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Selvagens & Baderneiros: Representações e Subjetivação do Punk no Correio Braziliense (1990-2014)
Selvagens & Baderneiros: Representações e Subjetivação do Punk no Correio Braziliense (1990-2014)
Selvagens & Baderneiros: Representações e Subjetivação do Punk no Correio Braziliense (1990-2014)
E-book307 páginas4 horas

Selvagens & Baderneiros: Representações e Subjetivação do Punk no Correio Braziliense (1990-2014)

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Sobre este e-book

Selvagens & Baderneiros: representações e subjetivação do punk no Correio Braziliense (1990-2014) é uma análise histórica de processos de constituição de subjetividades delineadas a partir de representações de sujeitos e comunidade punk no discurso do jornal Correio Braziliense. Apoiando-se em uma abordagem discursiva das representações, perspectiva baseada em estudos de Michel Foucault e Stuart Hall, o livro é focado em um conjunto de reportagens, notícias e notas jornalísticas que assinala a historicidade das formas de ver e de se falar dos punks na mídia nas últimas décadas, desvelando e desconstruindo os sentidos e significados de enunciados que difundem e reforçam culturalmente, sobretudo, estereótipos acerca do movimento punk. A desnaturalização de imagens nas quais o punk aparece associado a cenários e adjetivações que remetem à violência, à selvageria, à criminalidade, ao vandalismo, à delinquência e à baderna é um dos escopos centrais desta obra, que, nesse percurso, atenta para as condições de produção, funções e finalidades dessas representações que orientam, discipli- nam e regulam comportamentos, relações sociais e o próprio sujeito punk que escapa à lógica normativa/capitalista das identidades. É uma análise que visa a propiciar a compreensão de certas tecnologias ou pedagogias sociais que incidem sobre as subjetividades e operam não sem resistências, refletindo interesses, valores, normas e posicionamentos daqueles que falam sobre o punk no diário analisado. Destina-se, pois, tanto a pesquisadores dos processos de produção de sentidos e efeitos de subjetivação nos media quanto ao público em geral interessado na temática do punk.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento12 de nov. de 2021
ISBN9786525007878
Selvagens & Baderneiros: Representações e Subjetivação do Punk no Correio Braziliense (1990-2014)

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    Selvagens & Baderneiros - Moacir Oliveira de Alcântara

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    COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS

    À memória de minha mãe, Maria Dalva Lopes de Oliveira, e à do camarada Flávio P. Silva.

    AGRADECIMENTOS

    Agradeço a Susane Rodrigues de Oliveira, Márcia Regina Miranda, Jean Paul Greenfield Catta Preta, Felipe Leriam, Paulo Barbosa, Edna Albano, Aquiles Barbosa, Carolina Rosello, Morgana Gomes Pereira André, Maurício de Andrade Gomes, Jammes Carneiro da Silva, Marcella Freitas, Ulisses Antônio Toledo, Sandra Maria da Silva, Elaine Regina Oliveira de Alcântara, Joaci Lacerda de Alcântara Júnior e a toda a fauna underground composta por punks, darks, crusties, headbangers, grafiteiros e editores de fanzine com a qual tive contato ao longo da vida e que, de diferentes maneiras, contribuíram para amalgamar as vivências que colaboraram para a realização desta obra.

    Time and again we’re criticized by those quick to buy into the media definition of what is anarchy. A media whose sole purpose is to serve the rich elite. The corporations: those whose sole interest is profit at whatever price.

    (Who Will Build The Roads?, A//Political, Baltimore).

    APRESENTAÇÃO

    A mais distante recordação que tenho sobre a palavra punk é de algum momento do final dos anos 1980: "Punks matam heavy em Santo André" (ou alguma formulação próxima a essa) em uma chamada do programa Fantástico da Rede Globo de Televisão. Proferida em tom tétrico, a mensagem entrelaçava-se a imagens de garotos e garotas punks de cabelos espetados. A partir daí, experimentei um misto de medo e fascínio cada vez que era confrontado com a estética impactante dos punks, os quais passei a notar que circulavam em minha vizinhança. Fatos ou factoides assim contribuíram para educar as minhas percepções e tiveram como efeito colateral o estímulo à curiosidade que me levaria a aderir ao punk e a querer saber tanto quanto fosse possível sobre o movimento.

    Em um período no qual as facilidades tecnológicas como a internet eram inexistentes, conhecer o punk, para muitos, só era possível por meio dos grandes veículos de comunicação. De jornais e revistas, vinham recortes de reportagens acerca do punk londrino; de programas de TV, reproduziam-se dezenas de fitas VHS, seja de uma breve aparição de uma banda punk, seja sobre a infindável gang war paulistana travada entre punks, headbangers e carecas. Em comum, essas notícias traziam a marca da espetacularização do comportamento de grupos que eram descritos como violentos, criminosos ou simplesmente como pitorescos e adeptos de um modismo. Ao identificar esses usos (e abusos) da expressão punk na grande mídia, estou considerando que eles operam a construção de sentidos e significados que se fixam na cotidianidade, bem como na orientação e disciplinamento de práticas e percepções de grupos não hegemônicos e de resistência como os punks. O que inúmeras narrativas jornalísticas têm privilegiado senão imagens do punk como um modismo deletério que estimula jovens à delinquência? A esse questionamento somam-se outros, também cruciais dentre as questões norteadoras desta obra: a que e a quem interessam esses modos de representar o punk? Que efeitos têm as interpelações que essas narrativas dirigem ao sujeito punk e ao público leitor do periódico analisado? São a essas questões que pretendo responder, mas sem a intenção de fazê-lo de modo definitivo.

    A escolha do Correio Braziliense para essa análise se deu de maneira tão simples quanto natural, já que nesse jornal encontrei muitas imagens e reportagens que compunham uma coleção pessoal que, mais tarde, constituíram-se como parte das fontes de uma pesquisa histórica. Nunca pude me livrar do incômodo causado pelas claras discrepâncias entre o punk que conheci nas ruas, criativo e espontâneo, e o punk de que o Correio Braziliense falava, referido como tendência, estilo ou associado à criminalidade. Enquanto punk e pesquisador não me contentei com a ideia de que a força vigorosa de um projeto existencial fosse posta ao público comum reduzida a imagens de jovens intolerantes com cortes de cabelo e indumentária excêntricos. Noticiar a violência do punk repercute com rapidez pela sociedade, já que dissemina saberes partilhados em suportes culturais diversos como o cinema, a televisão, a internet, os jogos eletrônicos e a própria mídia impressa.

    Não se trata, no entanto, de negar a agressividade constitutiva do punk que transparece na estética, na sonoridade, nas letras e que, algumas vezes, pode, de fato, traduzir-se em práticas de violência. Trata-se de colocar a questão das representações que perpassam o discurso do Correio Braziliense em suas implicações sobre a subjetividade punk, não perdendo de vista que esses são processos historicamente situados e que atendem a ordenamentos discursivos que devem ser analisados em suas especificidades. Nesse sentido, as representações difundidas pelo Correio Braziliense estimulam processos de subjetivação que produzem e reproduzem modelos que divergem das perspectivas antirracistas, antissexistas e antiautoritárias do punk. Atuam, assim, como tecnologias sociais que regulam, ainda que com resistências, os modos de ser e de se posicionar do sujeito punk. Não por acaso, as narrativas que associam o punk a crimes, gangues e vandalismo se apoiam na suposição de modelos ideais, desejáveis ou normais de comportamento que se opõem à política, à estética e às formas do sujeito punk se posicionar no mundo. Assim, compreendo o Correio Braziliense como parte de um dispositivo de saber, poder e subjetivação apoiado em padrões de legitimidade e de pertencimento cultural.

    Por último, é necessário esclarecer que a presente obra traz em si uma mácula que traduz a relação desigual entre sujeitos e instituições. Por questões burocráticas e político-ideológicas, não foi possível reproduzir as imagens, notícias e reportagens aqui analisadas e, assim, optei pela transcrição e descrição textual desses elementos. Dou-me por satisfeito, pois há um traço comum nas múltiplas histórias do punk: o esforço de sujeitos que buscam autonomia diante dos poderes institucionalizados.

    O autor

    PREFÁCIO

    Moacir Oliveira de Alcântara nos presenteia com este livro, resultado de sua dissertação de mestrado defendida em 2019 no Programa de Pós-Graduação em História (PPGHIS) da UnB. Como orientadora desse trabalho de pesquisa, sinto forte orgulho e satisfação de ter o privilégio de escrever este prefácio. Trata-se de um trabalho de pesquisa primoroso, feito com grande dedicação e compromisso político/intelectual com a escrita da história e, sobretudo, com o movimento punk. Moacir é um historiador punk que, movido pelo espírito de resistência e rebeldia contra o sistema dominante racista, classista e sexista, nos conduz aqui com grande maestria ao questionamento das representações do punk veiculadas no Correio Braziliense, entre os anos de 1990 e 2014. Ao escavar os arquivos digitais desse jornal de grande circulação e importância em Brasília, percorrendo uma infinidade de páginas em busca de representações textuais e imagéticas do punk, Moacir recolhe e organiza muito bem uma série de reportagens, matérias e notícias. De modo sistemático, organiza suas fontes, categorizando-as conforme os sentidos e funções que essas representações assumem em diferentes contextos narrativos.

    A pesquisa de Moacir é parte também do projeto Produzindo Histórias do Possível: representações e processos de subjetivação, coordenado por mim na Linha de Pesquisa História Cultural, Memórias e Identidades do PPGHIS/UnB. Sob o aporte teórico dos estudos culturais, pós-estruturalistas, pós-coloniais, feministas e de gênero, esse projeto abriga, desde 2012, pesquisas de mestrado e doutorado interessadas na historicidade de representações identitárias produzidas em diferentes tempos e espaços. Com esse direcionamento, as pesquisas no âmbito desse projeto têm por objetivo produzir histórias do possível acerca das subjetividades e relações humanas no tempo, rompendo com narrativas e epistemologias hegemônicas – eurocêntricas, universalistas, racistas, classistas e sexistas no campo historiográfico.

    Este livro nos mostra claramente como as representações do punk assumem diferentes sentidos, significados e funções a depender dos interesses, objetivos e autoria de cada narrativa jornalística. É assim que a imagem do punk sofre usos e abusos na mídia, ora para exaltação de uma estética fashion e de vanguarda; ora para depreciação, estigmatização e repulsa de sujeitos ligados ao crime, às gangues suburbanas, aos movimentos sociais ou protestos políticos ocorridos na capital federal.

    Sujeitos de liberdade e de contestação, o punk escapa à normatividade das identidades e comportamentos, tecendo críticas contundentes e agressivas ao sistema por meio de atitudes, vestimentas, zines, músicas e outras expressões artísticas. Associados também a ideias e preceitos políticos anarquistas, o punk recusa discursos e valores políticos moralistas, conservadores, fundamentalistas e neoliberais que buscam controlar nossas vidas a todo custo. Não por acaso, o punk é constantemente capturado e moldado pela mídia dominante por meio de histórias e notícias sensacionalistas que buscam ressignificar e controlar os perigos de sua re-existência.

    As representações como dispositivos de subjetivação têm o poder de interpelar as pessoas aos fornecer-lhes referenciais importantes para os modos de ser, pensar, agir e se posicionar na vida social. Nesse sentido, Moacir não as deixa passar incólumes e lhes confere destaque como dispositivos de poder capazes de excluir, marginalizar, rejeitar e inferiorizar sujeitos que resistem e escapam aos enquadramentos desse sistema. É no exercício de desconstrução dessas representações que este livro contribui fortemente na transformação das formas de ver e fazer ver o punk. No sentido derridariano, essa desconstrução se faz aqui na historicização das condições de produção, interpretação e imaginação do punk em nossa sociedade. Em um empreendimento libertador e de resistência às histórias estereotipadas, preconceituosas e desprezíveis construídas sobre a cena punk de Brasília, Moacir encara com coragem esse desafio de confrontar representações que, de certa forma, também lhe persegue e incomoda.

    O punk resiste aos reducionismos identitários! E com Moacir, o punk também escreve histórias a partir de suas próprias experiências e identidades no underground. Tecendo leituras e interpretações possíveis e dissidentes para imagens que também se projetam sobre nós, este livro tem um tom especial de protesto historiográfico. Afinal, quem são os punks tachados de violentos, selvagens e baderneiros? O que essas imagens nos dizem sobre aqueles que as produzem no jornal Correio Braziliense? Que indícios de re-existência e subversão podemos ver na desconstrução dessas representações? É com essas questões que lhes convido a embarcar na leitura prazerosa deste livro!

    Susane Rodrigues de Oliveira

    Professora do Departamento de História da Universidade de Brasília

    LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

    Sumário

    INTRODUÇÃO 19

    CAPÍTULO 1

    OS JORNAIS COMO FONTES DE PESQUISA EM HISTÓRIA 43

    1.1 QUESTÕES DE OBJETIVIDADE 43

    1.2 FONTES JORNALÍSTICAS NA HISTORIOGRAFIA 47

    1.3 DISCURSO JORNALÍSTICO, IMAGINÁRIO SOCIAL E SUBJETIVAÇÃO 51

    1.4 LINHA EDITORIAL E POSICIONAMENTOS POLÍTICO-SOCIAIS DO CORREIO BRAZILIENSE 57

    CAPÍTULO 2

    PUNK COMO EXPRESSÃO ESTÉTICA, MUSICAL E ARTÍSTICA 67

    2.1 "PUNK CHIC", "PUNK DE BOUTIQUE" 70

    2.2 A ESTÉTICA PUNK DO PLANALTO 82

    2.3 RENATO RUSSO E O PUNK ROCK DE BRASÍLIA 86

    2.4 ENTRE DOIS SUBMUNDOS: DESIGUALDADES DE CLASSE E REGIÃO 90

    CAPÍTULO 3

    PUNKS EM PROTESTOS E MANIFESTAÇÕES POLÍTICAS EM BRASÍLIA 95

    3.1 FOGO NO CIRCO (1992) 95

    3.2 "REVOLTA COR-DE-ROSA?" 100

    CAPÍTULO 4

    PUNKS E CULTURA DA VIOLÊNCIA: CRIMES, ASSASSINATOS E GANGUES 131

    4.1PUNKS EM NOTÍCIAS POLICIAIS 135

    4.2 ANONYMOUS E VIOLENTOS 142

    4.2 A SELVAGERIA DE PUNKS E SKINHEADS ESTÁ DE VOLTA (2013) 147

    4.3 MÁ REPUTAÇÃO: PUNKS NA IMPRENSA, CINEMA, GAMES, TELEVISÃO E HQS 165

    CONSIDERAÇÕES FINAIS 179

    REFERÊNCIAS 183

    ÍNDICE REMISSIVO 197

    INTRODUÇÃO

    Esta obra é resultante de inquietações que, por muito tempo, têm permeado os meus pensamentos. São questões que recorrentemente me instigam tanto como sujeito punk, quanto em minhas inclinações de pesquisador do campo da história cultural interessado nos processos de produção e difusão de sentidos por meio da linguagem midiática. É precisamente essa interseção a gênese desta obra, concentrada nos modos pelos quais o punk foi representado no jornal de maior circulação no Distrito Federal e região do Entorno, o Correio Braziliense (CB), entre os anos de 1990 e 2014.

    A opção por uma análise de notas jornalísticas, notícias e reportagens que abordaram o punk no CB no período referido decorre da compreensão de que o discurso midiático exerce funções simbólicas, mobilizadoras, pedagógicas e reparadoras em associação com os interesses de determinados grupos sociais e institucionais¹. Desse modo, esse discurso é perpassado por poderes de regulação e disciplinamento de condutas, além de atuar orientando identidades, práticas e perspectivas sociais, produzindo subjetividades e diferentes modos pelos quais os sujeitos são representados, concebidos, experimentados e analisados², a exemplo dos múltiplos sentidos conferidos ao punk na mídia.

    Antes de tratar das perspectivas do CB em relação ao punk e aos sujeitos que, a partir dele, constroem identidades, subjetividades, modos de ser e posicionamentos diante do mundo, confrontando-as com o instrumental teórico de noções e conceitos que norteiam este livro, é conveniente contextualizar historicamente o movimento em questão. Nesse percurso, apresentarei certos de seus traços caracterizadores, atentando, sobretudo, para a emergência e desenvolvimento da problemática engendrada das representações do punk na mídia ao longo do tempo.

    Como expressão (contra)cultural³ de grande visibilidade, o punk emergiu simultaneamente nos Estados Unidos e na Inglaterra⁴. Nos Estados Unidos, ele se consolidou enquanto uma confluência vanguardista entre os frequentadores do clube noturno CBGB’s, localizado na região do Lower East Side em Nova York: artistas plásticos, performers e grupos musicais da chamada Blank Generation⁵, em que se destacaram bandas como The Ramones, Dead Boys, Richard Hell And The Voidoids, Heartbreakers e Blondie. Aparentemente, a vocação política à esquerda e a militância anarquista é um legado dos punks britânicos⁶, uma vez que foi o Reino Unido, entre o final da década de 1970 e início dos anos 1980, o cenário no qual as vertentes ditas mais radicais do movimento punk como o anarcho punk, o hardcore e o polêmico streetpunk/oi! ousaram dar muitos passos além do niilismo juvenil atribuído ao punk em seus primórdios.

    No Brasil, os primeiros ecos da movimentação punk foram ouvidos em fins da década de 1970, ainda no período da ditadura civil-militar⁷. Como bem ensina Vieira⁸, em nosso território, o punk tem sido, desde então, objeto de abordagens midiáticas que se esforçam para enquadrá-lo sob estigmas de criminalidade, violência e delinquência ou, ainda, para incluí-lo nos parâmetros de consumo da indústria cultural. Entretanto, se alguns de seus elementos foram absorvidos pelo mainstream e colocados a serviço da lógica do consumo, a identidade punk insistentemente escapa de enquadramentos que se empenham em reduzi-la a relações de consumo e produção. O espaço do punk é o underground⁹, e a sua marca mais evidente é a resistência. É sob a credencial de subversivo que o punk emerge no Brasil, como ressignificação e não mera cópia do punk europeu ou estadunidense.

    Em Brasília e São Paulo, os punks já circulavam pelas ruas em fins da década de 1970. Necessário, no entanto, sublinhar as particularidades do punk de cada uma dessas cidades: se, na primeira, o punk inicialmente se manifestou como fenômeno tipicamente de jovens oriundos da classe média; na segunda, foi, desde a gênese, expressão de uma juventude pauperizada, filha do operariado suburbano. No artigo intitulado Um Renato Russo predestinado, Érica Magi¹⁰ identifica na narrativa do filme Somos tão jovens¹¹ uma perspectiva semelhante a essa, chamando atenção para o perfil majoritariamente de classe média, intelectualizado e simbólica e materialmente privilegiado dos punks de Brasília no período. Estética e musicalmente, o punk da Capital Federal apresentava feições mais abrandadas, que muito mais o aproximavam da new wave¹², se comparado ao punk paulistano, este último um genuíno rebento da periferia, tramado em bairros da Zona Norte como a Vila Carolina¹³ ou em rincões do subúrbio leste da maior metrópole da América do Sul. Com estética visual e musicalidade mais agressivas, os punks de São Paulo tinham um perfil proletário, especialmente pelas suas origens em bairros operários da periferia da cidade ou na região do ABC Paulista.

    Levando-se em conta o alcance e a influência atingidos nos anos 1980 e 1990, fatores visíveis, sobretudo, na música e na estética de determinados grupos de rock à época tornados célebres e ovacionados pela mídia, o punk ocupa lugar de destaque nos imaginários que permeiam a Capital Federal. É presumível e perceptível que parcela considerável dos habitantes da cidade tenha ao menos uma vaga noção do que venha a ser o punk, formulando, assim, outras séries de significados ao vocábulo polissêmico da língua inglesa que se refere a múltiplos e diversificados sentidos que, por vezes, são antagônicos. É nesse sentido que busco confrontar as representações que se referem ao punk no CB, encarado como fonte relevante à pesquisa histórica, já que ocupa lugar privilegiado dentre os veículos da mídia do Distrito Federal e difunde enunciados que mencionam, descrevem, adjetivam e conferem sentidos, visibilidades e dizibilidades às subjetividades punks.

    Em sentido geral, seja como um movimento social, político e cultural, seja como uma moda juvenil, destrutiva, criminosa e violenta, as representações do punk têm sido problemáticas não apenas no âmbito das mídias jornalísticas, mas também do cinema, da publicidade e da televisão, em artefatos culturais que se apropriam do punk para dele criar imagens estereotipadas e negativas. Desde os anos 1980, seriados de TV como Chips, Quincy, Square Pegs, 21 Jump Street e filmes como Class of 1984, Repo Man e muitos outros mostravam o punk como uma causa direta do sadomasoquismo, suicídio, assassinato, estupro e outras formas de violência¹⁴.

    De modo semelhante, os veículos de mídia no Brasil têm sido historicamente implacáveis em relação ao punk, associando-o repetidamente à delinquência e à violência. Exemplo disso são as campanhas publicitárias, reportagens e até personagens de novelas¹⁵ da Rede Globo de Televisão inspiradas em estereótipos exagerados e grotescos do punk. O relato de João Gordo, vocalista da banda Ratos de Porão, na biografia Viva la vida tosca informa a respeito das relações entre a mídia televisiva e o movimento punk por volta de 1982:

    Foi nessa época que rolou a maldita matéria do Fantástico sobre os punks. A repórter foi

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