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Uma Justiça Especial para os Indígenas: aplicação da Justiça em Moçambique (1894-1930)
Uma Justiça Especial para os Indígenas: aplicação da Justiça em Moçambique (1894-1930)
Uma Justiça Especial para os Indígenas: aplicação da Justiça em Moçambique (1894-1930)
E-book787 páginas9 horas

Uma Justiça Especial para os Indígenas: aplicação da Justiça em Moçambique (1894-1930)

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Sobre este e-book

Esta é uma obra para quem quer ter conhecimento de como era feita a aplicação da Justiça aos indígenas (que é como eles qualificavam os negros das colônias - Moçambique). Com a leitura deste livro, o leitor tomará conhecimento de quão era complicada era esta distribuição da Justiça feita por pessoas que não conheciam o direito consuetudinário dos indígenas, para pessoas que não entendiam o direito formal português. Um pluralismo jurídico que contribuiu para a manutenção da exclusão dos indígenas dos direitos de cidadania atribuídos aos portugueses.
IdiomaPortuguês
Data de lançamento28 de set. de 2020
ISBN9786588066874
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    Uma Justiça Especial para os Indígenas - Esmeralda Simões Martinez

    nacionalidade.

    CAPÍTULO I – PORTUGAL E ÁFRICA (1822-1894): DIREITO E JUSTIÇA NAS COLÔNIAS

    O capítulo trata da edição e aplicação das leis no ultramar. Demonstra quem tinha a competência, seja para editar a lei, seja para aplicá-la. Mostra como o princípio da separação de poderes – Legislativo-Executivo-Judiciário foi afastado no que diz respeito, tanto à criação da legislação, quanto em relação à aplicação da Justiça, porquanto o princípio da especialidade, estabelecido no Acto Adicional 52, que passou a basear a edição das leis para ter vigência no ultramar, permitiu a criação de todo um sistema não só de edição de leis, como de aplicação da Justiça, completamente diverso do existente na Metrópole, que resultou num retorno à centralização dos poderes na mão de uma só autoridade, que exercia as funções atinentes ao Executivo, ao Judiciário, podendo, até, exercer o terceiro poder, o Legislativo.

    São, pois, os princípios que baseavam a edição das leis e a aplicação delas no ultramar, o objeto do capítulo, que demonstra que tanto as leis feitas especialmente para ter vigência no ultramar, quanto às leis metropolitanas que tiveram aplicação extensiva àquele, observavam tais princípios; quando novas: o da especialidade, urgência, observação dos usos e costumes, e o da missão civilizadora; quando extensivas, o princípio observado era o da contemporização, porque, em relação aos indígenas, e não só a estes, estas leis eram aplicadas com a expressa recomendação de que fossem observados os seus usos e costumes, no que eles não fossem contra os princípios morais e de humanidade.

    Como já esclarecido na introdução, o período abrangido pelo trabalho acontece entre o ano de 1894 a 1930, entretanto, para que se entenda o contexto em que aconteceu a reforma do judiciário ultramarino, é necessária uma retrospectiva, a fim de que possamos compreender como e porque a reforma foi necessária, e o motivo da sua especialidade em relação aos indígenas.

    Há que se estabelecer a necessária ligação entre as relações dos poderes do Estado e a aplicação da justiça, porque o poder Judiciário forma a cúpula da administração do Estado, integrando-o, embora com a independência necessária dos demais, o que não significa, como veremos adiante, que tenha existido, realmente, em relação ao Ultramar, esta divisão nos moldes idealizados por Montesquieu e respeitado, depois de algumas reformas, na Metrópole.

    Assim, analisaremos como foi introduzido em Portugal o sistema da separação dos poderes, e como o poder judiciário, especificamente, foi organizado, tanto na Metrópole, quanto no Ultramar.

    I.1 - A CONSTITUIÇÃO DE 1822: PRINCÍPIOS E SEPARAÇÃO DOS PODERES

    Após a Revolução Liberal de 1820 as Cortes Portuguesas foram convocadas para adoção de uma Constituição, que observasse os princípios liberais originários da Revolução Francesa, no que se refere à igualdade de todos perante a lei.

    As Cortes se reuniram entre janeiro de 1821 e novembro do mesmo ano, período em que as discussões sobre os princípios a serem adotados na Constituição foram realizadas a partir das bases que foram fixadas pelas próprias Cortes.

    Dentre as bases estava a que estabelecia a divisão tripartite dos poderes, o que realmente restou consagrado no Art. 30º da Constituição Monárquica: Executivo- Rei; Legislativo- Cortes, e o Judiciário – Juízes; também restou garantida a independência deles. Esta separação dos poderes idealizada há séculos atrás por Montesquieu, não implicava em uma separação rígida, e sim numa divisão de funções. As funções executiva e legislativa podiam ser exercidas tanto pelos poder Legislativo quanto Executivo, que, entretanto, não poderiam exercer a função judicial.

    O artigo 20º declarava que a Nação portuguesa era a união de todos os portugueses em todos os hemisférios e compreendia as colônias africanas, considerando todos os portugueses como cidadãos, inclusive os escravos que tivessem sido alforriados, portanto, todos tinham direitos e deveres iguais, o que incluía o acesso à justiça

    No período da discussão das bases da Constituição Política da Monarquia Portuguesa, se pode notar o caos em que se encontrava o país como um todo, e em particular, a justiça. Nas cortes discutia-se a adoção do sistema tripartite e o princípio da igualdade de todos os cidadãos perante a lei com a consequente extinção dos privilégios pessoais de foro nas causas. O relatório apresentado por Fernandes Thomaz, na sessão da Cortes Constituintes dos dias 2 e 5 de fevereiro de 1821 solicitava que uma medida urgente fosse tomada em relação à administração da justiça, tendo em vista a situação de escândalo em que ela vivia:

    [...] Mas vós não ignorais, Senhores, que o meio de conservar o povo em sossego É administrar retamente a justiça. O poder da lei é o único poder respeitável porque dele vem toda a autoridade do governo, a sua força e segurança.

    Em Portugal o arbítrio ditava muitas vezes a decisão do Magistrado, porque ele o podia fazer sem responsabilidade. Nesta ordem há como nas outras grandes abusos, mas nenhuma precisa talvez de ser reformada, nem com mais prontidão, nem com mais cuidado. O escândalo é geral e geral deve ser em consequência a satisfação e a emenda [...] com tudo é preciso dar nova forma aos juízes e às instâncias: É preciso facilitar por todos os meios e por todos os modos a pronta administração da justiça. Se Ela é indispensável na ordem social para fazer a felicidade do cidadão, porque há de ele vir tão longe buscar a decisão da sua demanda? Porque não há de o fraco achar em seu auxilio contra o despotismo do poderosos a autoridade da lei, no mesmo lugar em que Ela foi ofendida.⁶⁸

    Esta situação de escândalo, de acordo com o deputado Barreto Feio, que apelidava a justiça de monstro, residia, segundo ele, no fato dela tender sempre para a arbitrariedade; e por mais que se procura conte-la, toma o freio nos dentes, investe contra os mais sagrados direitos do cidadão, roubando a uns a honra, a outros a vida, a outros a propriedade. ⁶⁹

    Ainda na sessão de 03.02.1821 o Senhor Rebello se pronunciava em relação à tripartição dos poderes:

    Nós, Senhores, fomos colocados neste Augusto Congresso para mover o espaço e as balizas que separação o Poder Legislativo e Executivo, a confusão destes poderes foi talvez quem produziu essencialmente desgraças publicas, que fizeram necessária a reunião deste Augusto Congresso. As Cortes tem nomeado uma Regência para exercer em nome de S. Majestade o Poder Executivo, tem reservado para si o Poder Legislativo e a Suprema Inspeção sobre o Poder Executivo. ⁷⁰

    Era evidente que a separação dos poderes não teria, por si só, a capacidade de fazer com que a justiça fosse igualmente distribuída a todos com a igualdade determinada, também, pela própria Constituição, que inspirada da Declaração dos Direitos dos Homens estabeleceu a igualdade de todos os cidadãos diante da lei.

    Acontece que apesar de restar estabelecido na Constituição a divisão tripartite, e constar que tudo o que ali se continha se aplicaria no território português, que abrangia as colônias africanas e asiáticas, que agora teriam uma maior atenção da Metrópole, conforme se comprova no relatório acima citado da autoria de Fernandes Thomaz em que, quando a elas se reporta, diz: [...] à vossa sabedoria não há-de escapar que, nas críticas circunstâncias em que nos achamos é necessário dar uma particular atenção aos nossos estabelecimentos de África e das ilhas adjacentes a Portugal [...]⁷¹, embora a preocupação fosse econômica, para que estas possessões, que nunca tiveram a mesma atenção que o Brasil, pudessem potencialmente ocupar o lugar da ex-colônia americana, a administração teria de passar por uma reforma, inclusive observando o que estava estabelecido na Constituição a recém promulgada.

    Medidas teriam de ser tomadas em relação à organização do próprio Judiciário; leis deveriam ser revogadas a fim de que, realmente, um poder judiciário legitimado pela Constituição e pelo ideário liberal se estabelecesse, inclusive com o respeito aos direitos individuais dos cidadãos, que incluía o acesso à justiça.

    Inspirada na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, a Constituição estabelecia o princípio da liberdade e da igualdade de todos perante a lei. O primeiro consistia em fazer tudo o que a lei não proibia; o segundo (Art. 9º) determinava o tratamento igual de todos os cidadãos diante da lei, abolia os privilégios de foro (foro eclesiástico e o foro militar em causas cíveis) nas causas cíveis e criminais; o terceiro, o da legalidade, consistia em que a lei é que fundamentava todas as ações dos três poderes, nada poderia ser feito se não estivesse ao abrigo da lei, Arts. 2º, 3º. Em termos penais, e no qual o princípio da legalidade em a sua aplicação mais visível, estabelece-se o princípio da nulla crime sine lege e em consequência, nulla poena sine lege. Ou seja; não há crime sem lei que o defina e não há pena que não esteja determinada na lei.

    Constando na Constituição estes três princípios e, tendo sido estabelecido no Art.20º que a Nação Portuguesa era a união de todos os portugueses de ambos os hemisférios, temos que a lei portuguesa tinha aplicação em todo o território português, o que significava que as colônias eram também regidas pelas leis gerais e todos os princípios estabelecidos na Constituição teriam de ser observados, também, nas possessões, o que implicaria, em hipótese, na igualdade entre os africanos e

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