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E-book411 páginas5 horas

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Sobre este e-book

O ódio entre duas famílias pesa mais do que o amor?

Marta e Ernest se conhecem em um vagão de trem a caminho de Barcelona. Conversam, acabam gostando um do outro e ele promete convidá-la para jantar. Contudo, quando o pai de Marta o vê, desavenças familiares do passado, ainda muito presentes, fazem que Ernest não cumpra sua promessa. Alguma coisa aconteceu entre as duas famílias quando Marta ainda nem tinha nascido. Desde então, os Casals e os Calçó vivem se enfrentando em uma guerra sem fim.

Alguns dias depois, Marta volta às aulas da universidade e percebe que o novo professor de quem todas estão falando é, na verdade, aquele garoto que conheceu no vagão do trem, o garoto do qual seu pai não a deixou se aproximar.

Mesmo contra todas as probabilidades, eles acabam se apaixonando e se deparam com um caminho cheio de obstáculos, segredos, dor e luta através da qual tentam mudar o seu próprio futuro. Mas quando quase estavam conseguindo...

Uma história de amor e amizade que atravessa Paris e Barcelona, na qual o mundo universitário e o mundo da arte se misturam com uma versão moderna de Romeu e Julieta

IdiomaPortuguês
EditoraPandora
Data de lançamento4 de mar. de 2021
ISBN9781071565179
Almost: Almost

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    Pré-visualização do livro

    Almost - Adriana LS Swift

    Sumário

    Nota da autora

    Prólogo

    I

    II

    III

    IV

    V

    VI

    VII

    VIII

    IX

    X

    XI

    XII

    XIII

    XIV

    XV

    XVI

    XVII

    XVIII

    XIX

    XX

    XXI

    XXII

    XXIII

    XXIV

    XXV

    XXVI

    Epílogo

    Nota da autora

    ––––––––

    C

    omecei a escrever esta história antes mesmo de escrever a saga What if. Então, por que a abandonei antes de ela ganhar forma? Talvez, porque precisasse de mais tempo do que qualquer outra. Era necessário conhecer mais, pensar melhor, analisar tudo de outra forma, a partir de outros pontos de vista.

    A saga Almost ressurgiu há mais de um ano, a caminho de Barcelona, em uma longa viagem de trem. Começou como uma vaga história de um professor e uma aluna e acabou englobando situações vividas durante esse tempo. O mundo da arte em sua mais ampla extensão, o problema do assédio, tanto sexual quanto escolar e cibernético, a contraposição entre um bom docente e um medíocre... Escrever, às vezes, ajuda a afastar de si mesmo medos e frustrações, desejos e reivindicações. E com a saga Almost não seria diferente.

    Cabe ressaltar que Marta e Ernest são personagens fictícios, da mesma forma que o resto dos que aparecem na saga. Os acontecimentos também são fictícios, mas o mesmo não ocorre com os lugares mencionados durante toda a história. Eles são reais.

    Espero que esta nova história traga boas lembranças aos que já são meus leitores, que talvez se deparem com alguma surpresa. Aos novos leitores: espero que, depois de ler esta saga, queiram saber mais sobre certos personagens que aparecerão nela, mas que não pertencem a ela. São personagens conexos. Logo saberão a que me refiro.  

    A história de Marta e Ernest começa aqui e agora, e espero que me acompanhem nesta nova aventura, que atravessa Paris e Barcelona.

    Vamos lá?

    A minhas amadas Barcelona e Paris,

    por serem como um lar para mim

    "Nasce o amor desse ódio que arde?

    Vi sem saber, ao saber era tarde.

    Louco parto de amor houve comigo,

    Tenho agora de amar meu inimigo."

    Julieta sobre Romeu. Primeiro ato, cena V

    de Romeu e Julieta, de William Shakespeare[∗]

    Duas casas, iguais em seu valor,

    Duas cidades, Barcelona e Paris,

    que a nossa cena ostenta,

    Brigam de novo, com velho rancor,

    Pondo guerra civil em mão sangrenta.

    Dos fatais ventres desses inimigos

    Nasce, com má estrela, um par de amantes,

    Cuja derrota em trágicos perigos

    Com sua morte enterra a luta de antes.

    A triste história desse amor marcado

    E de seus pais o ódio permanente,

    Só com a morte dos filhos terminado,

    Duas horas em cena está presente.

    Se tiverem paciência para ouvir-nos,

    Havemos de lutar pra corrigir-nos.[1][∗]

    2009-11-25_IMG_2009-11-18_01_05_51__2133718.jpg Prólogo

    Setembro, 1987

    ––––––––

    I

    sso não vai acabar bem", Silvia não para de repetir enquanto espera ansiosa naquela deserta e escura rua nos arredores de Barcelona.

    Não, não vai acabar bem. Se seus pais descobrirem que ela está se encontrando, em segredo, com Carles, vão expulsá-la de casa sem dizer palavra, e ela ficará em uma situação bastante preocupante.

    Não, impossível que isso termine bem, volta a repetir para si mesma, respirando fundo rapidamente, tentando se acalmar antes do encontro desta noite.

    — Acho que hoje você está mais bonita do que nunca — sussurra Carles em seu ouvido, fazendo-a se sobressaltar ao senti-lo tão próximo, sem prévio aviso.

    Vira-se para ele e vê o homem por quem está apaixonada há tanto tempo. Forte, sempre taciturno, inteligente, obstinado. E atraente, não há como negar. Carles é extremamente atraente, com esse cabelo curto castanho e seus claros e hipnotizantes olhos, que agora mesmo olham para ela com verdadeiro amor. Esse amor pelo qual anseia a cada segundo que não está com ele.

    — Você sempre me fala a mesma coisa — ela se queixa, ainda encantada com as palavras do seu amado. — Estava preocupada — confessa agora. — Achei que não viria.

    — Mesmo que demorasse uma vida inteira, sempre voltaria para você, meu amor.

    O casal se funde em um beijo passional, ansioso, depois de dias sem poder se ver. Carles tinha achado que hoje também teria que cancelar o encontro com sua amada Silvia. Seu pai o tem pressionado muito na empresa da família, fazendo-o trabalhar dia e noite. Silvia é o único que há de belo em sua vida. Aquela doce e espontânea garota de cachos dourados e escuros olhos azuis o faz vibrar como nunca antes havia acontecido. E, sim, terão graves problemas se alguém descobrir que estão se encontrando, mas já conversaram muitas vezes e precisam continuar, seja lá onde for que isso os levará.

    — Carles, temos que conversar — ela começa a dizer, ficando séria outra vez. — Jordi. Acho que ele suspeita que quero romper o noivado.

    — Ele achava que você continuaria com essa loucura só porque seus pais queriam que vocês se casassem?

    — Se não fosse porque eu te amo, provavelmente...

    Carles leva o dedo aos lábios de Silvia, silenciando aquelas palavras dolorosas, nas quais não quer nem pensar.  

    — Vai ficar tudo bem — repete como sempre faz quando Silvia precisa. — Nós nos amamos, e isso é mais do que suficiente.

    — Mas quando todos souberem...

    — Quando isso acontecer, estaremos juntos e não nos importaremos com nada mais. Formaremos uma bela família e seremos felizes para sempre.

    — Você fala como se tudo fosse muito simples, mas não é assim... — responde Silvia, negando com a cabeça, cabisbaixa.

    Carles segura o queixo de sua amada e o levanta, depositando um beijo tranquilo em seus lábios.

    — Nosso amor é complicado, mas não impossível. Nós vamos conseguir.

    Silvia suspira, tentando acreditar nessas palavras que Carles sempre repete.

    — Nós vamos conseguir — diz ela em voz alta, fazendo Carles sorrir.

    — Porque eu te amo — acrescenta ele, abraçando-a.

    — Porque eu te amo — repete Silvia, abraçando-o de volta.

    I

    ––––––––

    2009-11-25_IMG_2009-11-18_01_05_51__2133718.jpg

    Setembro, 2014

    Marta

    Q

    uase posso dizer que estou a caminho da prisão em vez de voltando para casa. Algo dentro de mim faz que eu me sinta assim. Mas, às vezes, uma viagem de trem não é mais do que isso, uma viagem. Insossa, monótona, entediante. Às vezes, nem sequer a paisagem consegue nos distrair. Nem sequer aquela lista de músicas que guardamos em nosso MP3 torna a viagem menos tediosa.

    Uma conversa, que escuto sem querer, sobre política. Entediante. Um casal discutindo por causa das próximas férias. Entediante. Toca a música de Vanessa Martín, Aún no te has ido. Não chega a ser entediante, mas sim frustrante. Como alguém pode sentir saudade de outra pessoa antes mesmo de ela ir embora? Que besteira é essa?

    — Alguma bebida? — pergunta a comissária de bordo da classe executiva, passando com o carrinho pelo corredor.

    Faço que não com a cabeça. Não gosto do que vendem nos trens. É simplesmente nojento. Prefiro chegar em casa e jantar algo rápido e frio a comer o lanche que servem aqui.

    Enquanto as pessoas ao meu redor estão dormindo, lendo o jornal ou trabalhando, reflito sobre esse fim de semana que passei fora de Barcelona. Foram dois dias na praia, longe dos meus amigos, mas onde pude pensar no que fazer no ano que vem, ou melhor, onde minha tia me atormentou o tempo todo para que eu desse ouvidos aos meus pais. "Desenhar é coisa de criança", não parava de repetir. "Você deveria se preparar para assumir o negócio dos seus pais. Sempre será melhor ter seu próprio negócio do que trabalhar para os outros foi outra frase recorrente, junto com menos mal que, no final, você desistiu de Belas Artes e resolveu nos escutar. E o fim de semana, que supostamente seria para descansar, virou um fim de semana estressante, no qual a angústia me consumia sempre que me lembrava de que este último ano da universidade será decisivo. Pensei que, à essa altura, minha família teria mudado de opinião ao ver o quão feliz desenhar me faz. E não sou ruim. Já expuseram meus trabalhos em vários lugares de Barcelona, embora sob um pseudônimo. Meus pais ficariam loucos se descobrissem que sua única filha, na qual depositaram todas as suas esperanças de que assumisse, no futuro, a rede internacional de restaurantes temáticos da família, está desenhando como se tivesse sete anos", como eles mesmos costumam dizer. E não, não desenho como se tivesse sete anos. As pessoas até querem comprar minhas obras. Do pouco dinheiro que ganhei até agora, metade investi em material para continuar desenhando, e a outra, poupei. Talvez, no futuro, possa fazer uma viagem a Paris sem depender do dinheiro dos meus pais e consiga passar dias desenhando sem parar. Minhas amigas me dizem que estou louca, que escute meus pais e que, quando termine a faculdade, comece a trabalhar com eles.

    Mas eu...

    — Se você continuar suspirando, vai acabar embaçando o vidro e não poderá ver a linda paisagem. — Escuto uma voz masculina ao meu lado, mitigada pela música Halo, da Beyoncé, que toca, neste momento, no meu MP3.

    It’s like I’ve been awakened...

    Eu me viro para ele. Morta. Morri, certeza. Quando isso aconteceu? Alguém descobriu que eu estava usurpando um lugar que não era o meu, jogou-me nos trilhos e agora vago pelo trem, no qual acabo de conhecer um homem que só pode ter sido retirado de um bendito sonho?

    Um garoto, que parece um pouco mais velho que eu, parou na minha frente. Cabelo castanho, quase louro, com as pontas despenteadas, sorriso branco. Seus músculos estão marcando sua camisa azul-escura para fora dos jeans. Seus olhos. Esses olhos azuis, pequenos, olhando para mim com atenção, esperando eu conseguir dizer alguma coisa. 

    Sorrio. Não dou conta de fazer mais que isso. Ele sorri de volta e passa por mim, parece que indo para o seu assento. Talvez, estivesse vindo do vagão-restaurante, como várias pessoas que vi passar por aqui para ir jantar. Como não o vi quando entrei? Estava tão absorta nos meus problemas que não prestei atenção em nada ao meu redor...

    Espio e vejo que, antes de passar pelas portas do vagão, ele também olha para mim, voltando a sorrir ao perceber que me pegou fazendo o mesmo. Viro as costas para ele com rapidez, tentando acalmar minha ansiedade, olhando pela janela e aumentando o volume até não escutar mais nada ao meu redor. Mas entramos em um túnel e aproveito as inexistentes paisagens de fora para verificar se ele já foi. E efetivamente, não está mais no meu vagão. A executiva que está sentada do outro lado do corredor também deve ter visto tudo e levanta os olhos na minha direção, sinalizando com a cabeça a porta pela qual segundos antes ele desapareceu. Sim, entendo o que ela quer dizer. Está surpresa, como eu, por ter visto esse homem, que parece ter sido tirado do novo número de uma revista de moda masculina. Será que era um ator, um cantor, algum famoso que não reconheci? Penso durante alguns minutos e chego à conclusão de que aquela mulher e eu sofremos uma alucinação conjunta.

    Não, esse homem não existiu. Estou quase certa, mas...

    Baby I can feel your halo, pray it won't fade away...

    0-separador-lila-300x52.png

    Adormeci por alguns minutos. A viagem não é tão longa de Figueres a Barcelona, mas estou realmente cansada. Ir e voltar da praia de Roses todos os dias já tem sido exaustivo e, se a isso acrescentamos minha tia, que não parou de tagarelar sobre o meu futuro próximo, é compreensível que minha mente precise de um descanso antes de chegar em casa. E, enquanto estou me espreguiçando, vejo que, ao meu lado, está sentado o garoto de antes, olhando para mim, com aquele maravilhoso sorriso.

    Dou um pequeno pulo que o faz rir levemente.

    — Você está bem? — pergunta por causa do meu estado de choque.

    — O que faz aqui? — pergunto como se o conhecesse há anos.  

    — De onde você está vindo? — pergunta sem me responder.

    — Por que quer saber?

    — Parece que você é daquelas que não acordam de muito bom humor.

    Franze a testa, mas seu sorriso continua ali.

    — Não é isso — reconheço, diminuindo meus níveis de desconfiança. — É que... Bom, são muitas coisas, nada demais.

    — Muitas coisas? — volta a perguntar, acredito que sem entender por que respondi assim e não a sua primeira pergunta.

    Dou uma espiada pela minha janela por um instante antes de voltar a olhar para ele. Será que está falando sério? É uma pergunta retórica ou está me perguntando porque realmente quer saber? Por seu jeito atento, parece que é a segunda opção.

    — Sim, você sabe. O futuro e essas coisas...

    — Ah, sim — responde, recostando-se no assento. — O futuro e essas coisas...

    — Tenho que decidir o que quero fazer no ano que vem. — Pelo seu semblante, parece não compreender o que quero dizer. — Meus pais querem que eu trabalhe com eles.

    — E esse trabalho é do seu agrado?

    — Eu o odiaria — reconheço, fazendo-o rir. — Mas é o que tenho que fazer.

    — Então, a única pergunta que importa é: o que você gostaria de fazer?

    Fico tão surpresa e emocionada que me esforço muito para não começar a chorar.

    — Sabe? É a primeira vez que alguém me pergunta isso — digo.

    Seu sorriso me diz que ele gostou da minha resposta.

    — Então? — insiste.

    — Gosto de pintar — respondo.

    — Pintar? — pergunta, endireitando-se em seu assento, para prestar mais atenção.

    — Sim. Pintar, desenhar... Você sabe.

    — Sei... Interessante — diz ele com uma voz e uma expressão facial de quem está se divertindo.

    — Sim, já sei que é coisa de criança e...

    — Bom, Manet, Gauguin, Da Vinci, Van Gogh... Acho que eles não eram crianças. E se você gosta... É você quem vai dedicar a vida a isso, não seus pais. Deveria fazer o que realmente quer.

    Sorrio tanto ao ver que alguém entende o que sinto, que ele também sorri para mim do outro lado.

    — Não é tão fácil — digo, voltando a olhar pela minha janela.

    Estamos chegando a Barcelona. Posso reconhecer esta paisagem num piscar de olhos.

    — É simples — responde. — Você quer pintar. Já está decidido.

    Fico pensativa por um instante e começo a rir.

    — Foi assim que você decidiu o seu futuro? — pergunto.

    — Mais ou menos — responde, encolhendo-se de ombros. — E garanto que meu pai não estava muito feliz com o que decidi.

    — E sua mãe?

    — Morreu quando eu tinha dois anos.

    — Puxa. — Nossa... — Sinto muito.

    — Não se preocupe — diz sem perder esse sorriso hipnotizante. — Tenho certeza de que ela teria gostado da minha escolha. Na verdade, acho que ela seria a única da minha família a se orgulhar de mim.

    Ele fala isso de um jeito que me faz sorrir.

    Uma voz comunica aos passageiros que a próxima parada é Barcelona Sants, final do trajeto. Ficamos olhando um para o outro sem dizer nada. É como se quiséssemos dizer tudo e não soubéssemos por onde começar. Por fim, ele se levanta ao mesmo tempo que todo mundo começa a se alvoroçar para pegar as malas e sair pelo corredor.

    — Já vai? — digo bobamente, levantando-me tão rápido ao ver que ele já está de pé, que bato a cabeça em um gancho ao lado da minha janela e me sento em seguida devido ao impacto.

    Vous êtes bien?[2] — pergunta em um maravilhoso francês?... meio que inconscientemente.

    Ele afaga minha cabeça no lugar da colisão contra o gancho e sorrio nervosa por causa do momento ridículo.

    — Estou bem — garanto. — Quase nem doeu.

    Agora é ele quem ri comigo, intuindo que estou mentindo.

    Caramba, dói demais...

    — Tenho que ir buscar minhas coisas — diz ele, agora em voz baixa, como se não quisesse que ninguém mais o escutasse dizer isso.

    — Quem sabe nos encontramos de novo na plataforma.

    Olho para ele novamente do meu assento. Ele continua em pé na minha frente, como na primeira vez que o vi. As luzes do trem iluminam seu cabelo e seus olhos, deixando-os de um tom mais claro do que realmente são. Lá fora já é noite, e Barcelona nos recebe com suas cálidas luzes antes de entrarmos na estação.

    — Se nos encontrarmos, eu convido você para jantar — propõe, fazendo meu coração pular de alegria.

    — Estão vindo me buscar — aviso.

    — Então também convido o seu acompanhante. Mas espero que não seja seu namorado, porque...

    Nossas risadas são abafadas por todo o movimento ao nosso redor quando as portas do trem se abrem.

    — Se nos encontrarmos na...! — Eu o faço lembrar enquanto vejo como se afasta sem deixar de olhar para mim.

    — Prometido! — diz, antes de se perder na multidão, a caminho do seu vagão.

    Só tenho uma pequena mochila para pegar antes de sair para a plataforma na qual penso ficar plantada até que esse garoto, de quem não conheço nem o nome, apareça.

    Em menos de um minuto saio do trem e vejo meu pai ao longe, um homem de estatura mediana, boa postura, cabelo grisalho penteado de forma elegante, aproximando-se de mim, levantando a mão ligeiramente, apenas por um rápido segundo, o suficiente para que eu o veja chegar. Um segundo a mais e teria sido um gesto grosseiro demais para ele, como quase tudo na vida dos meus pais. Eles nem mesmo se chamam por apelidos carinhosos para não soar muito vulgar. Jordi e Mercè, secamente. Neste momento, vejo que caminha com elegância, de terno. Provavelmente, saiu do trabalho para vir me buscar. Eu poderia ter voltado sozinha de metrô, ter chamado um táxi ou, até mesmo, ter esperado o Xavier, nosso chofer, vir me buscar. Mas sei que, hoje, ele quer me interrogar sobre o meu fim de semana. Sua irmã foi convincente... mas acho que esse garoto foi bem mais.

    Juro que entendo a postura dos meus pais. Só querem o melhor para mim, mesmo sem nunca terem planejado ter filhos com os quais se preocupar. Sei que, para eles, meu nascimento foi inesperado, como já me disseram muitas vezes. Estavam casados há pouco tempo e não tinham decidido ter filhos. E eu apareci. Eles ficam repetindo que foi algo que alegrou suas vidas, mas, às vezes, penso que estariam melhor se eu não estivesse por perto.

    — Filha, como foi seu fim de semana com a tia Lourdes? — pergunta meu pai quando chega ao meu lado, beijando surpreendentemente com carinho minha bochecha e tentando segurar minha mochila, o que não permito mesmo que esteja agradecida.

    — Bom — respondo distraída, olhando para todos os lados para procurar aquele desconhecido. — O tempo estava bom...

    — O que você tem, Marta? — pergunta meu pai ao ver que não presto atenção e nem me mexo para sairmos dali.

    — Nada, é que...

    E lá está. Ele também está procurando alguma coisa com o olhar, virando a cabeça em todas as direções até que me vê e sorri. Estava me procurando. Meu Deus, aquele garoto estava mesmo me procurando. E, neste momento, está vindo para cá, fazendo meu coração palpitar tão forte que sinto uma dor até nas costelas que o envolvem.

    Meu pai vira na direção daquele ponto que faz meu rosto emanar uma sincera felicidade.

    — Agora sim vamos embora — diz de repente, pegando meu braço e me puxando para a saída.

    — Espera, pai — peço, olhando para aquele garoto sem nome que ficou paralisado por algum motivo, com um semblante que parece transparecer medo e nojo em partes iguais.

    — Sem discussões. É aquele moleque do Calçó.

    — Quem?

    — Você sabe, Carles Calçó — comenta, zangado por ter que repetir algo que aparentemente, segundo ele, eu deveria ter sempre em mente. — Meu amigo de infância. O louco que não fazia mais do que se meter em problemas e que por pouco não nos leva à ruína.

    Sei a quem está se referindo e, ao mesmo tempo, não sei. Escutei meus pais mencionarem, às vezes, esse sobrenome, quase com vontade de cuspi-lo, mas nunca soube os motivos reais desse ódio. Apenas sei que eles têm uma empresa de desenvolvimento de novas tecnologias em Gràcia e nada mais. Sei que alguma coisa aconteceu entre eles antes mesmo de eu nascer, mas jamais falam dos motivos reais desse ódio, parece que mútuo entre ambas as famílias...

    O que ficou claro para mim, desde o início, é que não se fala dos Calçó na minha casa.

    Jamais.

    — Eles tinham... um filho?

    Minha voz treme. Volto a olhar para trás. Aquele garoto continua congelado na plataforma, olhando para nós enquanto esfrega a barba por fazer sem acreditar no que vê.

    — Sim, um folgado que largou os estudos de engenharia para estudar besteiras em Paris e viver uma vida boêmia — explica meu pai sem parar de me puxar até que finalmente alcançamos a saída. — Tenho certeza de que ficou sem dinheiro e voltou para que o pai o tire de alguma enrascada.

    — Pai, isso você não sabe — digo, defendendo-o sem saber o porquê. — Pode ser que tenha vindo visitar e...

    Mas ele não me deixa nem terminar a frase.

    — Não fale bem de um Calçó. Você é uma Casals.

    Quando olho para trás novamente, já não há rastros daquele Calçó. Aquele garoto desapareceu entre as pessoas, sem cumprir sua promessa de me convidar para jantar. Viu meu pai e ficou completamente paralisado. Parece que o reconheceu. E nem sequer se aproximou de nós.

    Prefiro passar todo o caminho até a nossa casa, localizada em um privado e tedioso bairro de Pedralbes, em silêncio. Ao chegar, minha mãe já está no seu quarto com as portas fechadas, e isso significa que não devo incomodá-la. Ela me ama, é minha mãe, mas do jeito dela. Prefere um carinho discreto a um espontâneo. E eu aproveito para escapar para o meu quarto e me trancar ali.

    Deixo minha mochila em qualquer lugar e me jogo na cama depois de trancar minha porta à chave. Gosto do meu quarto. Ele é acolhedor, em tons pastel, amplo e luminoso, com uma grande sacada, onde, às vezes, peço que me tragam o café da manhã ou apenas fico lendo e pintando escondida, com o calefator externo no inverno ou o ar acondicionado no verão. Mas, neste exato momento, não quero fazer nada. Não quero pensar, não quero tentar me distrair, não quero nem mesmo me lembrar daquele garoto de quem não sei nem o nome e que preferiu não cumprir o que tinha prometido.

    Coloco aquela música da Beyoncé, que tocava quando o conheci, no modo repetição.

    Fecho os olhos.

    E não sei por quê, mas a única coisa que quero fazer é chorar.

    2009-11-25_IMG_2009-11-18_01_05_51__2133718.jpg II

    Ernest

    P

    arece que foi ontem que deixei Barcelona para viver em Paris enquanto estudava para ser professor. Fiquei apenas seis anos longe da minha cidade natal, estudando e trabalhando, mas parece que foram setenta. Para onde quer que eu olhe, as coisas mudaram: os edifícios, os negócios, e até as pessoas que atravessam as ruas com pressa parecem não estar procurando as mesmas coisas que outrora costumavam procurar.

    Quem diria. Aos vinte e cinco anos, deixei a Universidade de Paris, Sorbonne, para dar aulas na igualmente prestigiosa Economic and Business University de Barcelona, mais conhecida como EBU. Ambas estão cheias de jovens esnobes que já estão com a vida resolvida desde que começaram a universidade. Não estou entusiasmado com a ideia de estar rodeado por esse tipo de gente, mas meu pai precisava de mim, e deixei minha perfeita vida em Paris para voltar para casa. Por sorte, a bela e bem relacionada Elise tinha amigos nesta universidade e, em algumas semanas, conseguiram um lugar para mim, como professor. Business Innovations será a matéria que ministrarei... até que tudo isso acabe. E então...

    E então nem eu mesmo sei o que vou fazer.

    Chego à imponente entrada de pedra e ferro forjado da universidade e atravesso as portas a pé. Carrego uma pequena maleta na mão direita e na esquerda, um café, que comprei assim que saí da estação de metrô, situada a mais de quinze minutos daqui, como todo bairro burguês requer. É como se, para eles, as estações de metrô tirassem um pouco da classe ou impedissem a exibição dos luxuosos carros que utilizam para se locomover.

    Coisa de gente rica, imagino.

    Não param de entrar no recinto carros esportivos conduzidos por professores ou alunos, que me olham com assombro e condescendência ao passar ao meu lado. Tomo um gole do meu café amargo e continuo caminhando até o edifício — ou melhor, complexo de edifícios — na minha frente. É um lugar imenso, e não consigo não pensar em Hogwarts. A EBU não tem telhados pontiagudos como a famosa Escola de Magia, mas passa a impressão de que todos esses meninos e meninas que descem de seus carros estão indo a um lugar no qual serão ensinados a fabricar dinheiro sem ter que trabalhar nem um dia de suas vidas. Como se, com uma varinha mágica, fossem... Bom, na verdade, o que eles aprendem aqui é quase isso.

    E eu vou ter que tentar incentivar a imaginação de gente que não precisa procurar novos nichos de mercado para ganhar dinheiro, já que basta um simples agitar de varinha para que consigam mais dinheiro do que eu jamais poderei ter.

    Finalmente, chego ao edifício principal e subo as escadas que dão acesso à porta de madeira, que está aberta a esta hora da manhã. Entro por ela e me misturo com o tumulto de alunos — a maioria deles usando roupas formais, eles com cabelos exageradamente engomados, e elas com vestidos de verão e longas madeixas loiras — que percorrem os corredores em seu interior. Quarto andar, escritório sete, repito mentalmente. Quero deixar as coisas no meu novo escritório antes da primeira aula, então vou em direção aos elevadores, contornando grupos de pessoas, quando escuto uma voz perto de mim chamando o meu nome. Eu me viro para aquele homem um pouco surpreso. Deve ter uns quarenta e poucos anos, possui cabelo escuro e sorriso perfeitos, assim como seu terno bem alinhado. Ele ri com minha desorientação, estendendo a mão para mim para me cumprimentar.

    — Sou Eugeni, Eugeni Pascal, lembra? Chefe do departamento de inovação e marketing no qual dará aula. Você é o

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