Uma Escuta do Sussurro: Reflexões sobre Ritmo e Escuta no Teatro
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Uma Escuta do Sussurro - Andréia Aparecida Paris
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2018 dos autores
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COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO
A Milla Leite,
Sandra Siggelkow,
Thais Penteado,
Danilo do Carmo,
Jéferson Vargas,
eterna gratidão!
agradecimentos
A minha mais sincera gratidão:
Ao Prof. Dr. Milton de Andrade, que acompanhou, apoiou e orientou todo o meu percurso de pesquisadora.
À Prof.ª Dr.ª Janete El Haouli Santos, à Prof.ª Dr.ª Sandra Meyer e ao Prof. Dr. Guilherme Antônio Sauerbronn de Barros, pela generosidade e pelas contribuições preciosas para o meu amadurecimento.
A Thais Penteado, Danilo do Carmo e Jeferson Vargas, pela disponibilidade de mergulharem comigo nesta pesquisa e, por isso, ensinarem-me tanto sobre teatro!
A Luciano Bueno, Luciana Fillipa, Paulo Ragonha e Jeferson Vargas, pela paciência de registrar o processo.
Aos meus/minhas grandes mestres e mestras, professores e professoras dos cursos de Teatro da Universidade Estadual de Londrina e da Universidade do Estado de Santa Catarina.
Às minhas famílias: primeiramente, a paulista, responsável por todos os meus passos aventureiros e por ser minha eterna fonte de inspiração: Neide Paris, Carlos Rocha, Simone Paris, Cintia de Almeida, Roberson Paris, Luiz H. Trench, Alberto Martins, Maria Lopes, Guiomar Martins e sobrinhos; e à catarinense: Milene Duenha, Éder Sumariva, Vivian Coronato, Daiane Dordete Steckert Jacobs, Rita M. de Souza, Francisco de Souza, Maria das Neves, Sr. Antônio e D. Calina, principalmente, pela paciência, porque, se hoje eu finalizo este trabalho, é porque vocês estiveram, incansavelmente, ao meu lado.
A Lyziane Baldo, Bárbara Di Gennaro e Fernanda Stein, minhas irmãs parcas porcas.
Ao Alex de Souza, meu amor e companheiro de aventuras.
PREFÁCIO
A história do teatro ocidental é movida pelas alternâncias e tensões entre os excessos da cultura do divertimento, a ressignificação das tradições, tendências de codificação e liberação de formas e significados. Os classicismos revigorados, a reinvenção contínua do divertissement burguês, a resiliência e os ânimos das festas populares, as revoluções sexuais e tecnológicas, as redescobertas dos lugares do corpo e as metamorfoses das formas literárias, a mercantilização do espetáculo e os gritos de alerta dos manifestos sociais, a descoberta do mundo interior
e os novos planos de visibilidade, o balanço entre a fisiologia do gesto e a palavra, jogo e musicalidade, a fixação pela verossimilhança e o incontestável absurdo da vida cotidiana, a batalha do épico e o fluxo incontrolável das narrativas autobiográficas, tudo se mistura e cria polos de uma dialética experiencial que, a partir do século XX, terá o movimento e a tomada liberatória de consciência como forças centrais para o surgimento de novas pedagogias e linguagens teatrais.
Experimentar, analisar, repropor, mixar, montar. Tomar consciência das partes, exercitar o todo das sínteses psicossomáticas, experimentar novas manifestações do self, simultaneidades e paralelismos entre os atos de dirigir, ensinar e atuar: (per) formar. Esses são os verbos com os quais os processos criativos e formativos passarão a ser centralmente repensados e repropostos.
Assim, o ritmo e a escuta se tornam axiais no pêndulo que o modernismo trouxe à cena teatral, há aproximadamente 100 anos, tanto no sentido de uma renovação epocal da linguagem como na direção do implemento definitivo de tecnologias formativas inovadoras.
Ele é a centralidade do percurso que Andréia Paris traça em Uma Escuta do Sussurro: reflexões sobre Ritmo e Escuta no Teatro ao estudar os princípios fundadores das teorias novecentistas de Constantin Stanislavski, Vsevolod Meyerhold e Émile Jaques-Dalcroze, para provocar sucessivamente um alargamento de horizontes com o estudo de tendências e ideias pós-modernas de autores como John Cage, Pierre Schaeffer, Roland Barthes e Anne Bogart.
O trabalho, fruto de pesquisa experimental desenvolvida pela autora no mestrado do Programa de Pós-graduação em Teatro da Universidade do Estado de Santa Catarina, traz também uma importante contribuição ao aproximar da área teatral os estudos e as concepções significativas de autores da musicologia, como Mário de Andrade, Bruno Kiefer, Sérgio Magnani e Murray Schafer, que entendem o ritmo não como fenômeno estritamente métrico, mas como experiência fluida e paradoxal pela qual percebemos as oscilações entre o acaso e a ordem, a manifestação da vida na duração fluida do movimento, o ir e o vir, o marcado e o não identificado, a natureza líquida da ação rítmica. Abre-se, portanto, uma porta de entendimento ao tempo-ritmo como função sensível e criadora.
A escuta corporal é então experimentada na prática teatral como uma teia sensível para a criação: escuta de decifração, escuta do sentido e escuta de invenção pela qual o ato performativo torna-se um gesto de descoberta do que está oculto na vida interior e, ao mesmo tempo, o dispositivo pelo qual se redefine o código estético que servirá para cifrar uma nova realidade.
A descrição experimental feita pela autora na parte final da obra confluirá para um plano de aplicabilidade no qual se dá o reconhecimento da técnica compositiva como exercício rítmico e escuta corporal receptivo-dialógica (a escuta do sussurro). A mansidão da magnitude constante e indiferenciada do sussurro corporal e suas qualidades quase inaudíveis e secretas instigam um estado de atenção dilatado pelo qual se dá o reconhecimento rítmico e sinestésico dos fenômenos corporais. Surgem dessa condição de atenção interior camadas de alteridade, alternâncias de percepções multissensoriais que irão compor relações complexas e performativas ao conectar a volição, a manifestação cinética da intencionalidade, o texto e a cena.
Neste livro incisivo e transdisciplinar, as derivas da linguagem teatral se resolvem na revivescência rítmica da fala-corpo, a força anímica do dizer.
Boa leitura!
Milton de Andrade
Professor titular do Departamento de Artes Cênicas e do Programa de Pós-graduação em Teatro (Mestrado e Doutorado) da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC).
Sumário
INTRODUÇÃO
capítulo 1
O RITMO: A ALMA DO MOVIMENTO
1.1 Ânima e métrica
1.2 O tempo-ritmo no trabalho de Stanislavski
1.2.1 O termo tempo-ritmo:
1.2.2 Tempo-ritmo externo e tempo-ritmo interno:
1.2.3 Tempo-ritmo como estímulos de improvisação
1.3 O ritmo em Meyerhold
1.3.1 Meyerhold: o pedagogo do movimento
1.3.2 A Biomecânica
1.4 Émile Jaques-Dalcroze: pedagogia musical com movimento corporal
capítulo 2
ESCUTA
2.1 Algumas considerações sobre a escuta na música
2.2 A escuta no teatro: algumas linhas sobre a prática de Anne Bogart
capítulo 3
UMA ESCUTA DO SUSSURRO
3.1 A escuta do sussurro
3.1.1 Escuta Interna/Autoescuta
3.1.2 Exercícios para construir o estado de alerta:
3.2 Tempo-ritmo
3.2.1 Tempo intelectual, unidade artística (pulsação), unidade fisiológica (andamento), duração, escuta, ritmo, intensidade, dinâmica, universo métrico e fluido do ritmo
3.3 A composição como exercício rítmico
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
Tantã! Tantã! Trrrrrrrrrrrrrrrrrr, tantã! Tantan tannnnnnnnnnn, tan tantantan tantantantantantantantantantantantaaaaaaaaaann, tantantan taaaaaaaaaaaaaaaaan (tantan tan), tantantan taaaaaaaaaaaan (tantan tan), tan tan tan taaaaaaaaaan (tantan tan tan taaaaaaaaaan)!!!!!
Uma pequena brincadeira cageana. Fiz muitos desses exercícios/dessas brincadeiras à la John Cage (1912-1992) nos dois primeiros anos do curso de Artes Cênicas na Universidade Estadual de Londrina. Aula de Expressão Sonora I e II, inicialmente, com a Prof.ª Dr.ª Fátima Carneiro dos Santos e, depois, com a Prof.ª Dr.ª Janete El Haouli Santos. Caminhadas pelo campus universitário em silêncio absoluto e corpo todo atento. Práticas de composição e improvisação explorando a sonoridade dos objetos, do ambiente, do texto, do corpo-voz e da escuta. Exercícios do compositor e professor H. J. Koellreutter (1915-2005). Audições das peças de John Cage, Luciano Berio (1925-2003), de sons gravados da cidade de Londrina, da feira e do trânsito de São Paulo, do entardecer no campus da universidade, onde o coaxar dos sapos e o cricrilar dos grilos pareciam chamar ou cumprimentar a noite. Houve muitos outros exercícios que a minha memória, no momento, infelizmente, silenciou.
Não é saudosismo. Foi um susto para mim o primeiro contato com todo esse material. Quase dez anos estudando violino, teoria musical e canto de forma tradicional deixaram-me um conceito de música restrito ao universo erudito. A voz só podia explorar a sonoridade de uma escala a outra sem nenhuma ranhura. Escrita musical era apenas aquela que estivesse em uma pauta devidamente delineada com os elementos notacionais da música. O ritmo, por meio da leitura do Pozzoli, deveria ser marcado no tempo exato, como exigia a partitura. Foram muitos anos para eu começar efetivamente a entender o ritmo exato da tercina, a divisão matemática das notas pontuadas. Metrônomo. Marcação do maestro. Hoje entendo que, se eu tivesse sido convidada a ouvir e dançar, a movimentar o corpo a partir da escuta, minha aprendizagem teria sido mais efetiva e prazerosa.
Jamais imaginei que o entendimento de ritmo poderia ser por meio da sensação e da vontade de movimentar que a sonoridade rítmica sugere. Que música poderia ser não só tudo que se ouve, mas tudo que desperta a nossa percepção. Uma imagem pode ter (e ser tratada com) musicalidade. Temporalidade. Ritmicamente. Portanto, de certa forma, ela é música. Uma música visual. Entendi, ainda, que o ritmo faz parte da nossa existência. Basta concentrar-me em uma lembrança, nos sons que chegam aos ouvidos, e estimular a minha percepção para captar tudo o que se repete dentro de um determinado momento e modo ao meu redor. Um minuto nessa dinâmica, em que se pode vagar, tanto para o aqui e agora quanto para alguma memória que se faz presente, é possível elencar um número considerável desses eventos:
As batidas do coração.
O subir e descer do peito movido
pelos pulmões, enchendo e esvaziando-se de ar.
A dança realizada pelo sangue, ao percorrer
nosso corpo, marcada pelo pulsar das artérias.
O tremular da folha da árvore em resposta ao vento.
Os sons que caracterizam cada sílaba das palavras.
As batidas descompassadas e contagiantes do samba.
O sotaque que colore todas as regiões do país.
As características de cada fase da lua.
O ar que sustenta o choro do recém-nascido.
A ladainha de uma oração.
Presente, ainda, quase como um peso esmagador no pulso,
o tic-tac do relógio. Tic-tac. Tic-tac. Tic-tac.
E sua força condensada na angústia de um tempo marcado pela loucura atual, presente no peso da fala cansada e desesperada: Tô sem tempo....
Contudo, na prática teatral efetiva, na universidade e fora dela, o ritmo da cena, da ação, do movimento corporal e do jogo era explorado a partir do acompanhamento de música ou de batidas ritmadas com bastão, palmas e/ou pés. Sempre se falava de ritmo, mas era o último elemento a ser trabalhado, portanto, pouco tempo era dedicado a ele. Como é dito no meio teatral: o espetáculo só ganha ritmo depois que estreia
. Há verdade nisso, afinal o ritmo de uma ação e de um espetáculo é dependente de diversos fatores, inclusive de tempo, ou melhor, de amadurecimento. Mas será mesmo esse o melhor momento para trabalhar o ritmo?
Como coloca Eugênio Kusnet (1898-1975), em seu livro Ator e Método¹, o ritmo é um dos poucos elementos teatrais perceptível a todos. Qualquer pessoa consegue avaliar se ele falta ou se está justo em uma apresentação. A pesquisadora Jacyan Castilho de Oliveira ressalta ainda: no universo teatral, todos o desejam, mas poucos se dedicam a tomá-lo como objeto de estudo
². De fato, todos que fazem teatro, seja qual for a sua área de atuação, estão sob as leis rítmicas e do julgamento do público. Contudo, há poucos escritos sobre como o ritmo é explorado no meio teatral e, ao iniciar esta pesquisa, foi muito fácil entender