Feminilidades em Mídias Digitais: Um Estudo de Sociologia das Imagens
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Feminilidades em Mídias Digitais - Túlio Cunha Rossi
Editora Appris Ltda.
1ª Edição - Copyright© 2019 dos autores
Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda.
Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei nº 9.610/98.
Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores.
Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis nºs 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010.
COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS
Dedicado à pequena Nina, que enche meus dias de ternura.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao Departamento de Sociologia e Antropologia da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), que deu todo o suporte institucional necessário para a realização do projeto que culminou neste livro.
Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFMA e seu corpo docente, por acolherem o projeto que tornou este livro possível.
Às entrevistadas, cuja contribuição foi imprescindível para este trabalho.
Às estudantes Luísa Santos Magalhães e Thaís Martins, que contribuíram para a realização e transcrição das entrevistas.
Aos professores e amigos Paulo Menezes e Mauro Rovai, pelas leituras, comentários e críticas de trabalhos desenvolvidos ao longo da pesquisa e que serviram de base para este livro.
À Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais, que, nos anos desta pesquisa, acolheu e incentivou as propostas de Simpósio Pós-Graduando, Seminário Temático e Fórum na temática de Imagem e Ciências Sociais, possibilitando debates e encontros que foram fundamentais para a realização deste projeto.
PREFÁCIO
No livro Conversações, ao responder a uma pergunta a respeito da contraposição que fazia entre superfície e interpretação, Deleuze faz um pequeno comentário sobre o método de Foucault: Jamais interprete, experimente...
¹. Retirando-a do seu contexto e tomando-a como metáfora da relação estabelecida entre o livro e quem o lê, diria que a minha primeira aproximação ao Feminilidades em mídias digitais: um estudo em sociologia das imagens foi movida pela ideia de experimentar. E experimentar aquilo que Túlio Rossi se propôs a colocar em relação: as imagens e a tecnologia, de um lado, os temas como gênero, sexualidade e afetividade
, de outro, lançando mão de um método que vem da sociologia do cinema.
Quem se põe a experimentar, ressalve-se, é este leitor, dado que, no livro, a relação apontada está densamente construída. De fato, e isto vamos perceber ao longo da leitura, a estrutura do texto não cede no que poderíamos chamar de cuidado acadêmico no tocante ao uso de conceitos, à construção da trama de citações, às preocupações de fundo epistemológico, bem como à constante vigilância para colocar em perspectiva as suas próprias conclusões. No entanto é na escolha metodológica, isto é, no como fazer para analisar as imagens que circulam nas mídias digitais, que identificamos o desejo de compreender, externado pelo autor, mas também a brecha para que o(a) leitor(a) possa experimentar o uso de procedimentos utilizados da sociologia do cinema na análise das imagens que circulam pelas mídias digitais.
Trata-se de recursos oriundos da Sociologia do cinema de Pierre Sorlin
, lemos, em que as técnicas de análise fílmica
são agora levadas para o estudo dos vídeos publicitários, com destaque e considerações à parte para aqueles produzidos especialmente para a divulgação via internet
. É munido de tais técnicas – e, consequentemente, dos conceitos a elas ligados ou implicados – que Túlio Rossi se põe a "analisar criticamente construções de imagens de feminilidade difundidas em mídias digitais, especialmente por meio de vídeos publicitários compartilhados na rede social Facebook".
O interesse de Túlio Rossi como sociólogo, entretanto, não está propriamente no compartilhamento – ainda que o ato de compartilhar seja característico da geração mais afeita ao mundo digital –, mas nas referências de masculinidades, feminilidades, orientações e desejos sexuais, bem como de afetividade e expectativas relacionais partilhadas nessas imagens
, referências que atuam na construção de imagens de feminilidade pautadas pelo recurso específico à afetividade e que se manifestam sistematicamente em vídeos publicitários
. Este parece ser o centro das preocupações do livro, pois em tais vídeos se dá o trânsito de imagens do feminino e de emoções nas mídias digitais contemporâneas
, mas não só: é ali também que ocorre tanto a reprodução quanto a desconstrução de estereótipos de gênero, especialmente no tocante à relação desses estereótipos com a afetividade
.
Tomado por esse prisma, o método escolhido para analisar tais nuanças mostra-se adequado ao menos por duas razões. A primeira, pela apropriação que fará da noção operativa de pontos de fixação, útil para, nas palavras de Sorlin, lidar com um problema ou um fenômeno que, sem ser diretamente implicado na ficção, aparece regularmente nas séries fílmicas
e que podem ser identificados por alusões, repetições, uma insistência particular da imagem ou de um efeito de construção
². A segunda, pelo impulso que leva o sociólogo a tomar o filme (no caso, as peças que serão analisadas) como uma espécie de encenação
social, cuidado importante para que se possa perceber a seleção dos elementos que aparecem na tela (bem como o modo como estão organizados) e, a partir daí, identificar uma série de aspectos que tendem a passar tão mais desapercebidos quanto mais familiares
e partilhados
o são entre realizadores e público. A atenção a tais detalhes permite abordar não apenas o que aparece, mas o como
aparece, articulando diferentes categorias de informação e estímulos
, tais como imagem, texto, música, ruído, silêncio, cores, luz, sombra, entre outros – em acordo com convenções linguísticas próprias da mídia cinematográfica
.
Içado do meio que evoca, como encontramos na citação de Sorlin, e retraduzindo orientações valorativas de seu tempo, o produto audiovisual é um lugar privilegiado para a identificação de elementos percebidos como familiares
em determinados contextos, familiares
o suficiente para causar o estranhamento do pesquisador. Por essa razão, ao lidar com a massa fluida de informações e estímulos presentes nas imagens, o problema perspectivado em Feminilidades em mídias digitais... aparecerá sob um duplo processo de naturalização quando se fala de imagens eletronicamente mediadas
: o que sugere como enxergar, distinguir e hierarquizar homens e mulheres
, e o que adjetiva e reforça performances e normas comportamentais e emocionais de gêneros
. Afinal, como aponta Túlio Rossi, mais do que numa sociedade ‘digital’, vivemos, antes, numa sociedade de imagens
, em que boa parte das relações está mediada por imagens, fornecendo constantemente "formas de ser, sentir, ver e parecer".
A discussão proposta no livro está estruturada em três capítulos. O primeiro aborda a sociologia das emoções, conectando-a com as noções socialmente construídas de feminilidade
. O segundo, de fundo metodológico, esclarece como os recursos oriundos da sociologia do cinema foram utilizados para a análise dos vídeos publicitários selecionados, dando ênfase aos cuidados necessários para a análise das imagens neles presentes. No terceiro capítulo, o autor vai ao material da sua pesquisa, isto é, aos vídeos e às entrevistas – semiestruturadas e de caráter exploratório, realizadas com dez mulheres entre 18 e 25 anos, de São Luís-MA, de modo a sondar o modo como percebem a presença das mídias digitais no seu cotidiano, e o que entendem por O que é ser mulher
e afetividade, ou sobre os significados de amor e feminilidade. É nesse momento em que problematiza não apenas as formas de pensar, agir e de sentir encenadas nas mídias digitais, como também os limites do método proposto, que somos colocados diante tanto da instigante aproximação e afastamento entre filmes de cinema (ou os filmes de amor mais conhecidos) e as imagens circulantes nas mídias digitais quanto da questão que mobiliza o livro, o modo como imagens no contexto atual das novas mídias instauram padrões sociais e normativos para expressões de gênero e emoções
.
No entanto, e retomando a ideia de experimentar do início deste prefácio, esse movimento que passa pela definição de conceitos, revisão bibliográfica, apuro metodológico e análise tem início com uma introdução que descreve a experiência vivida pelo autor quando era adolescente e começara a ter contato com computadores. E embora Túlio quisesse com isso demarcar a presença dominante do texto escrito no modo como lidávamos com as novas máquinas, elemento que seria paulatinamente substituído pelas imagens, sua descrição do formato das máquinas (os computadores
), dos termos utilizados (como sistemas operacionais
, por exemplo) e sua referência à introdução sonora que identificava o acesso à internet por linha discada
remetem-nos, ou podem nos remeter, a uma série de lembranças que colocam em perspectiva o modo como tudo isso começava a ser experimentado, há pelo menos duas décadas, no cotidiano, pelas pessoas. Dessa perspectiva é que observamos a atualidade da relação proposta por Túlio entre a circulação das imagens nas mídias digitais, os temas de gênero, sexualidade e afetividade
e o método utilizado para estudá-la.
Mauro Luiz Rovai
Professor de Sociologia da Universidade Federal de São Paulo
APRESENTAÇÃO
Este livro é a consolidação da análise e discussão dos resultados do projeto de pesquisa intitulado Amor e sexualidade em construção: consumo, internet e mídias audiovisuais na socialização afetivo-sexual feminina³. A produção deste livro só foi possível graças à contínua inscrição de fragmentos da pesquisa em congressos nacionais e internacionais, que permitiram o debate de diferentes aspectos do trabalho e seu aprimoramento ao longo de sua realização⁴. Dessa forma, este livro dialoga com outros textos de minha autoria, bem como incorpora e desenvolve conteúdos anteriormente visitados e discutidos por mim, apoiando-se especialmente em comunicações apresentadas em congressos nacionais e internacionais⁵. O propósito da pesquisa foi analisar criticamente construções de imagens de feminilidade difundidas em mídias digitais, especialmente por meio de vídeos publicitários compartilhados na rede social Facebook.
O conteúdo deste livro está disposto em três capítulos, além de introdução e conclusão: o primeiro se debruça sobre uma perspectiva analítica sociológica das emoções, com destaque para a constituição cultural e histórica do amor romântico no Ocidente e estabelecendo suas conexões com noções também socialmente construídas de feminilidade. Nesse capítulo, apresentam-se os conceitos e perspectivas analíticas sob os quais gênero e afetividade são abordados ao longo do trabalho. O segundo capítulo dedica-se a estabelecer a aproximação necessária entre sociologia e imagens, atribuindo especial importância às imagens cinematográficas. A partir desse capítulo, desenvolvem-se os fundamentos teóricos e as perspectivas analíticas empregadas na pesquisa para a análise dos vídeos publicitários. Esse capítulo, portanto, tem caráter predominantemente metodológico, não no sentido de descrever as técnicas empregadas na pesquisa, mas, principalmente, de discutir e sustentar a relevância e validade epistemológica de uma análise sociológica nomeadamente voltada para o estudo de imagens. Já o terceiro capítulo concentra as apreciações mais diretas sobre os vídeos analisados e excertos das entrevistas realizadas durante a pesquisa. Esse capítulo também apresenta uma densa e necessária contextualização em relação às mídias digitais, suas características específicas de difusão e participação que conferem algumas particularidades aos vídeos analisados, o que demandou algumas mediações teóricas e práticas em relação ao referencial metodológico apresentado no capítulo anterior. Por fim, nas conclusões, apontamos, de maneira sintética, a relevância de aprimorar estudos de uma sociologia das imagens no presente contexto das mídias digitais, uma vez que essas duas se revelam cada vez mais integradas. E, nesse argumento, chamamos atenção à importância tanto dessas imagens quanto das novas mídias para a constituição de formas de construir, perceber e reconhecer padrões sociais e normativos para expressões de gênero e emoções.
O autor
Sumário
INTRODUÇÃO
I
AMOR, GÊNERO, EMOÇÕES
Uma breve sociologia do amor romântico
Amor e feminilidade
II
SOCIOLOGIA E IMAGEM
Algumas considerações metodológicas
Gênero, imagens, emoções
Entre imagens e sociologia: relações nem sempre visíveis
III
NOVAS MÍDIAS?
Sociedade e tecnologia hoje
Amor e feminilidade em vídeos publicitários
Amor e feminilidade nas palavras de jovens mulheres
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
ANEXO
INTRODUÇÃO
Pelo menos desde meus 12 anos de idade, quando meu pai comprou o primeiro computador da casa – que, de alguma forma, servia a seus sete moradores –, pude ter contato cotidiano com esse tipo de máquina. Naquela época nem tão distante – há