Concerto dissonante em sol menor
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Concerto dissonante em sol menor - Cláudio Ricardo Reinhardt
Prefácio
por Cleiton Zoia Münchow
Dourados/MS, março de 2020
Concerto Dissonante em Sol Menor é o convite a uma dança obscura com a sombra maldita de um eu triste e multiplicado em meio a um teatro de espelhos em que nada é real, nem mesmo o nada. Cláudio Ricardo Reinhardt faz o nada nadar nas águas da vida, mesmo quando elas estão paradas e podres ele coloca o nada a nadar em busca de sentidos, palavras, daquilo que pulsa e nos faz pulsar: L´Art pour l’art, l´art pour la vie. Nada, nadador! Aproveita este livro-anzol e pesca tua dor, cria tuas crias e segue nadando até que o nada se transforme em um interessante balé aquático, na dança da solidão que, feito lobo da estepe, neste vem e vai que é a Terra, estamos a dançar.
Nietzsche, em 1881, escreveu a um amigo a respeito do encontro com a filosofia de Espinosa que, se não lhe retirou da solidão, a transformou em dualidão, uma espécie de solidão acompanhada. A leitura dos textos que compõem este livro constituído de uma multidão de matérias nos lança em estado de dualidão. O conto, o poema, a prosa poética, a canção e a música são os meios técnicos de expressão utilizados por Reinhardt para colocar em cena no teatro de espelhos que é o jogo da vida personagens que já nasceram vencidas: policiais em sua lida cotidiana, os marginalizados pelo Estado, os punks, bêbados, maconheiros, cocainômanos, os velhos depositados em asilos, os que ganham -1, os que já desistiram da utopia de um mundo melhor e que, por isso, necessitaram, necessitam e necessitarão inventar — em um sorriso, em um aroma, em uma tarde, em um gato quente no colo — as pequenas alegrias da vida. É na sensibilidade destes que a escrita de Reinhardt produz dualidão.
A solidão que torna a respiração difícil e nos faz sangrar é aquela que o encontro com Espinosa transformou em dualidão. As raízes nietzschianas da escritura de Reinhardt proliferam a hemorragia dessa solidão irrespirável e seu poder transfigurador para torná-la dualidão. A escrita suporta aqueles que não suportam mais a humanidade hipócrita instalada sob suas peles, a solidão acompanhada por outros seres de existência redonda e quadrada, linhas de fuga dos princípios pitagóricos e euclidianos cuja razão de ser é a estética. Modos de existência para os quais não há promessa de futuro porque sabem que, no aqui e agora, o Caos reina soberano enquanto Cosmos, feito micro-ondas, de dentro pra fora, explode o Ser. O encontro que nos ajuda a arrancar a solidão de dentro do peito, sentá-la em nosso regaço, passar-lhe os dedos por entre os cabelos, beijar-lhe a fronte e fazer-lhe sorrir é o que chamamos de dualidão. É preciso estar junto à solidão, pensa o escritor, afinal é justamente quando desaparece que seus poderes aumentam e ela fica desesperadora: retira de nós toda esperança e, como único remédio para a espera do existir, nos oferece o fio da navalha, somente ele, de longe, indica a solidão, poderia extirpar de uma vez por todas a dor de sua ausência presente e tornar nossa presença ausente.
O que fazer enquanto o ser explode em nada? Suicídio ou arte? Paradoxo! Concerto Dissonante em Sol Menor nos faz sentir o que não tem sentido: um conto bêbado, um punk bêbado a dedilhar música erudita aos ouvidos acústicos dos místicos religiosos que, não mais suportando a dissonância, quebram o silêncio e cantam a desarmonia do mundo. Pitágoras acreditava que as proporções existentes entre as cordas da lira são as mesmas proporções que regem o cosmos, disso resultaria uma música universal que não podemos ouvir porque nascemos ouvindo-a e não temos o contraste do silêncio que nos permitiria ouvi-la
(CHAUI. 1994, p.60), o universo seria, nesse sentido, harmonia e número. Assim, como bem observou a filósofa Marilena Chaui, seria possível pensar em um poder terapêutico da lira sagrada de Orfeu que, agindo sobre os homens, ordena-lhes a paz e a harmonia e a supressão das violências e dos conflitos. A justa proporção que une e concilia os que, por estarem separados, eram contrários
(Idem ibidem). Para Pitágoras, a harmonia encontra-se na agradável consonância. Reinhardt, como o próprio título do livro indica, trabalha com aquilo que o pai do famoso teorema identificaria ao desagradável: a dissonância.
O bom senso não faz parte deste livro que fala nada. O bom senso, pensa Deleuze, é a afirmação de que, em todas as coisas, há um sentido determinável, mas o paradoxo é a afirmação dos dois sentidos ao mesmo tempo
(DELEUZE. 2009, p.1). O sentido é um mal que atrai, o não-senso é o que há, encontramos em meio ao paradoxo temporal do qual nos fala a intrigante, repulsiva, irônica e encantadora personagem de no0anada
, conto em que entre escritor e leitor estabelece-se uma estranha relação em que falanda nada, sem falo mesmo!, o autor fisga o leitor em um jogo fascinante de dizer nada. A palavra é o poder que os poetas têm utilizado para encantar aos homens, a palavra que encanta como o canto da sereia que nos faz mergulhar em águas profundas sem nenhuma chance de retorno. O mundo dos poetas, músicos e bêbados é o mundo em que as formas não são pensadas como a materialização de um finalismo, mas como efeito de um jogo de forças vitais que apontam para todos os sentidos ao mesmo tempo.
Medida e desmedida, proporção e desproporção, beleza e deformidade, individualização e desindividualização, apolíneo e dionisíaco, eis os dois instintos da arte:
Aqui se faz agora necessário, com uma audaz arremetida, saltar para dentro de