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Postais das Selvagens
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E-book189 páginas1 hora

Postais das Selvagens

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Sobre este e-book

Este livro descreve a minha passagem pelas Ilhas Selvagens em 2012, onde tive o previlégio de permanecer durante seis semanas como parte de uma equipa de investigação do Museu Nacional de História Natural e da Ciência que por lá estuda as aves marinhas. Naquelas águas azuis, cálidas e transparentes, encontrei um verdadeiro paraíso, repleto de peixes e outras criaturas marinhas. Já a terra, rochosa e seca como um osso, poderia ser o inferno que fazia contraponto ao paraíso das águas, não fossem os seus maravilhosos habitantes alados e mais umas quantas deliciosas surpresas. Entre trabalho de campo biológico e companheirismo, observações de aves, peixes e outros animais, visitas a grutas e outras formações geológicas extraordinárias, e aventuras gastronómicas, trouxe muito para contar das Ilhas Selvagens. Ao final de cada dia, enquanto descansava do trabalho de campo e desfrutava daquele mar glorioso que nos envolvia, vinha-me a vontade de escrever. Foi assim que lá escrevi estes Postais das Selvagens que agora ganham formato de livro. Sempre que possível, ou relevante, juntei aos escritos que lá ganharam forma aquilo que uma visão retrospectiva pode agora, sete anos depois, acrescentar. Informações, curiosidades e alguns dos resultados que viriam a ser obtidos através dos projectos de investigação então em curso, permitem-me completar um retrato daquilo que são as Ilhas Selvagens, de como vivem as aves e outros animais que por lá se podem encontrar, e de como é a experiência de visitar esse recanto tão remoto e pouco conhecido de Portugal. Talvez dando a conhecer este nosso tesouro possa fazer nascer numas quantas mentes a vontade de o preservarem assim como ele é: selvagem.

IdiomaPortuguês
Data de lançamento18 de set. de 2019
ISBN9780463199534
Postais das Selvagens
Autor

Pedro M. Lourenço

Pedro M. Lourenço was born in Caldas da Rainha , Portugal, in 1980. He lived there until he was 17. In 1998 he moved to Lisboa, to study at the Faculty of Sciences of the University of Lisboa. In 2003 he finished his degree in Biology, a scientific field that he never abandoned ever since. After finishing his degree, he worked in various projects related with Ornithology and Ecology, and eventually defended a PhD thesis in 2010, at the University of Groningen, The Netherlands, on the topic of bird migration. Over the years, writing was always a second home, a secret passion that seldom saw the light of day. After the PhD he returned to his native Portugal, having worked in nature conservation projects and, more recently, in research projects at the University of Lisboa. His research on bird migration often offered him the chance to fulfil another of his passions: travelling. He has been to exotic locations such as the fjords of Iceland, the Banc d'Arguin in Mauritania, and the Bijagós archipelago of Guinea-Bissau, as well as to most European nations. In 2017, writing finally gained a much deserved bigger role in his life, with the publication of his first book entitled "À Sombra de Uma Estrela Intermitente". This collection of short stories, written in Portuguese, wander the uncertain border between happiness and sadness. Since then he has worked on several writing projects, including a few children's stories that are slowly becoming available now in ebook format both in Portuguese and English. Currently, he lives in Groningen, the Netherlands, together with his partner, Ana Ferreira, and their two children, João and Teresa, trying to reconcile his biology, is writing and family life in a juggling act that is not always easy to perform.

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    Postais das Selvagens - Pedro M. Lourenço

    Das Ilhas Selvagens ouvira eu falar muito pouco. Fronteira sul da nação, chamaram-lhe os garbosos militares da aviação que por lá ergueram uma placa comemorativa num tom que soará talvez a melancolia pelos tempos idos do império ultramarino. Penso que partilhava esse desconhecimento com a grande maioria da população portuguesa, que associa vagamente o nome ao Arquipélago da Madeira, confundindo-as frequentemente com as Ilhas Desertas localizadas mais perto da Ilha da Madeira e perfeitamente visíveis no horizonte a partir da cidade do Funchal. Uma vez a cada dez anos, um Presidente da República decide incluir as Ilhas Selvagens na sua agenda, conhecendo assim as ilhas alguns minutos de tempo de antena, para depois regressarem às brumas da memória onde, segundo o nosso hino, as acompanham também os nossos egrégios avós e o esplendor de Portugal.

    Sabia delas a posição, desenhada nos mapas entre a Madeira e as Canárias, mais perto de Tenerife que de terras lusas. Essa localização (mapa na página 76) parece confirmar a sua função de posto avançado da Pátria de Camões contra a coroa espanhola, embora as ilhas já conhecessem aquelas águas longos milénios antes do primeiro português ou do primeiro espanhol se lembrarem de lançar um navio ao mar. Sentia-lhes também o sabor do nome, selvagens como os nativos de selvas distantes. Soa a nome de terra agreste e inóspita onde o planeta recebe com maus olhos a visita do homem. Um nome que lembra também outras tantas palavras rudes, essoutras que o dicionário associa a selvagem, coisas como silvestre, bravio, inabitado, inculto, não civilizado, ermo, maninho, até mesmo malvado. Não me lembra porém da selvajaria, essa que é bem mais comum nos domínios do homem civilizado do que nas terras dos selvagens.

    Sabia serem pequenas ilhas, que talvez corações menos orgulhosos de outras pátrias mais modestas tivessem chamado meramente ilhéus. A maior, tão doutamente nomeada Selvagem Grande, é como que um pentágono de arestas mais ou menos erodidas que mal chegam aos dois quilómetros de extensão. A menor, sem grandes surpresas chamada Selvagem Pequena, é mais alongada e as suas poucas centenas de metros mal se erguem sobre as águas do oceano, de tal formas que se diz duplicar de tamanho durante a baixa-mar. Existem ainda vários ilhéus menores, atrevo-me a dizer ainda menores, com nomes como o Palheiro de Mar e o Palheiro de Terra, junto à Selvagem Grande, e o Ilhéu Grande, o Ilhéu Pequeno, o Ilhéu Redondo, o Ilhéu Comprido, os Ilhéus do Norte, o Ilhéu Alto, o Ilhéu do Sul e o Ilhéu de Fora, todos estes junto à Selvagem Pequena. Curiosamente, não é nesse Ilhéu do Sul, mas antes na ponta sul do Ilhéu de Fora, que se situa oficialmente o ponto mais a sul de Portugal, onde o território luso cruza por poucos metros o paralelo dos 30º Norte. Para além destes pontos desenhados no mapa, existem ainda vários pequenos baixios e escolhos pouco convidativos para marinheiros distraídos, que podem ou não mostrar-se acima da superfície das águas consoante a maré e as condições do mar.

    Eu conhecia sobretudo o valor daquelas ilhas enquanto colónias de aves marinhas. A cagarra, uma pardela de grande porte e bico amarelo que se reproduz nos arquipélagos dos Açores, Madeira e Canárias, tem na Selvagem Grande a maior colónia no mundo, com mais de 30.000 casais. Mas os mares das Ilhas Selvagens pululam também com almas-negras, calca-mares, roquinhos e pintainhos, outras aves marinhas de menor porte que, tal como a cagarra, fazem parte da ordem dos Procelariiformes, aves que passam as suas vidas no mar-alto, só vindo a terra para nidificar em locais remotos como as Ilhas Selvagens. Como veremos ao longo destas páginas, as ilhas são casa para muitas outras espécies animais e vegetais, mas foram as cagarras, que mais tarde ganharam inusitada fama por uma ter sido anilhada na Selvagem Grande por um Presidente da República de má memória, e sobretudo as almas-negras, o principal motivo que me levou, ou antes me permitiu, visitar aqueles pedaços remotos de Portugal e da Europa.

    Capítulo 2º

    Partida do Funchal

    Para chegar às Ilhas Selvagens tive de recorrer à ajuda da Marinha, que tem a responsabilidade de patrulhar aquelas águas contra a ocasional intrusão de algum barco de pesca estrangeiro, geralmente espanhol, e que trata também de realizar as rendições dos vigilantes do Parque Natural da Madeira que ficam nas ilhas para vigiar o seu património natural. Depois de um dia e meio no Funchal, em que conheci o Jaques da Mata, o vigilante da Natureza que faria a viagem comigo e com quem fui comprar todos os mantimentos que seriam necessário para as três semanas seguintes, dirigi-me para o porto do Funchal na noite do dia 26 de Junho de 2012. Foi ali que fiquei a conhecer o N.R.P. Cuanza, barco-patrulha da Marinha Portuguesa que já conhecera as águas dos rios africanos nos tempos tristes da guerra colonial e hoje cumpre a tarefa menos bélica de patrulhar as águas territoriais portuguesas. Embarcámos por volta das vinte e três horas, tendo o navio zarpado uma hora de depois, sob uma lua em quarto crescente e alguma neblina.

    O mar estava perfeitamente calmo, quase não se sentindo a ondulação a bordo, e depressa verifiquei que os tripulantes viam os passageiros, eu e o vigilante Jaques, como mais duas peças de equipamento que tinham de transportar. Da fama de oficiais e cavalheiros, estes marinheiros pouco proveito tiravam, não nos tendo sequer oferecido comida quando, no dia seguinte, almoçavam o seu arroz de polvo. Eram também atrozmente jovens, muitos não teriam mais de vinte anos de idade, tendo eu ficado algo surpreendido ao verificar que passavam os tempos livres a bordo a ouvir música e a jogar jogos de computador como quaisquer outros jovens da mesma faixa etária. Quanto a mim, achei melhor esforçar-me por não os incomodar e procurei sair do seu caminho porque naturalmente tinham os seus ofícios a desempenhar. Fiquei durante talvez uma hora a ver as luzes do Funchal desaparecerem no horizonte, por trás da popa do navio (fotografia na página 77), tendo depois procurado no porão do navio um pouso onde dormir um pouco. Tinha apenas um pedaço de cartão a separar-me do chão de ferro e o ruído dos velhinhos motores a diesel era algo ensurdecedor, mas nada disso me impediu de dormir um belo sono dentro do meu saco-cama.

    Acordei por volta das oito horas da manhã seguinte, um pouco dorido devido à cama de ferro, mas restabelecido e pronto para o dia que começava. Quando subi ao convés vi o mar alto a toda a nossa volta, no horizonte nem terra nem navio, apenas o eterno bulício do oceano. Lembro-me de ter pensado para com os meus botões que nunca tinha estado no mar tão longe de terra. Depois de cumprimentar o Jacques, que madrugara mais do eu, e os marinheiros que estavam de serviço àquela hora, deixei-me ficar a apreciar o espectáculo das ondas que, sob o céu baixo e plúmbeo, pintavam em infinitos tons de cinzento um manto suave apenas quebrado pela esteira branca deixada pela passagem do navio. Indiferentes à nossa presença, e ao ruído incessante dos motores, iam passando por nós aves marinhas que no seu total domínio dos ventos conseguiam facilmente ultrapassar o navio e dar voltas em nosso redor. A maioria eram cagarras, de asas longas e dorso acastanhado que contrastava com o branco do seu ventre, e almas-negras, com a plumagem tão negra quanto as almas que lhes deram nome. Também os calca-mares, no seu jeito brincalhão de cangurus dos mares, iam saltitando sobre as águas, de onda em onda, beijando suavemente a superfície do oceano com as patas e deixando para trás breves e diminutas ondas circulares. A certa altura, o Jacques interrompeu os meus pensamentos, que andavam perdidos algures entre as águas cinzentas do passado e o céu azul do futuro. Apontou para um ponto a estibordo da embarcação onde pude avistar um grupo de peixes-voadores que iam saltando fora de água, um após o outro, para depois percorrerem umas boas dezenas de metros fora do seu elemento enquanto batiam sofregamente as suas barbatanas feitas asas. Não estava mal para a primeira hora da manhã, almas-negras, calca-mares e peixes-voadores eram todas espécies novas para este biólogo até então maioritariamente habituado à vida em terra.

    Capítulo 3º

    Selvagens à vista!

    Por volta das dez horas avistámos a Selvagem Pequena, nosso primeiro destino do dia. Por entre a neblina que demorava a levantar, avistámos no horizonte um ténue triângulo de lados desiguais que eventualmente se revelou ser o pequeno pico que domina a ilha, que mais tarde me disseram chamar-se Pico do Veado (fotografia na página 77). A silhueta da ilha

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