Adega imaginária
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Sobre este e-book
"Os livros de Trevisan são originais, vividos, obedecendo a uma construção, a um esquema pessoal de poesia." (Murilo Mendes)
"Com este livro, Trevisan, em sua generosa maturidade, nos entrega um presente: poesia, sexo e vinho, só o que há de melhor. E uma excelente mistura." (Jorge Furtado)
"Tenho a impressão de que em Armindo Trevisan o artista e sua arte – luz e substância – formam uma entidade única. O homem empresta corpo à sua poesia, esta espiritualiza o homem e ambos iluminam a vida." (Erico Verissimo)
Poemas com amor e alma
Completando um ciclo poético de quase meio século que se iniciou com A surpresa de ser, em 1967, Armindo Trevisan festeja com este livro seus 80 anos, mas quem recebe o presente é o leitor. Na primeira parte, os amantes se entregam a diversos prazeres, como o do vinho. Entre um gole e outro, o homem e a mulher veem a razão evaporar, perdidos na embriaguez dos sentimentos. Inspirado pelos mais inspiradores versos de amor já compostos, incluindo os de Camões e de Drummond, Trevisan convida todos a adentrarem sua Adega imaginária, nas suas palavras, "um canto jubiloso ao corpo e à alma".
Na segunda parte, o autor retoma a definição de poesia de Baudelaire de "infância reencontrada" e revisita seus temas mais caros, como o erotismo, a religião e a arte do próprio ofício de poeta. E, para finalizar este volume, Trevisan nos presenteia com um poema burilado por mais de trinta anos, que finalmente nasceu em tempo de ser publicado neste livro, "Menino dormindo":
[...]
Dorme,
dorme,
dorme,
como se o mundo fosse
seu brinquedo,
como se nenhum homem existisse
sobre a terra,
como se ninguém jamais tivesse dormido
neste mundo,
dorme pela primeira vez,
embora à vista de todo o mundo.
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Adega imaginária - Armindo Trevisan
(N.E.)
Parte I
Adega imaginária
I. Brinde
Quem se embriaga
conhece paisagens
de bravia neblina,
e sonhos mal sonhados.
Na aventura
os amantes
arribam ao fundo de suas almas.
Cada parceiro procura
a alma do outro parceiro.
Mas as almas...
onde estarão?
Elas são como os cães:
nunca estão onde deviam estar.
Mudam de leito constantemente,
e voam para além das nuvens.
Mas quem é fiel ao vinho
há de chegar a alguma parte.
II. O porto
Chegará à própria alma?
Se estiveres com uma mulher,
desiste de tocar-lhe a alma.
Desiste
de apalpar tua alma
no poço de águas-vivas
da alma dela.
Contentem-se, ambos,
com a viagem
que os conduz ao abismo.
Cuidado com o vinho:
é matreiro,
costuma levar consigo
a alma do companheiro.
Mas olhem, sempre,
ao derredor.
Às vezes, quem a leva
não é o vinho:
é quem dos dois
ficou mais sozinho.
III. Convite à fidelidade
Deita no teu cálice
os amores passados.
Bebe-os,
um a um.
Não podes amar novamente
se no teu cálice
não cintilarem gotas
de uvas esmagadas.
Teu novo amor
(ainda que definitivo)
nasce de uvas espremidas,
em muitos lagares.
A memória de tantos racimos
faz com que a paixão
se eletrize o suficiente
para que os parceiros
possam mergulhar
na piscina dos orgasmos.
Mas quando o álcool cede
lugar à lucidez cruel
da reiteração e da dúvida,
não tenham medo das noites
que os aguardam
no fundo do túnel:
– Elas não acabarão
com vosso mel.
No mel jaz o pólen
de milhões de flores,
que suprirão a doçura
de vossos amores possíveis
e impossíveis.
IV. Espelho partido
Tende piedade, Iahweh,
de nossos orgasmos!
São interjeições
da carne feliz,
que esquece que é feliz,
e sai à procura
de outra carne,
para nela encontrar
o que não encontra
em carne nenhuma.
V. O prêmio
A carne é alegre
– ou triste –
conforme a espuma
que fica na taça
de quem bebe.
Ela é como um sonhador
que sonha que seu sonho
ficou de pé
e, ao despertar, mira-se
no espelho partido,
para nele descobrir
o rosto que se tinha perdido.
VI. O jogo
Em delírios renovados,
macho e fêmea perseguem-se,
e sonham – em seus delírios –
que a encomenda é a entrega.
Mas quando se veem na adega,
buscando o vinho da ebriez,
constatam que não ocorreu
a paixão sonhada completa.
Julgam-se míseros patetas
na sua ânsia de paixão,
e desconhecem que a entrega
não foi desilusão.
O erro do amor reside
não em sonhar o impossível,
mas em supor – o cornudo –
que o nada possa ser tudo!
VII. A ilusão do poeta
Pudesse o poeta
convencer seus irmãos
de que existem gramas
de ternura
em toda paixão,
por mais vil e louca
que seja.
Será, porventura,
concedido ao corpo
satisfazer
os desesperados amantes
que reinauguram em Sagres,
noite após noite,
a Epopeia dos Descobrimentos,
que incitam a Humanidade
a zarpar à cata de ouro?
Os geógrafos afirmam
que as minas existem.
Mas não no corpo,
nem no coração da mulher.
VIII. A culpa
A culpa não é delas
(dizia Epicuro).
É dos desejos
que precedem,
de alguns quilômetros,
o andar do coração.
Se queres amar uma mulher,
acelera teu coração,
ou obriga teus desejos
a caminhar mais devagar.
Amar... é caminhar
tão distraidamente
que te surpreendas de ver
ao teu lado
quem sempre esteve ali.
Ou... percebas, tu mesmo,
que estavas ao lado dela,
quando ias pelo caminho
brincando com teu cãozinho.
IX. Insensatez
Não exijas da mulher
o que ela não te pode dar.
Dá-lhes, tu, quando puderes,
o que te pedem as mulheres.
Entrega-te a elas,
com tão obsessiva nudez,
que a fusão dos corpos
seja imediata e irreversível,
e já não saibas
se elas estão vivas em ti,
ou se morreste
dentro delas.
X. Passo a passo
Ó tu, que pensas conhecer
os hectares de tua amada,
não esqueças de beijar-lhe
os macios lóbulos carnosos
das orelhas.
Perto deles se atocaiam,
melodiosas e vermelhas,
as palavras que ela não diz,
porque pertence ao sabiá
gorjear quando é feliz.
A bela, que bebe seu licor,
saboreia um luxurioso torpor,
o mole desatar de um nó
que depois do amor a deixa
ainda