quando chegaram, é possível também que tenham desembarcado no arquipélago acompanhando parente ou tutor que tenha ido morar nestas paragens. Algum negociante que tenha resolvido se estabelecer no arquipélago, ou ainda algum religioso que tenha sido transferido a serviço de alguma das muitas ordens religiosas atuantes no local.
Certo é que em pouco tempo os três estavam integrados à sociedade local e com afazeres bem definidos.
A irmã mais velha, Ana Ziriaca, seguiu vida religiosa em um dos quatro conventos existentes na pequenina ilha do Faial. O arquipélago dos Açores era um importante centro religioso para a igreja Católica em Portugal.³ Esta irmã residiu por alguns anos na vila de Horta até mudar-se para o sul do Brasil, onde ficaria estabelecida definitivamente.⁴
Um ano mais nova, Antônia Margarida casou-se em fevereiro de 1736, aos 19 anos, na igreja Matriz de Horta, com o alferes José Ferreira da Silva.⁵ Esta união foi bastante fecunda e gerou diversos filhos. A descendência de Antônia Margarida é, sem dúvidas, a parte mais conhecida da família tanto em Portugal quanto no Brasil.
O irmão mais novo era Antônio Bernardo Garrett. Este também casou em Horta. Seguindo a vocação marítima natural do arquipélago, trabalhou embarcado como piloto e logo chegaria ao posto capitão de navios, entre outras atividades exercidas.⁶ Antônio Bernardo e a irmã Antônia Margarida viveriam várias décadas nos Açores, até ficarem idosos, e tiveram uma relação de muita proximidade durante toda a vida.⁷
1 Amorim, Maria Norberta. A População Marítima da Cidade da Horta em Finais do Século
XIX
.
2 Archivo dos Açores. Ilha de São Miguel, 1880. Este livro está recheado de registros documentais que apontam a importância das atividades marítimas para a economia local.
3 Amorim, Maria Norberta. A População Marítima da Cidade da Horta em Finais do Século
XIX
. Este trabalho indica a existência de vários conventos e o grande percentual de mulheres que seguiam a vida religiosa.
4 Carvalho, Emilio d’Artagnan de. Sinopse dos Inventários e Testamentos do Cartório da Provedoria de Porto Alegre – 1776 a 1852. Porto Alegre, 1952.
ANNA
GARRETA
DE
MOURA
– Faleceu a 18 de abril de 1799. Era natural da cidade de Valencia, Hespanha, filha de Bernardo Garrete e de Ângela Maria, espanhóis. Solteira. Folha 106, Liv 3.
5 Rosa, Pe. Júlio da. A Família Garrett na Ilha do Faial. Boletim do Núcleo Cultural da Horta. Vol. 1, Nº 1, 1956. Transcrição do registro de casamento de Antônia Margarida Garrett na igreja Matriz da vila de Horta.
6 Capitão e piloto eram os postos mais altos na marinha mercante portuguesa do século
XVIII
. Rodrigues, Jaime. Um Perfil de Cargos e Funções na Marinha Mercante Luso-Brasileira, Séculos
XVIII
-
XIX
. Anos 90, Porto Alegre, v. 22, n. 42, p. 295-324, dez. 2015.
7 Rosa, Pe. Júlio da. A Família Garrett na Ilha do Faial. Boletim