Flexibilidade: arquitetura em movimento
De Nayara Pires
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Sobre este e-book
A autora explora a flexibilidade na arquitetura, utilizando como objeto de análise projetos e autores os quais o conceito se tornou importante em algum momento de sua trajetória, desde os primórdios até os dias de hoje. O processo de pesquisa levou ao fim da neurose sobre o que é de fato a flexibilidade na arquitetura contemporânea, analisando seus inúmeros sinônimos, sendo flexibilidade como adaptabilidade e polivalência, modulação, mobilidade e arquitetura remontável, multifuncionalidade e elasticidade.
Após percorrer toda essa trajetória, com profundas reflexões, e desenvolver um material que com toda certeza servirá de base para estudos futuros sobre a flexibilidade na contemporaneidade, foi exposto ao leitor um panorama completo acerca da flexibilidade e seus efeitos para a sociedade contemporânea, para tanto será relacionado o conceito aqui estudado às intensas transformações da vida dos indivíduos que refletem intensamente nos espaços transformando-os sempre em novos cenários.
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Flexibilidade - Nayara Pires
Dedico a todos aqueles que participaram dessa caminhada que, se tem um quê de solitária, não teria sido possível sem os outros.
Agradeço a todos que tiveram paciência com as inúmeras delongas da flexibilidade.
Arquitetura em movimento
Vontade de uma época traduzida em espaço
Construções indefinidas consideradas sem laço
A arquitetura é o meio mais fácil
Não se trata somente de modulação, indecisão ou falta de opinião?
Não.
Eu diria, nós não deveríamos saber nada de antemão.
Deveríamos perceber que é parte de um processo muito mais longo e antigo.
Uma casa nas costas, o mundo como um quintal.
Os primórdios?
Não, eles já se foram.
O caracol, que se inscreve na curva eterna do progresso na realização de seus desejos.
Olha o caracol
Carrega a casa nas costas
Leva suas diferentes propostas
E não para num só lugar
Veja bem, o seu aspecto pode mudar em parte ou totalmente, segundo a vontade de seu habitante.
Arquitetura que não para um só instante
Caracol em movimento
O meio mais fácil de articular espaço e tempo
(Nayara Pires)
UMA MARCA DE SEU TEMPO
Expressão artística inconteste e especialíssima dada sua característica única de possibilitar simultaneamente uso e fruição, a Arquitetura permeia, delineia e dá suporte material e imaterial ao cotidiano da humanidade há milênios.
Toda ação e produção humana, a organização de seus espaços do viver, suas relações com o meio e com o ambiente, as cadeias produtivas, suas expressões artísticas sensíveis e imateriais e, acima de tudo, suas relações consigo mesma, enfim, tudo a alimenta e retroalimenta e define seus caminhos.
A Arquitetura pode ser entendida como a expressão da capacidade do Homem de transformar sua realidade, ou seja, de construir sua realidade futura a partir de seu desejo e de sua opinião, de seu posicionamento crítico diante de sua própria existência, construindo seus espaços de viver. Neste sentido a Arquitetura é patrimônio da humanidade, testemunho vivo de sua capacidade inventiva e empreendedora.
Como diz Joaquim Guedes (1981), [...] a Arquitetura é a arte de construir para atender às necessidades sociais e daí devem emergir linguagens e significados que fazem dela a arte que é.
Servindo-se da interpretação da realidade, da intuição e da sensibilidade humanas como toda expressão artística, a Arquitetura é também um conhecimento, e como tal age no nível da ação e da invenção, envolvendo alto grau de complexidade.
Assim sendo, trata-se de eficiente instrumento que se tem à disposição para fazer a transição entre a imaterialidade do sonho e a materialidade de sua realização. Incorporando elementos técnicos e artísticos, a Arquitetura foi, ao longo dos séculos, um instrumento privilegiado da humanidade na construção de sua existência diante da natureza, de ocupação do território e de construção do lugar.
Conhecimento, arte, expressão, testemunho, instrumento, profissão, a Arquitetura possui muitas faces que possibilitam um sem número de definições. As transições do material ao imaterial, do particular ao coletivo, elevam sua complexidade e, proporcionalmente, a riqueza do debate sobre o tema. Talvez por isso o arquiteto francês Jean Pierre Épron tenha vaticinado, uma definição de arquitetura é sempre provisória
.
A existência destas incontáveis definições certamente está ligada à própria evolução da Arquitetura. Destaque-se que se trata de evolução que se dá em função de sua forte aderência ao seu tempo, numa apropriação do espírito do tempo, o zeitgeist, num processo simbiótico onde a arquitetura auxilia a construir e materializar a contemporaneidade desejada e, simultaneamente, dela se serve para se redefinir e apontar novos caminhos para o futuro através da proposição de novos arranjos espaciais.
Em outras palavras, vale dizer que a definição de Arquitetura se serve, também, da maneira pela qual cada um dela se apropria, se aproxima ou utiliza em sua época.
No período histórico em que vivemos, a era da informação, da conectividade plena, da velocidade, do hipertexto, dos coletivos fragmentados, das verdades mutáveis e da pós-verdade, da apropriação individual de bens coletivos e dos ciclos cada vez mais curtos, seria de se esperar que novas definições de arquitetura surgissem. E estão surgindo.
Desde a arquitetura dos grandes nomes, dos chamados starchitects, até a Arquitetura da coexistência, de Zaha Hadid a Rural Studio, isso sem falar nas incontáveis iniciativas de Assistência Técnica e projetos para situações de emergência e áreas de risco, respondem diretamente a definições cada vez mais variadas e cada vez mais complexas de Arquitetura. Definições que buscam dar respostas às novas demandas, aos novos clientes, às novas tecnologias e materiais, enfim, à necessidade de novos arranjos programáticos. Interesses específicos passam a conviver mais intensamente com os interesses difusos da sociedade. A questão ambiental, sistêmica por excelência, se faz fortemente presente.
Arquitetura, urbanismo e design se aproximam definitivamente, dando espaço à chegada dos hiperlugares, resposta franca e contundente aos não-lugares do final do século passado. Como num passe de mágica, estádios viram arenas, avenidas viram parques, edifícios viram out-doors de propaganda, escolas viram centros de serviço, museus viram shoppings e shoppings viram museus, coberturas viram hortas, caminhões e ônibus viram o que bem se entender – e andam! - casas viram escritórios e estes viram pó.
As ruas se transformam e reconquistam seu papel estruturador da vida urbana, numa demonstração única de resiliência. Urban Age, quando a substituição da casa e do espaço de trabalho pela plenitude da cidade como locus protagonista da vida humana altera completamente a relação da humanidade com o seu meio.
Ao longo dos séculos a Arquitetura esteve lastreada em diversos fundamentos que lhe dão pertinência, coerência, consistência, leveza, beleza, importância. Da mais autêntica síntese vitruviana – firmitas, utilitas, venustas — entre eles se destacam a proporção, o ritmo, o equilíbrio, a beleza... São fundamentos que se revezam em importância ao longo do tempo.
Nesse nosso tempo, um desses fundamentos, de grande complexidade e múltiplas compreensões, ganha um forte protagonismo no processo de desenvolvimento dos projetos de arquitetura e urbanismo: a flexibilidade.
Qualidade imprescindível nos projetos atuais, trata-se de um fundamento que teve, a partir da Revolução Industrial sua evolução marcada por características e necessidades específicas que acabaram por construir sua complexidade atual. Da flexibilidade já se obteve a adaptabilidade, a mobilidade, a efemeridade, a versatilidade, entre outras.
Hoje, se pode dizer, como nos mostra Nayara Pires nesta sua minuciosa obra, que não se espera menos do que todas estas características presentes simultaneamente, em todas as escalas de projeto. Do objeto à cidade, a flexibilidade faz parte de nosso cotidiano.
Lastreado em extensa bibliografia e num largo panorama que cobre sua evolução desde a antiguidade, a ênfase dada na dualidade entre a materialidade e a imaterialidade que transformam o que poderia ser uma simples noção em conceito é sua principal característica.
Originado numa pesquisa de mestrado realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a qual tive o prazer de orientar, este livro é peça importante para compreender não apenas a evolução desse conceito, mas também para auxiliar na compreensão se sua complexidade e importância na Arquitetura contemporânea.
Dr. Valter Caldana, arquiteto e urbanista
Agosto de 2019
Referências
GUEDES, J. Entrevista. Jornal da USP. n. 531. São Paulo: USP, 2000.
Sumário
INTRODUÇÃO 19
1
O PERCURSO DA PESQUISA 23
1.1 ESTE LIVRO 25
1.2 CONCEITOS PRELIMINARES 32
2
FLEXIBILIDADE: UM CONCEITO FLEXÍVEL 37
2.1 EVOLUÇÃO DO CONCEITO FLEXIBILIDADE 39
2.1.1 Flexibilidade: Idade Antiga e Idade Média 40
2.1.2 Modernismo: avanço tecnológico no século XVIII e XIX 53
2.1.3 Modernismo: avanço tecnológico no século XX 57
2.1.4 Pós-modernismo e contemporâneo 77
2.2 MATERIALIDADE E IMATERIALIDADE 91
2.2.1 Flexibilidade material e imaterial 101
2.2.1.1 Flexibilidade material 101
2.2.1.2 Flexibilidade imaterial 118
3
ESPAÇOS FLEXÍVEIS 129
3.1 RUA: UM CASO ESPECIAL 133
3.2 O EDIFÍCIO 145
3.2.1 Espaços efêmeros 146
3.2.2 Apartamentos contemporâneos 159
3.3 O MOBILIÁRIO 165
CONCLUSÕES 189
REFERÊNCIAS 205
Índice Remissivo 223
INTRODUÇÃO
O que é ser flexível hoje? Como se sabe, essa questão se coloca diante de inúmeras reflexões. A flexibilidade é um assunto discutido desde a época do modernismo, mas devido a vários níveis de interpretação e a dificuldade de abordá-las, é um tema pouco debatido em comparação a outros temas.
Sabendo isso, os estudos começaram a tomar partido e, para tanto, iniciaram as constantes buscas sobre os inúmeros segmentos, vieses e assuntos em que, em algum momento, a flexibilidade fosse importante, e isso serviu para ampliar o conhecimento acerca do tema para então esquematizar o foco principal da pesquisa. Para obter um foco de grande relevância para o mundo acadêmico, de forma que pudesse contribuir verdadeiramente com a flexibilidade, considerada um dos fundamentos da arquitetura, foram realizadas reflexões baseadas em autores de todos os períodos da história em que a flexibilidade esteve presente e serviu como instrumento para o processo de desenvolvimento de sua arquitetura.
Foi importante refletir, relacionar, compreender, apropriar-se dos conceitos e analisar a flexibilidade em todos os períodos da história, posteriormente aproximar de outros conceitos para definir a arquitetura contemporânea, de modo que fosse possível verificar como se dão os espaços flexíveis contemporâneos.
Cada passo desta obra carrega questionamentos a serem respondidos. No capítulo 1 foi descrita a trajetória que a autora precisou percorrer para alcançar o foco de pesquisa e proporcionar ao leitor um panorama do que a obra se trata. Mais especificamente, no primeiro capítulo as análises buscaram compreender os significados da flexibilidade. Assim, a flexibilidade, um dos fundamentos da arquitetura, foi investigada, a partir de seus significados, críticas e tipologias referentes ao conceito flexível. Ao considerar que a compreensão do conceito é nitidamente confusa e afeta diretamente nos projetos contemporâneos devido ao mau uso do termo afetado pelo grande avanço e desenvolvimento tecnológico, entre outros, surgiu um estudo interdisciplinar, com áreas da filosofia, ciências sociais e antropologia, relacionadas aos estudos da arquitetura e do urbanismo.
O capítulo 2 traz a evolução histórica da flexibilidade desde os primórdios até os dias atuais, passando por eventos e discussões entre autores donos de visões contrárias. O livro promove discussão com início na Idade Antiga e Idade Média, introduzindo a efemeridade para se referir à arquitetura vernacular e explicar sobre períodos: paleolítico, neolítico, habitações egípcias, habitações romanas e idade dos metais. Em cada período, a flexibilidade é exemplificada a partir da evolução das habitações. Mais à frente, a pesquisa se dirige ao modernismo: avanço tecnológico no século XVIII, época em que as estruturas pré-fabricadas tiveram origem, marcando fortemente a época por construções inovadoras. Na sequencia é trazido à tona o modernismo: avanço tecnológico no século XIX, de extrema importância para o desenvolvimento desta obra, já que após esse período houve necessidades de avanços nos processo de reestruturação urbana, devido à revolução industrial.
Por consequência do arquiteto Le Corbusier e de outros arquitetos, o modernismo: anos 20 do século XX foram estudados e mencionados neste livro como parte fundamental para compreender tal evolução, já que a partir desse período o conceito flexível foi reconhecido e adotado em programas de projeto de arquitetura. No modernismo: anos 30 e 40 do século XX, a flexibilidade foi de fato influenciada pelas inovações tecnológicas, portanto, começaram então discussões que remetiam a preocupações com o uso de estruturas flexíveis. Com a chegada do modernismo: anos 60 e 70 do século XX, e o fomento da flexibilidade, novas tipologias começaram a ser introduzidas e referidas quando se tratavam da flexibilidade, tipologias as quais eram chamadas de adaptáveis, móveis, elásticas, polivalentes, entre outras, que, por sua vez, eram interpretadas de formas completamente distintas pelos autores críticos e arquitetos. Por fim, esta obra traz considerações da flexibilidade no período pós-moderno e contemporâneo, que se desenvolve a partir das inúmeras compreensões do conceito flexível e de suas tipologias, criando uma espécie de conversa entre os autores, com o objetivo de compreender suas diferentes visões sobre o significado do conceito, bem como é aplicado ou não em seus projetos.
Posteriormente,