Morfologia Urbana: uma Introdução ao Estudo da Forma Física das Cidades
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Morfologia Urbana - Vítor Oliveira
Capítulo 1
Introdução
Palavras-chave: Cidades, Morfologia urbana, Forma urbana, História da disciplina, Manual.
1.1 Motivação
Poucas coisas me dão tanto prazer quanto caminhar pela primeira vez pelas ruas de uma cidade. O momento em que saio do hotel na primeira manhã, geralmente carregando um mapa, um caderno de esboços e uma câmera, tem um significado intenso para mim, representando o início da descoberta da cidade... essa magnífica criação da humanidade. Essa manhã em particular, bem como os dias que se seguem, são de intenso aprendizado. Tento deixar o hotel o mais cedo que consigo e voltar o mais tarde possível. Nas várias caminhadas, tiro algumas fotos, faço esboços rápidos e escrevo notas breves. Deixar um lugar é sempre triste, mesmo sabendo que minha querida cidade, Porto, estará sempre me esperando. Às vezes, volto ao lugar visitado antes do que imaginava. Ao retornar, normalmente pego o mapa que usei na primeira vez e continuo a traçar todas as ruas percorridas
. É bom saber que há sempre novas linhas a serem traçadas.
À medida que minha paixão pelas cidades continuou crescendo, ocupando um lugar cada vez mais central em meu trabalho acadêmico e de pesquisa, percebi, com alguma perplexidade, que não havia muitos livros didáticos sobre o estudo da forma física das cidades. Inicialmente pensei que se tratava de falta de conhecimento, mas rapidamente, por meio do meu trabalho de pesquisa e dos contatos com colegas portugueses e estrangeiros, reconheci que realmente não existem manuais sobre morfologia urbana.
Este livro tem este objetivo particular, ser um manual... um manual capaz de apresentar ao leitor o maravilhoso mundo do estudo da forma física das cidades. Nesse sentido, o livro é dirigido primeiramente a pesquisadores, acadêmicos e estudantes de disciplinas de mestrado e doutorado para as quais a morfologia urbana seja um tema fundamental, incluindo geografia, arquitetura, planejamento, engenharia e ainda história, arqueologia e sociologia. Também é dirigido aos profissionais que, de maneira sistemática, lidam com a forma física das cidades: planejadores, arquitetos, engenheiros e outros.
Finalmente, este livro destina-se a todos aqueles que estão interessados nas cidades e que, como eu, sempre querem aprender algo mais sobre a mais complexa das invenções humanas
(Lévi-Strauss, 1955). Para atingir esse objetivo, tentei fazer um livro simples e pequeno, usando uma linguagem muito acessível. Isso não significa simplificação de conteúdos, mas de como estes são comunicados — realçando o essencial e eliminando os elementos supérfluos.
Minha experiência pessoal está refletida no livro: desde minha formação básica em arquitetura, passando pelo meu trabalho diário no CITTA, chegando ao intenso debate nas duas redes de pesquisa morfológica nas quais estou mais profundamente envolvido — o International Seminar on Urban Form (ISUF) e a Rede Lusófona de Morfologia Urbana (PNUM) — até às indispensáveis viagens às diferentes cidades que tive o prazer de visitar.
1.2 Tema
Este livro trata da morfologia urbana. É difícil encontrar definições partilhadas, nas diferentes abordagens morfológicas, de morfologia urbana
e de forma urbana
. Neste livro parte-se da definição básica de que morfologia urbana significa o estudo das formas urbanas e dos agentes e processos responsáveis pela sua transformação e de que a forma urbana refere-se aos principais elementos físicos que estruturam e dão forma aos tecidos urbanos, ruas (e praças), lotes, edifícios, para referir os mais importantes. O tema dos diferentes elementos da forma urbana será desenvolvido em detalhe no segundo capítulo. A palavra cidade
neste texto é usada em seu sentido mais amplo.
O termo morfologia foi proposto pela primeira vez por Johann Wolfgang Von Goethe (1749-1832), famoso escritor e pensador alemão, que dedicou parte de sua obra à biologia. Goethe usou a palavra morfologia para designar a ciência que trata da essência das formas
. Embora tenha sido proposto como um ramo da biologia, a natureza geral e abstrata da morfologia permitiu sua aplicação em muitos campos. A Tabela 1.1 mostra um conjunto de definições de morfologia urbana propostas por diferentes autores.
Apesar do número reduzido de manuais, há muitos textos sobre vários aspectos da morfologia urbana. Diante da impossibilidade de trazer tudo isso para o debate, tive de fazer algumas escolhas. Este livro é particularmente orientado por artigos publicados em revistas científicas revisadas por pares, escritos em língua inglesa. Esses artigos têm três vantagens fundamentais como fonte de conhecimento: informações atualizadas, validação científica e consideração de questões locais sob uma estrutura mais ampla. No entanto, enfatizar essas vantagens não significa ignorar uma desvantagem significativa, destacada por autores como Jeremy Whitehand ou Michael Conzen: é mais fácil para um autor que tem o inglês como língua nativa elaborar um texto nesse idioma. Isso leva à existência, nessas revistas, do que os dois autores descrevem como "anglophone squint" (CONZEN, 2011; WHITEHAND, 2012). No entanto, também parece justo dizer que na maioria das revistas científicas, nesta área do conhecimento, um artigo não é rejeitado pela falta de qualidade da escrita em inglês.
Tabela 1.1 Definições de morfologia urbana
Fonte: Marshall e Çalişkan, 2011.
Livros e teses de doutorado não publicadas mereceram atenção especial na construção deste manual. Nesses casos, o idioma provou ser uma barreira: apenas material em inglês, francês, italiano, português e espanhol foi considerado. Por fim, as comunicações em conferências científicas neste campo do conhecimento — como o International Seminar on Urban Form, o International Space Syntax Symposium (ISSS) e a conferência anual da Rede Lusófona de Morfologia Urbana — foram consideradas e incorporadas no livro.
1.3 Estrutura do Livro
O livro está organizado em nove capítulos. Após esta breve introdução, o segundo capítulo foca nos diferentes elementos da forma urbana. A apresentação desses diferentes elementos segue uma ordem de resolução crescente da forma urbana. Começa com uma descrição e uma explicação dos diferentes tecidos urbanos que podemos encontrar nas cidades. Em seguida, aumenta o nível de resolução para o contexto natural e para o sistema de espaços públicos que constitui cada tecido urbano, analisando tanto os espaços de circulação quanto os de permanência. O capítulo passa então para os lotes urbanos que são a expressão física da propriedade individual em nossas cidades e, desse modo, distintos do espaço público ou coletivo. Mais uma vez aumentando o nível de resolução, o capítulo se desloca para os edifícios que constituem o tecido urbano de uma cidade, incluindo não apenas edifícios singulares, mas também edifícios comuns.
O terceiro capítulo evidencia os diferentes agentes e os complexos processos de transformação urbana. Ele analisa de que modo cada um de nós participa do processo de transformação da paisagem urbana: como empreendedor de uma ação de transformação das formas urbanas, como arquiteto responsável pelo projeto de novas formas físicas, como construtor dessas formas ou, de maneira mais indireta, como responsável pelo planejamento, projetando uma visão da cidade e orientando a atividade privada em sua prática diária de gestão urbana, ou como político eleito que define uma estratégia política para a cidade. Além disso, o capítulo visa compreender os processos de transformação urbana: como nos organizamos enquanto sociedade para construir um equilíbrio entre uma visão abrangente da cidade, geralmente planejada, e uma série de contribuições diferentes, porventura associadas a uma maior espontaneidade. Argumenta-se que esse equilíbrio entre unidade e diversidade é essencial em uma cidade que quer ser atraente em termos morfológicos.
Depois de apresentar os principais objetos de estudo em morfologia urbana — as formas urbanas, os agentes e processos de transformação — o quarto capítulo analisa a evolução das cidades ao longo da história. A estrutura do capítulo recorre a sete períodos históricos que representam relativo consenso entre diferentes pesquisadores: (i) as primeiras cidades, particularmente na Mesopotâmia e na China, (ii) as cidades gregas, (iii) as cidades romanas, (iv) as cidades islâmicas, (v) as cidades medievais,
(vi) as cidades renascentistas e, por fim, (vii) as cidades do século XIX. O objetivo principal do capítulo é compreender como os principais elementos da forma urbana — ruas, lotes e edifícios — foram combinados em cada um desses períodos e quais eram suas principais características.
O quinto capítulo aborda as cidades contemporâneas, tanto com formas urbanas herdadas quanto com formas urbanas emergentes, investigando os principais agentes urbanos e processos de construção de cidades. Foram selecionados três estudos de caso: três cidades claramente distintas, com diferentes fraquezas e ameaças, além de pontos fortes e oportunidades específicas. Essas cidades são Nova Iorque, Marrakech e Porto. Fundada no início do século XVII por colonos neerlandeses, a cidade de Nova Iorque vem crescendo continuamente, em um notável processo de evolução urbana marcado pelo plano de 1811 (que estabeleceu seu layout ortogonal), culminando na magnífica metrópole de hoje, organizada em cinco áreas principais (Manhattan, Brooklyn, Queens, Bronx e Staten Island) e residência de mais de oito milhões de habitantes. As formas urbanas de Marrakech são claramente diferentes daquelas de Nova Iorque. Marrakech, uma das quatro cidades imperiais do Marrocos, foi fundada em meados do século XI pelos almorávidas. Dez séculos de história urbana estão hoje presentes na sua extraordinária medina. A cidade com quase 1 milhão de habitantes também é composta por áreas construídas no século XX, como os bairros de Gueliz e Hivernage. As formas urbanas da terceira cidade, Porto, são muito diferentes das formas urbanas das cidades americana e marroquina descritas neste capítulo. Fundada em meados do século XI, assim como Marrakech, Porto cresceu de uma pequena cidade murada para uma área 12 vezes maior em um período de dois séculos. Num local privilegiado de frente para o Oceano Atlântico e para o Rio Douro, Porto é hoje o centro de uma área metropolitana com 1,7 milhão de habitantes.
Após um primeiro conjunto de capítulos centrados no objeto (a cidade), o sexto capítulo muda a ênfase para o pesquisador (o morfólogo urbano). O capítulo está dividido em três partes. A parte inicial aborda uma série de trabalhos que são clássicos da morfologia urbana e dos estudos urbanos.
O primeiro foi escrito no final dos anos 1950, cinco outros foram elaborados nos anos 1960, um foi escrito no final dos anos 1970 e o último foi concebido no início dos anos 1980. Os oito livros são: Studi per una operante storia urbana di Venezia de Saverio Muratori; Alnwick Northumberland. A study in town-plan analysis de M. R. G. Conzen; The image of the city de Kevin Lynch; Townscape de Gordon Cullen; The death and life of great American cities de Jane Jacobs; L’architettura della città de Aldo Rossi; Formes urbaines: de l’îlot à la barre de Jean Castex, Jean-Charles Depaule e Philippe Panerai; e, por fim, The social logic of space de Bill Hillier e Julienne Hanson.[ 1 ] A segunda parte desse capítulo apresenta as principais abordagens morfológicas desenvolvidas nas últimas décadas, desde a abordagem histórico-geográfica (promovida pela Escola Conzeniana) até a abordagem processual tipológica (promovida pela Escola Muratoriana); da sintaxe espacial às diversas formas de análise espacial (incluindo autômatos celulares, modelos baseados em agentes e fractais). Finalmente, a última parte introduz um tópico importante — tendo como pano de fundo diferentes teorias, conceitos e métodos — a necessidade de desenvolver estudos comparativos. O conhecimento dos pontos fortes e fracos de cada abordagem certamente permitirá àqueles que desejam desenvolver um estudo morfológico selecionar as opções mais apropriadas, dada a natureza específica do objeto em análise.
O sétimo capítulo se concentra em uma questão fundamental para o campo da morfologia urbana que vem recebendo maior atenção na literatura: a passagem da descrição e explicação dos fenômenos morfológicos à definição de diretrizes prescritivas para a produção de novas formas urbanas. São identificadas duas atividades eminentemente práticas que podem se beneficiar de apoio morfológico: planejamento urbano e arquitetura. Enquanto a primeira é um potencial receptor de teorias, conceitos e métodos morfológicos desenvolvidos para a escala da cidade, a segunda poderá ser orientada por abordagens morfológicas desenvolvidas à escala do