Baleia branca
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Baleia branca - Roberto de Castro Neves
Copyright © 2016 by Roberto de Castro Neves
Editora: Lucia Koury
Capa, projeto gráfico e diagramação: Thiago de Barros
Revisão: Carolina Medeiros
Produção de ebook: S2 Books
DADOS INTERNACIONAIS PARA CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
N518b
Neves, Roberto de Castro, 1940-
Baleia branca / Roberto de Castro Neves. - [2. ed.] -
Rio de Janeiro : Outras Letras, 2016.
180 p. ; 21 cm.
ISBN 978-85-88642-88-1
1. Contos brasileiros. I. Título.
CDD – B869.3
Ficha catalográfica elaborada pela bibliotecária Lioara Mandoju CRB-7 5331
[2016]
Todos os direitos desta edição estão reservados à
Outras Letras Editora Ltda.
Rio de Janeiro | RJ
Tel./Fax: 21 22676627
outrasletras@outrasletras.com.br
www.outrasletras.com.br
Associada à Libre | www.libre.org.br
Sumário
Capa
Folha de rosto
Créditos
Baleia branca
Marcel Proust
Os porcos do Ezequiel
Bom cabelo
Saturday night fever (Linha direta com a solidão)
Formandos de ’63
Nas asas da Panam
Próxima estação: Glória (Desembarque pelo lado direito)
Ouvindo Gonzaguinha
Epílogo
Baleia branca
Rio de Janeiro, finalmente. Quando o ônibus deixa a Dutra são nove horas da manhã. Estamos agora a poucos quilômetros do Centro.
O motorista buzina várias vezes. Os passageiros vão acordando.
Porra, até que enfim, chegamos ao Rio depois de – sei lá – 15 ou 16 horas de viagem. Haja saco! Estou com o corpo doído, também pudera, quem não fica com dor no corpo, depois de tanto tempo sentado? Não preguei os olhos a noite toda e ainda esvaziei a vodca que o Cabral trouxe. Mas, não tenho sono. Ao contrário, estou com uma puta energia. Nestas horas é que a gente dá valor ao preparo físico. Por isso, não me descuido.
Do meu lado, Teresinha dorme. Nem o esporro da buzina acordou ela.
Fico em pé e olho pra trás. Cabral já está acordado e ri para mim mostrando o polegar levantado. Quem não o conhece, pensa que ali está um grande sacana e que vai arrebentar no Rio de Janeiro. Conversa. Eu é que vou ter que ficar forçando a barra. Do contrário ele não faz nada. Como sempre. Desde garoto. Não é de nada o Cabral.
Da minha parte, não quero nem saber. Caguei pro Cabral. Não saí de Catanduva, rodei – sei lá – 15 ou 16 horas de ônibus pra passar o Ano Novo no Rio de Janeiro em programa babaca. Pra isto, ficava por lá, era melhor, mais barato. Bom mesmo era vir sozinho, mas como não trazer Teresinha comigo? E também a ideia foi dela. Seria sacanagem. Mas, fui claro com ela. Eu disse: Teresinha, você quer ir nesta excursão para passar o réveillon no Rio? Tudo bem. Eu também quero. Mas, tem uma condição: quero liberdade. Como diz o outro, espaço. Fiz 40 anos e pretendo dar uma guinada na minha vida. Ainda dá tempo. Estou cheio de trabalhar de manhã à noite, sentado, espinha curvada, cuidando de tudo que é cárie e dente podre de Catanduva. Quero sair da rotina, desta vidinha de merda que nós levamos antes que a porra de um enfarte me pegue ou apareça uma doença ruim. Portanto, vou ao Rio com o objetivo de me divertir, espairecer, recuperar as energias, pra enfrentar a ideia de que estou ficando velho. Mas, já disse, num esquema de liberdade, espaço.
Teresinha, sentada na cama, só perguntou: Mas será que não vai ficar muito cara essa viagem?
Pela pergunta, percebi que não entendeu porra nenhuma do que falei. Foda-se.
Cabral se levanta e vem falar comigo. Está preocupado por eu ter tomado a vodca toda e pergunta se estou bem. Claro, não é, Cabral? Ou você acha que eu não aguento mais uma merdinha de uma garrafa de vodca? Na certa foi Alice que mandou ele me vigiar. Sim, porque Cabral, compadre e velho amigo de farra desde garoto, não é dessas coisas. Mas, perto da mulher, fica assim, perde a naturalidade, se controla, fica chato. Alice não é fácil, eu sei, como eu sei!
Mas, Cabral é um cara e tanto. Amigo mesmo.
É isso, digo, Cabral, estamos nós no Rio de Janeiro e se prepare. Cidadezinha complicada, esta: muita puta, muito viado, tóxicos e violência. Mas, tem o que se fazer. Se prepare. São só dois dias, a excursão volta amanhã e não podemos perder tempo. Vê se manda Alice à merda e vamos circular por aí.
Cabral ri, ora cara de sacana, ora cara de babaca, garante que está tudo sob controle. Eu que acredite nisso e me fodo. Alice manda ali, não é como eu e Teresinha, onde quem canta de galo sou eu.
Aquela loura lá da frente se levanta para pegar alguma coisa da bagagem e olha de novo para mim. Ela tem uma bunda de fazer a gente largar a família, como diz o outro. Mas, perde seu tempo, boneca. Não andei 15 ou 16 horas para me entreter com conterrânea, embora você não seja de se jogar fora. Comerei você na volta, lá em Catanduva. Marque hora para eu ver seus dentinhos e enrabo você, todinha, na cadeira mesmo. Boto arzinho quente na sua xoxota. Você vai subir pelas paredes.
Um cheio horrível penetra no ônibus e alguns passageiros fecham a janela. Não adianta. Comento com Cabral, é a poluição. Cidade grande é foda. Serve pra isto: você vem, fica dois dias, faz uns programas diferentes, sai da rotina, espairece e volta. Não é lugar para se viver, criar filho, trabalhar. É tóxico, violência, prostituição.
Pergunto ao Cabral qual a programação do dia. Foi Alice quem organizou. Foi ela, também, quem botou fogo na Teresinha. Além de comadres, são muito amigas apesar da diferença de jeito. Alice é ativa, vaidosa, determinada, cabelinho nas ventas. Teresinha é relaxada, desenxabida. Talvez, o contraste seja a razão da amizade. Na verdade, nem perguntei pelo programa. Paguei e nem olhei. Cabral me diz que o dia de hoje é livre. De noite, tem o réveillon no Pão de Açúcar. É baile até o dia clarear. Depois, é livre de novo. Almoço numa churrascaria e, então, estrada de volta.
É, digo, temos que rechear esse programa, Cabral. Está muito família. Olha, de manhã, hoje, ainda teremos tempo para circular na praia. Deve estar cheio de mulher pelada. Topless. Você já viu topless, Cabral? É importante ir à praia. Perto do hotel – afinal, qual é o hotel? – deve ter praia. Também você precisa pegar uma cor, não é? Você está muito branco, parece doente. Mas, nada de Alice e Teresinha, hein, por favor! Deixamos o cartão de crédito com elas e que se divirtam nas lojas de Copacabana. De tarde, hein, Cabral? Estou programando uma ida a uma casa de massagens, hein, Cabral? Dizem que é coisa imperdível, não me venha com essa conversa que você já teve numa casa em Bauru, hein, Cabral? Rio é diferente, é puta sofisticada, já ouvi umas histórias...
O hotel fica numa rua transversal à praia.
Botei o calção. Estou pronto. Cabral ficou de ligar da portaria tão logo convencesse Alice que era bom pra ela fazer compras com as outras mulheres. Sei lá, tenho minhas dúvidas, o Cabral é enrolado.
Teresinha chegou, tirou o vestido e se atirou na cama. Dorme profundamente.
Preparo o meu drink com o whisky que trouxe e as pedras de gelo que o hotel fornece. Estas geladeiras são muito práticas.
Olho a Teresinha na cama, de camisola. Está cada vez mais escrota, a Teresinha. Como é que uma mulher pode embagulhar tanto em dez anos? Teresinha nunca foi nenhuma Miss Brasil mas não era assim antes de casar. Tinha uns peitinhos durinhos, umas coxas razoáveis e não era feia. Agora, peito caído, celulite e tá com a cara da mãe. Tá uma merda, a Teresinha.
Porra! E o viado do Cabral que não telefona, já são 11 horas! Na certa, se enrolou, eu sabia.
Teresinha precisa fazer regime. Ela come feito uma vaca, depois dorme que nem uma porca. Mas, pensando bem, pra que regime? A cara não vai mudar, é escarrada os cornos da mãe.
O que me impressiona é como a mulher se acaba no casamento. Sei lá se por causa dos filhos. Deve ter uma relação entre o esforço da gestação e a decadência física. Durante nove meses a mulher estufa. Depois desincha. Mais tarde, o ciclo recomeça. Deve esculhambar a máquina. A Terresinha é relaxada, mas reconheço, não é fácil. A gente vê aí na televisão, estas artistas lindas ou mesmo nos jornais as mulheres da sociedade que o dinheiro faz parecerem formidáveis etc. Tudo falso. São os cosméticos. É a cirurgia plástica. Não há milagres. Quero vê-las na cama, peladas, ou assim, de camisola, como vejo agora a Teresinha.
É, o passar dos anos é impiedoso com as mulheres.
Já com o homem, não. Fica melhor com o tempo. Não falo de mim que me cuido, faço ginástica, pratico esporte. Falo no geral. O Cabral, por exemplo. Era muito mais escroto no passado. Hoje, apesar da barriga, tem até amante.
Mais um drink antes do Cabral telefonar.
Me impressiona também a decadência sexual. Em solteira, durante o namoro e noivado, Teresinha era tesudinha. Me lembro, no parque, no Chevrolet Power Glide do pai dela, hidramático, tivemos um namoro avançado. A vizinhança até falava. Claro, no início resistiu. Mas, sempre fui agressivo e já me havia determinado a casar com ela. Lembro-me até da primeira vez que gozou. Lembro até da saia. Era de tafetá e fazia um esporro danado quando a gente se esfregava. Parecia que a gente tava rasgando papel.
Enfiei a mão pelo lado da saia onde tinha um zíper. Tinha tentado por ali muitas vezes mas ficava só alisando as coxas porque ela segurava minha mão sempre que tentava entrar na área proibida.
Numa noite cheguei lá (a gente sempre chega). Eu beijava o pescoço, ouvido, boca, enquanto a mão esquerda chegou lá embaixo.
O rosto dela ficou quente, fervia, ela prendeu a respiração, cravou as unhas na minha mão, parece que engoliu os gritos e gemidos. Tinha vergonha de gozar.
Depois o namoro esquentou. O carro era espaçoso, a gente fazia de tudo: eu propunha ela topava, era criativa. Parecia uma profissional.
Quem te viu, quem te vê.
Hoje, perdeu o interesse pelo sexo. Acho que não sente mais prazer. Aliás, existem pesquisas que dizem que muitas mulheres não gozam. Acho que isso não é bem verdade. Na minha opinião, elas não gostam de gozar. Teresinha é um caso desses. Enjoou de gozar. Vive assim com sono. Qualquer dia trepo com ela dormindo. Talvez seja até mais excitante. Como se chama mesmo quem tem tesão por defunta?