Papa Highirte
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Escrita em 1968 – um dos anos mais conturbados politicamente em todo o mundo – a peça foi intitulada em alusão ao ditador haitiano François Duvalier, conhecido como Papa Doc, que governou o país de 1957 a 1971, e tem três temas centrais: o declínio do populismo caudilhista, a organização das militâncias de luta armada e a influência da política externa estadunidense no continente americano. Ao personificar cada uma dessas temáticas em personagens bastante pitorescos, Oduvaldo Vianna Filho escreveu o trabalho teatral mais significativo em torno do esforço da esquerda perante o autoritarismo, a tortura e a repressão daqueles anos.
Liberada para publicação e encenação somente em 1979, no início da chamada redemocratização, "Papa Highirte" é, na opinião de muitos críticos, um retrato sintético e perfeito do panorama político das repúblicas latino-americanas. Cinquenta anos depois, a pertinência de sua leitura se amplia à medida que o Brasil se depara novamente com o peso da imposição estadunidense, com a concretude do revisionismo histórico acerca do período do governo militar e a ascensão do autoritarismo na política. Em si, a nitidez e a sensibilidade da percepção de Vianna Filho a respeito das forças que estavam em jogo já permitem que a leitura de "Papa Highirte" seja imprescindível nos dias de hoje.
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Pré-visualização do livro
Papa Highirte - Oduvaldo Vianna Filho
Capa
Rosto
Apresentação Maria Sílvia Betti
Personagens
Papa Highirte
Posfácio Maria Sílvia Betti
Anexos
Ficha técnica da apresentação
Sugestões de leitura
Notas
Sobre o autor
Sobre a organizadora
Créditos
Editora
Landmarks
Cover
Title Page
Table of Contents
Foreword
Afterword
Bibliography
Rear Notes
Copyright Page
Colophon
Apresentação
Maria Sílvia Betti
Papa Highirte, escrita em 1968, é um dos mais importantes trabalhos teatrais sobre as lutas da esquerda latino-americana contra o autoritarismo, a tortura e a repressão. A peça trata de três questões centrais: o declínio do populismo caudilhista, a militância das organizações de luta armada e as transformações econômicas determinadas pela política externa dos Estados Unidos para o continente.
O ano de 1968 foi um dos mais conturbados politicamente em todo o mundo. No contexto nacional deu-se a criação do Conselho Superior de Censura, a instauração da censura prévia e a promulgação do Ato Institucional número 5 (AI-5), que levava ao ápice a suspensão das liberdades civis. Sob o impacto do assassinato do líder revolucionário Che Guevara, em outubro de 1967, figuras históricas do Partido Comunista Brasileiro (PCB), como Carlos Marighella e Joaquim Câmara Ferreira, haviam manifestado publicamente suas dissidências, vinculando-se pouco depois à Aliança Libertadora Nacional (ALN), o que já apontava claramente para a emergência de organizações de vanguarda revolucionária.
No contexto latino-americano, os países enfrentavam sérias dificuldades econômicas. Os Estados Unidos, nação mundialmente hegemônica, priorizava nesse momento o Leste Asiático em sua política externa, mas o agravamento das condições econômicas no Cone Sul tinha passado a atrair a atenção de setores centrais de seu governo. Embora as características dos diversos regimes militares implantados na América Latina a partir da metade da década de 1960 fossem bastante diferentes entre si, elas evidenciavam um importante fator em comum: a ingerência da diplomacia dos Estados Unidos, cuja justificativa ideológica era a tensão internacional entre o comunismo e o assim chamado mundo livre
. Com base nessa perspectiva, as políticas estadunidenses para a América Latina difundiam a ideia de que era função dos exércitos, sob a orientação tática dos Estados Unidos, garantir a ordem social e econômica.
O longo período de vigência que essas ditaduras tiveram nos diferentes países do Cone Sul foi assegurado pelo uso de medidas de terror e pela união dos interesses da burocracia estatal e do grande empresariado aos das cúpulas das Forças Armadas sob orientação estadunidense. Dentro desse contexto, a crescente insurreição social das massas populares e a manifestação de tendências nacionalistas e antiestadunidenses tornaram-se alvos de dura repressão. A perseguição política, a anulação dos direitos democráticos, a tortura, o desaparecimento e o assassinato de opositores do regime tornaram-se constantes, e modelos de desenvolvimento baseados na concentração de renda e no achatamento salarial foram implantados, permitindo, assim, que o capital estrangeiro tivesse acesso à economia dos diferentes países, franqueado pelas elites militares no poder.
Papa Highirte não foi o primeiro trabalho de Vianna em que o foco se voltou para essa conjuntura política da América Latina: em Dura lex, sed lex, no cabelo só Gumex, escrita, encenada e publicada ainda em 1967, esse mesmo contexto latino-americano tinha sido esmiuçado em chave de revista musical e com expedientes narrativos de humor e de sátira política. Em sua comicidade irreverente, a peça tratava de forma contundente a matéria histórica abordada, colocando em pauta de maneira inequívoca as mazelas políticas e econômicas da militarização e da supressão das liberdades civis.
Pouco depois de sua criação, Papa Highirte foi inscrita no Concurso de Dramaturgia do Serviço Nacional de Teatro (SNT) em 1968, e classificou-se em primeiro lugar, sendo unanimemente considerada uma obra-prima da dramaturgia brasileira. Embora o valor do prêmio em dinheiro fosse simbólico, havia um inegável reconhecimento público do valor artístico dos trabalhos premiados nesse concurso, aos quais o SNT assegurava a publicação em livro. Tal como aconteceria seis anos mais tarde com Rasga coração, Papa Highirte, logo após a premiação, foi proibida pela censura, tendo sua publicação e circulação vetadas. O Concurso de Dramaturgia do SNT foi suspenso logo após a divulgação do veto à publicação da peça, e só seria reaberto em 1974, quando Rasga coração foi também classificada em primeiro lugar e teve sua publicação e encenação igualmente proibidas. O veto se estenderia até 1979, mesmo ano em que Papa Highirte foi liberada já no contexto da chamada abertura democrática.
Em 1976, uma montagem amadora, proibida, e portanto clandestina de Papa Highirte havia conseguido driblar a repressão onipresente e foi apresentada no campus da Universidade de São Paulo sob a direção de Tin Urbinatti, então aluno do departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e diretor do grupo teatral formado por seus estudantes.
A montagem profissional de estreia aconteceria em 1979, no Rio de Janeiro, sob a direção de Nelson Xavier, ex-companheiro de Vianna no Arena e no Centro Popular de Cultura (CPC), tendo Sergio Britto no papel-título.
No contexto da América Latina, na atualidade, sob a égide das chamadas guerras híbridas, a pertinência estética e política de Papa Highirte é indiscutível sob todos os ângulos de análise. A peça empreende, com impressionante precisão figurativa e lucidez de percepção, a síntese dos mecanismos pelos quais se exercia a hegemonia estadunidense, entre o final dos anos 1960 e o começo dos 1970, e as transformações que iam sendo impostas para a manutenção de seus interesses. Ao fazê-lo, a peça fornece elementos que nos permitem enxergar, em perspectiva histórica e em chave crítica, as formas pelas quais essa hegemonia se reconfiguraria e se manteria nas décadas seguintes. Poucos outros textos dramatúrgicos se debruçaram sobre questões dessa amplitude e complexidade com tão sensível e habilidoso manejo de seus recursos de criação. A leitura de Papa Highirte é, portanto, fundamental sob todos os pontos de vista.
Personagens
Juan Maria Guzamón Highirte (Papa Highirte)
Pablo Mariz (Diego)
Graziela
General Perez y Mejia
Hermano Arrabal (Manito)
Grissa
Morales